Manchetes Socioambientais
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O trabalho do ISA no monitoramento de "pressões e ameaças" parte do entendimento de que "pressão" é um processo de degradação ambiental (desmatamento, roubo de madeireira, garimpos, incêndios florestais etc) que ocorre no interior de uma área legalmente protegida, como Terra Indígena, Território Quilombola e Unidade de Conservação, como Parques e Florestas Nacionais, levando a perdas de ativos e serviços socioambientais. Ou seja, "pressão" é um processo que pode levar à desestabilização legal e ambiental de determinada área protegida. Já "ameaça", por sua vez, é a existência de risco iminente de ocorrer alguma degradação ambiental no interior de uma área protegida.
Tomadas cumulativamente, as pressões e ameaças podem gerar impactos socioambientais negativos de magnitude e alcance suficientes para desencadear o colapso no funcionamento dos ecossistemas e dos modos de vida das populações locais - e impactos negativos nas cidades. Os povos indígenas e populações tradicionais, como comunidades quilombolas e ribeirinhas, são diretamente atingidos pelas pressões e ameaças por terem seus territórios invadidos, suas florestas desmatadas e seus rios desviados e contaminados.
Aqui no ISA, o trabalho de monitoramento das pressões e ameaças é feito por pesquisadores especializados em antropologia, direito socioambiental, modelagem de uso da terra e avaliação de políticas públicas. A equipe diretamente responsável pelo monitoramento de áreas protegidas do ISA atua na conexão entre pesquisadores, formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão. As áreas de atuação desse time abrangem o desenvolvimento de pesquisas científicas e aplicações em sistemas de informação geográfica e ferramentas de monitoramento da situação jurídica, demográfica e projetos governamentais que impactam as áreas protegidas.
O monitoramento de áreas protegidas do ISA possui conhecimento acumulado no monitoramento de pressões e ameaças desde a década de 1980 como um dos primeiros programas da sociedade civil no Brasil a construir uma plataforma organizada de sistemas de informação socioambiental, antes mesmo que setores governamentais. Esse trabalho iniciou-se no antigo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), em 1983, com o monitoramento de Terras Indígenas no Brasil. Em 1992, ainda no Cedi, foi iniciado o monitoramento das Unidades de Conservação na Amazônia e outras áreas públicas. Seu Sistema de Informação de Áreas Protegidas (SisArp) é um sistema Web com 15 módulos de dados por temas específicos, incluindo o módulo de pressões e ameaças. O SisArp alimenta sites institucionais que disponibilizam dados, mapas, imagens, vídeos, notícias, publicações e análises temáticas. Alguns sites estão listados abaixo, confira!
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Versão especial da Enciclopédia PIB para a educação infantil; |
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o primeiro produto web de referência neste tema, lançado em junho de 2007 |
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painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
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painel de informações sobre o estado das florestas e alertas de pressões e ameaças que impactam as áreas protegidas. |
Em artigo para a Mídia Ninja, o sócio fundador do ISA, Márcio Santilli, comenta as implicações simbólicas e políticas da primeira perfuração em águas profundas do Atlântico Equatorial
Artigo publicado originalmente na Mídia Ninja, em 25/5/2023
A autorização, negada pelo Ibama, para a Petrobrás fazer a primeira perfuração em águas profundas do Atlântico Equatorial, suscitou reações inflamadas durante a semana. A empresa recorreu administrativamente da posição do órgão ambiental, sem acrescentar ao pedido de licença os estudos solicitados.
O que esquenta e acirra a divergência técnica entre a Petrobrás e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) é a questão amazônica. Testes já realizados por várias empresas nas proximidades da costa não deram bons resultados, mas a petroleira afirma que, em águas profundas a 150 km do litoral do Amapá, há condições geológicas favoráveis à ocorrência de maiores depósitos de petróleo. No entanto, a empresa desconsidera que essa região da foz do Amazonas dispõe de biodiversidade única, em formações de corais pouco estudadas, mas passíveis de serem afetadas por eventual exploração petrolífera em escala.
O que a Petrobrás considera é que o pedido de licença é para a perfuração de um único poço, a fim de testar a composição e a economicidade daquele depósito de óleo. E que detém a tecnologia de ponta para perfuração em águas profundas, desenvolvida na exploração do Pré-Sal. O Ibama aponta que o pedido de licença não dispõe de informações específicas sobre as correntes marítimas e a dinâmica sedimentar da região, de alta relevância ambiental, o que potencializa os riscos do teste.
Emoções Fortes
A reação mais “over” à posição do Ibama veio do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, que anunciou a sua desfiliação da Rede Sustentabilidade. Essa atitude politizou a discussão, envolvendo em petróleo as suas divergências com o partido e com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com quem disputou a indicação para o ministério. Por outro lado, Randolfe vê os royalties decorrentes da eventual exploração de petróleo como a redenção econômica do Amapá e acusa o Ibama de não ter consultado o povo do seu estado antes de decidir.
É indiscutível a legitimidade dos amapaenses nessa discussão, mas a eventual abertura de uma nova frente de exploração petrolífera no litoral da Amazônia teria implicações muito além do interesse regional e deveria ensejar um debate nacional, que extrapola o pedido de licença e a sua negativa. A reação do senador revela que essas implicações não foram discutidas devidamente, nem mesmo dentro do governo.
Mas o bafafá deu espaço à proliferação de comentários na mídia de que a negativa do Ibama poderia ser uma espécie de “Belo Monte do B”, atribuindo, equivocadamente, a saída da Marina Silva do governo, no segundo mandato de Lula, à decisão de construir a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
Transição Energética
O presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, afirmou que a abertura de uma nova frente de exploração é necessária para substituir a natural redução da produção do Pré-Sal no futuro. Ainda no período de transição de governo, no entanto, a empresa confirmava “uma impressionante subida na produção dos poços do petróleo, saindo em 2023 da ordem de 800 mil barris por dia e atingindo perto de 3 milhões de barris por dia lá por volta de 2029, 2030”. Qual seria, mesmo, a urgência dessa substituição?
Outra consideração inevitável é que o enfrentamento às mudanças climáticas globais exige a redução, o mais rápido possível, da queima de combustíveis fósseis e a sua substituição por fontes limpas. Nesse contexto, a abertura de uma nova frente de exploração de petróleo tem de considerar a longevidade efetiva do retorno esperado para esse investimento.
A transição energética impõe a discussão sobre o futuro da própria Petrobrás. Sugere a sua transição, de empresa petrolífera, em empresa energética, empenhando a sua capacidade de investimento para fomentar a produção de energias limpas e de tecnologias associadas. É evidente que os elevados investimentos demandados para a abertura de uma nova frente de produção petrolífera adiaria por muito tempo essa transição.
Cautela
Também não dá para ignorar que a junção desses elementos – petróleo e Amazônia – tem implicações simbólicas e políticas inevitáveis, dentro e fora do país, capazes de afetar a credibilidade da postura de responsabilidade climática com que o presidente Lula vem se colocando. A bateção de cabeças entre autoridades governamentais pega mal e pode atrapalhar bastante.
A Petrobrás deveria rever o tratamento da questão, que não se reduz a um mero encaminhamento técnico de um pedido de teste, mas envolve todas essas dimensões. A discussão dentro do governo tem que ser substantiva e não comporta decisões “no grito”. E a sociedade tem direito às informações estratégicas básicas para firmar juízos a respeito. A pressa da petroleira tem um “q” de suspeição.
* Márcio Santilli é filósofo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Autor do livro Subvertendo a gramática e outras crônicas socioambientais. Foi deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e presidente da Funai de 1995 a 1996.
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Com estreia na 12ª Mostra Ecofalante de Cinema, documentário da Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros apresenta impacto nos territórios indígenas por quem sente a violência na pele
Com estreia marcada para 4 de junho em São Paulo, na 12ª Mostra Ecofalante de Cinema, o documentário Escute, a Terra foi Rasgada, realizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e parceiros, propõe um mergulho na luta e no pensamento dos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku contra o garimpo ilegal em seus territórios.
Dirigido por Cassandra Mello e Fred Rahal, ele conta com gravações realizadas entre 2021 e 2022 e depoimentos de lideranças dos três povos, os mais impactados pelo avanço da exploração ilegal de ouro na Amazônia.
Têm presença confirmada na sessão de estreia as lideranças indígenas da Aliança em Defesa dos Territórios Davi Kopenawa Yanomami, Beka Munduruku e Maial Paiakan Kayapó.
Segundo o dossiê "Terra Rasgada: como avança o garimpo na Amazônia brasileira”, lançado pela Aliança em março, o garimpo nestas Terras Indígenas disparou 495% entre 2010 e 2020.
A invasão garimpeira nessas regiões provoca danos socioambientais devastadores, como o desmatamento, a poluição dos rios, a contaminação por mercúrio, a disseminação de doenças – dentre elas a malária –, além de ataques violentos de garimpeiros.
Além disso, sem ter como manter seus modos de vida, que se baseiam na caça, na pesca e na agricultura de coivara, os indígenas sofrem com a insegurança alimentar e a desnutrição infantil. No início do ano, imagens de indígenas Yanomami vítimas da crise humanitária no território rodaram o mundo e estimularam ações do governo federal para combater o garimpo na região.
O dossiê da Aliança ainda explica os mecanismos que promovem o avanço do garimpo ilegal, altamente mecanizado e capitalizado, e aponta as fragilidades institucionais da cadeia do ouro que favorecem a atividade, listando uma série de medidas para combatê-lo.
Saiba mais: Dossiê inédito explica avanço do garimpo na Amazônia
Em depoimento ao filme, lideranças históricas como Davi Kopenawa, Megaron Txucarramãe, Tuíre Kayapó Mẽbêngôkre, Alessandra Korap Munduruku e O-é Paiakan Kayapó contam sobre os impactos da exploração desenfreada da floresta, como a contaminação de rios e solos, o aumento da violência e criminalidade na região, além das ameaças ao modo de vida, à cultura e à espiritualidade de seus povos.
“Você, jornalista, escute isso. Você tem que divulgar para todo mundo. Você tem que divulgar o que eu falo. Minha fala tem que aparecer todo dia, todo mês no jornal. Você tem que mostrar minha fala para esses brancos que querem madeira, que querem garimpo, que ainda não me conhecem. Vocês vão divulgar minha fala para todo lugar, espalhar por aí, para as pessoas conhecerem, respeitarem a floresta, respeitarem a terra, e respeitarem nossos corpos", diz Tuíre Mẽbêngôkre, liderança histórica do povo Kayapó na luta contra os impactos ambientais da construção da então denominada Usina Hidrelétrica Kararaô.
A Aliança em Defesa dos Territórios surgiu após a publicação de uma carta-manifesto por nove organizações indígenas desses territórios durante o acampamento Luta Pela Vida, em agosto de 2021 (saiba mais abaixo). O documentário inclui registros de encontros da articulação, que se desenvolveu ao longo do ano seguinte nos territórios Munduruku e Kayapó, e da celebração de 30 anos da demarcação da Terra Indígena Yanomami, realizada em maio de 2022.
“Se a terra-floresta estiver seca, se estiver moqueada, se estiver queimada, nós não existimos. Se a floresta estiver padecendo, eu também sofro. Se a floresta apodrece, eu também fico com feridas, com cicatrizes. Se a floresta queimar, minha pele fica também enrugada”, explica o xamã Yanomami, Davi Kopenawa.
A produção traz elementos da cultura e do cotidiano dos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku, revelando sua força, suas belezas e potências, e evidencia os impactos que o garimpo ilegal imprime nos três territórios.
“No meio de nós não deve prevalecer qualquer tipo de individualismo. Devemos lembrar que temos o mesmo sangue, o mesmo rio, a mesma floresta. E esta é nossa região munduruku a qual defendemos. É isso que queria enfatizar, a fim de contar a todos. É assim que tem que ser, tanto no Baixo Tapajós, no Médio e no Alto Tapajós. Todo mundo tem que falar em uma só voz e uma só decisão coletiva. Isso será a nossa força”, afirma o cacique Juarez Saw Munduruku, na Terra Indígena Sawré Muybu.
Os diretores Cassandra Mello e Fred Rahal lembram que, desde a primeira reunião, as lideranças estabeleceram o que deveria fazer parte da narrativa, e destacam a importância da narração, feita de forma pessoal e predominantemente em línguas maternas, para que o filme exerça um papel político importante na sensibilização e mobilização pela defesa dos direitos dos povos e territórios indígenas.
Sobre a Aliança em Defesa dos Territórios
Em agosto de 2021, durante o acampamento Luta Pela Vida, em Brasília, lideranças das Terras Indígenas mais afetadas pelo avanço do garimpo ilegal se juntaram para escrever um documento que expressasse publicamente o seu repúdio à atividade garimpeira — considerada “uma doença que os brancos estão trazendo para dentro dos nossos territórios”.
A carta-manifesto foi assinada por nove organizações indígenas: Hutukara Associação Yanomami, Instituto Raoni, Instituto Kabu, Associação Bebô Xikrin do Bacajá, Associação Floresta Protegida, Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, Associação Indígena Pariri do Médio Tapajós, Hwenama Associação dos Povos Yanomami de Roraima e Associação Wanasseduume Ye’kwana.
Desse encontro, nasceu a proposta de constituir uma aliança entre os Kayapó, Yanomami e Munduruku, para fortalecer as lutas que cada um desses povos promove em defesa de suas terras. A articulação se desenvolveu ao longo de 2022, em ações promovidas conjuntamente por lideranças desses povos nos territórios, em grandes mobilizações nas capitais e, ainda, internacionalmente. A publicação do dossiê e o documentário Escute: a terra foi rasgada fazem parte dos esforços promovidos pela iniciativa.
Serviço
Itaú Augusta | R. Augusta, 1475 - Consolação, São Paulo - SP
04/06 - Domingo, 17h - Sala 3 - Seguido de debate com lideranças
09/06 - Sexta, 20h - Sala 3
14/06 – Quarta, 19h - Sala 4
Casa de Cultura Municipal M'boi Mirim
Casa M'boi Mirim | Av. Inácio Dias da Silva - Piraporinha, São Paulo - SP
06/06 – Terça – 17h
Circuito SPCINE
Olido | Av. São João, 473 - Centro Histórico, São Paulo - SP
07/06 – Quarta, 14h
Biblioteca Roberto Santos | Rua Cisplatina, 505 - Ipiranga, São Paulo - SP
08/06 – Quinta, 17h
CEU’s
08/06 – Quinta, 17h
Confira a programação completa no site da Mostra Ecofalante.
Ficha Técnica
Título: Escute: a terra foi rasgada
Direção: Cassandra Mello e Fred Rahal
Produção: Teia Documenta e Aliança em Defesa dos Territórios
Ano: 2023
Duração: 1h 28 m
Apoio
Conselho Político da Aliança em Defesa dos Territórios: Dário Kopenawa Yanomami, Alessandra Korap Munduruku, Maial Paiakan Kayapó, Júlio Ye’kwana, Ademir Kaba Munduruku, Doto Takak-Ire Kayapó
Associações: Hutukara Associação Yanomami, Associação Indígena Da’uk, Instituto Kabu, Associação das Mulheres Yanomami Kumirãyõma, Associação Indígena Pariri, Associação Floresta Protegida, Associação Wanasseduume Ye’kwana, Instituto Raoni
Instituições Parceiras: Instituto Socioambiental, Greenpeace Brasil
Apoio: Environmental Defense Fund (EDF)
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Lideranças da Rede Xingu+ apresentam panorama de destruição dos últimos quatro anos e exigem ações efetivas para preservar barreira de proteção do bioma
Se o novo governo quiser cumprir as promessas de campanha e demonstrar efetividade no combate à destruição ambiental, a Bacia do Xingu terá de ser um alvo prioritário. O imenso maciço florestal na Amazônia Oriental, composto pelo Corredor de Sociobiodiversidade do Xingu, é uma das principais barreiras para o avanço da destruição no bioma e está sob forte ameaça.
Nos últimos quatro anos, no governo de Jair Bolsonaro, a destruição avançou a uma velocidade de 200 árvores derrubadas por minuto, totalizando 730 mil hectares de floresta no chão – uma área equivalente à região metropolitana de São Paulo. Os dados são do Sirad-X, sistema de monitoramento da Rede Xingu+.
Grilagem, incêndios florestais, uso indiscriminado de agrotóxicos, roubo de madeira, obras de infraestrutura, mineração e garimpo compõem um cenário desolador de pressões sobre essa região. O Xingu é hoje uma das principais barreiras para o desmatamento da Amazônia e cumpre funções ecológicas fundamentais para o Brasil e para o mundo.
Para fazer um alerta sobre a gravidade da situação, a Rede Xingu+, articulação que reúne 32 organizações indígenas, ribeirinhas e indigenistas da região, lançou um mapa-ativista, intitulado “Xingu Sob Pressão”. Ele traça um panorama dessas ameaças. Paralelamente, a Rede também produziu um documento detalhando casos emblemáticos de todos esses tipos de pressão.
O mapa e o documento foram apresentados aos principais órgãos federais. Uma comitiva de lideranças de diferentes regiões do Pará e Mato Grosso, como Mydjere Mekrãgnotire, Ianukula Kaiabi, Doto Takak-Ire, Ewésh Yawalapiti Waurá e Giliarde Juruna, se reuniu com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o novo Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
Uma boa notícia já veio dessas reuniões. No Ibama, os membros da Rede Xingu+ obtiveram do presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, o compromisso com a manutenção da vida na Volta Grande do Xingu.
Hoje, a região vive uma disputa pela água que é liberada pela usina hidrelétrica de Belo Monte. “A garantia que eu posso dar é que com esse Hidrograma de Consenso esquece a licença. A prioridade nossa é a vida no Xingu”, afirmou.
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O Hidrograma de Consenso é uma proposta de vazão de água para a região que tem impedido a reprodução dos peixes e a manutenção da vida no Xingu. No momento, o Ibama discute a licença de operação da usina, que está vencida desde o fim de 2021.
Agostinho reafirmou que a proposta apresentada por pesquisadores da academia, indígenas e ribeirinhos, o Hidrograma das Piracemas, está sob análise e que qualquer proposta que seja aprovada deve garantir a vida na região.
Desmatamento em explosão
Os dados mostram que, em 2022, o desmatamento na Bacia do Xingu foi 12% maior em comparação a 2018, ano anterior ao início do mandato de Bolsonaro. Nas Áreas Protegidas, o cenário é catastrófico: ao longo dos quatro anos, elas concentraram cerca de 37% do total desmatado na bacia.
Das seis Terras Indígenas mais desmatadas na Amazônia Legal em 2022, cinco estão no Xingu: Apyterewa, Cachoeira Seca, Ituna Itatá, Trincheira-Bacajá e Kayapó. Juntas, elas alcançaram mais da metade (60%) do desmatamento de todas as Terras Indígenas da Amazônia legal.
Já o aumento do desmatamento para garimpo entre 2018 e 2022 foi de 21%. Essa expansão ocorreu principalmente na TI Kayapó — o território mais impactado por garimpo na Amazônia.
A situação é grave e a retirada dos invasores é urgente. Para se ter uma ideia, de 2021 para 2022, por exemplo, o desmatamento na TI Ituna Itatá aumentou 303%, segundo dados do Prodes. Entre setembro e dezembro de 2020, mais de 1,7 mil hectares de florestas foram retirados da TI Cachoeira Seca.
O documento destaca os casos emblemáticos da TI Apyterewa e da TI Trincheira-Bacajá, que sofrem com uma mesma frente de invasão grileira e têm ocupado, nos últimos anos, o topo do ranking das TIs mais desmatadas do país.
Uma soma de fatores levou ao atual cenário de destruição da bacia. A região do Xingu-Tapajós, no sudeste do Pará, se tornou prioridade de investimentos em logística para o escoamento da produção agrícola de Mato Grosso, sem previsão de ações integradas para lidar com passivos nem futuros impactos socioambientais.
Esse processo começou há 20 anos com a pavimentação da BR-163 entre Mato Grosso e Santarém (PA) seguiu com a inauguração da rota logística pelo Baixo Tapajós, em 2014, e atualmente prevê uma estrada de ferro Ferrogrão (EF-170) e a pavimentação de rodovias secundárias, como a rodovia estadual MT-322, que vai interligar as zonas de produção de soja à Ferrogrão, na estação de Matupá (MT), consolidando o Corredor Logístico Xingu-Tapajós.
Além disso, no início da década passada, o governo federal iniciou a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte na cidade de Altamira (PA). As obras impulsionaram o preço da terra, e estimularam um processo de invasão de terras públicas e Áreas Protegidas. O “Dia do Fogo", que ocorreu em agosto de 2019 e se concentrou nos municípios na área de influência da BR-163, exemplifica o elevado nível de conflito que ainda persiste nas zonas de influência dessas obras.
Finalmente, o discurso pró-destruição e o estímulo à invasão de terras, ao desmatamento e ao garimpo de Jair Bolsonaro foram a tempestade perfeita para impulsionar a devastação. Agora, para reverter esse cenário, o novo governo precisará de uma ação articulada entre Funai, Ibama e Polícia Federal para combater quadrilhas e retirar invasores.
Um caso emblemático desse cenário é a Terra Indígena Trincheira-Bacajá, território dos Mebêngôkre Kayapó Kararaô e Mebêngôkre Xikrin. As invasões começaram em 2016 e 2017, já num cenário de influência da UHE Belo Monte, mas se intensificaram em 2019, quando a destruição atingiu a marca de quatro mil hectares derrubados – um aumento de 95% em relação ao ano anterior.
Investigações da PF mostram que um grupo de grileiros com terras nas imediações controla as invasões na Terra Indígena. A estratégia consiste em ocupar espaços com gado e em vender glebas a posseiros - muitas vezes, famílias pobres, que são atraídas por ofertas de lotes com valores de R$ 5.000.
Outro exemplo é a Terra Indígena Apyterewa, do povo Parakanã. Em 2021, ela foi a campeã de desmatamento entre Terras Indígenas da Amazônia e registrou, segundo o sistema de detecção da Rede Xingu +, mais de 8,1 mil hectares de desmatamento.
O território também é alvo de especulação fundiária, que piorou quando o Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu um pedido da prefeitura de São Félix do Xingu (PA) que abria a possibilidade para a redução da área. Tal possibilidade já foi derrubada pelo próprio STF, mas as consequências nefastas para a floresta dos Parakanã ainda é visível.
“A situação da nossa terra é cada vez pior, com mais desmatamento. Foram quatro anos sem ação nenhuma. Esse ano, temos esperança que aconteça alguma coisa”, afirmou Venatoa Parakanã, presidente da associação Tato'a, do povo Parakanã, que vive na Terra Indígena Apyterewa.
Bebere Xikrin, liderança do povo Xikrin, da Trincheira-Bacajá, relatou que seu território convive com ao menos duas frentes de invasão, ao sul e ao norte. Uma estrada vindo da Apyterewa já rompe a floresta Xikrin, facilitando a entrada de grileiros. “Quanto mais demora, mais difícil de tirar. Nós temos o nosso planejamento, mas os invasores também tem o planejamento deles. Nosso medo é que eles construam uma vila como na Apyterewa, que tem a Vila Renascer”, afirma.
Para Bebere, os próximos quatro anos são estratégicos para retirar os invasores de seu território. “Tão matando nosso povo para tomar o que a gente tem. Isso acontece há 500 anos, mas hoje a estratégia mudou. E hoje temos Funai, Ibama, MPI”, diz ele.
Roubo de madeira
Ao menos três territórios estão sofrendo com o roubo desenfreado de madeira dentro de seus limites. O documento detalha dois casos. No Mato Grosso, o Território Indígena do Xingu (TIX), que por anos se constituiu como um oásis protegido dentro da Amazônia, agora é alvo da ação de quadrilhas de madeireiros, que estão explorando ilegalmente a floresta do território em seu limite oeste.
Ao menos 27 km de ramais ilegais madeireiros foram abertos. A atuação dessas quadrilhas também tem inibido a presença do Estado, impedindo a entrada de brigadas de combate a incêndios florestais e equipes de saúde.
Na região do Rio Ronuro, entre os meses de julho e setembro de 2022, um incêndio consumiu a floresta durante três meses, destruindo 2.762 hectares. As brigadas de combate ao fogo do Prevfogo foram impedidas pelos madeireiros de acessar o local dos incêndios.
Além disso, equipes de saúde que visitam as aldeias viram muitas vezes alvo de ameaças e intimidações, o que prejudica significativamente o acesso dos indígenas aos cuidados de saúde necessários.
Na Resex Riozinho do Anfrísio, Unidade de Conservação no Pará, mais de 407 km de estradas foram abertas ilegalmente. A extração ilegal madeireira na UC, espalhada por todo o seu território, vem degradando e emprobrecendo a floresta, a deixando mais vulnerável a outras atividades como o desmatamento e a grilagem de terras.
No processo de exploração, os criminosos se utilizam de serrarias móveis para fazer pranchas de madeira, facilitar seu escoamento e dificultar a localização pelas operações de fiscalização. Relatos de campo apontam que os grupos madeireiros estão diversificando as espécies de madeira extraída, que antes eram predominantemente Ipê. Há relatos também de coação e intimidação dos beiradeiros além da invasão e derrubada dos seus castanhais.
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Pesquisadores indígenas, ribeirinhos e da academia apresentaram à Procuradoria-Geral da República dados alarmantes que mostram: o Rio Xingu está morrendo
Atualizada dia 27/03/2022 às 14h26
O pulso do Rio Xingu é o que garante a vida do próprio rio e de todos os seres que o habitam. Os povos indígenas e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu – trecho do rio logo após o barramento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte – sempre souberam disso.
Ao longo dos últimos anos, eles juntaram as informações em um aprofundado e minucioso monitoramento da região para embasar suas afirmações: a usina de Belo Monte alterou drasticamente o fluxo da água do Rio Xingu e, por isso, ele está morrendo.
Há uma saída. E ela passa por garantir novamente o pulso de inundação, ou seja, que a água do rio aumente em uma determinada velocidade e quantidade em um período do ano, e depois reduza alguns meses depois, no período certo.
No Xingu, a água precisa começar a subir em novembro, que é o início do ano para as culturas ribeirinhas locais. Isso porque é o mês de chegada da água nova que deve permanecer nas áreas de floresta alagada. Essa água precisa ir aumentando dia após dia até atingir o pico da cheia, em abril.
Esse é período necessário para a reprodução dos peixes, as piracemas. A partir de maio, a água começa a recuar dia após dia, marcando o período da vazante e atingindo o pico máximo de seca em setembro. Essa é a época de reprodução das tracajás, espécie de quelônio, abundantes na região antes do barramento do Rio Xingu por Belo Monte. Um ciclo que se repete há milhares de anos
Trata-se de um ciclo comum das paisagens amazônicas. A alternância cíclica entre a cheia, que ocorre no período de chuvas, e a várzea, que ocorre no período seco, garante a alta complexidade da floresta e da biodiversidade local.
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“Belo Monte não é um fato consumado. Belo Monte é uma destruição que está em curso em um ambiente altamente complexo como o Rio Xingu e essa destruição deve ser reavaliada e mitigada, e não tomada como algo que já aconteceu”, afirma a pesquisadora Camila Ribas, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ribas é uma das peritas indicadas pelo Ministério Público Federal (MPF) para avaliar os impactos da usina.
Ribas e outros peritos do MPF apresentaram algumas de suas conclusões na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, no dia 14 de março. O evento também contou com as falas dos povos Juruna, Arara e de ribeirinhos da Volta Grande, impactados pela redução de vazão do rio.
Ao longo do dia, os pesquisadores indígenas, ribeirinhos e os peritos do MPF apresentaram os dados do monitoramento de impactos e uma proposta detalhada de vazão de água para o rio que retoma, ao menos em parte, o pulso de inundação do Xingu e garante a reprodução de algumas espécies de peixes.
Rodrigo Agostinho, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Joênia Wapichana, presidenta da Fundação nacional dos Povos Indígenas (Funai), Juma Xipaya, representante do Ministério dos Povos Indígenas, além de membros da Casa Civil, Agência Nacional de Águas, Advocacia-Geral da União (AGU) e Secretaria do Meio Ambiente do Pará estavam presentes e ouviram o que essas pessoas tinham para falar.
Está nas mãos do Ibama a renovação da licença de operação da usina e a definição de qual quantidade de água passará por suas turbinas e qual quantidade será liberada para o Rio Xingu. Além disso, Joenia Wapichana adiantou que a Funai vai organizar um plano para a consulta livre, prévia e informada dos povos impactados por Belo Monte antes da renovação desta licença, e que essa consulta começará pelos povos da Volta Grande do Xingu.
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A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que começou a operar em 2015, é uma usina fio d'água. Ou seja, a água do Xingu segue seu fluxo até a sede do município de Altamira, no Pará. Próximo dali, seu curso é desviado para o reservatório, onde a água passa pelas turbinas e a energia efetivamente será gerada. Abaixo desse ponto, é o trecho de vazão reduzida. Quem controla a água que flui rio abaixo são as comportas da hidrelétrica e, portanto, a empresa concessionária de Belo Monte, a Norte Energia.
Monitoramento indígena e ribeirinho
O Monitoramento Ambiental Territorial Independente (Mati) acontece desde 2013, quando ficou claro que a Norte Energia era parte interessada nos resultados do monitoramento que fazia. Por isso, indígenas e ribeirinhos decidiram coletar seus próprios dados para comprovar os impactos ambientais.
Ao longo desses anos, os pesquisadores do Mati assistiram à redução drástica da quantidade de peixes, Sara Rodrigues, pesquisadora e ribeirinha da comunidade da Baleia, mostrou as fotos de corvinas e pescadas deformadas devido à falta de alimentação.
Mais recentemente, em um episódio trágico, os pesquisadores encontraram um cemitério de ovas de curimatã. Um grande berçário de vida em potencial estava apodrecendo devido ao fluxo irregular e insuficiente das águas.
“Estamos numa guerra. Nós, povos tradicionais e indígenas. É uma luta pela água. E se é uma luta pela água, é uma luta pela vida”, diz Sara Rodrigues. “Hoje está muito difícil viver na Volta Grande. Pela falta de peixe, pela dificuldade de deslocamento. O rio tá acabando. Estão desviando 80% da água do rio. Para nós, que dependemos do rio, tá sendo muito difícil”, denunciou a pesquisadora.
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Esse trecho do rio, na Volta Grande do Xingu, possui muitas ilhas. Historicamente, elas compõem os trechos de ocupação Juruna. Até hoje, são considerados lugares sagrados para esse povo.
Antes do barramento, no fluxo natural do rio, as ilhas começavam a ser alagadas a partir de novembro, quando a água do rio começa a subir e quando o ano inicia para os moradores da região. A partir dessa época, as árvores começam a frutificar e despejar alimento no rio, consumido pelos peixes.
Frutos como a golosa e o sarão, típicos dessa região, caem na água e peixes como pacu e as tracajás se alimentam deles.
As ilhas também são essenciais para a reprodução dos peixes, pois é onde acontecem as piracemas: as águas formam bolsões escondidos dentro das ilhas que oferecem a calmaria necessária para que os peixes depositem suas ovas e depois os alevinos (peixes filhotes) se desenvolvam o suficiente até conseguirem deixar as piracemas e seguir o fluxo das águas junto com a sua descida até chegar no curso principal do rio.
A usina alterou não só a quantidade do fluxo de água, mas o período de início da cheia e, consequentemente, a permanência da água. Isso está inviabilizando as piracemas e, portanto, a reprodução dos peixes. Além disso, há um ritmo de alterações abruptas e diárias das quantidades de água.
Atualmente, nesse pulso artificial e mortífero, a água começa a subir apenas entre os meses de fevereiro e março, quando não há mais reprodução de peixes. Além disso, a usina opera com alterações abruptas:registros do monitoramento mostram que, no dia 20/01/2022, a usina liberou 11.825 metros cúbicos por segundo. No dia 13/02/2022, menos de um mês depois, a usina liberou quase a metade da quantidade: 6812 m³/s.
"A água tá uma desordem. Uma hora ela tá seca, outra hora ela enche de metro, outra ela seca de metro. É um efeito sanfona que para nós tá difícil, imagine para quem vive na água. Os peixes ficam desorientados”, diz Sara Rodrigues.
Nas palavras de seu Raimundo, ribeirinho da Volta Grande, pesquisador do Mati e escritor, o peixe está "analfabeto de rio".
“A Norte Energia manda a água quando ela quer, e não é suficiente para a vida”, afirma Adauto Arara, cacique da Terra Indígena Arara da Volta Grande. “Antigamente, o peixe se alimentava do camu-camu (sarão), que tem muita Vitamina-C, e a gente se alimentava do peixe, e acabava absorvendo essa vitamina. Hoje isso não acontece mais”, explica.
“A gente não tá aqui por indenização, a gente tá aqui por água, porque a gente precisa de vida naquela região”, afirma Gilliard Juruna, cacique da aldeia Muratu da Terra Indígena Paquiçamba.
Escute episódio do Xingu no podcast Casa Floresta:
Cemitério de ovas
No dia 8 de fevereiro, Josiel Juruna e outros pesquisadores encontraram milhares de ovas de curimatã apodrecendo na piracema do Odilo. O episódio foi narrado por Josiel durante o seminário. Ele monitora essa piracema quase diariamente. Todos os dias, ele vai até a piracema e fotografa as réguas que medem o nível de água naquele ponto. Depois, esse dado é relacionado com o dado de vazão de água colocado pela Norte Energia no site do empreendimento.
No dia anterior, fortes chuvas caíram na Volta Grande. Por conta disso, a água do que seria a piracema estava subindo rápido. Com isso, Josiel notou que as curimatãs estavam entrando nesse local.
Uma expectativa apreensiva, preocupada, tomou conta do grupo, que retornou para a aldeia Muratu. No dia 8, a chuva havia cessado. E o pior se confirmou: a água do Xingu, em níveis muito abaixo das médias históricas, não tinha “segurado” a água na piracema, que havia refluído para o rio e esvaziado a área onde as ovas haviam sido depositadas pelos peixes.
No que antes era um berçário, o grupo encontrou o cemitério de ovas. “Foi uma catástrofe para a gente. Foi muito triste se deparar com esse momento”, disse Josiel. “Meu irmão Gilliard, que está presente aqui também estava lá, e ele como mais velho, falou que nunca tinha visto acontecer, nem meu pai nunca nem tinha visto isso acontecer”, disse.
Jansen Zuanon, ictiólogo do Inpa, também falou sobre esse episódio durante o seminário. “Os peixes precisam de sinais ambientais. Ninguém vai no ouvido do peixe dizer que ele precisa desovar. O que informa os peixes é a subida consistente do rio. Existe um sincronismo muito grande para isso”, explica.
“Então, os peixes interpretaram um sinal ‘mais ou menos’ e desovaram, mas as condições não se mantiveram e as ovas morreram. É um ato de desespero”, definiu o professor.
Hidrograma Piracema
A proposta de mitigação apresentada pelos pesquisadores aponta para quantidades de água e períodos em que elas devem ser liberadas para garantir a reprodução dos peixes. O “hidrograma das piracemas” também estabelece que as alterações do fluxo do rio devem ser graduais, tanto na enchente quanto na vazante, tentando aproximar o pulso artificial do pulso natural do rio.
Nos hidrogramas A e B, propostos pela Norte Energia, as variações são abruptas e sem qualquer conexão com os tempos da natureza.
Nessa proposta, advinda de pesquisa colaborativa, o fluxo de água começa a aumentar sutilmente a partir de outubro, tendo um aumento mais substancial em novembro e uma elevação gradual até abril, quando começa a baixar. Isso permite a inundação de várias piracemas no período de reprodução de algumas espécies.
O período da enchente, quando a água precisa subir, precisa ocorrer de forma gradual para garantir o desenvolvimento dos filhotes de peixes dentro dos igapós e lagos. O peixe recém-nascido precisa de cerca de três meses para se desenvolver em águas calmas, e precisa, da mesma forma, do fluxo da água baixando para conseguir aproveitar a correnteza gerada por essa mudança e se deslocar novamente da piracema para o leito do rio.
Além disso, o nível de alagamento de pelo menos parte do igapós deve ser atingido durante o período de frutificação de suas árvores. Dessa forma, os frutos caem nas águas alagadas e servem de alimento para as espécies aquáticas.
Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, afirmou no fim do seminário que a questão é prioritária e será analisada “com carinho”. E foi questionado pela pesquisadora ribeirinha Sara Rodrigues: “até vocês fazerem essas análises, a gente vai comer o quê? Porque peixe, não temos mais”.
Saiba mais sobre o impacto dos diferentes hidrogramas na Volta Grande do Xingu:
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Presidente atendeu ao convite para a 52ª assembleia geral dos povos indígenas de Roraima, realizada na Terra Indígena Raposa Serra do Sol
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou o compromisso com a retirada de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami durante discurso na 52ª assembleia geral dos povos indígenas de Roraima. O evento, organizado pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), ocorreu no Lago Caracaranã, no município de Normandia, entre os dias 11 e 14 de março. O tema deste ano foi “Proteção Territorial, Meio Ambiente e Sustentabilidade”
“Vamos começar a visitar todas as aldeias para que possamos dar cidadania, defesa e respeito aos milhares de indígenas que moram lá [na Terra Indígena Yanomami] e foram massacrados pelos garimpeiros. Nós vamos tirar definitivamente os garimpeiros”, afirmou Lula.
Lula foi acompanhado pelo coordenador do CIR, Edinho Batista, o xamã yanomami Davi Kopenawa, a primeira-dama, Janja da Silva, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.
Também integravam a comitiva presidencial o ministro da Defesa, José Múcio, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, e o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macedo.
De acordo com o CIR, Lula também pediu a participação do governador Antonio Denarium (PP), para ter a presença de um representante do estado. No entanto, os indígenas negaram a entrada de Denarium no território e justificaram que ele tinha um histórico de atuação pró-garimpo e exclusão dos indígenas das discussões políticas do estado.
Senadores, deputados estaduais e federais também foram barrados pelo CIR pelo mesmo motivo que o governador. A solução encontrada pela presidência e o Conselho foi a participação dos prefeitos de Normandia, Dr. Raposo (SD), e de Boa Vista, Arthur Henrique (MDB). O coordenador do CIR fez questão de pontuar que o emedebista estava no evento por um pedido do presidente, mas que não era a vontade do CIR.
Na feira, os indígenas apresentaram a Lula suas produções: artesanatos, bananas, cana, farinha, coco, mandioca, beiju e outros diversos alimentos. Em discurso, Lula afirmou estar impressionado com a capacidade de produção mesmo sem incentivo do governo estadual. Então, disse que levaria a proposta de financiamento da produção indígena aos ministérios do governo federal.
Antes de discursar para os indígenas, Lula ouviu as lideranças presentes, a ministra dos Povos Indígenas e a presidenta da Funai. Os indígenas também receberam as autoridades com um forró autoral de boas-vindas quando todos estavam reunidos no palco da plenária.
“Presidente Lula seja bem-vindo/ ministra Sonia seja bem-vinda / presidenta da Funai seja bem-vinda à nossa região / sejam bem-vindos à terra de Macunaíma / com muita alegria recebemos vocês”, cantava uma voz feminina.
Fora, garimpo
Davi Kopenawa falou após o coordenador do CIR e iniciou o discurso em língua Yanomami. Kopenawa cobrou a retirada de todos os garimpeiros da Terra Indígena Yanomami e pediu que as ações de saúde e distribuição de cestas básicas do governo federal cheguem a mais regiões do território. Segundo Davi, há apenas duas regiões atendidas desde que a situação de emergência foi decretada em janeiro deste ano.
“É isso que nós povos indígenas do Brasil precisamos. Isso é o que o Brasil precisa, não só nós povos indígenas. Presidente Lula, você cumpriu a sua palavra de retornar a Raposa Serra do Sol e precisamos lutar para tirar os garimpeiros da Terra Yanomami. Os garimpeiros agora estão se escondendo e quero que o senhor retire esses garimpeiros. Temos o apoio de todos os povos indígenas de Roraima”, pontuou.
Em discurso de pouco mais de 20 minutos, Lula reconheceu que há necessidade de avançar nas ações de extrusão e saúde na TIY. Ele pediu para que os indígenas sigam cobrando o governo federal e demonstrou surpresa sobre a falta de apoio financeiro do governo estadual para a produção indígena. Lula pediu a Sonia Guajajara e a Joenia Wapichana para que entreguem com urgência uma lista de Terras Indígenas que precisam ser demarcadas e homologadas.
“Nós estamos há pouco tempo no governo, menos de três meses. Pegamos um país desmontado pelo governo anterior. Era um país que não respeitava indígena, agricultura familiar, sindicalista, mulher, negro, artistas e era um país que o respeito havia desparecido de dentro do Palácio do Planalto. Eu vou reunir a Sonia com outros ministros para que possamos colocar vocês dentro de um programa de financiamento da produção agrícola”, disse.
Antes de Lula se despedir dos indígenas, lideranças entregaram uma panela de barro, uma carta com uma série de reivindicações e um feixe de varas que é o símbolo histórico do CIR sobre a união indígena. “Esse momento marcará a nossa geração, a nossa história de mais de 50 anos e os nossos passos”, afirmou o coordenador do CIR, Edinho Batista.
Quando a fala de Joenia Wapichana foi anunciada, foi entoado um coro de “força, Joenia, estamos com você”. Ela começou o seu discurso com um cumprimento em sua língua Wapichana e agradeceu por estar à frente da Funai.
“Agradeço a oportunidade de estar à frente de um órgão de extrema importância para os povos indígenas, um órgão que já teve a missão de acabar com os povos indígenas na época da ditadura, na época em que mais precisava proteger os direitos humanos. A nossa Constituição mudou o papel da Funai para fazer valer o direito de demarcação das terras, a fiscalização como ocorreu na Raposa Serra do Sol.
Eu acompanhei essa situação quando ainda atuava como advogada destas comunidades que estão presentes, isso representou um avanço dos nossos direitos institucionais, a forma correta de demarcar terras indígenas e hoje agradeço por estar a frente da Funai, não como Fundação Nacional do Índio, mas sim como Fundação Nacional dos Povos Indígenas”, declarou.
Demarcação e homologação da Raposa Serra do Sol
Lula retornou à Terra Indígena Raposa Serra do Sol após 13 anos. Ele foi o responsável por homologar o território, em seu primeiro mandato, e retirar fazendeiros que ocupavam a região vivendo em conflito com os indígenas.
A região foi demarcada em 1998 pelo então ministro da Justiça, Renan Calheiros. Ele assinou o documento declarando a terra como posse permanente dos povos indígenas. A medida se tornou uma longa batalha judicial com o governo de Roraima e o Supremo Tribunal Federal (STF), que só chegou a uma decisão em 2009, cinco anos após Lula assinar a homologação.
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Chuvas no litoral paulista demonstram necessidade de priorizar o que é essencial para evitar catástrofes climáticas. Artigo publicado originalmente no site Mídia Ninja
Artigo publicado originalmente no site Mídia Ninja
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) transferiu, simbolicamente, a sede da administração paulista para São Sebastião, município mais afetado pela chuva torrencial que devastou o litoral norte durante o carnaval. Ele reagiu de imediato, mobilizou socorro, pediu ajuda ao governo federal e sobrevoou a região afetada na companhia do presidente Lula, que interrompeu o seu descanso na Bahia para se fazer presente e enfrentar a tragédia. Tarcísio agradeceu a presença e o apoio do chefe da gestão federal.
Porém, a Defesa Civil do estado havia sido alertada já na quinta-feira anterior sobre a aproximação de chuvas anormais. Não havia como evitar a tempestade, mas a população da região deveria ter sido alertada sobre a iminência do evento extremo, em especial os moradores de áreas de risco, assim como os turistas.
Pode ser que o governador não tenha sido informado. Pode ser que sim, mas não tenha dado fé ou a importância devida. Com quase 700 milímetros de chuva em 72 horas, a tempestade foi das maiores já registradas, o que Tarcísio não poderia ter previsto. Mas o risco climático anunciado e a vulnerabilidade típica da região, com a Serra do Mar muito próxima do oceano, exigem ações preventivas, que não ocorreram.
Ceticismo
Tarcísio foi ministro da Infraestrutura do ex-presidente Bolsonaro, um notório cético climático que eliminou o tema na estrutura e nas políticas de governo. Isolou o país do resto do mundo, agravou o desmatamento e outras fontes de emissão de gases do efeito estufa. No seu mandato, nada fez pela adaptação do país à crise climática.
O que agora se pergunta é se o governador também é um cético climático. Além da relação com Bolsonaro, ao assumir ele extinguiu a Secretaria de Meio Ambiente, mostrando aversão ao assunto. O estado tem graves problemas ambientais, que tendem a se agravar durante o mandato atual. O desastre no litoral norte deveria ser suficiente para abrir a mente do mandatário, mas não há indícios nesse sentido.
Tarcísio militarizou a Defesa Civil e não dispõe de instrumentos para promover a gestão sustentável do território e dos recursos naturais, e é baixa a sua capacidade de se antecipar a situações desse gênero. Pelo jeito, nem dispõe de quem se preocupe com isso. Assim, está condenado a apenas correr atrás do prejuízo.
Canalhice política
Enquanto parlamentares fisiológicos locupletavam-se com o orçamento secreto e Bolsonaro gastava bilhões com a tentativa de reeleição, o orçamento aprovado para 2023, entre várias outras barbaridades, reserva o menor valor já registrado para enfrentar catástrofes e emergências. É uma evidência do oportunismo criminoso que ainda se impõe no Congresso.
Nos estados e municípios, a situação é ainda pior. Apenas sete capitais brasileiras dispõem de planos de adaptação à mudança climática. Assim como em nível federal, no entanto, esses planos têm execução quase nula. Cidades com alto grau de vulnerabilidade, como é o caso de São Sebastião, sequer têm planos formulados. O atual prefeito, Felipe Augusto (PSDB), tem se desdobrado para enfrentar a crise. É emblemática a cooperação entre o município, o estado e a União nesse esforço, após a hostilidade política e a total desarticulação administrativa do governo Bolsonaro.
A extensão dos danos e o número de vítimas em ocorrências climáticas extremas estão associados à expansão urbana descontrolada e em zonas de risco, ignorando os efeitos do aquecimento global, que incluem volumes inéditos de precipitações em curtos períodos de tempo. Também abundam os casos de administradores que oferecem terrenos gratuitos e isenções fiscais para empresas e para quem não precisa. E, ainda mais, há os que investem em projetos populistas e pagam cachês milionários por shows musicais e outros eventos fúteis, mas se recusam a investir recursos essenciais para a prevenção de tragédias. Parece esperteza, mas é só pura canalhice política.
A situação do clima mundial agrava-se e as medidas já tomadas por alguns países são insuficientes para deter e reverter a tendência. Ficarão para trás cidades, estados e países que não forem capazes de priorizar o que é essencial para evitar catástrofes climáticas e para promover condições básicas de adaptação para as suas populações. Tomara que essa dolorosa lição sirva para abrir os olhos e o coração das autoridades responsáveis.
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Organização reforça pedido da Hutukara Associação Yanomami e da Foirn pela retirada de parlamentares pró-garimpo do grupo
* Atualizada às 14h03
O Instituto Socioambiental (ISA) vem manifestar apoio ao posicionamento público da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) pela reformulação da Comissão Temporária Externa do Senado para acompanhar a situação dos Yanomami e Ye’kwana, notadamente de membros historicamente contrários à defesa dos direitos indígenas.
A Comissão especial sequer teve um plano de trabalho aprovado e consensuado, o que levanta dúvidas sobre a legalidade de ações que já estão sendo implementadas.
Conforme ressaltou a organização em comunicado, os três representantes de Roraima – Chico Rodrigues (PSB), Hiran Gonçalves (PP) e Mecias de Jesus (Republicanos) – são figuras conhecidas por apoiar o garimpo ilegal em Terras Indígenas.
“Há anos a Hutukara vem denunciando a invasão do garimpo na Terra Indígena Yanomami e suas consequências com a devastação e contaminação do meio ambiente, doenças como malária e desnutrição, violências como estupros e aliciamento, levando muitas mortes aos nossos parentes, enquanto esses senadores nunca apoiaram as causas dos povos indígenas em Roraima”, escreveu a Hutukara Associação Yanomami em 17 de fevereiro.
“Nós, povos Yanomami e Ye’kwana, não queremos que o Chico Rodrigues e demais senadores de Roraima façam parte dessa comissão que vai acompanhar a situação da crise humanitária e sanitária Yanomami. Eles que deveriam responder por essa crise. Foram 570 crianças mortas durante o governo Bolsonaro com o apoio desses senadores. Nós temos o nosso protocolo de consulta da Terra Yanomami, deveríamos ser consultados, temos o direito de receber e de negar a presença de qualquer autoridade na nossa Terra. Não queremos esses políticos sujos acompanhando as atividades humanitárias e nem de desintrusão do garimpo ilegal no nosso território, que é um território sagrado para o nosso povo.”
A Foirn também manifestou repúdio à escolha dos três senadores para a comissão yanomami no Senado. Em nota, publicada também no dia 17 de fevereiro, a organização representante dos 23 povos indígena habitantes nos três municípios, São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos disse não aceitar que “que grupos políticos usem o Senado para atender interesses escusos”.
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Garimpo ilegal e grilagem são os maiores responsáveis por desmatamento em territórios com presença confirmada de indígenas em isolamento
Ao longo de 2022, o desmatamento causado pelo garimpo ilegal e pela grilagem atingiu principalmente as terras indígenas com presença confirmada de povos indígenas isolados. O alerta é do boletim Sirad-Isolados, produzido pelo Instituto Socioambiental, que traz um balanço das pressões e ameaças monitoradas nestes territórios durante o último ano.
O monitoramento identificou 1192 hectares desmatados e 594 alertas emitidos no interior dos territórios com povos isolados em toda a Amazônia Legal.
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Em 2022, algumas terras indígenas conseguiram frear grandes áreas de desmatamento em seu interior em virtude de denúncias, por exemplo, a Terra Indígena Piripkura (MT) e a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (RO). Entretanto, diversos territórios seguiram na contramão desse declínio, como as terras Munduruku (PA), Araribóia (MA), Alto-Turiaçu (MA) e Jacareúba/Katawixi (AM).
Com a nova direção da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), encabeçada pela advogada e ex-deputada federal Joenia Wapichana, essa situação pode mudar. Durante sua posse, que ocorreu no dia 3 de fevereiro, Joenia assinou Portarias de Restrição de Uso para as Terras Indígenas Jacareúba/Katawixi e Piripkura que, agora, devem ficar sob proteção até que sejam homologadas.
Jacareúba/Katawixi estava desprotegida há mais de um ano e a terra Piripkura vinha tendo sua proteção renovada por períodos curtos de até seis meses, gerando instabilidade no território e incentivando grileiros a invadirem a área na expectativa de que a proteção não fosse renovada quando vencesse.
Confira a situação dos territórios mais ameaçados no último ano, de acordo com o boletim Sirad-Isolados:
Terra Indígena Munduruku
A exploração garimpeira em terras indígenas cresceu ao longo dos últimos anos e é uma realidade em territórios com presença de povos isolados. Na Terra indígena Munduruku, localizada no Pará, a principal ameaça é o garimpo ilegal. Em 2022, foram identificados mais de 500 hectares de mata nativa desmatada em função do garimpo. Desde 2020, foram derrubadas mais de 1,5 milhão de árvores adultas no território.
Terra Indígena Jacareúba/Katawixi
A Terra Indígena Jacareúba/Katawixi, localizada no sul do Amazonas, está dentro do município de Lábrea, o 4º mais desmatado de toda a Amazônia Legal. No segundo semestre de 2022, foram identificados aproximadamente 93 hectares desmatados dentro do território, o que representa um aumento de 209% quando comparado ao mesmo período do ano anterior.
Além disso, 111 Cadastros Ambientais Rurais (CAR) foram registrados no interior da terra indígena, indicando grande especulação de grilagem dentro do território, o que representa uma expectativa de ocupação por invasores.
Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau
Localizada em Rondônia, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau teve 155 hectares desmatados durante todo o ano passado, o que corresponde a aproximadamente 87 mil árvores adultas derrubadas.
Essa terra indígena está cercada por fazendas, com áreas de pasto e de plantio de soja. Os invasores não respeitam os limites da demarcação e avançam em direção ao interior do território. Além do desmatamento desenfreado causado pela grilagem, a TI também possui requerimentos minerários protocolados na Agência Nacional de Mineração para exploração de diversos minerais.
Terra Indígena Araribóia
Considerada ainda uma grande área verde remanescente no estado do Maranhão, a Terra Indígena Araribóia teve 195 hectares desmatados durante todo o ano de 2022, o que corresponde a aproximadamente 105 mil árvores adultas derrubadas. Um dos grandes problemas que o território enfrenta é a grilagem de terras. Em dezembro de 2022, o ISA identificou um total de 7 inscrições do CAR declaradas em sobreposição ao território.
Terra Indígena Alto Turiaçu
Também localizada no Maranhão, a Terra Indígena Alto Turiaçu teve quase 100 hectares desmatados em 2022. O território hoje é pressionado por fazendas e propriedades rurais, algumas sobrepostas à terra indígena, de acordo com registros do Cadastro Ambiental Rural. As queimadas também são fatores preocupantes nesta região.
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Área devastada explodiu 309% desde 2018, quando a associação Yanomami começou a monitorar os efeitos do garimpo
O garimpo ilegal cresceu 54% em 2022 e devastou novos 1.782 hectares da Terra Indígena Yanomami (TIY), conforme levantamento feito por imagens de satélite. O monitoramento da Hutukara Associação Yanomami (HAY) aponta crescimento acumulado de 309% do desmatamento associado ao garimpo entre outubro de 2018 e dezembro de 2022.
Nesse período, foram mais 3.817 hectares destruídos na maior terra indígena do país, atingindo um total de 5.053 hectares. Quando os indígenas começaram a monitorar os efeitos do garimpo, em outubro de 2018, havia 1.236 hectares devastados. Em 2021, o desmatamento chegou a 3.272 hectares, conforme apontou o relatório Yanomami Sob Ataque: garimpo na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo.
O Sistema de Monitoramento do Garimpo Ilegal na TIY é feito com imagens da Constelação Planet, satélites de alta resolução espacial capazes de detectar com precisão e mais frequência de vigilância áreas muitas vezes não capturadas por outros satélites. Com o monitoramento manual, as atualizações são registradas duas vezes por mês.
As maiores concentrações de destruição estão nos rios Uraricoera, ao Norte da Terra Indígena Yanomami, e Mucajaí, região central. A região de Waikás, no Uraricoera, concentra 40% do impacto, com cerca de 2 mil hectares devastados. Enquanto isso o Rio Couto Magalhães, afluente do Mucajaí, tem 20% do impacto, com cerca de mil hectares.
A terceira região mais afetada é a de Homoxi, na cabeceira do Mucajaí, com 15% da devastação, o que corresponde a cerca de 760 hectares.
“Os impactos do garimpo vão além destes observados no satélite, que é focado no desmatamento. Eles também afetam as disseminações de doenças, deterioração no quadro de saúde das comunidades, produção de conflitos intercomunitários, aumento de casos de violência e diminuição da qualidade de água da população com destruição dos corpos hídricos. Tudo isso somado compromete a capacidade de viver nas comunidades”, explicou o geógrafo Estêvão Benfica, assessor do Instituto Socioambiental (ISA).
Ainda segundo Benfica, a mobilidade dos garimpeiros de uma área para outra é um fator que resulta na proliferação de doenças. Os invasores chegam a levar novas cepas de malária de uma região para outra, por exemplo.
De acordo com o Sivep Malária, sistema de monitoramento do Ministério da Saúde, entre 2020 e 2021, mais de 40 mil casos de malária foram registrados na Terra Indígena Yanomami. Em 2021, foram 21.883, o maior registro desde 2003. A explosão dos casos da doença no território indígena coincide com o aumento da área devastada pelo garimpo. O monitoramento do Mapbiomas, que utiliza o satélite Landsat, mostra saltos sucessivos no desmatamento pelo garimpo desde 2016.
Malária na Terra Indígena Yanomami
Em 2020, houve 19.828 registros e em 2019, 18.187. Nestes anos também houve recorde de registros da doença. Os anos de 2003 e 2004 tiveram os registros mais baixos, com 246 e 783 casos, respectivamente.
Ainda conforme o monitoramento, em 2007 houve 5.460 registros da doença. Nos anos seguintes, 2008 e 2009, houve queda nos novos casos: 4.966 e 4.188. Em 2010 são registrados 6.745 e nos anos seguintes os casos voltam a cair até atingir um novo recorde em 2017 com 7.891. Nos anos seguintes, a doença seguiu atingindo novos picos.
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O governo Bolsonaro estimulou a invasão das Terras Indígenas e omitiu-se no atendimento à saúde e na proteção do povo Yanomami, verdadeiras causas da atual crise humanitária
Circula em algumas redes sociais um vídeo com informações falsas e descontextualizadas sobre o projeto Cogumelo Yanomami, iniciativa da Hutukara Associação Yanomami, organização representativa do povo Yanomami, apoiada pelo ISA. O autor é um dos principais apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, alvo de inquéritos policiais nos tribunais superiores pela disseminação de fake news e teve perfis suspensos por decisão judicial.
O vídeo sugere, sem apresentar nenhum indício ou prova, que a comercialização de cogumelos seria uma das responsáveis pela crise de saúde no território Yanomami. Muito longe disso, a fome e a desnutrição na área são resultado da falta de atenção à saúde na Terra Indígena Yanomami e dos impactos do garimpo ilegal, como a disseminação de doenças e a desestruturação da produção de alimentos realizada pelos próprios Yanomami.
É inadmissível, em um contexto de crise humanitária como esse, que informações falsas sejam veiculadas para tirar o foco de suas verdadeiras causas: o governo Bolsonaro estimulou a invasão das Terras Indígenas, omitiu-se no atendimento de saúde e na proteção do território Yanomami, tendo inclusive ignorado decisões judiciais que o obrigavam a fazê-lo. É preciso investigar e responsabilizar os culpados para fortalecer as estruturas estatais contra governantes de ocasião e fisiologismos que não devem mais ser tolerados.
Em 28 anos de existência, o ISA vem construindo um legado de projetos e iniciativas, sempre em parceria, lado a lado, com os povos da floresta (para saber mais sobre nossas missões institucionais acesse aqui o nosso estatuto: isa.to/estatuto).
Apoiamos os povos da floresta na proteção de seus territórios, no fortalecimento de suas culturas e direitos e no desenvolvimento de suas economias, que valorizam o conhecimento tradicional e o manejo sustentável dos recursos naturais.
Uma de nossas frentes de trabalho é o apoio à economia local das comunidades, e entre elas está o projeto Cogumelo Yanomami. A iniciativa fomenta o consumo interno, o aprofundamento do conhecimento tradicional sobre as espécies manejadas e a comercialização apenas dos excedentes de cogumelos, sendo uma possibilidade de geração de renda criada pelas próprias comunidades (saiba mais no livro Ana Amopö: Cogumelos, publicado pela Hutukara Associação Yanomami, vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura em 2017).
Toda a receita obtida é da Hutukara Associação Yanomami, que a reverte para seu povo. A marca Cogumelo Yanomami é de propriedade do povo Yanomami e está registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) em nome da Hutukara Associação Yanomami. O ISA não obtém qualquer lucro com a atividade.
Portanto, é absolutamente falso afirmar que o ISA, uma organização sem fins lucrativos, beneficia-se da comercialização do Cogumelo Yanomami. Não há correlação entre essa atividade e os casos de desnutrição na Terra Indígena Yanomami.
Desde 2017, quando teve início, 20 comunidades fazem parte do projeto, envolvendo cerca de 170 famílias. A forma como a Hutukara Associação Yanomami promove as iniciativas de geração de renda junto às comunidades baseia-se no Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) da Terra Indígena Yanomami, que pode ser acessado aqui. O planejamento e organização de coleta, beneficiamento e comercialização dos cogumelos é gerenciado pelos próprios indígenas.
Além disso, o Cogumelo Yanomami é comercializado pela Hutukara Associação Yanomami conforme os princípios do comércio ético, justo e transparente da rede Origens Brasil®. O sistema de garantia da rede consiste em quatro princípios: rastreabilidade, indicadores de impacto, avaliações de parceria e governança. Os dados de produção e comercialização são registrados na plataforma digital da Rede. Saiba mais no site da rede Origens Brasil®: https://origensbrasil.org.br/
A loja online do ISA não objetiva lucros, mas sim promove produtos dos povos da floresta a fim de fortalecer as comunidades e seus territórios. A precificação dos produtos à venda na loja é realizada pelas próprias organizações indígenas, ribeirinhas e quilombolas, acrescida de impostos, custos logísticos e operacionais.
O relatório ‘Yanomami sob ataque’, produzido pela Hutukara Associação Yanomami e pela Associação Wanasseduume Ye’kwana com apoio técnico do ISA, sustenta as afirmações acima com fatos, dados objetivos comprovados e a profundidade de quem vive a situação. Você pode acessá-lo clicando no link abaixo:
Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo
Por fim, prezamos pela transparência e todos os nossos relatórios financeiros estão acessíveis para qualquer um que queira acessá-los (isa.to/transparencia). Sobre os impactos do nosso trabalho, nossos parceiros indígenas falam por nós, confira aqui.
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