Oficina sobre justiça climática, realizada na sede do ISA em São Gabriel da Cachoeira, debateu último relatório do IPCC|Adelina Desana/Acervo pessoal
Calor extremo prejudicando a agricultura, chuvas intensas que alagam e devastam cultivos, além de incêndios florestais que resultam em estiagens e isolamento de comunidades, são apenas alguns exemplos dos impactos da emergência climática sentidos e narrados por indígenas que moram em comunidades no Noroeste Amazônico — na região de fronteira com a Venezuela e Colômbia conhecida como Cabeça do Cachorro, na Bacia Hidrográfica do Rio Negro.
Integrantes da juventude indígena de São Gabriel da Cachoeira, coordenada pelo Departamento de Adolescentes e Jovens (Dajirn) da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e a Rede Wayuri de Comunicação Indígena, participaram em 8 de setembro de oficina sobre Justiça Climática realizada pelo Instituto Socioambiental (ISA) no telecentro comunitário.
Estavam presentes 15 jovens indígenas que são líderes, articuladores e/ou comunicadores para seus povos e comunidades de oito etnias do Rio Negro: Arapaso, Baniwa, Baré, Desana, Piratapuia, Tukano, Wanano e Yanomami.
A oficina foi organizada e ministrada pela articuladora de políticas socioambientais do Programa Rio Negro do ISA, Juliana Radler, e contou com a mobilização da Rede Wayuri de Comunicação Indígena e do coordenador do Dajirn, Elson Kene, do povo Baniwa.
Edneia Teles, do povo Arapaso, representante da Secretaria Municipal de Juventude, Esporte e Lazer de São Gabriel da Cachoeira (Semjel), também enfatizou a importância de a pauta Justiça Climática ser incluída na 3ª Conferência Municipal de Juventude, que terá o tema “Reconstruir e Transformar: Protagonismo em defesa da vida, Território e Justiça”.
O evento municipal acontece na quarta-feira (27/09), no Centro Missionário Salesiano, no centro de São Gabriel da Cachoeira. A oficina teve ainda o apoio da Fundação Rainforest, da Noruega.
Vez e voz da juventude indígena
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Juventude indígena do Rio Negro discutiu justiça climática e racismo ambiental em oficina|Yasmim Samores Melgueiro Baré/Acervo pessoal
“A juventude indígena do Rio Negro, junto com o movimento socioambiental, vem organizando encontros e levando o tema da emergência climática para as assembleias indígenas de base, em especial para os encontros de jovens nos territórios”, afirmou Juliana Radler, especialista em Jornalismo Ambiental que já cobriu como repórter 10 Conferências do Clima (COP).
“Agora, é o momento da juventude indígena da Amazônia se preparar para ter voz ativa na Conferência do Clima da ONU em Belém, em 2025, tendo consciência do que significam conceitos como emergência climática, justiça climática e racismo ambiental”, completou.
A oficina teve uma exposição sobre o último relatório dos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – o IR6, sexto relatório de avaliação, divulgado em março deste ano. O estudo traz as últimas conclusões de 780 cientistas do mundo sobre a situação extremamente grave do clima no planeta devido ao aumento das emissões dos gases do efeito estufa (GEE).
Na sequência, também foi feita uma exposição sobre os conceitos de justiça climática e racismo ambiental, com exemplos e roda de conversa com o grupo.
Carta de Direitos Climáticos da Juventude Indígena do Rio Negro
Os jovens receberam materiais de apoio para trabalharem sobre o tema em suas comunidades. O objetivo é mobilizar a juventude indígena do Rio Negro sobre o tema da emergência climática para construir, até a sua Assembleia Geral, em 2024, uma Carta de Direitos Climáticos da Juventude Indígena rionegrina.
Para isso. um calendário de atividades está sendo fechado, e contará com reuniões virtuais e presenciais com os articuladores do Dajirn nas cinco regiões de atuação da Foirn, nos municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, em parceria com o ISA.
A expansão dos pontos de internet pela Foirn também vem facilitando a mobilização dos jovens indígenas em pautas relevantes e estratégicas para as suas comunidades.
Leia os depoimentos abaixo:
Juntos pelo clima na Terra Indígena Alto Rio Negro
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Hélio Géssem, do povo Tukano, morador da TI Alto Rio Negro|acervo pessoal
Hélio Géssem, do povo Tukano Articulador do Depatamento de Adolescentes e Jovens Indígenas (Dajirn/Foirn) da Coordenadoria DIA WI'Í)
“Na minha opinião, precisamos urgentemente conhecer e estudar sobre Emergência Climática e quais são os fatores que afetam e contribuem para as mudanças climáticas. Eu e também os demais indígenas precisamos de formação técnica para poder trabalhar com essa temática para dentro das comunidades e entender o lado técnico da ciência. Queremos, com isso, trazer a comparação e o diálogo com o saber indígena e assim, de fato, buscar alternativas para esse imenso problema. Juntos, o conhecimento indígena e não indígena, podem colaborar muito com as soluções. O saber indígena ainda está vivo e precisamos criar uma plataforma digital para alimentar os dados coletados e os que ainda vão ser coletados e assim, futuramente, criar um calendário ambiental atualizado. Agora, precisamos realizar e mobilizar campanhas urgentemente no território indígena para tratar dessa temática da emergência climática, pois é um assunto vital para a sobrevivência humana. Vejo também como uma oportunidade grande de mostrar o saber indígena nessas discussões futuras”.
Incidência política precisa ser de dentro do território indígena para fora
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Elson Kene, do povo Baniwa, liderança da juventude indígena do Rio Negro|
Juliana Radler / ISA
Elson Kene, do povo Baniwa Coordenador do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas (Dajirn/Foirn)
“Já estamos vendo as consequências das mudanças climáticas conforme as pesquisas realizadas pelos nossos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (Aimas), que relatam os últimos acontecimentos na região do Rio Negro. Essa observação é muito impactante e a gente vê a atual realidade ambiental no Rio Negro com preocupação. Desde já, precisamos estar nesta discussão, para que a gente possa ter participação em uma temática de extrema importância para nós e que vai trazer muito impacto no futuro. Precisamos apresentar nossas propostas como jovens e como moradores indígenas do Rio Negro. Temos nosso próprio manejo do meio ambiente, desde o sistema agrícola para a nossa alimentação, como outros manejos do mundo ao nosso redor. Temos que apresentar propostas que estejam sempre ligadas à nossa cultura, assim como também precisam dialogar com nosso Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA). A gente vê também que não conseguimos nos adaptar a essas mudanças do clima de forma rápida como os brancos, grandes empresários, que conseguem fazer essas adaptações muito rapidamente porque têm dinheiro e muitos recursos para investir. A gente aqui precisa de implementação de políticas públicas que possam beneficiar nossos povos e comunidades que são afetadas pelas consequências das mudanças climáticas. Mesmo tendo nossa forma tradicional de viver bem, notamos a necessidade de ter uma ajuda das políticas públicas do governo para essa questão da mudança climática. Nosso território é nosso centro do mundo. Por isso, precisamos preservar e ter também a parceria com outras pessoas de fora que nos ajudam a preservar a nossa região”.
Cuidar o meio ambiente como bandeira de luta
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Adelina de Assis Veloso, do povo Desana, da TI Balaio|Juliana Radler/ISA
Adelina de Assis Veloso Ex-coordenadora do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas (Dajirn/Foirn)
“Quando é colocada essa palavra forte “justiça” nos faz refletir. O que é justiça, o que é justiça climática? Foi muito bom conhecer esse conceito e acompanhar o debate com os participantes e com a Rede Wayuri, com os próprios comunicadores que têm esse papel de divulgar e falar sobre o nosso meio ambiente. Tiveram pontos trazidos pelos jovens das aldeias e dos distritos maiores, como Taracuá e Iauaretê, que vão levar o tema sobre justiça climática para suas comunidades. Ficou muito clara a importância do cuidado com o meio ambiente para combater a emergência climática. A minha observação é que esse tema precisa ser multiplicado nas comunidades. Nós, que moramos nas aldeias dentro da floresta, vivendo no rio, comendo as caças da floresta, os peixes do rio, frutas nativas e as frutas plantadas pelos nossos avós e pais, a gente se sente bem. Porém, a gente esquece de dar valor e cuidado com o que é essencial para a nossa vida. E o nosso dever é ter esse cuidado com o nosso território. Os impactos ambientais causados em outros estados e em outros países também vêm nos afetando. Porque aqui ainda temos gerações que têm contato direto com o rio, com a mata e com o modo de alimentação tradicional. Cuidar do nosso meio ambiente também é cuidar da nossa própria saúde. Por isso precisamos fazer do cuidado do meio ambiente nossa bandeira de luta como juventude indígena e a gente deve multiplicar esse cuidado. A vida do planeta depende da floresta. A veia de tudo, da chuva, do ar, das nuvens, de tudo, é a floresta. Assim encerro minha palavra.”
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Rede Wayuri e Museu da Pessoa lançam podcast ‘Guardiões da Memória do Rio Negro’
Episódios gravados por jovens e lideranças indígenas em Santa Isabel do Rio Negro e Iauaretê, no Amazonas, começaram a ser divulgados esta semana. Narrativas trazem conhecimentos ancestrais e histórias de vida
Podcast 'Guardiões da Memória do Rio Negro' entrevista conhecedores e conhecedoras das narrativas ancestrais|Museu da Pessoa/Divulgação
Dona Maria Lucélia, povo Desana, de nome indígena Diakarapo, nasceu na comunidade Pakowa, na Colômbia, e cresceu na comunidade Yai Boha, Santa Marta, rio Papuri, no Brasil. Lá passou pelo processo de benzimento e desde cedo recebeu orientações do pai. Ela se mudou ainda jovem para Iauaretê, distrito de São Gabriel da Cachoeira (AM), para dar continuidade aos seus estudos no internato salesiano junto com outras 600 internas. É uma conhecedora de histórias ancestrais.
Roberto da Silva é do povo Baré e nasceu em 1961. Educador das comunidades da região do Médio Rio Negro, passou parte da juventude pelos piaçabais, o que marcou sua história de vida. É morador da comunidade Jerusalém, em Santa Isabel do Rio Negro (AM).
Essas e outras histórias – contadas em primeira pessoa e registradas por indígenas do médio e alto rio Negro – estão disponíveis no podcast Guardiões da Memória do Rio Negro, projeto desenvolvido pelo Museu da Pessoa com a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro.
O lançamento aconteceu na quinta-feira (21), dentro da programação “Memórias Ancestrais”, agenda do Museu da Pessoa na Primavera dos Museus. Os áudios podem ser encontrados nas redes sociais do Museu da Pessoa e da Rede Wayuri.
Os episódios serão disponibilizados quinzenalmente, até o final do ano. Escute no Spotify:
Os comunicadores registraram narrativas e histórias em Iauaretê, no rio Uaupés, e Santa Isabel do Rio Negro. Os principais temas foram o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro (SAT-RN) e a Cachoeira da Onça, em Iauaretê, ambos registrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
Foram ouvidas 27 pessoas em comunidades do médio rio Negro e 35 em Iauaretê. Muitos dos entrevistados são os próprios pais, mães, avôs, avós, tios e tias dos jovens participantes.
Por meio das histórias de vida, aparecem a riqueza cultural, a tradição, a resistência e a exploração colonizadora que passa por piaçabais e a opressão religiosa, entre outros. A produção do podcast teve início em 2022. Este ano, a Rede Wayuri foi convidada a integrar o projeto com a realização de uma oficina de comunicação para ações de divulgação.
Comunicadora da Rede Wayuri, Juliana Albuquerque, do povo Baré, participou de encontros em Santa Isabel do Rio Negro e em Iauaretê. “Quando fomos convidados, até fiquei com um pouco de receio, pois sabemos da importância do Museu da Pessoa. Mas tive o apoio da Rede e segui em frente”, diz.
Ela desenvolveu as atividades junto com os jovens e lideranças que já integravam o projeto. O resultado foi uma intensa troca de saberes. “Percebi que muitos estavam com dúvidas sobre como gravar os áudios, como fazer os roteiros. Fomos fazendo juntos e aprendendo”, relata.
“É um grande projeto, que nos ajuda a perceber que às vezes a gente mesmo, que vive aqui, não conhece as nossas histórias. Quando ouvi as narrativas, resgatei memórias da minha própria história. Outro grande desafio foi fazer os registros nas línguas indígenas. Em Iauaretê, a maioria dos áudios estavam na língua tukano e foi necessário irmos atrás das traduções. Foi uma troca de saberes”, completou.
Histórias de vida também são patrimônios
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Captação de áudio e imagem em Iauaretê, distrito indígena no alto rio Negro|Museu da Pessoa/Divulgação
A Rede Wayuri tem um programa de rádio semanal, o Papo da Maloca, que divulga informações do movimento indígena e sobre outros temas de interesse dos povos do rio Negro. Além disso, o coletivo mantém o podcast Wayuri e o Instagram da Rede.
São 19 bolsistas e cerca de 40 voluntários indígenas dos povos Wanano, Baré, Tukano, Hupd´däh, Yanomami, Piratapuia, Hupd´äh, entre outros. Eles atuam a partir de São Gabriel da Cachoeira e das comunidades indígenas do extenso território do rio Negro.
A série de podcast está inserida no projeto Memória, Território e Patrimônios Imateriais do Rio Negro, desenvolvido em parceria entre o Museu da Pessoa, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e organizações indígenas locais.
Esses episódios foram idealizados e produzidos pelos Guardiões da Memória – jovens e lideranças que participaram do projeto - em parceria com a Rede Wayuri, que é ligada à FOIRN e tem o apoio do ISA.
O projeto é coordenado pela antropóloga Aline Scolfaro. As oficinas tiveram também a participação da coordenadora do programa Vidas Indígenas do Museu da Pessoa, Márcia Trezza.
“Acredito que, com a execução desse projeto, foi possível reforçar a ideia de que as pessoas e suas histórias de vida não só fazem parte dos domínios que constituem e dão sentido aos patrimônios, mas são também em si um patrimônio a ser salvaguardado”, diz Aline.
Comunicador e Guardião da Memória, Rogério Xavier, povo Baniwa, que vive na comunidade de Cartucho, médio Rio Negro, trouxe a importância do registro das narrativas para a valorização das vivências.
“Com esse trabalho, a gente começou a se dar conta do valor dessas histórias, do valor da cultura, da floresta, desse rio. Acho que a maioria aqui não se dava conta, apenas ia vivendo”, disse.
O Museu da Pessoa é um museu virtual e colaborativo de histórias de vida. Nos últimos anos, vem buscando ampliar sua atuação junto a povos indígenas e outras populações tradicionais, visando contribuir com a luta indígena e a pauta socioambiental, através de projetos de memória desenvolvidos de forma colaborativa.
Além do podcast, também foram produzidos vídeos curtos e dois documentários com trechos das histórias de vida registradas em Iauaretê e Santa Isabel do Rio Negro E ainda o livro “Um rio de raízes e memórias”, com histórias dos detentores do Sistema Agrícola no Médio Rio Negro. Todos esses produtos resultantes do projeto foram disponibilizados ao público dentro da programação da Primavera dos Museus.
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Cuidadoras da memória e do futuro, mulheres indígenas do rio Negro contam sua história em filme e livro
Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro (DMIRN-FOIRN) completa 20 anos. Comemorações ocorreram durante a III Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília, com lançamento de publicação, documentário e site
Dadá Baniwa (centro), ex-coordenadora do DMIRN e atual coordenadora da Funai Regional Rio Negro|Suellen Samtanta/Rede Wayuri
Ohpenkõ di´a kahnã numia é como se escreve mulheres indígenas do rio Negro ou rionegrinas, em Tukano, uma das línguas faladas nessa região da Amazônia. A frase está no canto preparado por Odimara Ferraz Matos, povo Tukano, entoado durante a III Marcha das Mulheres Indígenas, que aconteceu em Brasília, de 11 a 13 de setembro, com organização da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
Com vestimentas tradicionais, urucum e jenipapo, elas divulgaram sua luta durante a marcha na Esplanada dos Ministérios, junto a outras aproximadamente 8 mil mulheres do país todo. Ao som de maracás, fizeram barulho e buscaram espaço nos gabinetes oficiais, articulando por políticas públicas que beneficiem as mulheres em seus territórios.
“Esse canto mostra que a mulher sempre esteve no movimento indígena, mas sua história nem sempre apareceu”, diz Odimara.
Junto dela estavam lideranças como Elizângela Baré, Dadá Baniwa, Cleocimara Reis (povo Piratapuya), Larissa Duarte (povo Tukano), Almerinda Ramos (povo Tariano) e Janete Alves (povo Desana). A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Joênia Wapichana, também esteve ao lado das mulheres do Rio Negro durante a marcha.
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Daiara Tukano, artista indígena, Joênia Wapichana, presidente da Funai, e Madalena Olímpio, do povo Baniwa|Suellen Samanta/Rede Wayuri
Para as rionegrinas, é um momento especial para falar dessa história: no encontro foram comemorados os 20 Anos do Departamento das Mulheres Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (DMIRN-FOIRN).
Foram lançados o documentário “Rionegrinas” e o livro “As mães do DMIRN – Conquistas e Desafios”, que trazem narrativas das lideranças do departamento e resgatam a memória para inspirar o futuro. Também houve o lançamento do site do departamento, instrumento de comunicação e fortalecimento. Conheça em https://dmirn.foirn.org.br.
Coordenadora do DMIRN, Cleocimara Reis fala da valorização dessa história. “Essa história é inspiradora não só para o rio Negro. Mulheres indígenas de outras regiões estão nos propondo intercâmbios para conhecer o DMIRN e para estruturar seus próprios departamentos”, disse em São Gabriel da Cachoeira, ao retornar de Brasília.
A comitiva que foi a Brasília era formada por cerca de 40 mulheres de povos como Baré, Tukano, Baniwa, Yanomami, Piratapuia, Wanano, Desana, Tuyuka, entre outros. Povos considerados de recente contato, os Hudp´däh e Nadeb também contaram com representantes na marcha.
Entre as integrantes estavam três comunicadoras da Rede Wayuri: Cláudia Ferraz, povo Wanano, Suellen Samanta, povo Baré, e Deise Alencar, povo Tukano. “Foi muito especial participar desse momento e mostrar o histórico do DMIRN, a caminhada e o avanço até hoje. Essa caminhada é inspiradora e é necessário termos um olhar diferenciado para a história dessas mulheres, conhecendo, reconhecendo e dando visibilidade”, diz Suellen Samanta.
Escute o programa especial sobre a III Marcha das Mulheres no podcast Wayuri, produzido por Cláudia Wanano:
“Rionegrinas”
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Comemoração multiétnica no lançamento do filme|Mariana Soares/ISA
Produzido pelo ISA em parceria com o DMIRN e FOIRN, o documentário “Rionegrinas” foi lançado no dia 12, no Centro de Convivência dos Povos Indígenas da UnB (Maloca), em Brasília. Na plateia, mulheres indígenas do rio Negro, mas também de outras regiões, como as Kayapó e Waiãpi e, ainda, estudantes indígenas da UnB. A artista e ativista Daiara Tukano, nascida na região do alto rio Negro, participou da sessão e trouxe a tradição indígena para falar da mulher na narrativa do surgimento do mundo.
A direção e o roteiro são da documentarista Fernanda Ligabue e da articuladora de políticas socioambientais do ISA, Juliana Radler, com colaboração de Dadá Baniwa, Carla Dias, Dulce Morais e Ana Amélia Hamdan. O filme conta, por meio de depoimentos das mulheres indígenas, a luta por espaço, território, renda e sustentabilidade. Desde as roças até as universidades, desde a casa-território até os cargos públicos.
O DMIRN tem uma coordenadora e cinco articuladoras regionais que possibilitam um diálogo com o território indígena do rio Negro.
Na região, vivem povos de 23 etnias em cerca de 750 sítios e comunidades nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos (AM).
A coordenação é de responsabilidade de Cleocimara Reis e as articuladoras são: Belmira Melgueiro, Baré; Madalena Fontes Olímpio, Baniwa; Odimara Ferraz Matos, Tukano; Maria das Dores Azevedo Barbosa, Tariano; e Victoria Campos, Tariano.
Entre as pautas prioritárias do DMIRN estão equidade de gênero, apoio às associações de mulheres indígenas, geração de renda e sustentabilidade, fortalecimento de conhecimentos e saúde, medicina indígena e sistema agrícola tradicional, enfrentamento aos impactos da emergência climática e direitos das mulheres.
Antes de se estruturar como departamento, muitas trilhas foram percorridas, como relata Rosi Waikhon. Ela relembra que o presidente da FOIRN à época, Braz França, do povo Baré, indicou que elas precisavam se organizar no papel. E assim foram trabalhando até criar o DMIRN, depois a loja Wariró, hoje a casa do artesão e da artesã indígena do rio Negro, que não só vende produtos, como fortalece a cultura.
Em 2020, a pandemia da Covid-19 atingiu fortemente a região do rio Negro. As coordenadoras do DMIRN à época, Elizângela da Silva, do povo Baré, e Janete Alves, povo Desana, articularam apoios e parcerias para ações de proteção e saúde. Foi criada a Campanha 'Rio Negro, Nós Cuidamos!', que levou ajuda humanitária para dentro do território indígena.
Entre outras mulheres, o documentário tem a participação da coordenadora da Rede Wayuri, Cláudia Wanano, trazendo a importância da comunicação para e feita pelas indígenas. A Ex-coordenadora do DMIRN, Dadá Baniwa, que hoje está à frente da Coordenação Regional Rio Negro da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai – CR Rio Negro) fala no filme sobre o fortalecimento da presença da mulher indígena no espaço político, citando a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, a presidente da FUNAI, Joênia Wapichana, e a deputada federal Célia Xacriabá. Todas estavam presentes na Marcha.
A antropóloga Francy Baniwa reflete sobre a conquista dos espaços nas universidades e desafios que permanecem. A liderança Edneia Teles, povo Arapaso, aponta para o futuro e fala da importância do registro da memória do DMIRN para as próximas gerações.
O filme será lançado também em Manaus e São Gabriel da Cachoeira, mas as datas ainda não estão confirmadas. Confira o trailer:
“Mães do DMIRN”
O livro “As Mães do DMIRN – Conquistas e Desafios” também traz depoimentos das mulheres indígenas. A escrita foi conduzida por Elizângela da Silva, povo Baré, ex-coordenadora do DMIRN, comunicadora e liderança, numa construção conjunta.
“Quando comecei a escrever é como se fosse uma mulher parindo, uma mulher grávida. As mulheres contavam: lá naquele início nós éramos tratadas assim e nossas estratégias eram essas. Nós procurávamos mais diálogo e parcerias para dizer de nossa importância. A nossa tradição é muito forte, é patriarcal e, na época, os homens eram machistas e diziam que nossa participação estava fora do contexto ou do estatuto. Mas a gente criava outras estratégias e assim foram construindo”, relata Elizângela Baré.
Ela revela que uma das estratégias das mulheres foi fortalecer a geração de renda por meio do artesanato, conquistando outros espaços de luta por saúde, educação e formação. A publicação tem o apoio do Observatório da Violência de Gênero no Amazonas, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), com a professora Flávia Melo da Cunha, e da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), com o professor José Miguel Nieto Olivar.
Odimara Ferraz Matos, povo Tukano, entoa canto com a história das rionegrinas|José Miguel Nieto Olivar/Divulgação
Rosilda Cordeiro, professora e liderança do povo Tukano, recebe pintura tradicional|José Miguel Nieto Olivar/Divulgação
Dança, cantos e trajes típicos_ tradição na luta por direitos|José Miguel Nieto Olivar/Divulgação
Cleocimara Reis, povo Piratapuia, lança o site do DMIRN na abertura da III Marcha das Mulheres Indígenas|Suellen Samanta/Rede Wayuri
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Indígenas reabrem roteiros de Serras Guerreiras de Tapuruquara, turismo de base comunitária na Amazônia
Visitantes são recebidos e guiados por moradores de comunidades indígenas do Rio Negro (AM). Próximas saídas serão em novembro.
Turismo de base comunitária leva a imersão nas belezas naturais e culturais da Amazônia|Marcelo Monzillo / ISA
Cercadas pela floresta, pelo rio Negro, seus igarapés e igapós, as Serras Guerreiras de Tapuruquara, localizadas em uma das regiões mais preservadas da Amazônia, no município de Santa Isabel do Rio Negro (AM), voltam a receber visitantes no próximo mês de outubro. A retomada é especial, já que os passeios não aconteciam desde 2019, quando foram interrompidos devido à pandemia.
O primeiro roteiro, chamado Maniaka, tem nove dias de duração e foi cuidadosamente pensado e estruturado pelos povos indígenas. Os turistas serão recebidos por famílias que moram nas comunidades e têm a oportunidade de viver uma imersão cultural, guiados pelos povos que vivem ali milenarmente. O segundo roteiro é o Iwitera e estará disponível a partir de janeiro.
Cada expedição conta com no máximo 12 visitantes e, portanto, as vagas são limitadas. No próximo dia 14, quinta-feira, às 19h (horário de Brasília) será realizada uma roda de conversa virtual sobre o projeto. Não perca!
A expedição parte de Manaus e os pacotes incluem transporte de barco até as comunidades, alimentação e todas as atividades previstas nos roteiros nas comunidades.
O projeto Serras Guerreiras de Tapuruquara é uma experiência que une o turismo de base comunitária, o turismo etnográfico e o ecoturismo, possibilitando que o visitante tenha a experiência de conhecer a região e, ao mesmo tempo, de proteger a Amazônia e fortalecer a cultura dos povos que vivem ali, contribuindo com o desenvolvimento sustentável.
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Vista do topo da Segunda Serra Guerreira, próxima à comunidade do Cartucho no Rio Negro|Marcelo Monzillo/ISA
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Vista do topo da Serra Iacawení, na Comunidade Uábada II, em Santa Isabel do Rio Negro (AM)|Marcelo Monzillo/ISA
Pelo turismo comunitário, as comunidades locais desempenham papel central no desenvolvimento e gestão do projeto, sendo as principais beneficiadas. Com o etnoturismo, os visitantes vivenciam e aprendem sobre as tradições, costumes, estilos de vida e patrimônio cultural das comunidades anfitriãs. Como os roteiros são pensados pelas comunidades, o calendário respeita o cotidiano dos indígenas, interferindo minimamente em seus modos de vida.
Durante a viagem às Serras Guerreiras, os visitantes vão conhecer as comunidades Cartucho; Tayaçu (São João II) e Aruti, passando pela experiência de dormir em redes, caminhar por trilhas, navegar em canoas, experimentar o alimento tradicional, ouvir narrativas em línguas indígenas, observar a confecção de artesanatos e ir às roças tradicionais cultivadas em meio à floresta.
Nas idas às roças, o visitante vai ver de perto o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, registrado como patrimônio cultural nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Localizadas em Santa Isabel do Rio Negro, as Serras Guerreiras de Tapuruquara são consideradas sagradas. A narrativa revela que as serras são guerreiros que desceram da Colômbia para lutar contra uma cobra mitológica que estava impedindo a passagem e permanência dos indígenas. Os guerreiros venceram a batalha e estão até hoje no local, representados em rochas.
Nessa região – no médio e alto rio Negro - convivem povos de 23 etnias em cerca de 750 sítios e comunidades em meio à floresta. Os visitantes vão estar em contato principalmente com povos Baré, Desana e Baniwa.
As expedições às Serras Guerreiras de Tapuruquara aconteceram anteriormente, entre 2017 e 2019, quando foram realizadas treze expedições que beneficiaram ao menos 100 famílias e 500 pessoas de oito etnias. Em 2020, a pandemia do coronavírus forçou a interrupção das atividades. Agora, os indígenas se preparam para receber novamente os visitantes.
O projeto de turismo de base comunitária Serras Guerreiras de Tapuruquara é desenvolvido pela Associação das Comunidades Indígenas Ribeirinhas (ACIR) e Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O roteiro especial de retomada será operado pela agência Poranduba Amazônia.
Serras Guerreiras de Tapuruquara
Roteiro Maniaka
Comunidades Cartucho, Tayaçu (São João II) e Aruti
Data: 3/11/23 a 11/11/2023
Valor: R$ 7.200 à vista ou parcelado com acréscimo em até 12x
Principais experiências:
- Prática cultural com cerâmica;
- Prática cultural com tecidos de arumã;
- Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro (Patrimônio Cultural do Brasil);
- Canoada;
- Dança Mawako.
O que está incluído:
Ida de barco regional a partir de Manaus inclusa (não inclui volta de avião a Manaus);
O pacote inclui transporte até as comunidades, alimentação tradicional e as atividades previstas nos roteiros nas comunidades.
Sr Jacson Luís, artesão dos fornos de cerâmica, na Terra Indígena Médio Rio Negro II|Marcelo Monzillo/ISA
Sra. Alaíde produzindo farinha na Comunidade Cartucho, em Santa Isabel do Rio Negro (AM)|Marcelo Monzillo/ISA
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Documentário “Rionegrinas” será lançado nesta terça (12), em Brasília
Filme guarda memórias de mulheres no movimento indígena do rio Negro (AM) e na construção do DMIRN-FOIRN, que completou 20 anos.
A trajetória de lutas e conquistas das mulheres do rio Negro dentro do movimento indígena e na criação do Departamento das Mulheres Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (DMIRN-FOIRN) é narrada no documentário “Rionegrinas”, que será lançado em 12 de setembro, em Brasília, no Centro de Convivência dos Povos Indígenas da UnB (Maloca).
Uma comitiva de cerca de 40 mulheres do médio e alto rio Negro, no Amazonas, estará no lançamento do filme, que celebra os 20 anos do DMIRN-FOIRN. O departamento foi criado em 2002 e chegou aos 20 anos em 2022, mas as comemorações estão acontecendo agora.
O grupo participa da III Marcha das Mulheres Indígenas - Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais, organizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
A comitiva leva à Brasília a diversidade do rio Negro, com mulheres dos povos Baré, Tukano, Baniwa, Yanomami, Piratapuia, Wanano, Hupda. Também integram três comunicadoras da Rede Wayuri: Cláudia Ferraz, do povo Wanano, Suellen Samanta, do povo Baré, e Deise Alencar, do povo Tukano. A cobertura pode ser acompanhada no Instagram da Rede Wayuri.
Entre as lideranças estão Dadá Baniwa, coordenadora regional da Funai no rio Negro e ex-coordenadora do DMIRN, Elizângela Baré, ex-coordenadora do DMIRN e comunicadora da Agência Sumaúma, e Francy Baniwa, ex-coordenadora do DMIRN, antropóloga e escritora.
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Caravana de mulheres do rio Negro vai à Brasília comemorar os 20 anos do DMIRN durante a III Marcha das Mulheres Indígenas|Ana Amélia Hamdan/ISA
A Coordenadora do DMIRN, Cleocimara Reis, do povo Piratapuia, fala da valorização da história do departamento.
“Essas mulheres foram nossas inspiradoras. Não foi fácil criar o DMIRN, foi com muita luta e discussão. É uma história que precisamos guardar para outras mulheres que virão”.
O filme conta, por meio de depoimentos das mulheres indígenas, a luta por espaço, território, renda e sustentabilidade, desde as roças até as universidades, da casa-território aos cargos públicos.
“Me deram uma salinha bem pequenininha. Mal cabiam a mim, uma mesa e uma cadeira. O que eu vou fazer só com essa mesa e a cadeira?”, relembra Cecília Albuquerque, do povo Piratapuia, primeira coordenadora do DMIRN.
Hoje, o DMIRN tem uma coordenadora, Cleocimara Reis, povo Piratapuia, e cinco articuladoras regionais que possibilitam o diálogo constante com o território indígena do rio Negro, onde vivem povos de 23 etnias em aproximadamente 750 sítios e comunidades nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos (AM).
O departamento tem como pautas prioritárias equidade de gênero, apoio às associações de mulheres indígenas, geração de renda e sustentabilidade, fortalecimento de conhecimentos, medicina indígena e sistema agrícola tradicional, além do enfrentamento aos impactos da emergência climática e os direitos das mulheres.
Produzido em parceria pelo Instituto Socioambiental (ISA), DMIRN e FOIRN, o documentário “Rionegrinas” tem direção e roteiro da documentarista Fernanda Ligabue e da articuladora de políticas socioambientais do ISA, Juliana Radler, com colaboração de Dadá Baniwa, Carla Dias, Dulce Morais e Ana Amélia Hamdan. Confira o trailer:
Também em comemoração aos 20 anos do DMIRN estão sendo lançados o livro “As mães do DMIRN – Conquistas e Desafios” e o site do Departamento de Mulheres Indígenas, instrumento de comunicação e fortalecimento do departamento.
Sistema permite emitir alertas de ameaças pelo celular em língua indígena|Evilene Paixão/ Hutukara Yanomami
A Hutukara Associação Yanomami (HAY) implementou no início deste mês uma nova ferramenta de sistema de alertas na Terra Indígena Yanomami (TIY). As próprias comunidades podem alimentar, por meio do aplicativo ODK Collect para celulares, um sistema de alertas com informações sobre riscos sanitários, ambientais e ao território.
Por meio de um formulário, indígenas devidamente capacitados podem anexar fotos, vídeos, áudios, pontos de localização com coordenadas geográficas e relatos. Os envios podem ser feitos offline e incluídos no dispositivo quando tiver conexão.
A fim de garantir o acesso a todos os povos do território, a ferramenta disponibiliza as opções de idioma em yanomami, ye'kwana, sanoma e português.
O presidente da HAY, o xamã e liderança Yanomami Davi Kopenawa, acredita que a ferramenta é importante para que as pessoas da cidade entendam a realidade vivida pelo povo Yanomami. Para ele, o sistema pode facilitar o entendimento das autoridades sobre as necessidades dos indígenas que vivem no território.
“Eu sempre digo que hoje já é o futuro. Eu acho importante a gente conseguir sonhar e pensar com outros amigos que estão apoiando, trabalhando e lutando juntos. Quem está na cidade escuta, mas não sente o que os Yanomami precisam, por isso é muito bom ter esse sistema de alertas para nosso monitoramento”, disse Kopenawa.
O funcionamento é simples: uma vez que o sistema recebe a denúncia, operadores do sistema qualificam as informações para validar os relatos, que em seguida ficarão expostos em um painel virtual e público para que autoridades, instituições parceiras e a imprensa possam ter ciência de qualquer anormalidade que ameace o território.
Para o uso da ferramenta, o geógrafo e pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA) Estêvão Senra e a advogada do ISA Daniela Nakano ministraram uma oficina de quatro dias na comunidade de WatorikƗ, na região do Demini. Eles apresentaram o sistema para 10 indígenas da região que integram os grupos de agentes indígenas de saúde e saneamento, comunicadores e pesquisadores.
“A recepção foi bastante positiva. Eles entenderam imediatamente a importância da ferramenta para dar mais peso às demandas das comunidades por políticas públicas mais eficientes”, disse Senra sobre o período de cinco dias, de 11 a 15 de agosto, da oficina.
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Treinamento para uso do novo sistema na Terra Indígena Yanomami|Evilene Paixão/ Hutukara Yanomami
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Oficina na comunidade de WatorikƗ durou quatro dias e contou com 10 indígenas da região|Evilene Paixão/ Hutukara Yanomami
Uma central de comunicação foi instalada no Demini durante a oficina. A ideia é que os Yanomami treinados operem esta base, que deve receber as denúncias de todas as partes da Terra Indígena Yanomami. Todo o projeto é feito pela HAY com apoio do Fundo das Nações Unidas Para Infância (Unicef) e ISA.
“Às vezes um alerta chega incompleto ou com informações que precisam ser verificadas. A central de comunicação tem por objetivo qualificar os alertas que estão nessa situação. Os responsáveis pela Central devem entrar em contato com as comunidades de origem do alerta para fazer essa checagem ou colher mais elementos que podem enriquecê-la. Os responsáveis pela central também ajudam na tradução dos relatos que na maioria dos casos chegam somente nas línguas indígenas”, explica Senra.
Para garantir que todas as regiões tenham pessoas capacitadas para repassar as informações, outras oficinas devem ser realizadas com o apoio de parceiros. A próxima ocorrerá em setembro na região da Missão Catrimani.
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1ª Oficina do Sistema de Alerta Wãnori, na comunidade Watoriki, região Demini, em agosto de 2023|Evilene Paixão/ Hutukara Yanomami
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
A força delicada de um sábio da floresta
No último dia 29 de julho, o grande líder do povo Hupd’äh, Américo Salustiano Socot, fez sua última viagem pelas águas do Alto Rio Negro
Américo Socot em trabalho sobre os aturás Hupd'ah em Boca do Traíra, rio Japu|Juliana Radler/ISA
Todos nós que tivemos a chance de trabalhar, dialogar e adentrar em caminhadas na floresta no Alto Rio Negro ao lado de Américo Socot saímos transformados. Seja pelo seu silêncio, pelo seu olhar sorridente ou pelas suas palavras de poliglota, como um falante diário de três línguas: a sua materna, Hup, Tukano e Português. Esse universo multilinguístico representava bem o que era a vida e o trabalho diário do Américo.
É difícil pensar que agora temos que seguir os trabalhos sem ele, sem sua tradução e interpretação de mundos. No último dia 29 de julho, Américo sofreu um acidente de voadeira nas águas do Rio Negro quando ia para seu sítio na comunidade do Cabari, próxima da cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM). Foram muitos dias de buscas, sem que Américo fosse encontrado na imensidão de água e floresta do Alto Rio Negro.
A última busca foi feita no dia 22 de agosto após sonhos de seus filhos apontarem que o corpo do Américo pudesse estar em alguma ilha na região da foz do rio Curicuriari. Mas, infelizmente, não o encontramos. Hoje completa-se 33 dias da sua derradeira viagem e sua família realiza uma cerimônia simbólica pela passagem do Américo, no cemitério de São Gabriel da Cachoeira, com a presença de parentes, amigos e do Bispo Dom Edson. Para homenageá-lo e manter viva sua memória publicamos esse texto, que conta com depoimentos de amigas e amigos indigenistas que trabalharam próximos a Américo nos últimos anos.
Suavidade Invencível
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Américo Socot em 2001, na sua comunidade de origem, Taracuá Igarapé|Pattie Epps/acervo pessoal
Américo nasceu na Terra Indígena (TI) Alto Rio Negro, no dia 4 de maio de 1972. A demarcação e homologação da TI só veio mais de 20 anos depois do seu nascimento, em 1998. O líder acompanhou muitas transformações na região e viu seu povo, que que é a quarta maior população entre as etnias do Rio Negro, com aproximadamente 3 mil pessoas, passar por dificuldades no contato com a cidade e com a sociedade não- indígena.
Conheci Américo em 2017 neste contexto, andando pelas ruas de São Gabriel da Cachoeira como guia para seus parentes em peregrinações para acessar direitos, como retirada de documentos e acesso a benefícios sociais. Às vezes sentindo fome e sede na cidade, Américo mantinha esse trabalho de apoio aos Hupd’äh com força e serenidade. Com isso ele construiu uma rede de apoio que foi se fortalecendo nos últimos anos com a criação do CAPYHDN (Coletivo de Apoio aos Povos Yuhupdeh, Hupd’äh, Dâw e Nadëb).
Depois passamos a trabalhar mais próximos na época da elaboração do PGTA – Plano de Gestão Territorial e Ambiental - quando ele gravou um depoimento marcante na sua língua traduzindo o que seria, na visão Hupd’äh, um território protegido e saudável. Nessa ocasião, ele me apresentou seu filho, Álvaro Socot, e sugeriu que o jovem entrasse na rede de comunicadores Wayuri, onde está até hoje como comunicador.
Confira o depoimento:
Preocupado em se relacionar e se comunicar bem com as pessoas, Américo desejava que seu filho estudasse, aprendesse técnicas narrativas do audiovisual e pudesse também contribuir para a luta coletiva do seu povo. Além do Álvaro, Américo tem outros oito filhos: Jacinta, Marinela, Carmem, Simonia, Adalivia, Marivaldo, Greuza e Tadeu. Todos aprenderam com esse “pai herói” a dar valor ao diálogo e viver entre mundos. Casado com Isabel Sales Brasil, Américo já era avô do seu primeiro neto, chamado Talison, carinhosamente apelidado de “doutor”.
Sempre com leveza, Américo nos ensinou que a suavidade é invencível e nos deixa a missão coletiva de continuar “levando para a frente”, como ele mesmo gostava de falar, os trabalhos com o seu povo Hupd’äh. Aqui seguem homenagens enviadas por amigas e amigos que trabalharam ao lado do Américo Socot pelos direitos indígenas:
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Adelina de Assis Veloso Desana Liderança indígena e funcionária da Funai em São Gabriel da Cachoeira *Depoimento enviado por áudio e transcrito
“Foi muito difícil a partida do Américo Socot para todos nós que trabalhamos com ele. O Américo foi um grande líder no Rio Negro, um grande líder do povo Hupd’äh e do povo Yuhupdeh. Ele tinha um olhar muito cativante, tinha brilho e uma voz que todos ouviam. O que o Américo significou para toda a sociedade, não só para o seu povo, mas para todos que passaram a trabalhar com ele? Ele significou uma grande pessoa, pacificador, um cacique sempre na linha de frente da luta pelo seu povo.
Américo lutava pelo direito à cidadania, pela emissão de documentos e por benefícios sociais. Ele fazia essa ponte de tradução para o seu povo. Ele apoiava seu povo em idas ao banco, em lotérica e nas instituições. Ele significou muito para todos nós que estávamos ao redor dele. Sempre com educação e com gentileza ele pedia uma ajuda. E isso cativava a gente. O modo dele falar, o modo dele sorrir, o modo dele fazer piadas. 2023 foi um ano que eu estava muito próxima dele. Sempre senti no Américo uma força e uma energia positiva.
Para mim foi uma perda muito grande e que na minha alma agora eu sinto que falta alguma coisa na luta desses povos de recente contato. Isso porque o Américo não está mais com a gente para levar as informações ao seu povo, para fazer a tradução e falar o português de um modo que eles entendem. Américo foi um cacique diferenciado e que hoje sentimos muito pela perda dele. É uma saudade enorme que estará sempre na minha memória.
Vou sempre levar o que aprendi com Américo, de ser uma pessoa calma, de buscar ouvir e de saber responder na hora do nosso momento de falar. De sempre estar atento a tudo ao nosso redor durante uma reunião ou debate, sempre estar presente buscando entender e resolver as necessidades, não importa a necessidade que for. Eu aprendi ao lado do Américo sobre como falar das nossas necessidades e garantir os nossos direitos. De garantir uma ajuda, seja ela particular ou coletiva. Mas, ele sabia refletir sobre as dificuldades do povo dele e falar sobre elas para as pessoas. Foi isso que aprendi convivendo com Américo.”
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Bruno Marques Antropólogo (Museu Paraense Emílio Goeldi) e membro do CAPYHDN (Coletivo de Apoio aos Povos Yuhupdeh, Hupd'äh, Dâw e Nadëb)
"Serenidade, força, humor e uma extrema inteligência. Américo Socot era meu amigo, mas começo esta memória falando da importância dele como liderança Hupd’äh.
Conheci Américo quando ele já morava nas proximidades de São Gabriel da Cachoeira, em algum momento entre 2013 e o começo de 2014. Neste tempo, começaram os deslocamentos massivos de famílias Hupd’äh, no período das férias escolares, para a cidade em busca de documentação e acesso a benefícios governamentais. Ficavam acampados em Parauari, próximo ao porto Queiroz Galvão, e sofriam toda a sorte de problemas acarretados pela precariedade das instalações na cidade, pela dificuldade das instituições locais em acolher as famílias, pela exploração dos comerciantes e das instituições bancárias. Américo se destacou no apoio às instituições locais e aos seus parentes Hupd’äh neste processo, colocando-se como uma forte voz de denúncia do que estava ocorrendo. Além do mais, esse processo transformou a visibilidade do povo no contexto político local e mesmo além.
Os Hupd’äh passaram a se colocar diante das instituições locais de forma mais direta, pautando demandas em diferentes áreas, como saúde, educação e direitos sociais, buscando se inserir em agendas locais e nacionais – como, por exemplo, o Acampamento Terra Livre 2023, em que Américo esteve presente. Américo Socot foi a liderança Hupd’äh de maior destaque nesse processo político que se estendeu pelos últimos 10 anos. Há, entretanto, outras lideranças do povo que também colocaram seus esforços, muitas das quais também já não estão mais entre nós – e muitas dessas tendo falecido de modo semelhante ao que ocorreu com Américo. Não cabe listar nomes, mas gostaria que essa memória pessoal que faço de Américo fosse também, de certa forma, uma homenagem a outros amigos Hupd’äh que faleceram nos últimos anos.
Américo, eu e outros colegas participantes do que viemos a chamar de CAPYHDN (Coletivo de Apoio aos Povos Yuhupdeh, Hupd’äh, Dâw e Nadëb) nos aproximamos nesse contexto. Em 2015, seguimos para outras empreitadas, sobretudo o trabalho de elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) da Terra Indígena Alto Rio Negro (FOIRN, FUNAI e ISA). Trabalhamos intensamente por anos, e Américo deu o tom e o método de trabalho com seus parentes no processo de consulta e elaboração conjunta, além de se destacar como liderança nas assembleias gerais do movimento indígena.
Américo colocava suas críticas a todos os atores e instituições que trabalham na região, mas sempre em um horizonte agregador. Ele soube, com paciência, dedicação e muita inteligência, lentamente fazer alianças, abrindo os espaços possíveis em um terreno nem sempre fértil, para dizer o mínimo. Américo, em sua serenidade, era profundamente altivo, que ninguém se engane, e que todos respeitem. “Respeito” era uma palavra, uma ideia, uma necessidade constantemente reforçadas por ele em suas falas.
Sempre que Américo Socot pegava o microfone em eventos públicos, falava, dentre outros assuntos e pautas específicos, de basicamente duas coisas: denunciava o que os parentes Hupd’äh estavam vivendo nas descidas para a cidade de São Gabriel da Cachoeira e falava dos conhecimentos da terra, dos caminhos, dos benzimentos na relação com a floresta. A força dos conhecimentos dos Hupd’äh na relação com a terra era sempre seu solo discursivo. Américo nos ensinou uma filosofia que relacionava s’ah sap (“terra cortada”, Terra Demarcada) e s’ah bi’id ta’ (“terra cercada com benzimento”). Política e xamanismo seguiam juntos nos conhecimentos e na vida.
Um tradutor cultural, como se costuma dizer. Uma coisa é traduzir palavras, outra é traduzir conceitos, ideias, mundos. E, nisso, ele era genial. Lembro de sentarmos por horas conversando sobre leis específicas, projetos etc. e Américo sempre me deixando impressionado com as construções que criava em língua Hup para traduzir aos seus parentes. Com ele, certamente aprendi sobre a língua Hup, mas talvez, em meio a isso, tenha aprendido algo mais profundo, que é a percepção do que jamais conseguiria aprender, o que está além, o que define o limite de ser um não-Hup.
Nesses dias em que procurávamos o corpo de Américo no Rio Negro, o que mais me lembrei foi da risada calma, a ironia sutil e as palavras inspiradas. Ele caminhava devagar, mas estava sempre andando... entre parentes, instituições, afins… era, em si, uma rede. Eu, um aliado, ele um líder, e, em algum momento desta última década, nos tornamos amigos, ou “amigão” como ele costumava me chamar. Nos ensinou muito, e cabe a nós que tivemos a sorte de conviver e aprender com essa pessoa gigantesca seguir seus passos na medida dos nossos limites.
Nesse momento de luto, é de um amigo – um “amigão” – que me despeço com a serenidade que tanto admirava nele. Guardo a memória alegre de uma viagem recente que fizemos no igarapé Japu. Era um dia de caxiri em Boca do Traíra, nos sentamos em um fim de tarde tranquilo para comer ipadu com parentes dessa comunidade. Américo tocava cabeça de veado, um instrumento de sopro que o haviam presenteado pouco antes. Ríamos e conversávamos. Gosto de pensar que, em algum lugar, esse momento permanecerá.
Kä’ tomou o rumo de seus ancestrais.
Amán ã́h hipãh tëg! Naw ham, nɨh báb’!"
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Danilo Paiva Antropólogo, professor universitário e membro do CAPYHDN (Coletivo de Apoio aos Povos Yuhupdeh, Hupd'äh, Dâw e Nadëb) *Depoimento enviado por áudio e transcrito
"Américo Socot foi um grande amigo, um grande homem, um grande professor. Conheci Américo em 2007. Ele foi a primeira pessoa Hupd’äh que eu conheci. Ele e o pai dele, Henrique Brasil. É uma dor imensa a morte dele. Eu convivi durante muitos anos com ele. Morei na casa do Américo e da Isabel, vi os filhos deles crescerem. Conheci as terras da família, do clã, a serra da Cutivaia, de onde ele veio com o pai, quando era criança ainda, para morar em Taracuá Igarapé. Esse era o território onde eles sempre iam abrir roças, pescar e caçar.
É difícil agora pensar em rumos da luta por direitos do povo Hupd’äh sem ele. Américo foi a grande liderança do povo Hupd’äh e o primeiro conselheiro distrital de saúde dos Hupd’äh. O primeiro a ocupar uma cadeira no Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena) representando os Hupd’äh e Yuhupdeh. O Américo também foi representante dos Hupd’äh na Funai. Ele foi um dos assessores para a elaboração dos planos de gestão territorial e ambiental dos Hupd’äh. O Américo foi um grande homem. Uma pessoa com uma capacidade imensa de trabalho, de diálogo com pessoas de outras etnias, pessoas Tukano, Desano, etc. E também no diálogo com pessoas não indígenas.
Tive o prazer de acompanhar o Américo na primeira viagem dele a Brasília, onde também estavam Domingos Barreto (Tukano), André Baniwa e o antropólogo Henrique Junio Felipe. Falamos com a Funai sobre os primeiros problemas que o povo Hupd’äh vinha passando já por conta das idas de centenas de pessoas todos os anos para a cidade de São Gabriel em busca de benefícios sociais, de documentos e também por conta das situações de epidemia. Epidemias de desnutrição, de suicídio, de malária, de gripe e de coqueluche.
Foram muitos anos de luta em que pude acompanhá-lo. Américo também foi um dos fundadores do Coletivo de Apoio aos Povos Hupd’äh, Yuhupdeh, Dâw e Nadëb. E ele era, enfim, uma grande luz que iluminava todo o nosso trabalho, de muitos de nós indigenistas e lideranças indígenas. E é por isso que essa homenagem é tão importante. Pude fazer várias viagens junto com Américo, várias caminhadas. Tive o prazer de apresentar minha filha pra ele, a Rosa, na nossa última viagem, e de vê-los brincando com bolinha de gude. Imagens muito bonitas. Ele era uma pessoa muito sensível, muito doce, muito acolhedora. Sempre pronto para ensinar as primeiras palavras na língua Hup para todos nós e de ensinar os sentidos do mundo Hup. E sempre pronto para engajar a gente nessa luta, na luta que ele animava e protagonizava. Então, com muita emoção e muita tristeza, deixo essa mensagem para homenagear meu grande amigo que se foi."
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Denivaldo Cruz da Silva Coordenador Técnico Local (CTL) - Funai Alto Rio Negro
Falar do Américo Socot é falar da luta do povo Hupd’äh, sem demagogia. Entrei na Funai em 2015 e nesse mesmo ano conheci o Américo. Primeiramente, nas triagens no beiradão do Parawari, onde ficavam os Hupd’äh que se deslocavam das comunidades distantes para a cidade em busca de acesso aos documentos básicos e benefícios sociais. Me lembro exatamente o ano que ele ainda ficou diretamente na Funai como colaborador e então pude conhecê-lo melhor como pessoa e como liderança.
Participamos de várias reuniões juntos e ele sempre falava 'pelos meus parentes', com a fala mansa, no seu tempo, cada palavra dita com sabedoria, com experiência adquirida ao longo dos anos convivendo com outras etnias, e, principalmente como alguém que sofreu na pele a discriminação. Aprendi muito com meu amigo ouvindo suas palavras nas reuniões, nas realizações dos PGTAs e nas caminhadas. Uma característica específica e muito importante que tento colocar em prática: ter paciência e ouvir. Para fazer uma atividade com o povo Hupd’äh tem que ser 'no tempo deles', coisa que muitas vezes nós das instituições no ativismo do dia a dia acabamos atropelando.
A última viagem realizada com Américo e Danilo Paiva para a realização da oficina de audiovisual com jovens Hupd’äh, acabamos dividindo a equipe e nos encontramos em Barreira Alta. Ele estava feliz, pois via os jovens interessados, alegres querendo aprender coisas novas. É importante eles 'aprenderem a como divulgar nossas coisas', dizia ele. Ele me contou também que um velho pajé Hupd’äh tinha lhe repassado conhecimento até contra o suicídio.
Enfim, para falar do Américo seria um livro, com essas palavras encerro meu depoimento. Se foi meu amigo Américo, levando seus conhecimentos e seus sonhos. Só nos resta continuar a luta para que o povo Hupd’äh tenha em seu futuro um bem-viver em suas comunidades como era o sonho do Américo. Vá com Deus meu amigo!
OBS: Estamos agora em uma atividade de mutirão de documentação na região do rio Papuri para o povo Hupd’äh e como Américo nos faz falta!”
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Pattie Epps Linguista norte-americana
"Sempre lembro da primeira vez que cheguei no Rio Tiquié, em julho de 2000, quando conheci o Américo. Tinha chegado no Brasil só duas semanas atrás e quase nem falava Português. Chegamos na beira do Rio Tiquié, depois de três dias de viagem debaixo da chuva, e lá era o Américo, pescando na beira perto do caminho para Taracuá Igarapé.
Lembro muito bem essas primeiras semanas que passei em Taracuá Igarapé, como ele me acolheu como capitão da comunidade, como a gente era quase da mesma idade, como conversamos num português que para nós dois ainda era bastante limitado naquela época, que logo passou para conversas na língua Hup, depois dos meses e dos anos. Lembro como ele me apresentou naquela primeira visita ao pai dele, o Seu Henrique, que chegou a ser uma pessoa de referência muito importante para mim, e a Isabel, que sempre me acolheu com muito carinho, e os filhos deles, que eram tão pequenos quando cheguei lá pela primeira vez, e que agora são adultos.
Através dos anos, o Américo sempre estava lá quando cheguei na região, ou no Rio Tiquié ou em São Gabriel; sempre passamos momentos lindos de conversa, de trocar conhecimentos, e nesses últimos anos, de lembrarmos juntos do querido pai dele. Conversamos sobre os conhecimentos incríveis dos Hupd’äh, os benzimentos, o território entre os Rios Tiquié e Japu, a floresta linda. Sempre fiquei impressionada com as contribuições dele ao povo Hup, com o caminho importante que ele desenvolveu em representar os Hupd’äh em São Gabriel e até no Brasil. E sempre contava em ver ele de novo. Americoan hipãhãy bɨg, hot ɨdɨy bɨg, ãh bab’."
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Rafael Moreira Doutorando em Antropologia Social pelo Museu Nacional, membro do Laboratório de Antropologia da Arte, Memória e Ritual (LARME/UFRJ/IFCS) e do CAPYHDN (Coletivo de Apoio aos Povos Yuhupdeh, Hupd'äh, Dâw e Nadëb)
"Náw yùh.
Se fosse o caso de pensar numa palavra equivalente a dizer adeus na língua hup, idioma falado pelos Hupd´äh do Alto Rio Negro, confesso que passaria vários dias sem encontrar uma resposta precisa. Sabe, aquele adeus, de quem espera nunca mais ver um ente querido! Pois bem, não tenho forças e nem vontade de me expressar assim sobre Américo Socot, indígena nascido na comunidade de Taracuá Igarapé, falecido no final do mês de julho na cidade de São Gabriel da Cachoeira. Para ele, meu velho amigo, prefiro simplesmente dizer nàw yúh, expressão que os Hupd´äh utilizam quando querem agradecer alguém, dizer muito obrigado.
Conheci Américo, por volta de 2014, ainda durante o meu mestrado. Nesta ocasião, ele sempre andava de um lado para o outro buscando ajudar seus parentes que viajavam até a cidade, querendo aposentadoria, salário maternidade, bolsa família ou só passear. Muitos morreram na cidade, sem abrigo e atendimento das instituições, passando fome e sendo humilhados. Apesar do esforço do Américo para dialogar com o governo municipal e federal, em busca de melhoria para seu povo, ele perdeu vários irmãos em condições trágicas, antes dele vir a falecer nas perigosas cachoeiras do Rio Negro.
Num dos últimos registros que recebi do Américo, escuto ele pedindo para sua filha, Carmem, gravar sua voz no celular: 'Rafael, boa tarde! Ni am? Amán mensagem nó´ tëg!'. Falando um pouco de língua hup e português, eu entendi que ele dizia algo assim: 'Rafael, boa tarde! Tudo bem? Tenho mensagem para você!'. Infelizmente, as notícias não eram tão boas. Um parente dele tinha acabado de falecer. E ele estava com outros parentes acampados em sua casa, num pequeno sítio à margem do Rio Negro, que esperavam receber benefícios sociais. Faltava comida e, por isso, ele me dizia: 'Inìh amigo, àm! Amàn ajuda tukúy àn!', 'Você é nosso amigo, quero sua ajuda!' Fiz o que pude para ampará-lo, uma vez que em outras ocasiões ele fez de tudo para me acudir.
Lembro que, durante o meu trabalho de campo de doutorado, eu fui saber, no mês de abril de 2018, que o barco do “senhor Noventa” viajaria desde São Gabriel da Cachoeira até Iauaretê. Neste povoado multiétnico na fronteira da Colômbia, logo embarcariam mercadorias e comerciantes. Eu resolvi então conversar com Nenê, dono da embarcação que sairia de São Gabriel da Cachoeira, a fim de garantir uma passagem. Eu era o único antropólogo e esperava chegar em Iauaretê e depois prosseguir para um pequeno afluente, o igarapé Cabari, que é o local onde nasceu Isabel Salustiano, esposa do Américo.
No dia da viagem, acordei de madrugada. Pedi uma lotação na rua e estava tudo escuro. Enquanto descia com minha bagagem, um carro em alta velocidade tirou tinta do veículo e um passageiro cambaleante, vindo de alguma festa, logo saiu. Chovia um pouco e eu entrei na lotação. Cheguei ao barco do Nenê um pouco antes do amanhecer. Amarrei, então, minha rede para dormir. 'Saímos daqui meia hora', ele avisou. Baixei minha adrenalina, fiquei tranquilo e cochilei.
Tendo passado poucos minutos, o barco começou a afundar em função do peso da carga e danos na balsa. Os passageiros, entre eles, mulheres grávidas, crianças e velhos, desamarravam suas redes e corriam para terra firme, perto da margem do rio. Na proa, Nenê desamarrava a balsa com pressa. No entanto, fiquei aguardando no barco, imaginando que em último caso pularia na água e tentaria nadar. Decisão pouco prudente, certamente, uma vez que muitas pessoas morrem afogadas nas cachoeiras e redemoinhos que se formam no Rio Negro.
Felizmente, o barco não afundou e logo algumas canoas começaram a rodeá-lo. Uma delas vinha com Américo Socot, remando. Este indígena vivia justamente numa comunidade na beira do rio, onde os passageiros buscaram abrigo. Ainda sem acreditar naquela situação, escutei Américo me chamando. Eu entrei na sua canoa e ele me contou que estavam circulando notícias sobre o acidente e as mercadorias flutuando na água.
'Perdeu tudo, Rafael!', sorriu Álvaro Socot, um filho do Américo. Ao escutá-lo, não pude fazer nada senão sorrir copiosamente com ele e assistir aos tonéis com gasolina e caixas de isopor com fardos de frango congelado dos comerciantes descendo rio abaixo. Estes perseguiam, numa lancha, outros indígenas que cruzavam o rio. Estes fugiam em embarcações variadas, carregando tudo que boiava no caminho. 'Castigo de Deus, domingo não pode trabalhar', sumarizou Américo, lembrando o dia do ocorrido.
Tendo passado essa cena de filme ou de uma típica crônica do Pozzobon, as coisas se acalmaram. Américo, então, me convidou para pernoitar na sua casa e aguardar a chegada de uma nova embarcação, que levaria posteriormente os náufragos até Iauaretê. Peguei minha mochila e fui descansar. Mais tarde, retornei até a beira do rio para conversar sobre o barco com Nenê e saber sobre os meus pertences. Perdi ali alguma coisa, como um tonel com gasolina, mas tive certeza desde então que tinha conquistado um nobre amigo na minha vida. Por isso, com imenso carinho, nàw yúh Américo!"
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Coordenador do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) em debates sobre gestão territorial e ambiental dos povos do Rio Negro|Juliana Radler/ISA
OBS: As buscas por Américo Socot no Rio Negro contaram com uma rede de apoiadores e instituições que trabalhavam com Américo, como o Instituto Socioambiental (ISA), a Funai, a Foirn e o DSEI-ARN. A todas as pessoas amigas que se envolveram nas buscas e ao apoio à família, gratidão pela generosidade e empenho voluntário nesta missão. Um homem generoso que dedicou grande parte do seu tempo de vida ao bem comum e a ajudar as pessoas do seu povo, recebe de nós que vimos sua luta e caminhamos com ele, nosso profundo sentimento de admiração e respeito pela sua força e coragem.
Américo Socot em sua última viagem de trabalho feita para o rio Tiquié|Álvaro Socot/Rede Wayuri
Américo Socot em Brasília durante mobilização nacional indígena (ATL)|Dulce Morais/ISA
Liderança do Rio Negro dialogando pelo bem comum e pelos direitos indígenas, em Iauaretê, Vila Fátima|Juliana Radler/ISA
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Mais de 230 extrativistas e organizações da Amazônia realizam Semana da Sociobiodiversidade, em Brasília
Populações tradicionais, apoiadores e parceiros debaterão políticas públicas de proteção dos territórios extrativistas e de desenvolvimento das economias e produtos da sociobiodiversidade
A partir desta quinta-feira, dia 31 de agosto, até o dia 06 de setembro, Brasília receberá a Semana da Sociobiodiversidade 2023, um dos mais importantes eventos do país voltado às atividades extrativistas de povos e comunidades tradicionais, unindo coletivos de organizações das cadeias da borracha, do pirarucu e da castanha-da-amazônia. O evento ocorrerá na sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag). A programação completa está disponível no site www.semanadasociobio.com.br.
Mais de 230 pessoas, entre castanheiros, seringueiros e manejadores de pirarucu, além de apoiadores e parceiros, estarão reunidos para uma série de debates sobre políticas públicas socioambientais, com foco na garantia de direitos e qualidade de vida dos povos da floresta, e inserção de produtos em mercados. Será realizada ainda uma agenda no Congresso Nacional e mesas de diálogos com representantes do poder público sobre o desenvolvimento das cadeias de valor da sociobiodiversidade.
O objetivo é pensar soluções que conciliam o desenvolvimento econômico com a conservação da biodiversidade, reconhecendo a importância fundamental dos conhecimentos e modo de vida dos povos tradicionais, além da interdependência entre a conservação dos ecossistemas, a equidade social e a responsabilidade ambiental.
Tema
A Semana da Sociobiodiversidade deste ano debate o tema "Fortalecendo Economias Sustentáveis, Pessoas, Culturas e Gerações", para fomentar a articulação técnico-política interna entre essas cadeias, além de fortalecer o entendimento dessas produções como fruto de culturas ancestrais de manejo sustentável da floresta.
O encontro também servirá para unificar a atuação política desses povos, com o objetivo de incidir em políticas públicas que fortaleçam o reconhecimento dessas cadeias como serviços ambientais de grande importância para a manutenção do clima no planeta, bem como a floresta viva.
A semana reunirá lideranças extrativistas de estados como Acre, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima, entre outros.
“Para nós, é muito importante essa integração entre os representantes da sociobiodiversidade amazônica, pois eles são os verdadeiros protagonistas dessas economias e vão apresentar as demandas e desafios de cada uma das cadeias de valor que compõem a Amazônia", afirma Dione Torquato, secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
Programação
A programação da Semana da Sociobiodiversidade será dividida em dois momentos: de 31/08 a 03/09 haverá o Momento Setorial, onde os coletivos poderão dialogar e construir, em conjunto, ações específicas para as cadeias de valor. Já nos dias seguintes, de 04 a 06/09, o evento terá uma Agenda Política relacionada à sociobiodiversidade e para dialogar com as autoridades no Congresso Nacional, e no Executivo Federal.
As atividades incluem mesas-redondas, painéis, plenárias, debates e encontros políticos entre extrativistas e organizações. Além disso, no dia 4 de setembro, haverá uma sessão solene na Câmara dos Deputados, em homenagem ao Dia da Amazônia, celebrado anualmente em 5/09.
“A programação foi pensada de forma estratégica para atender a construção de uma agenda política benéfica às cadeias de valor e também para trabalhar individualmente cada um desses coletivos que atuam com produtos da sociobiodiversidade”, explica Jéssica Souza, analista socioambiental do Memorial Chico Mendes (MCM) e assistente técnica da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc).
Feira da Sociobiodiversidade
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No sábado (02), o evento contará também com uma feira, momento especial em que diferentes produtos, oriundos das comunidades extrativistas, serão comercializados e apreciados. Essa iniciativa visa evidenciar a riqueza e a diversidade dos produtos da sociobiodiversidade, fundamentais para a segurança alimentar, a saúde, a cultura e o sustento das comunidades tradicionais.
Além de ser uma experiência gastronômica e cultural, a Feira dos Produtos da Sociobiodiversidade também visa sensibilizar a sociedade sobre a importância de apoiar as economias da sociobiodiversidade, valorizando os produtos e incentivando o consumo consciente e sustentável.
A feira será um verdadeiro mercado da sociobiodiversidade, onde os visitantes poderão conhecer e adquirir uma ampla variedade de produtos do comércio justo e orgânico da Amazônia. Serão oferecidos e comercializados produtos como castanhas-da-amazônia, óleos essenciais, artesanatos feitos com matéria-prima da floresta, peças de moda sustentável, alimentos orgânicos e degustação de pescados de pirarucu.
Juventude
A Juventude Extrativista tem protagonismo durante a Semana da Sociobiodiversidade. Será realizada uma plenária com o objetivo de incentivar a formação e conscientização dos jovens na construção de políticas destinadas aos territórios onde existem economias florestais, especialmente, aos de usufruto, moradia e manejo das comunidades extrativistas.
A realização do evento é do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Memorial Chico Mendes, Comitê Chico Mendes, Coletivo da Castanha, Observatório Castanha-da-Amazônia (OCA), Coletivo do Pirarucu, Gosto da Amazônia, Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), WWF-Brasil, Operação Amazônia Nativa (OPAN) e Instituto Socioambiental (ISA). Além disso, tem o apoio e parceria de mais de 25 instituições socioambientais que atuam em defesa dos povos da floresta amazônica.
Semana da Sociobiodiversidade
Período: de 31/08 a 06/09
Horário: das 8h30 às 18h
Local: Sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Endereço: SMPW Q1 - Núcleo Bandeirantes, Brasília - DF
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80º Festival de Veneza exibe ‘Mãri Hi - A Árvore do Sonho’, curta Yanomami premiado em Gramado
Morzaniel Ɨramari, primeiro cineasta Yanomami e diretor do filme, disse que vai levar à Itália a luta dos Yanomami contra o garimpo ilegal e o Marco Temporal
Cineasta Morzaniel Ɨramari Yanomami durante conferência Rio+20|Cláudio Tavares/ISA
A força do cinema Yanomami vai ser destaque no 80º Festival de Veneza, na Itália, que acontece de 30 de agosto a 9 de setembro.
A mostra paralela Giornate degli Autori vai dedicar o dia 4 de setembro ao primeiro cineasta Yanomami, Morzaniel Ɨramari, e a produções recentes do cinema Yanomami.
Este ano, a parceria da mostra com a associação cultural Isola Edipo e a Fundação Cartier, celebram o Cinema Yanomami com o título "Eyes of the forest" e apresentando três curtas: Thuë Pihi Kuuwi – Uma Mulher Pensando, Yuri u xëatima thë – A Pesca com Timbó e Mãri Hi - A Árvore do Sonho, de Morzaniel Ɨramari.
Morzaniel anunciou que pretende usar a oportunidade para fazer um apelo ao público internacional para a luta por direitos dos Yanomami.
“Também vou falar da luta que temos hoje contra os invasores e o Marco Temporal. Falarei sobre as necessidades de saúde e educação do meu povo, mas também falarei de coisas boas, como o fato de ainda existir a nossa cultura tradicional. Vou falar sobre tudo isso contando a história da árvore dos sonhos e como nossos xamãs sonham”, disse ao ISA.
O cineasta yanomami ganhou os prêmios de Melhor Fotografia e Prêmio do Júri no Festival de Gramado neste ano. Além disso, o filme de Morzaniel venceu o Festival É Tudo Verdade 2023 na categoria Melhor Documentário de Curta-Metragem Nacional, e está qualificado para concorrer ao Oscar na categoria Melhor Documentário em Curta-Metragem.
A obra tem a participação do xamã e liderança Yanomami Davi Kopenawa, que fala sobre o conhecimento do seu povo sobre os sonhos.
Aida Harika, Roseane Yariana e Edmar Tokorino são os responsáveis pelos outros dois filmes. Além de estarem entre suas primeiras produções, também são os primeiros filmes com mulheres Yanomami na produção e que farão sua estreia em um Festival de Cinema Internacional.
Todas as três produções foram feitas no Watorikɨ, na região do Demini. Eles foram produzidos pela Aruac Filmes durante as filmagens de A Queda do Céu, livremente inspirado no livro de Davi Kopenawa e Bruce Albert. A direção do longa, que está em fase de finalização, é assinada por Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha.
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Aida Harika Yanomami e o xamã Edmar Tokorino Yanomami, trabalhando nas edições do filme Uma Mulher Pensando|Aruac Filmes
Oficinas e prêmios
Em 2022, a Aruac organizou junto à Hutukara Associação Yanomami e ao Instituto Socioambiental (ISA) uma oficina de montagem audiovisual que ensejou a produção dos três curtas que estarão no Festival de Veneza.
“O objetivo da iniciativa deste ano é destacar a visão direta e íntima de cineastas da comunidade Yanomami, uma das populações indígenas mais conhecidas da Amazônia e sua crescente importância no cenário cinematográfico internacional. Um ato político devolvendo à floresta seus olhos, corpos e vozes para conscientizar sobre a situação Yanomami atual e a necessidade urgente de proteger seu território e seu modo de vida”, afirma a Aruac Filmes.
Os filmes são uma produção da Aruac Filmes com coprodução da Hutukara Associação Yanomami e produção associada da Gata Maior Filmes.
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Nas quatro pontas da Amazônia, povos indígenas desenvolvem estratégias para proteger a floresta
Em Belém (PA), indigenistas e técnicos que atuam em Roraima, Pará, Maranhão e Rondônia falaram sobre como os povos originários, em parceria com organizações, estão combatendo a destruição nas áreas mais invadidas
Na Amazônia Maranhense, o grupo das Guerreiras da Floresta, formado por indígenas do povo Guajajara, percebeu uma outra forma de atuar na proteção do seu território: pela palavra. Formado em 2014, o grupo tem como objetivo proteger as florestas do Mosaico do Gurupi, composto por seis Terras Indígenas e uma reserva biológica (Rebio do Gurupi).
Os homens do povo Guajajara já haviam formado o grupo Guardiões da Floresta, que atuava sobretudo com expedições de vigilância e monitoramento. As mulheres, no entanto, resolveram atuar por outro sentido: a sensibilização do entorno.
A partir de então, passaram a fazer um trabalho de conscientização, com palestras sobre os direitos territoriais dos povos indígenas nos povoados vizinhos de seu território. Nessas visitas, abordam a importância da conservação ambiental da floresta e dos serviços ecossistêmicos que se estendem a indígenas e não indígenas.
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Grupo das Guerreiras da Floresta, formado por indígenas Guajajara|Acervo Guerreiras da Floresta
O relato é de João Guilherme Nunes Cruz, coordenador do Programa Povos Indígenas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), durante os Diálogos Amazônicos, realizado entre os dias 4 e 6 de agosto em Belém (PA).
Especialistas de quatro regiões da Amazônia se reuniram no dia 4, na Universidade Federal do Pará (UFPA), para falar sobre proteção territorial, em uma troca rara e muito rica sobre as realidades de cada território.
No caso das Guerreiras, Cruz contou que, do contato com essa realidade do entorno, as mulheres perceberam as próprias vulnerabilidades socioeconômicas da população não-indígena, e começaram a trabalhar a partir dessa realidade, gerando diálogos e parcerias.
Daí nasceu o projeto “Traçando Novos Caminhos para o Bem Viver”, da associação Wirazu em parceria com o ISPN e Rede de Filantropia para a Justiça Social (RFJS).
A iniciativa oferta às famílias ou aos indivíduos desses povoados uma pequena linha de financiamento via microprojetos para desenvolvimento de iniciativas produtivas como hortas, roças e plantio árvores frutíferas, reflorestamento/viveiros e pequenas criações de animais de pequeno porte. Cada microprojeto selecionado pode pegar um financiamento de até R$ 2 mil.
Cruz fala de um território de floresta escassa, numa das áreas mais destruídas da Amazônia. A vegetação nativa só resiste nas áreas protegidas, o entorno já foi destruído em sua maior parte. “A devastação aprofunda a miséria. Os índices econômicos caem quando os socioambientais também caem”, disse.
Do outro lado da Amazônia, de Rondônia, veio o exemplo do trabalho dos indígenas da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, por meio do relato do assessor Israel Correa do Vale Junior. Em sua apresentação, ele mostrou um mapa de como os indígenas enxergam seu próprio território.
Ao contrário da representação cartográfica do não-indígena, o mapa apresentado por ele trazia detalhes que só os indígenas poderiam indicar dentro do seu próprio território: locais sagrados, cemitérios, além das aldeias, rios e outras feições. “A principal coisa é escutá-los”, afirmou Israel.
São os indígenas que melhor conhecem aquele território e que circulam por ele com mais frequência. Inclusive, são eles que fornecem as melhores informações de inteligência para combater as invasões. Hoje, por meio de uma plataforma da ONG Kanindé (Sistema de Monitoramento de Desmatamento Kanindé , o SMDK), eles conseguem realizar um monitoramento em tempo real dos alertas de desmatamento. Os indígenas também estão se capacitando com o uso de drones e de aplicativos de coleta de informações para a verificação dos alertas.
Israel lembra da importância desse monitoramento durante a pandemia. Todas as ações de proteção governamental foram paralisadas, mas as invasões não pararam. Os Jupaú então utilizaram seus conhecimentos tradicionais aliados a tecnologia e realizaram expedições no território.
Hoje, são quatro povos contatados (Jupaú, Amondawa, Oro Win e Cabixi) que habitam esse território, além de indígenas isolados. Muitas vezes, eles têm problemas específicos. Mas, na gestão territorial, se unem, conta Israel.
Do Xingu, que nasce no Mato Grosso e atravessa o centro do Pará, a analista de geoprocessamento do Instituto Socioambiental (ISA) Thaise Rodrigues compartilhou a experiência de proteção da Rede Xingu+, uma articulação formada por 32 organizações de povos indígenas, ribeirinhos e instituições que fazem parte do Corredor de Áreas Protegidas do Xingu.
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Mesa nos Diálogos Amazônicos discutiu proteção territorial em Terras Indígenas de diferentes regiões da Amazônia|Ianca Moreira/ISA
São três eixos de monitoramento: o remoto, feito a partir de imagens de satélite e por meio de técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto; o colaborativo, realizado por parceiros que atuam em campo; e o administrativo e judicial, que acompanha processos que podem afetar o território e o direito dos povos e comunidades tradicionais do corredor. E que se desdobram em um componente de advocacy, de apoio às associações locais e de comunicação para toda a sociedade.
A atuação em rede de várias organizações foi fundamental nos últimos anos, quando o desmatamento na região aumentou expressivamente e avançou para dentro das áreas protegidas. Segundo a especialista, é no Corredor Xingu que estão as Terras Indígenas e algumas das Unidades de Conservação mais desmatadas de toda a Amazônia Legal. Foi nesse cenário que a Rede Xingu+ trabalhou para garantir ações de proteção nos territórios e a manutenção dos direitos de suas comunidades.
Na plataforma da Rede, é possível acessar o mapa do Observatório do Xingu, com camadas de desmatamento, obras e diversas outras informações. Além disso, há um radar de obras, com atualizações sobre o licenciamento e demais processos das principais obras que afetam a bacia. Confira aqui.
Garimpo na TI Yanomami
Estêvão Senra, geógrafo do ISA, compartilhou a experiência das ações de proteção territorial e acompanhamento da emergência sanitária na Terra Indígena Yanomami, que está situada em Roraima e Amazonas.
“Tem toda uma estrutura do crime que sustenta o crime ambiental”, afirmou. “Em sobrevoos de monitoramento, foram encontradas máquinas escavadeiras trabalhando dentro da TI, que chegam a custar R$ 1 milhão. Ou seja, a invasão envolve grande capital, não são pessoas que estão lutando pela sua sobrevivência”, explicou.
Apesar da melhora considerável a partir do início deste ano, com operações de fiscalização feitas no início do novo governo, a situação ainda é sensível. Senra citou o relatório Nós ainda estamos sofrendo: um balanço dos primeiros meses da emergência Yanomami, lançado no início de agosto pelas associações Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye'kwana (SEDUUME) e Urihi Associação Yanomami.
O relatório avalia que, entre as ações do governo para alcançar a estabilização, as focadas no “estrangulamento logístico” foram as mais eficazes para a retirada dos invasores, especialmente o controle do espaço aéreo e o bloqueio dos grandes rios.
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Estêvão Senra (esquerda) e Leonardo de Moura (centro), do ISA, compartilharam experiências em Roraima e no Pará, respectivamente|Ianca Moreira/ISA
Em 30 de janeiro, o governo federal criou a Zona de Identificação de Defesa Aérea (Zida). No entanto, a medida se sustentou por apenas seis dias, devido à pressão exercida por parlamentares de Roraima que estão associados ao garimpo ilegal.
De 6 de fevereiro a 6 de abril, exatos dois meses, o governo fez a manutenção de três “corredores humanitários” aéreos abertos a fim de levar a uma saída espontânea dos criminosos.
O balanço aponta que esta medida reduziu custos das ações de combate, mas também favoreceu os “donos de garimpos” que puderam retirar parte do seu equipamento sem maiores prejuízos. Segundo o relatório, há rumores de que alguns desses “empresários” estejam esperando o enfraquecimento da fiscalização para retornar a operar no território.
Troca de experiências
O técnico Leonardo de Moura, do ISA de Altamira (PA), que mediou o debate, lembrou que esta troca de experiências sobre as ações de proteção de diferentes territórios são importantes para formar um acúmulo mais abrangente de conhecimento sobre o assunto para tornar as medidas de combate ao desmatamento mais efetivas em toda a região amazônica.
Mas lembrou também que resultados mais estáveis das ações dependem do desenvolvimento de uma economia local baseada em atividades sustentáveis. “Enquanto as economias locais de muitos municípios amazônicos for baseada em atividades como o garimpo, a exploração madeireira ilegal e a grilagem de terras públicas, as ações de comando e controle estarão sempre enxugando gelo”, avaliou.
“No primeiro descuido, as atividades ilegais voltam, pois elas são a grande fonte de emprego nestes locais”, lembrou. “Por outro lado, essa nova economia também depende do comando e controle, pois atividades como a exploração de produtos florestais não madeireiros, como a cultura do cacau, não competem economicamente com as atividades que destroem. Mas nem precisam concorrer, pois estas são ilegais e devem ser combatidas”, concluiu.
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