A Bacia do Rio Negro se estende pelos estados do Amazonas e de Roraima, no Brasil, e também avança pelos territórios vizinhos da Colômbia, Venezuela e Guiana. Na sua porção no Amazonas, a bacia é uma das regiões mais preservadas de todo o bioma amazônico, com biodiversidade incalculável. Por outro lado, a parte da bacia localizada em Roraima vem sofrendo grande degradação ambiental causada pelo garimpo ilegal de ouro, desmatamento e roubo de terra, ou "grilagem de terra".
Aproximadamente 68% da Bacia do Rio Negro no Brasil está formalmente protegida por um conjunto de unidades de conservação e terras indígenas legalmente reconhecidas. A diversidade cultural da região é enorme: ali vivem 45 povos indígenas e estão localizados dois patrimônios culturais do Brasil – a Cachoeira de Iauaretê e o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro – além do ponto mais alto do Brasil, o Pico da Neblina, lugar sagrado do povo Yanomami.
No Rio Negro, o ISA mantém trabalho de longo prazo e parceria institucional - que nos enche de orgulho - com associações indígenas e suas lideranças, entre elas a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Hutukara Associação Yanomami (HAY) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Mantemos escritório e equipe na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), considerado o município mais indígena do Brasil, localizado no Alto Rio Negro. De São Gabriel, também descemos com as águas do Negro para apoiar comunidades e associações indígenas dos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, ambos no Amazonas. Em 2009, o ISA incorporou a organização Comissão Pró-Yanomami (CCPY), sua equipe e legado, abrindo escritório em Boa Vista (RR) e passando a atuar diretamente com o povo Yanomami e outros povos de Roraima.
Atualmente, o ISA atua na Bacia do Rio Negro com a promoção de processos formativos, articulando parcerias para a proteção dos territórios indígenas, valorização da diversidade socioambiental, segurança alimentar das comunidades, desenvolvimento de cadeias de valor da economia da floresta para geração de renda e produção de pesquisas interculturais que dêem visibilidade aos conhecimentos tradicionais e modos de vida das populações que, há muitos anos, mantém as florestas da região preservadas.
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Boa Vista tem picos de ar insalubre em metade do ano, aponta Inpa
Capital de Roraima tem pico de insalubridade causado pela fumaça das queimadas, entre janeiro e março. Qualidade do ar ficou pior que a de São Paulo 4 vezes em 2024
As cores mais quentes indicam os picos de poluição em Roraima. Fonte: Monitoramento da Qualidade do Ar na Cidade de Boa Vista - Roraima / Inpa
Em Boa Vista, em seis meses do ano, o ar respirado pela população apresenta picos de insalubridade, principalmente por causa da fumaça das queimadas e incêndios florestais. É o que revela uma pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) publicada no último dia 6. O relatório “Monitoramento da Qualidade do Ar na Cidade de Boa Vista - Roraima” registrou dados do período de 2020 a 2024.
“Do ponto de vista global, Boa Vista não é uma megacidade que produz grandes quantidades de poluentes urbanos derivados de fábricas e/ou indústrias. Por outro lado, a fumaça derivada de queimadas e incêndios (florestais e não florestais), em especial nos últimos anos, tem tornado a cidade um local insalubre por vários dias”, conclui o estudo assinado por Reinaldo Imbrozio Barbosa e Arthur Camurça Citó.
No dia 2 de abril, o ar na capital roraimense foi classificado como o 15º pior do mundo. O levantamento do Inpa lembra que, neste ano, a cidade teve quatro dias com níveis de poluição que superaram o de algumas das grandes metrópoles mais poluídas do planeta, como Hanoi, no Vietnam, e São Paulo.
De acordo com a pesquisa, nos quatro dias em questão, foi registrado um nível de material particulado no ar superior a 300 microgramas por metro cúbico (µg/m³) de PM 2.5 (partículas de poeira inaláveis de diâmetro igual ou menor que 2.5 microns) – a unidade de medida da concentração de poluentes.
O estado teve recorde de focos de calor em fevereiro deste ano, considerando a série histórica do mês desde 1998. Como várias outras regiões do país, a capital, outros municípios e terras indígenas, incluindo a Yanomami, ficaram cobertos por fumaça. O levantamento do Inpa aponta que a nuvem de poluição gerada em Roraima foi tão grande que acabou alcançando regiões relativamente distantes, como o Alto Rio Negro e o Alto Rio Solimões, no Amazonas.
Vista de Boa Vista com fumaça de queimadas ao fundo neste ano | Lucas Silva/ Platô Filmes/ ISA
“Pico de insalubridade”
“Estamos tratando a insalubridade do ar como a poluição que pode causar danos à saúde humana. Esse impacto à saúde tem níveis diferentes, tanto pela quantidade de poluição quanto pelo público que é afetado”, explica Citó.
O “pico de insalubridade” é um período de tempo que concentra saltos nos níveis máximos de poluição. De acordo com a pesquisa, de janeiro a março, Boa Vista sofre o maior pico por causa de queimadas e incêndios, localizados principalmente no centro e norte de Roraima, em anos de extrema seca e ventos fortes, como em 2024 e 2023.
Ainda conforme o estudo, o segundo período mais crítico, de agosto a outubro, é causado pelo transporte de poluentes vindos de incêndios e queimadas situados no sul da Amazônia, em especial no oeste do Pará e localidades próximas de Manaus.
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Fonte: Monitoramento da Qualidade do Ar na Cidade de Boa Vista - Roraima / Inpa
“No pico de poluição primário (janeiro a março), os valores de poluição são maiores, oferecendo riscos à população em geral”, aponta o pesquisador. “Depois desse pico, os valores de poluição baixam e podem chegar a 0 durante o período de chuvas. Mas a partir de agosto surge um novo pico de poluição, que se estende até outubro, configurando um pico de poluição secundário. Caracterizamos este trimestre como ‘pico secundário’ porque os valores de poluição são menores, oferecendo maior risco a uma parcela mais sensível da população, como crianças e idosos”, detalha.
Pelo fato de parte do estado estar acima da Linha do Equador, em Roraima o período de seca vai de outubro a março e o chuvoso, de abril a setembro, ao contrário do que acontece no resto do país.
Para se ter uma ideia do problema, nos quatros anos analisados pelos cientistas do Inpa, em 70 dias a qualidade média do ar foi classificada como “insalubre para grupos sensíveis”, “insalubre” ou “muito insalubre”. Por outro lado, em 255 dias a leitura máxima da concentração de poluentes feita ao longo do dia alcançou a classificação de “insalubre para grupos sensíveis”, “insalubre", “muito insalubre” ou “péssima” (veja a tabela).
Como a pesquisa foi feita?
Os pesquisadores observaram os dados de qualidade do ar em 1290 dias, entre julho de 2020 e maio de 2024. A pesquisa analisou médias diárias (variação ao decorrer do dia) do grau de poluição e também máximas diárias (pico de insalubridade do dia).
Com base nas médias diárias, Boa Vista teve 689 dias (53,4%) com qualidade de ar considerada boa. No entanto, nos outros 601 dias (46,6%), a qualidade do ar apresentou algum grau de risco para os moradores. Já na análise de máximas diárias, a cidade teve pico de ar insalubre em 1010 dias (78,3%), enquanto a qualidade considerada boa sofreu queda brusca em 280 dias (21,7%) (veja a tabela acima).
Para chegar aos resultados, os cientistas utilizaram dois sensores PurpleAir. A tecnologia é conectada à internet e foi instalada em Boa Vista em 2020. Conforme o estudo, há outros sensores instalados em Roraima, mas nenhum deles possui séries temporais adequadas para formatação de qualquer tipo de padrão que pudesse resultar em uma análise científica.
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Nível do Rio Branco, em Boa Vista, chegou a quase 40 cm abaixo da medição mínima | Stephanie Vieira / Platô Filmes / ISA
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Nós e eles
O sócio fundador do ISA Márcio Santilli avalia os desdobramentos da crise sanitária dos Yanomami e cobra solução para suas causas
Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
Presidente Lula visita Casa de Saúde Indígena em Boa Vista (RR) para avaliar crise sanitária dos Yanomami, janeiro de 2023 | Ricardo Stuckert / PR
Na cosmologia ensinada por Davi Kopenawa, o ouro e outros minérios, quando retirados dos seus depósitos subterrâneos, exalam energias que forçam o rompimento e a queda do céu. Por isso, os pajés Yanomami precisam trabalhar o tempo todo para segurar o céu. Se os invasores matarem os Yanomami, o céu desabará sobre a Terra.
O pensamento de Davi tem uma similaridade impressionante com a ciência do clima e com as emissões excessivas de gases do efeito estufa, que aquecem a atmosfera e provocam secas agudas e violentas tempestades, ameaçando todas as formas de vida. É, também, uma metáfora viva da interdependência entre os povos e deles com a natureza.
Davi nos faz essa denúncia há 40 anos, desde as primeiras invasões garimpeiras à Terra Indígena Yanomami (AM-RR), ainda nos tempos de ditadura militar. Eram, então, 40 mil garimpeiros, grande parte oriunda do garimpo exaurido de Serra Pelada, no Pará. Foram milhares, mas nem é possível precisar quantos Yanomami morreram, vítimas de armas de fogo, da malária e de outras doenças. Quase todos os invasores foram retirados e a terra foi demarcada, mas pequenos focos ficaram, pulando de um lado para outro na fronteira com a Venezuela.
Agora, há outra invasão em massa. Os garimpeiros estão em menor número, mas provocam destruição maior. Talvez sejam uns 20 mil ou menos. Mas usam dragas, escavadeiras e outros equipamentos muito maiores e com alta capacidade de destruir igarapés inteiros. A contaminação do solo, das águas e dos organismos é muito maior.
Parte deles presta serviços de apoio, manutenção, alimentação e lazer, enquanto outros operam na extração do ouro ou da cassiterita. Entre esses, há garimpeiros profissionais, que tendem a vazar pela fronteira em busca de outros garimpos, e os sazonais, que seguem esse caminho para tentar levantar dinheiro, para a compra de imóveis ou carros, entre outros. Os nossos motivos são comezinhos. Por isso, os Yanomami dizem que os brancos não têm memória.
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Yanomami recebem atendimento em hospital em Boa Vista (RR) | Felipe Medeiros / Amazônia Real
Chocante
Não faltaram denúncias. Várias comunicações e alertas formais foram feitas às autoridades. A Hutukara Associação Yanomami liderou campanhas e a mídia publicou bastante sobre o assunto. O caso chegou ao Tribunal Penal Internacional. Mas foi só depois que mudou o governo que informações oficiais do Ministério da Saúde revelaram as mortes (subnotificadas) de 570 crianças indígenas por desnutrição e outras causas evitáveis e vieram à tona imagens estarrecedoras de velhos e crianças famélicos.
Mas o que levantou, mesmo, a poeira foi a decisão do presidente Lula de visitar Roraima, de supetão, com ministros e jornalistas, pondo em evidência a situação caótica na Casa de Saúde Indígena de Boa Vista. Lula não foi ao território, mas colocou as cenas chocantes na casa de cada um de nós, tornando urgentes soluções para aquela situação inaceitável. E determinou ações emergenciais aos órgãos envolvidos, como os ministérios da Justiça, Defesa e dos Povos Indígenas, enquanto se planeja a retirada dos invasores.
No meio desse escândalo planetário, o governador reeleito de Roraima, Antônio Denarium, ainda foi capaz de piorar as coisas, declarando-se a favor da aculturação forçada dos indígenas, à revelia dos seus direitos constitucionais de viverem conforme as suas culturas, como se está fosse a solução para o gencídio em seu estado. Ele já havia promulgado uma lei estadual legalizando o garimpo predatório, declarada inconstitucional pelo STF. Mostrou-se ao mundo como um dos cúmplices dessa situação.
Representantes do ex-governo genocida tentam minimizar a repercussão da tragédia. Bolsonaro disse que o problema sempre existiu e não responde pelo crescimento de mais de 300% do garimpo durante o seu mandato nas terras Yanomami. Ele visitou pessoalmente garimpos ilegais e tentou assediar líderes yanomami para estender a predação pelo território. O genocídio decorreu de políticas deliberadas.
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Militares jogam mantimentos para aldeia na Terra Indígena Yanomami em meio à crise sanitária | Fernando Frazão / Agência Brasil
Solidariedade
Muita gente, chocada, está ajudando nas ações emergenciais com doações em dinheiro, alimentos e remédios. A Hutukara e o Conselho Indígena de Roraima (CIR) mobilizam parceiros na sociedade civil, como a Central Única das Favelas (CUFA), Médicos Sem Fronteira, Diocese de Roraima e o Instituto Socioambiental (ISA) para apoiarem as iniciativas do governo na assistência à saúde, distribuição de alimentos e comunicação.
Certamente, há entre as doações contribuições de empresas e de empresários indignados com a situação. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) reiterou a sua oposição ao garimpo ilegal. Mas não houve, até agora, um movimento empresarial de escala para barrar de vez o acesso da produção predatória aos mercados e para viabilizar investimentos num modelo econômico sustentável na Amazônia. A cooperação internacional está oferecendo recursos para ajudar no front emergencial e na reestruturação das políticas socioambientais, desmanteladas no mandato anterior. Mas também pode fazer mais para impedir o acesso dos produtos e dos recursos ilegais aos mercados. A comoção gerada pelo genocídio precisa ir além da justa indignação para dar suporte à reversão definitiva do quadro atual.
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O que você precisa saber para entender a crise na Terra Indígena Yanomami
Dados confirmam que tragédia é resultado direto do desmonte de serviços de saúde e do agravamento da invasão garimpeira promovidos pelo governo Bolsonaro
No dia 20/1, a agência Sumaúma noticiou que 570 crianças de até cinco anos morreram de doenças evitáveis, entre 2019 e 2022, na Terra Indígena (TI) Yanomami (AM-RR). As fotos de crianças e idosos esquálidos, desnutridos, divulgadas na imprensa e nas redes sociais causaram comoção dentro e fora do Brasil.
Acompanhado de vários ministros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi a Roraima avaliar a crise. O governo decretou emergência de saúde na área e anunciou uma série de medidas, como o envio de equipes médicas à região e a instalação de um hospital de campanha em Boa Vista.
A repercussão do caso gerou indignação, dúvidas, surpresa, com a impressão de que o problema veio a público só agora, e, claro, fake news. Logo começaram a circular notícias falsas para desviar o foco da responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro. Contra fatos e imagens, ele classificou a situação como uma “farsa da esquerda”.
O ISA resumiu abaixo, num texto de perguntas e respostas, as principais informações e dados científicos colhidos por pesquisadores, técnicos do governo, imprensa, sociedade civil e as próprias comunidades para você entender a tragédia humanitária que se abateu sobre os Yanomami e ajudar a combater a desinformação.
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Garimpo no Rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami, em janeiro de 2022
O que está acontecendo na Terra Indígena Yanomami pode ser considerado genocídio?
A Lei 2.889/1956 diz que o genocídio é caracterizado pela “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, por meio de atos como: “matar membros do grupo; causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”. A definição segue a legislação internacional.
Juristas ouvidos pela imprensa nos últimos dias dizem que há indícios de que a gestão Bolsonaro cometeu o crime na TI Yanomami, mas apenas um julgamento pela Justiça brasileira ou internacional poderá confirmá-lo.
Na segunda (30), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinou a abertura de inquérito contra autoridades federais para apurar essa possibilidade. Não se sabe exatamente quem é alvo do processo porque ele está sob sigilo.
Na semana passada, o ministro da Justiça, Flávio Dino, já tinha determinado que a Polícia Federal (PF) também investigasse os possíveis crimes de genocídio e omissão de socorro por parte do governo anterior no território indígena.
O assassinato de 16 Yanomami por garimpeiros, em 1993, conhecido como “Massacre de Haximu”, é o único caso do crime de genocídio confirmado pela Justiça brasileira.
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Garimpo no Rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami, janeiro de 2022
Quais os motivos para a crise de saúde na Terra Indígena Yanomami?
Agravadas ao longo dos últimos cinco anos, as razões da crise são a desestruturação da assistência à saúde indígena e a invasão garimpeira, responsável por uma série de impactos sanitários, ambientais, socioculturais e econômicos sobre as comunidades.
Não é verdade que a origem da situação seja a suposta incapacidade produtiva dos indígenas. Ao contrário, com suas terras e seus recursos naturais preservados, eles conservam boas condições de vida.
Também não é verdade que a crise Yanomami seja comum a outras populações indígenas neste momento. Há outras TIs com problemas parecidos, mas não na mesma escala e pelos mesmos motivos.
Qual a relação entre o garimpo ilegal, a disseminação de doenças e a desnutrição entre os Yanomami?
O garimpo é o responsável direto por uma série de problemas graves entre os povos originários. No caso Yanomami, há relação comprovada entre a explosão da atividade e o aumento de casos de doenças infectocontagiosas, como gripe e pneumonia.
É inequívoca ainda a associação entre a devastação provocada pela mineração ilegal e a propagação da malária, facilitada pela multiplicação de invasores e pelas crateras com água parada, fruto da atividade e propícias à proliferação de mosquitos transmissores da enfermidade.
Em virtude do contato razoavelmente recente e do isolamento relativo, os indígenas têm menos defesas imunológicas para moléstias comuns entre não indígenas.
A ocupação do território, a destruição da floresta, a contaminação dos corpos de água promovidas pelo garimpo dificultam a manutenção e abertura de roças, a caça, a pesca e a coleta de frutos, as principais fontes de alimentação das comunidades.
Uma parte delas também é aliciada. Especialmente vulneráveis a falsas promessas de prosperidade, jovens recebem armas e comida para trabalhar ou aliar-se aos invasores. Mulheres são abusadas e exploradas sexualmente. O recrudescimento da violência cria um clima de tensão permanente. Os moradores ficam sitiados em suas próprias aldeias.
Todo o quadro é agravado pelo desmonte da assistência aos indígenas. Além disso, os invasores têm se apossado de parte da infraestrutura de atendimento, como pistas de pouso e postos de saúde. A violência do garimpo dificulta a presença de equipes médicas, a distribuição de medicamentos e alimentos.
Sem comida e assistência médica, a condição dos enfermos piora. Como a economia indígena depende da mão de obra familiar, as atividades tradicionais de subsistência ficam inviáveis com as pessoas permanentemente adoecidas ou trabalhando no garimpo, num círculo vicioso de fome, debilidade física e escassez.
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Garimpo no Rio Novo, Terra Indígena Yanomami, janeiro de 2022
Qual a extensão da crise de saúde na Terra Yanomami?
Conforme dados do Ministério da Saúde obtidos pela agência Sumaúma, 570 crianças de até cinco anos morreram de doenças evitáveis na TI Yanomami, entre 2019 e 2022, um aumento de 29% em relação a 2015-2018. De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, 99 crianças de um a quatro anos teriam morrido, só em 2022, por causas como desnutrição, pneumonia e diarreia.
Cerca de 56% das crianças da área acompanhadas tinham um quadro de desnutrição aguda (baixo ou baixíssimo peso para a idade) em 2021, segundo dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) fornecidos à agência Pública. “O estado nutricional das crianças Yanomami é realmente muito ruim, só comparável aos dados de crianças da África Subsaariana”, afirmou o médico Paulo Basta, da Fiocruz à agência.
Apenas entre 2020 e 2021, a TI Yanomami registrou mais de 40 mil casos de malária, de acordo com o Sistema de Informações de Vigilância Epidemiológica (Sivep) do Ministério da Saúde. Isso tudo para uma população de cerca de 30 mil pessoas.
É importante observar que a TI Yanomami é a maior do país, com cerca de 96 mil km2 (superando a extensão de Portugal), e há diferenças entre as 370 comunidades. As regiões mais distantes das invasões têm uma condição sanitária mais favorável, embora a precarização do atendimento à saúde impacte todo o território.
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Bebês yanomami desidratados são atendidos em hospital em São Gabriel da Cachoeira (AM), em 2020 | Raquel Uendi / ISA
O que aconteceu com os serviços de saúde Yanomami nos últimos anos?
A saúde indígena foi desestruturada pelo governo Bolsonaro, embora sempre tenha apresentado deficiências. A pandemia de Covid-19 agravou e escancarou a situação.
No caso Yanomami, a má gestão de recursos e o aparelhamento político, com a nomeação de pessoas sem conhecimento e experiência para cargos importantes, criaram um quadro de desorganização, escassez de equipamentos, mão de obra, medicamentos e outros insumos.
Indígenas e profissionais de saúde relataram o fechamento ou abandono de postos de saúde e a redução dos atendimentos nos que continuaram funcionando. O problema foi documentado pelo relatório Yanomami Sob Ataque, publicado pela Hutukara Associação Yanomami e a Associação Wanasseduume Ye’kwana.
Auditorias da própria administração federal confirmaram várias falhas no Distrito Especial de Saúde Indígena Yanomami (DSEI-Y): desatualização de indicadores de saúde; descumprimento de jornadas de trabalho e metas de atendimento; entrega de medicamentos com data de validade próxima do vencimento; transporte por aeronaves sem autorização de voo, entre outros. Os relatórios foram ignorados pelo governo.
Na verdade, a crise sanitária é ainda pior por causa da subnotificação e do “apagão” de dados dos últimos anos. Por exemplo, 90% das crianças yanomami eram monitoradas pelo DSEI-Y em 2019, mas o número baixou para 75%, em 2022. Nas estatísticas oficiais, houve melhora nos registros de desnutrição, mas ocorreu o contrário, simplesmente porque o número de crianças acompanhadas caiu. No início do governo Bolsonaro, já se sabia que a situação era ruim e, mesmo assim, a vigilância foi reduzida.
Quando começou exatamente a crise de saúde na Terra Indígena Yanomami? Ela veio a público só agora?
Não há dúvida de que a situação agravou-se a partir de 2018 e 2019, com as eleições e o início do governo Bolsonaro, embora já houvesse problemas na assistência e invasores na área. O discurso antiambiental de Bolsonaro e seus aliados e o desmonte dos órgãos de fiscalização estimularam a ocupação ilegal de áreas protegidas e provocaram recordes sucessivos de desmatamento. O território yanomami foi um dos mais afetados.
Não é verdade, portanto, que a situação seja a mesma em 30 anos, embora os Yanomami já tenham passado por crises graves, principalmente com a intensificação do contato com os não indígenas e a primeira grande onda garimpeira, nos anos 1970 e 1980. Profissionais de saúde e lideranças indígenas reafirmam que a situação nunca foi tão grave nesse período.
Muita gente teve a impressão de que a crise veio a público só agora porque as notícias sobre ela alcançaram uma audiência sem precedentes, resultado da repercussão da visita do recém-empossado presidente Lula e das medidas emergenciais tomadas por seu governo.
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Quem são os responsáveis pela crise de saúde dos Yanomami?
Notoriamente anti-indígena, Bolsonaro foi o primeiro presidente da República desde a Redemocratização a não demarcar “nenhum centímetro” de TIs, como prometeu em campanha.
Durante todo o governo, ele estimulou o crime ambiental e sua regularização, em especial o garimpo ilegal nas TIs. Também promoveu um desmonte administrativo sem precedentes na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e no Ibama, responsáveis pela fiscalização dessas áreas.
Tudo isso resultou, a partir de 2019, numa onda de invasões a áreas protegidas e recordes sucessivos de desmatamento em cerca de 15 anos. A TI Yanomami foi uma das mais afetadas.
A saúde indígena também sofreu com a desestruturação de políticas públicas do governo Bolsonaro. As deficiências já existentes recrudesceram.
Forças militares e de segurança também reduziram a fiscalização e, muitas vezes, negaram apoio a operações para a retirada dos invasores e proteção das aldeias.
Toda a situação foi denunciada aos órgãos federais, ao Ministério Público, à imprensa e nas redes sociais pelo Conselho Distrital de Saúde Yanomami e Ye’kwana (Considisi-Y), a Hutukara Associação Yanomami, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o ISA. Os alertas foram desprezados, no entanto. Pelo menos 21 ofícios sobre o caso foram ignorados por diversas instituições oficiais em apenas dois anos, informou o The Intercept Brasil.
A ordem de isolar e conter os garimpeiros na TI Yanomami também foi ignorada. O mesmo aconteceu com decisões do próprio STF e da Justiça Federal para que a União formulasse e executasse um plano para retirar os invasores. Também foi desconsiderada uma deliberação da Corte Interamericana de Direitos Humanos e pedidos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Se as determinações e alertas tivessem sido atendidos, a crise não teria ocorrido ou seria menor.
Portanto, têm responsabilidade sobre a tragédia, em diferentes graus e aspectos, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-vice-presidente Hamilton Mourão, então coordenador do Conselho Nacional da Amazônia, responsável por articular as ações de fiscalização ambiental na região durante o último governo. Também podem ser responsabilizados os respectivos dirigentes, no antigo governo, da Funai, do Ibama, da PF e dos ministérios da Saúde, da Justiça, da Defesa e do Meio Ambiente, entre outros que uma investigação adequada vier a apontar.
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Presidente Lula visita indígenas yanomami em Boa Vista, Roraima, 20/1/2023 | Ricardo Stuckert / PR
Quais as medidas tomadas pelo governo até agora para enfrentar a crise sanitária na TI Yanomami?
Ainda no dia 20, o governo federal decretou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional na TI Yanomami. Trata-se de uma situação que demanda o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, de danos e de agravos à saúde pública, em situações que podem ser epidemiológicas (surtos e epidemias), de desastres ou de desassistência à população. Esse último é o caso dos Yanomami.
A gestão federal também anunciou o envio de equipes médicas para prestar assistência emergencial e fazer um diagnóstico da situação, além da instalação de um hospital de campanha em Boa Vista e de um Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE), que fará a coordenação das ações contra a crise e deverá ser gerido pela Sesai.
Foi criado ainda um Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami, que vai discutir as medidas a serem adotadas, apoiar a articulação entre poderes e estados e apresentar um plano de ação em 45 dias. Fazem parte do colegiado os ministérios dos Povos Indígenas, da Saúde, da Defesa, da Justiça, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.
O governo planeja uma grande operação de retirada dos garimpeiros. A ação ainda não tem data para acontecer, mas nesta segunda (30), em reunião com vários ministros, o presidente Lula pediu pressa no bloqueio do espaço aéreo e dos principais rios que cortam a área, com o objetivo de estrangular a logística do garimpo. Cerca de 56 toneladas de alimentos e medicamentos já teriam sido enviados à TI Yanomami, segundo a Força Aérea Brasileira (FAB).
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Aimas realizam oficina de manejo das capoeiras e do uso sustentável da sorva no Médio Rio Tiquié
Atividade incentivou debate sobre a influência humana na configuração de paisagens antropogênicas na região
Entre 27 de outubro e 10 de novembro de 2025, a comunidade de Boca da Estrada, no Médio Rio Tiquié (São Gabriel da Cachoeira – AM), sediou a oficina de Manejo das Capoeiras e da Sorva. A atividade contou com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e dos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) do Tiquié, reunindo estudantes, professores, artesãos e lideranças para fortalecer práticas indígenas de manejo e discutir estratégias de uso sustentável das capoeiras e da sorva (Couma utilis) — árvore utilizada na produção dos bancos tukano (kumurõ).
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Alunos, professores e consultor na capoeira madura na Comunidade de Boca da Estrada|Danilo Parra
A programação envolveu visitas a capoeiras, identificação de plantas, elaboração de desenhos de perfis das árvores indicadas em categorias de uso e manejo, proporcionando um rico debate sobre a influência da ação humana na configuração de paisagens antropogênicas nesta região.
Manejo das capoeiras
As capoeiras são áreas retomadas pela floresta após o período de uso agrícola. Estas áreas integram ambientes que sustentam o próprio sistema agrícola, uma vez que as plantas cultivadas dependem de solos ricos em fertilidade, que em suma só podem ser restaurados a partir deste processo de reversão da floresta novamente.
Na agricultura indígena do Rio Negro, ao contrário do modelo ocidental, as áreas produtivas não são utilizadas até a sua exaustão: quando a produtividade diminui, a área é deixada para se recuperar, visto que também existe uma série de cuidados que favorecem a regeneração de árvores úteis e funcionais nestes sítios manejados.
Nesse processo a floresta retoma essas áreas, e um conjunto de espécies características de cada estágio de sucessão renasce, cresce e acaba por formar uma nova floresta, revigorando o solo e garantindo roças produtivas ao longo de gerações.
Durante a oficina, os participantes sistematizaram conhecimentos locais e criaram classificações para os estágios de sucessão — das capoeiras novas (Wiakaro Wimaro) às mais antigas, com árvores grossas similares às da mata primária (Buhku Wiakaro).
As conversas destacaram que o manejo cuidadoso, além de evitar a degradação do solo e da própria floresta regenerante, mantém as características do sistema agrícola produtivo e, a depender do tipo de manejo de plantas úteis e funcionais, pode tornar esses ambientes ainda mais ricos.
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Ismael dos Santos desenha o perfil de uma capoeira intermediária, com destaque para árvores cultivadas (vermelho)|Marcus Schmidt
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Apresentação dos desenhos na oficina de capoeiras, com destaque para a categoria de plantas coletadas (amarelo)|Marcus Schmidt
As visitas às áreas de cultivo também mostraram desafios atuais, entre eles a manutenção de algumas práticas tradicionais que asseguravam a produtividade nestes ambientes após sucessivos ciclos de cultivo. Mudanças de hábitos associadas a novas tecnologias têm levado ao uso excessivo de algumas capoeiras e causado o distanciamento das áreas produtivas em relação às comunidades, levando muitas vezes a uma situação de escassez ou raridade de ocorrência de plantas úteis e funcionais, podendo resultar na degradação de algumas dessas antigas capoeiras, a depender dos cuidados considerados durante o período de cultivo agrícola.
A oficina resultou na avaliação de seis capoeiras em diferentes estágios de crescimento e estados de conservação no entorno da comunidade de Boca da Estrada, onde predominam povos de língua Tukano Oriental e Hüpda.
Algumas destas capoeiras mais antigas apresentavam boas condições de solos e presença de plantas úteis que haviam sido cultivadas e cuidadas pelos antigos donos. Estas foram mantidas nestes ambientes a partir da proteção, plantio de mudas e outros tipos de zelos que favoreceram o seu estabelecimento. Enquanto outras capoeiras apresentavam sinais de exaustão, evidenciados pelas características dos solos e da estrutura e composição de plantas. Conforme observado, ambientes de caatinga amazônica – tattahboa – são mais vulneráveis por apresentar solos mais arenosos e menos estruturados.
Os estudantes registraram cerca de 63 espécies de plantas, sendo posteriormente classificadas em 10 categorias de manejo que, em sua maioria, poderiam favorecer o seu estabelecimento nas áreas de capoeiras após os períodos de cultivo. Entre estas 10 categorias de manejo identificadas e traduzidas com o apoio de AIMAS, alunos e professores estavam: 1. corte, 2. manejo de rebrota, 3. cultivo, 4. dispersão de sementes, 5. corte de casca, 6. proteção, 7. coleta, 8. derrubada, 9. poda de galhos e 10. não manejada.
A proposta da oficina foi sensibilizar os comunitários sobre a importância dos cuidados com o manejo das capoeiras, enfatizando os conhecimentos dos agricultores mais experientes e considerando os limites da resiliência destes ambientes, evitando a degradação dos solos e favorecendo a permanência de plantas que apresentam usos específicos.
Os alunos e professores compreenderam a importância em atribuir categorias às plantas, uma vez que o manejo específico dessas categorias pode definir a sua permanência nestes sistemas, tornando as capoeiras mais diversas e sustentáveis.
Sorva: espécie sensível e central para o artesanato
A discussão sobre o uso da sorva (Couma utilis) na produção dos bancos kumurõ para comercialização retomou antigos debates sobre sua sustentabilidade. A sorva apresenta importância cultural para os povos rionegrinos, principalmente por ser a principal madeira utilizada na confecção dos bancos.
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AIMAs e alunos coletam madeira de sorva para a oficina de produção de bancos kumorõ|Marcus Schmidt
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A oficina de produção de bancos kumurõ e manejo da sorva, auxilia na revisão do plano de manejo|Marcus Schmidt
Em oficinas realizadas em anos anteriores, alguns fatores que limitam a sua regeneração e ocorrência em florestas mais antigas já haviam sido identificados, resultando em situações de raridade em algumas localidades ao longo desta região. Segundo estudos realizados pelo consultor Marcus Schmidt junto com a equipe de assessores do ISA na região do Rio Negro, a espécie apresentou situação desfavorável à regeneração natural, requerendo mais atenção e cuidados, aspectos que levaram à elaboração de um plano de manejo, de modo a garantir a sua continuidade entre o sistema produtivo.
Nesse sentido, a oficina de produção de bancos kumurõ e manejo da sorva, além de constituir um encontro de formação de novos artesãos permitiu que os participantes revisassem as estratégias definidas no plano de manejo: o plantio de mudas em roças; o uso de madeiras alternativas; a proteção de mudas regenerantes em capoeiras; e o monitoramento e proteção de matrizes que servem como porta sementes.
Nas iniciativas passadas ligadas ao manejo da sorva, o plantio de mudas já foi experimentado e apesar de algumas experiências positivas não é uma tarefa simples, como relatou o mestre artesão Celestino Azevedo, de Pirarara Poço. Ele conta que fez diversas tentativas até obter sucesso transplantando plântulas pouco enraizadas e geralmente dispersas por animais ao invés de plantar as sementes.
A região carece de um levantamento atualizado das populações de sorva. Apesar de algumas experiências positivas em relação ao plantio não se sabe a situação atual das populações de sorveira no Tiquié, ao que os participantes sugeriram algumas bolsas para jovens pesquisadores, maior envolvimento dos artesãos no plantio e integração da sorva às próprias áreas de roça e capoeiras.
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Finalização da Oficina de produção de bancos kumurõ|Marcus Schmidt
Para a formação dos jovens artesãos foram usados dois pés de sorva, dos quais resultaram mais de 30 bancos. Embora o foco desta oficina tenha sido a produção, os artesãos vêm atualmente discutido com o departamento de negócios da FOIRN os custos e a viabilidade econômica da atividade. Nesse sentido, as estratégias de manejo propostas nas oficinas podem ser uma alternativa interessante no sentido de agregar valor aos produtos e reduzir a pressão sobre o recurso. A sugestão de Marcus Schmidt é de que “toda ação de produção, com finalidades comerciais, deve estar conectada às ações de manejo”.
Integração entre escola, comunidade e território
Os debates da oficina mostraram que o manejo ambiental envolve também a transmissão de conhecimento e o fortalecimento cultural. Benzimentos, narrativas e história de ocupação do território emergiram como parte essencial do cuidado com a roça e com a floresta. Como disse a AIMA Oscarina Caldas, “os benzimentos são como adubo para nós; sem eles, a roça não produz direito”.
Os participantes da oficina contam que os conhecimentos tradicionais devem ser transmitidos nas “Casas de Saber” (vulgarmente chamadas de malocas), motivo pelo qual a comunidade pretende submeter um projeto ao Fundo Indígena do Rio Negro (FIRN) para a construção de uma dessas casas na área da comunidade.
Artesanato, economia e uso sustentável
Paralelamente à oficina de capoeiras e formação de jovens artesãos aconteceram outras atividades que também mobilizaram as mulheres da comunidade. Elas organizaram uma oficina de cerâmica – já que a feitura dos bancos é uma atividade exclusivamente masculina – e moradores da comunidade de Nova Esperança, vizinha a Boca da Estrada, promoveram uma oficina de cestaria Hüpda, utilizando-se da coleta de cipós e outros materiais.
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Mulheres apresentam o resultado da oficina de cerâmica e cestaria Hüpda|Marcus Schmidt
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Meninas apresentam o resultado da oficina de cerâmica e cestaria Hüpda|Marcus Schmidt
Uma agenda contínua de cuidado com o território
As oficinas tiveram grande participação da comunidade, envolvendo estudantes, professores e artesãos. Além de evidenciar a demanda por ações integradas, esse tipo de iniciativa demonstrou que as ações de manejo são mais do que eventos pontuais: elas são parte de um processo contínuo de cuidado com a terra, segundo a fala dos professores, alunos e AIMAs, durante as oficinas de manejo e produção.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Nature publica pesquisa indicando que manejo da fauna na Amazônia alimenta os povos e protege a floresta
Estudo inédito, com participação de pesquisadores indígenas do Rio Negro e do ISA, registra que animais silvestres sustentam 11 milhões de habitantes do bioma
O período adequado para sair em busca da caça; o pote de guardar o curare - veneno que vai ser colocado na flecha; o cuidado para não abater nenhum animal além do necessário para o consumo comunitário; a partilha com a comunidade. Esses são alguns dos elementos do manejo da fauna promovido pelos povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares há milhares de anos na Amazônia.
Esse manejo, essencial para a segurança alimentar, para a proteção da floresta e para a regulação climática, é o tema de artigo publicado nesta quarta-feira (26/11), na revista Nature. A bióloga Natalia Campos Pimenta, coordenadora adjunta do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), liderado por André Pinassi Antunes, da Rede Fauna.
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Ceramistas buscam a resina vegetal usada no acabamento das cerâmicas baniwa na região do Rio Ayari (AM)|Natalia C. Pimenta/ISA
Segundo a Nature, o estudo inédito revela “a imensa riqueza biológica e cultural dos sistemas alimentares baseados na carne silvestre e sua importância para os povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores do interior da Amazônia.”
Estima-se que a carne silvestre produzida na região seja suficiente para suprir quase metade das necessidades diárias de proteína e ferro dos 11 milhões de habitantes das áreas rurais do bioma, além de uma parcela significativa de vitaminas do complexo B e zinco, nutrientes fundamentais para a saúde humana.
E ainda indica a importância econômica do manejo, mostrando que, quando comparada aos preços atuais da carne bovina, essa produção teria um valor aproximado de US$2,2 bilhões ao ano — uma riqueza invisível que sustenta a segurança nutricional dos povos da Amazônia.
Substituir a carne silvestre por carne de animais domesticados nas áreas rurais da Amazônia, uma medida frequentemente sugerida para reduzir a caça de animais silvestres, geraria enorme impacto ambiental.
O estudo sugere que a produção de carne bovina equivalente à carne de animais silvestres proveniente da caça produzida para alimentar os povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultoras da região exigiria a conversão de até 64.000 km2 de floresta em pastos, liberando até 1,16 bilhão de toneladas de CO2 — aproximadamente 3% das emissões globais anuais.
Além disso, o estudo revela que Terras Indígenas e Reservas Extrativistas mantêm populações saudáveis de espécies-chave caçadas, demonstrando a eficácia da governança e gestão territorial feita pelos povos da Amazônia.
Indica ainda que demarcar os territórios e fortalecer a governança indígena e tradicional são estratégias centrais para assegurar a sustentabilidade dos sistemas alimentares baseados na carne de caça e, consequentemente, para o cumprimento de diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
O manejo da fauna silvestre considerando a caça tradicional é o caminho que concilia os interesses da conservação das espécies e os direitos, práticas e o modo de vida dos povos da Amazônia.
“A identidade cultural é uma característica chave para a produtividade da caça, refletindo milênios de relações dinâmicas e recíprocas com a natureza”, diz a pesquisadora Natalia Pimenta.
Os pesquisadores enfatizam que “propostas de proibir ou substituir a carne silvestre sem reconhecer esse contexto representam visões colonialistas que ameaçam a autonomia e os direitos dos povos da Amazônia”.
“A caça tradicional na Amazônia é profundamente moldada por conhecimentos, regras e práticas culturais que regulam o uso da fauna há milênios. Embora os números estimados de animais caçados anualmente sejam elevados, povos indígenas e comunidades tradicionais têm historicamente mantido populações saudáveis, defendendo seus territórios e manejando-os por meio de normas sociais e alimentares, restrições espaciais e relações de reciprocidade com os animais. Não por acaso, os maiores berçários de fauna encontram-se hoje justamente nos territórios indígenas e tradicionais”, informa André Antunes à Nature.
E conclui que proteger a Amazônia é vital não apenas para conservar a biodiversidade, mas para garantir a saúde, o bem-estar, a segurança alimentar e nutricional, a soberania e a continuidade dos modos de vida de milhões de habitantes rurais.
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Manejo da fauna promovido pelos povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares é essencial para a proteção da floresta e para a regulação climática|Fellipe Abreu/ISA
A pesquisa, conduzida por dezenas de pesquisadores acadêmicos, indígenas e extrativas, foi endossada por duas das maiores entidades representativas dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia brasileira: a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
Veja alguns dados da pesquisa:
- A pesquisa reúne um conjunto inédito de dados coletados entre 1965 e 2024 em mais de 600 comunidades de todo bioma amazônico;
- A diversidade de animais consumidos é surpreendente, abrangendo pelo menos 500 espécies. Contudo, os autores identificaram que 20 grupos de animais respondem por 72% de todos os indivíduos caçados e 84% da biomassa animal total extraída, com destaque para espécies como queixada, anta e paca.
- Ao longo dos 8 milhões de km2 que compõem a Amazônia, os autores estimaram uma extração anual de mais de meio milhão de toneladas de biomassa animal, o que corresponde a 0,37 milhão de toneladas de carne silvestre efetivamente comestível.
- O estudo também alerta que o desmatamento representa uma ameaça direta a esses sistemas alimentares. Em áreas onde mais de 70% da floresta foi perdida, que corresponde a cerca de 500 mil km2, a quantidade de animais e de biomassa animal disponíveis por caçador caiu 67%. Nessas regiões degradadas, espécies mais generalistas, como tatus, capivaras e pombas, são proporcionalmente mais caçadas, sobretudo na proximidade de centros urbanos, onde a demanda por proteína animal é maior.
- Além do alto custo ambiental, a carne doméstica, especialmente a de frango, contém níveis muito menores de ferro, zinco e vitaminas essenciais, agravando riscos de deficiências nutricionais entre as populações humanas que vivem nessas áreas.
Documentário “Eenonai: Conservação e manejo na casa dos animais”
O documentário “Eenonai: Conservação e manejo na casa dos animais”, lançado na COP30, em Belém, mostra de perto o manejo da fauna promovido pelo povo Baniwa no Alto Rio Negro (AM).
Eenonai é o termo na língua dos conhecedores Baniwa que se refere aos animais e dá nome ao documentário sobre o manejo da fauna na região do Rio Ayari (Alto Rio Negro - AM), na bacia do rio Içana, território predominantemente do povo Baniwa.
Entre os Baniwa, a prática da caça se mantém de geração em geração e integra um sistema sofisticado de conhecimentos dos povos indígenas do Alto Rio Negro, uma das regiões mais preservadas da Amazônia. Esse manejo também compõe o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro (SAT-RN), reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histório e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio cultural.
As práticas e saberes sobre esse manejo são acompanhados pelos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) da região, que desenvolvem pesquisas sobre temas socioambientais, em diálogo permanente com os conhecedores de suas comunidades e com pesquisadores especializados não-indígenas.
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Armindo Brazão, AIMA e presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), navegando pelo igarapé Pamáali, no Rio Içana, Terra Indígena Alto Rio Negro (AM)|Natalia C. Pimenta/ISA
Constituída a partir de colaborações entre o Instituto Socioambiental (ISA), a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e organizações e escolas indígenas locais, a Rede de AIMAS atua na região do Içana e em outras áreas do Alto e Médio Rio Negro, registrando em diários e tablets práticas de manejo das roças, pesca, caça, coleta de frutos e insetos, intercâmbios econômicos e rituais, fabricação dos instrumentos e utensílios.
O objetivo da Rede de AIMAs é promover pesquisas colaborativas e interculturais de longa duração para o fortalecimento dos conhecimentos indígenas e da gestão territorial. Para isso, os agentes indígenas também contam com a parceria com institutos de pesquisa e universidades.
O educador-pesquisador, físico, cientista ambiental e liderança indígena Dzoodzo Baniwa, que participou da produção do Eenonai, ressalta a importância do documentário, que registra o manejo sustentável da fauna pelo povo Baniwa.
“O documentário traz esse registro importante sobre o conhecimento. Cada povo indígena tem seu próprio sistema de conhecimento e do manejo do seu território. Cada técnica, cada domínio da tecnologia é muito importante. Os Baniwa utilizam, por exemplo, instrumentos tradicionais, como zarabatana, e têm outras técnicas. O documentário resgata essas práticas tradicionais e dá esse horizonte de como podemos continuar mantendo o manejo da caça no nosso território, inclusive nessa perspectiva de impacto de mudanças climáticas. É muito importante, porque tanto os animais quanto nós povos indígenas manejamos esse território todo, ajudamos a diversificar as plantas, distribuindo sementes. A gente tem esse papel muito importante na proteção da floresta”, diz.
A pesquisa retratada no documentário é uma realização do ISA e da FOIRN, com fruto da dedicação da Rede de AIMAs em parceria com o Centro de Pesquisa e Monitoramento Eenopana e a Rede Fauna - Pesquisa em Conservação, Uso e Manejo da Fauna da Amazônia.
A idealização do projeto é da pesquisadora e coordenadora-adjunta do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (PRN/ISA), Natalia Camps Pimenta, e dos pesquisadores André Pinassi Antunes e Walter Lopes da Silva, do povo Baniwa. A direção é do documentarista Fellipe Abreu, especialista em sistemas alimentares, e da analista do ISA, Giselle Sousa.
Ficha técnica
Idealização: Natalia Camps Pimenta, André Pinassi Antunes e Walter Lopes da Silva Produção: Natalia Camps Pimenta, André Pinassi Antunes, Walter Lopes da Silva, Dzoodzo Baniwa e Ana Amélia Hamdan Gontijo Direção: Fellipe Abreu e Giselle Sousa Direção de fotografia e captação de áudio: Fellipe Abreu Entrevistas em Baniwa: Laise Cardoso Roteiro: Luiz Felipe Silva Edição/finalização: Elder Barbosa Agradecimentos: Aos moradores e conhecedores de Canadá e demais comunidades do Rio Ayari, Escola Baniwa Eeno Hiepole, Centro de Pesquisa e Formação Eenopana, National Geographic, Rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) da Bacia do Rio Negro. Realização: ISA, FOIRN, Rede Fauna, Nadzoeri Apoio: Ipê/Lira e Nia Tero
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Aliança Kayapó, Munduruku e Yanomami participa da 6ª Conferência da Convenção de Minamata, em Genebra
Lideranças indígenas debateram impactos da contaminação por mercúrio na Amazônia e pressionaram por políticas de proteção ambiental e de saúde
Lideranças da Aliança pela defesa dos Territórios – formada por representantes dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami – participaram da Sexta Conferência das Partes da Convenção de Minamata sobre Mercúrio (COP-6), realizada em Genebra, na Suíça, entre os dias 2 e 7 de novembro de 2025.
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Lideranças da Aliança pela defesa dos Territórios participaram da Sexta Conferência das Partes da Convenção de Minamata sobre Mercúrio (COP-6)|Décio Yokota/Iepé
A Convenção de Minamata sobre o Mercúrio é um tratado internacional, estabelecido sob a égide das Nações Unidas, que tem por objetivo proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos nocivos do mercúrio e seus compostos. Nomeada em memória à tragédia de contaminação ocorrida na cidade japonesa de Minamata, a Convenção exige que os países signatários controlem e, eventualmente, eliminem o mercúrio de diversas fontes.
Isso inclui a proibição da produção, importação e exportação de produtos que contenham mercúrio adicionado, o controle de emissões industriais e a adoção de planos de ação nacionais para reduzir e, sempre que possível, eliminar o uso do mercúrio na mineração artesanal e em pequena escala de ouro (MAAS).
No primeiro dia da conferência, os indígenas participaram do evento From Science to Action: Protecting the Amazon from Mercury Pollution (Da Ciência à Ação: Protegendo a Amazônia da Poluição de Mercúrio - do inglês para o português). O evento apresentou o documentário Amazon, the New Minamata? que debate os efeitos do mercúrio em indígenas no Rio Tapajós.
Antes da exibição do filme, a liderança munduruku, Jairo Saw Munduruku, e o diretor do documentário, Jorge Bodanski, conversaram com as pessoas presentes no evento.
Os representantes da Aliança também participaram de três Knowledge Labs (que pode ser traduzido como laboratórios de conhecimento e servem como eventos à parte dentro da COP). Eles defenderam o fim do uso de mercúrio explicando que assistem a contaminação de seus parentes, do solo, dos peixes e dos rios.
“O uso de mercúrio está trazendo uma doença silenciosa que não existe na sociedade brasileira e nem em países internacionais, que assim não veem que o nosso povo está doente pela contaminação de mercúrio. Quantas toneladas de mercúrio já não foram lançadas no solo para tentar pegar minério? E este metal não é prejudicial só a nós, mas também ao meio ambiente”, disse Jairo durante a discussão da mesa Health, Human Rights and Mercury Impacts (Saúde, Direitos Humanos e Impactos do Mercúrio) no dia 4 de novembro.
Além desta mesa, as lideranças estiveram presentes nos eventos: Technical Manual for the Care of Indigenous Peoples Exposed to Mercury (Manual Técnico de Cuidados com Indígenas Expostos ao Mercúrio) e Indigenous Peoples and Mercury Monitoring (Indígenas e o Monitoramento de Mercúrio), nos dias 5 e 6 de novembro, respectivamente.
Os membros da Aliança também tiveram reuniões com a delegação oficial brasileira, em especial com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e com o Ministério de Minas e Energia (MME), para dialogar sobre o Plano de Ação Nacional, que ainda não foi apresentado pelo país.
Uma das demandas da Aliança é uma maior participação da sociedade civil na construção do documento.
Encaminhamentos-chave da COP 6
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Representantes da Aliança levaram à plenária uma proposta que tenta avançar na responsabilização dos compradores e intermediários da cadeia de ouro sobre o uso de mercúrio|Décio Yokota/Iepé
Entre os pontos de destaque da última conferência estão: a definição de uma data para a eliminação do uso do amálgama dentário (até 2034) e a criação do Fórum Internacional dos Povos Indígenas Sobre Mercúrio.
Um dos pontos baixos foi a falta de consenso sobre a data de eliminação do uso de mercúrio pela mineração, que é a principal fonte de contaminação na Amazônia.
Para o geógrafo Estêvão Senra, assessor do Instituto Socioambiental (ISA), os avanços logrados na COP-6 ainda são modestos, tendo em vista a magnitude e a gravidade do problema. A falta de financiamento estável e a ausência de compromisso político mais firme, são pontos elencados como entraves para enfrentar os custos e desafios da transição para um mundo livre de mercúrio.
“A convenção de Minamata foi feita pensando no fim do uso industrial do mercúrio, como lâmpadas fluorescentes que era algo que já está entrando em desuso. A ideia era ter uma convenção de químicos para terminar o uso de mercúrio. O uso de mercúrio no garimpo está crescendo, enquanto em outras áreas está caindo”, explica Décio Yokota, analista técnico do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), que acompanhou a delegação da Aliança.
O Brasil também encaminhou à plenária uma proposta que, entre outras coisas, tenta avançar na responsabilização dos compradores e intermediários da cadeia de ouro sobre o uso de mercúrio.
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20 anos dos AIMAs: pesquisadores indígenas contam na COP30 como medem a crise climática no Rio Negro
Protagonistas de um sistema que integra ciência indígena e não indígena, eles fortalecem práticas tradicionais e inspiram ações de adaptação climática
Em 2025, a Rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) do Rio Negro completa 20 anos de uma experiência pioneira: unir conhecimento ancestral e métodos científicos para monitorar, diretamente das comunidades, os ciclos da natureza na região. O que iniciou sem foco climático, logo se tornou uma pesquisa intercultural contínua e abrangente que também investiga os efeitos da crise do clima para os povos indígenas da região, demonstrando que os impactos já se manifestam no cotidiano das comunidades.
Parte dos resultados de duas décadas de levantamento foi reunida e apresentada na 6ª edição da revista Aru, lançada durante a COP30, em Belém (PA). Criada pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e pelo Instituto Socioambiental (ISA), a rede de AIMAs atua em comunidades ao longo do Alto, Médio e Baixo Rio Negro e reúne hoje dezenas de pesquisadores indígenas dos povos Tukano, Baniwa, Desana, Baré, Tuyuka e Koripako, entre outros.
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Roda de conversa marcou lançamento da 6ª edição da Revista Aru na Galeria Benedito Nunes, em Belém (PA)|Marina Terra/ISA
As observações, registradas em diários, agendas e tablets, incluem dados sobre o comportamento dos rios, florações, migrações de peixes e aves, piracemas, doenças, festas e benzimentos. Os registros revelam a força dos extremos climáticos, como secas prolongadas, incêndios em áreas de igapó e enchentes recordes, que têm provocado perdas de roças, mudanças na disponibilidade de peixes e riscos à segurança alimentar e à cultura dos povos indígenas.
Segundo o pesquisador Roberval Pedrosa, do povo Tukano, que completa junto com o projeto 20 anos de monitoramento e pesquisas, o trabalho diário é a base de todo o conhecimento produzido: “Todo dia a gente escreve. Amanheceu nublado? A gente anota. Choveu? Escreve quanto tempo. Observamos as constelações, fazemos desenhos, registramos tudo. Aprendemos escrevendo.” E acrescenta: “Hoje nós, pesquisadores indígenas, somos como uma pequena chave que ajuda a esclarecer o que realmente está acontecendo no planeta.”
Os AIMAs, mais do que observadores, se tornaram ao longo destes 20 anos protagonistas de um sistema que integra ciência indígena e não indígena. Eles formam jovens pesquisadores, fortalecem práticas tradicionais e inspiram ações de adaptação climática – o principal foco dos debates da COP30 no Brasil.
“Quando começamos, a ideia era apenas fazer um monitoramento geral dos territórios, registrar o que acontecia nas comunidades. Mas logo ficou evidente que esse projeto poderia medir os impactos da crise climática na Amazônia e entender como os povos indígenas enfrentam essas mudanças”, afirmou Aloísio Cabalzar, antropólogo e assessor do projeto pelo ISA, durante o lançamento nesta quinta-feira (13/11) na Galeria Benedito Nunes, na capital paraense.
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Da esquerda para a direita: Oscarina Caldas (Desana), Aloísio Cabalzar, Roberval Pedrosa (Tukano) e Genilton Apolinário (Baniwa)|Marina Terra/ISA
No dia 10, foi inaugurada no mesmo espaço cultural uma mostra com obras dos artistas indígenas rionegrinos Feliciano Lana, Ismael dos Santos e dos AIMAs, e de outros artistas indígenas de outras partes do mundo, organizada pelo Instituto Goethe, aberta ao público até 28 de novembro, com entrada gratuita. A exposição permitiu aos presentes ao lançamento da Aru conhecer os desenhos de constelações e outros registros produzidos pelos AIMAs, enquanto conversavam com os pesquisadores.
Ainda não quinta-feira, na parte da tarde, a Aru 6 teve lançamento no Rainforest Pavilion da Blue Zone, com a presença de Hélio Monteiro Lopes, do povo Tukano e diretor-executivo da Foirn e Sandra Gomes, liderança do povo Baré.
Participação das mulheres indígenas
Oscarina Caldas, do povo Desana, pesquisadora da rede há dez anos e que compareceu aos dois eventos, destaca que o trabalho dos AIMAs segue os ritmos da natureza. “A gente reúne todas as observações e se inspira nas constelações. Dentro do ciclo anual, seguimos o caminho delas. Nosso calendário é vivo.”
Embora ainda minoritária, a participação feminina na rede vem crescendo, assumindo papel essencial na transmissão de conhecimentos conectados às atividades e vivências tradicionais das mulheres indígenas.
Oscarina, que também é conhecedora das roças e do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, lembra que grande parte desse conhecimento é preservado pelas mulheres e que os impactos da crise climática podem comprometer o bem-estar das comunidades. “Nossas avós deixaram esse patrimônio para nós. Cada prática precisa ser feita com cuidado para se manter viva e eficaz. Isso é nossa ciência.”
Ela reforça a importância do esforço coletivo dos AIMAs, que integra os ciclos da floresta, o céu e o cotidiano das comunidades: “Os conhecimentos que registramos são para que a nova geração leia, pratique e continue explorando o que ainda existe neste mundo”. Ao final, Oscarina fez um apelo: “Peço que sigam apoiando para manter nossa floresta em pé. É o nosso patrimônio, é o que respiramos.”
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'A Queda do Céu' estreia nos cinemas brasileiros em 20 de novembro
Longa baseado em livro de mesmo nome acompanha a liderança yanomami Davi Kopenawa durante um Reahu no Watorikɨ
O filme A Queda do Céu estreia nos cinemas brasileiros na próxima quinta-feira (20/11). O longa é baseado no livro homônimo escrito pelo xamã yanomami Davi Kopenawa e o antropólogo francês Bruce Albert.
Kopenawa é o personagem central do filme, que acompanha os Yanomami da comunidade Watorikɨ durante um Reahu — palavra que pode ser traduzida como "festa" do Yanomami para o português.
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Cartaz do filme 'A Queda do Céu'|Aruac Filmes
A Queda do Céu teve première no Festival de Cannes, dentro da prestigiada Quinzena dos Realizadores. Depois, estreou na França e nos Estados Unidos, além de ter passado em mais de 80 festivais.
“É uma alegria chegar ao Brasil com A Queda do Céu e poder trazer para os próprios brasileiros as palavras desse imenso pensador yanomami. Muitos aqui ainda não conhecem a força do pensamento de Davi Kopenawa. O filme é um convite para ver, ouvir e sonhar com os Yanomami um outro projeto de Brasil”, disse Gabriela Carneiro da Cunha, que assina a direção do longa com Eryk Rocha.
Antes da estreia oficial no país, o filme também contou com uma pré-estreia em Belém durante a COP em 13 de novembro e contará com outras duas sessões para convidados em São Paulo em 17 de novembro e no Rio de Janeiro no dia 19.
Lista de cinemas que exibirão “A Queda do Céu”
São Paulo – Belas Artes / IMS / Espaço Petrobras
Rio de Janeiro – Estação Net Rio (Botafogo)
Belo Horizonte – UNA Belas Artes
Poços de Caldas - IMS
Brasília – Cine Brasília
Salvador – Cine Glauber Rocha
Recife – Fundação Joaquim Nabuco
Fortaleza – Espaço Dragão do Mar
Manaus – Cine Casarão
Belém – Cine Líbero Luxardo
Macapá – Movieland
Boa Vista - Yanomax
Sobre o filme
A partir de três eixos fundamentais do livro (Convite, Diagnóstico e Alerta), o filme apresenta a cosmologia do povo Yanomami, o mundo dos espíritos Xapiri pë, o trabalho dos xamãs para segurar o céu e curar o mundo das doenças produzidas pelos não- indígenas, o garimpo ilegal, o cerco promovido pelo povo da mercadoria e a vingança da Terra.
Lançado em 2010, originalmente em francês, A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami reúne reflexões de Davi Kopenawa, contadas ao amigo Bruce Albert, sobre o contato de seu povo com os não indígenas desde os anos 1960.
“O filme é um diálogo com o livro homônimo de Davi Kopenawa, xamã yanomami e um dos maiores líderes indígenas do mundo, e Bruce Albert, antropólogo francês. A obra é considerada por muitos especialistas como uma das mais importantes da contemporaneidade”, explica a Aruac Filmes.
Além da produção da Aruac Filmes, o filme conta com apoio do ISA (Instituto Socioambiental), co-produção da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e Stemal Entertainment com Rai Cinema e produção associada de Les Films d'ici.
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Nota de Pesar por Bruno Alves Chaves
Coordenador-geral de Programas e Ações de Combate às Discriminações no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Bruno demonstrou comprometimento com a luta indígena
Bruno sonhava com a criação de um modelo de proteção social diferenciado, com especial atenção para povos de recente contato | André Oliveira/MDS
O Instituto Socioambiental (ISA) vem manifestar solidariedade aos familiares, amigos e colegas de trabalho de Bruno Alves Chaves em razão do seu falecimento precoce no último domingo no município de Santa Isabel do Rio Negro, Amazonas, dia 9 de novembro de 2025.
Enquanto profissional de serviço social e coordenador-geral de Programas e Ações de Combate às Discriminações do Departamento de Proteção Social Básica da Secretaria de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Bruno Alves demonstrou ser uma pessoa extremamente comprometida com a luta indígena, atuando com ética, solidariedade e compromisso com os grupos mais vulneráveis, sobretudo nos últimos anos de sua carreira com os povos Yanomami e Ye’kwana.
Por meio de sua atuação, o ISA firmou parcerias e trocas com o MDS a fim de construir uma política de proteção social culturalmente adequada aos povos indígenas, com o intuito de superar as barreiras sociais, culturais, linguísticas e geográficas que impedem esses povos de acessar as políticas de assistência social de forma exitosa.
Bruno sonhava com a criação de um modelo de proteção social diferenciado, com especial atenção para os povos de recente contato, cuja vulnerabilidade nos centros urbanos é agravada justamente pela busca desassistida por direitos e serviços básicos.
Bruno perdeu sua vida no exercício de sua profissão, trabalhando em prol dos povos indígenas, missão que ele abraçou com tanto amor e dedicação. Seu legado, contudo, não se encerra aqui: ele será mantido pela continuidade do trabalho de todos aqueles que o apoiaram e compartilharam de seus ideais, garantindo que sua causa e seu exemplo permaneçam vivos entre nós.
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Comunicadores indígenas da Rede Wayuri iniciam cobertura da COP30 em Belém
Durante a conferência, a equipe atuará em grupos de revezamento: uma redação base permanecerá em Manaus e São Gabriel da Cachoeira, sede da Rede Wayuri e da Rádio Online Wayuri
Os comunicadores indígenas da Rede Wayuri já estão em Belém (PA) para dar início à cobertura da COP30, que começa nesta segunda-feira (10). Vindos de diferentes regiões do Rio Negro, eles se preparam para acompanhar de perto os debates sobre justiça climática, financiamento climático, territórios indígenas e soluções baseadas na natureza que estarão em pauta durante a conferência.
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Grupo de comunicadores e AIMAs participaram de oficina preparatória de cobertura climática durante quatro dias em Manaus|Alexandre Produtor Audiovisual
A ação foi dividida em duas etapas complementares: a primeira, de formação e planejamento, foi realizada em Manaus, entre os dias 5 e 8 de novembro; e a segunda, em andamento, é a prática de cobertura climática durante a própria COP30.
O encontro prévio reuniu quatro comunicadores indígenas do Rio Negro, uma comunicadora da Rede de Comunicadores Xingu+ e três Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs), em uma imersão sobre os objetivos das Conferências do Clima, os principais temas da política climática global e a agenda do movimento indígena no evento.
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Grupo também elaborou um mapeamento prévio das agendas oficiais e paralelas da COP30|Vanessa Fernandes/ISA
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A agenda incluiu um treinamento de mídia como parte da preparação para a cobertura. Na imagem, Oscarina da Silva e Yaa Yudjá|Alexandre Produtor Audiovisual
Durante a oficina, os participantes também refletiram sobre o que é notícia na perspectiva da comunicação comunitária, valorizando narrativas que partem das realidades e prioridades de cada território.
A programação incluiu ainda um treinamento de mídia, voltado tanto para comunicadores quanto para os AIMAs, com práticas de técnicas de entrevista, expressão diante das câmeras e estratégias de comunicação sobre o trabalho de pesquisa, manejo ambiental e comunicação. O objetivo foi fortalecer a segurança e a clareza dos participantes ao falar com a imprensa, durante a produção de conteúdo para as redes sociais e também nas transmissões ao vivo.
Como parte da preparação, o grupo também elaborou um mapeamento prévio das agendas oficiais e paralelas da COP30, que ocorrerão em diferentes espaços da cidade – como a Zona Azul, a Zona Verde, a Cúpula dos Povos, o Museu Goeldi e a Aldeia COP. Esse planejamento servirá de base para a cobertura coletiva.
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Práticas de técnicas de entrevista e expressão diante das câmeras fizeram parte da dinâmica|Alexandre Produtor Audiovisual
Durante a conferência, a equipe atuará em grupos de revezamento: uma redação base permanecerá em Manaus e São Gabriel da Cachoeira, sede da Rede Wayuri e da Rádio Online Wayuri, enquanto os repórteres correspondentes em Belém farão o envio de informações, imagens e relatos diretamente dos espaços da COP.
Para José Paulo Sampaio Castro, do povo Piratapuia e comunicador da Rede Wayuri, participar da cobertura é uma oportunidade de dar visibilidade às vozes indígenas da Amazônia:
“Minha expectativa para essa COP30 é grande, porque é um momento decisivo e, principalmente, um momento em que a conferência está sendo realizada aqui no Brasil, em Belém do Pará. Neste ano, viemos com uma delegação grande para representar e também ser ouvidos, para que os nossos governantes e grandes líderes possam tomar decisões em prol de todos os povos. Estamos aqui para levar essa comunicação até o território e garantir que todos também tenham a vez de participar”.
A cobertura será realizada também em parceria com a Rádio Nacional dos Povos, que fará entradas ao vivo diárias, tanto de Belém quanto dos territórios indígenas do Rio Negro. A coordenadora da iniciativa, Letícia Leite, destaca o papel da colaboração entre diferentes coletivos de comunicação:
“Durante a cobertura, fortalecemos as parcerias entre coletivos de comunicação indígena e quilombola que atuam em diferentes regiões do país, conectando vozes em tempo real. A transmissão ao vivo a partir do estúdio reúne comunicadores que ocupam os principais espaços do evento. Essa articulação entre coletivos consolida uma rede colaborativa que valoriza a autonomia das produções locais, o intercâmbio de saberes e a construção conjunta de narrativas sobre o clima, os territórios e os direitos dos povos.”
Segundo Cláudia Ferraz, do povo Wanano e coordenadora da Rede Wayuri, essa articulação é essencial para aproximar quem está nos territórios das discussões globais sobre o clima. “É importante poder levar informações diretamente para os nossos parentes que ficam no território, para que possam também acompanhar este evento, que é muito importante para os povos indígenas”, completa.
Ao todo, participam dez comunicadores e AIMAs da cobertura colaborativa da COP em Belém:
Aldison Lobo (povo Mirititapuia); José Paulo de Castro (povo Piratapuia); Imaculada Moreira (povo Tukano); Joelson Felix (povo Galibi Marworno); Yaa Yudjá (povo Juruna/Yudjá); Ray Baniwa (povo Baniwa); Juliana Albuquerque (povo Baré); Genilton da Silva Apolinário (povo Baniwa); Oscarina da Silva Caldas (povo Desana); Roberval Sambrano Pedrosa (povo Tukano).
Equipe em Manaus e São Gabriel da Cachoeira: Gedilson Alexandre da Silva (povo Baniwa); Cláudia Ferraz (povo Wanano); Júlia Albuquerque (povo Piratapuia); Nayra Cardoso (povo Baniwa); Welison Costa (povo Baré).
A iniciativa integra o projeto MÍDIA-Brasil: Vozes Indígenas pela Justiça Climática, Sociedades Resilientes e uma Transformação Socioecológica com Justiça de Gênero, executado pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Rede Wayuri e a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), com apoio financeiro do Instituto para Democracia e Mídia (Idem) e da Cooperação Alemã (BMZ).
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