Lideranças do Médio Rio Negro lançam PGTAs e reforçam luta pela homologação da Terra Indígena Jurubaxi-Téa
Planos de Gestão Territorial e Ambiental orientam a governança indígena e serão levados à COP30 como pauta prioritária para conclusão dos processos de demarcação
Em evento realizado no dia 4 de outubro, lideranças indígenas do Médio Rio Negro celebraram o lançamento dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) das Terras Indígenas Jurubaxi-Téa e Uneiuxi, em Santa Isabel do Rio Negro (AM), reunindo representantes das duas terras indígenas e instituições parceiras.
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Os planos são frutos do trabalho conjunto de lideranças, jovens, homens e mulheres das comunidades dos territórios|Alexandre Produtor Audiovisual/Decom-Foirn
Durante o dia, as lideranças participaram também de uma oficina explicativa sobre o conteúdo dos PGTAs, num espaço em que puderam revisitar o processo de construção, tirar dúvidas e discutir os próximos passos para a implementação dos planos.
Os PGTAs são instrumentos previstos na Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e servem como guias elaborados pelos próprios povos para planejar o uso, proteger o território e orientar políticas públicas de acordo com suas realidades e modos de vida.
Os planos são frutos do trabalho conjunto de lideranças, jovens, homens e mulheres das comunidades dos dois territórios, em cooperação com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Coordenadoria das Associações das Comunidades Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro (Caimbrn) e da Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (Acimrn), com colaboração do Instituto Socioambiental (ISA) e Coordeadoria Regional Fundação Nacional dos Povos Insdígenas no Rio Negro (Funai/CR Rio Negro).
Lideranças e comunitários da região do Médio Rio Negro estiveram presentes no lançamento|Alexandre Produtor Audiovisual/Decom-Foirn
Presente na celebração, o presidente da Foirn, Dário Baniwa, reforçou a importância do documento como instrumento de autogestão e proteção dos territórios e destacou que o PGTA da TI Jurubaxi-Téa será apresentado na COP30 pela comitiva do Rio Negro, que tem como uma das principais pautas a reivindicação para a finalização do processo de demarcação da terra indígena que há décadas aguarda pelo reconhecimento oficial do território. “O PGTA é um instrumento de gestão e de autonomia. Ele mostra que os povos indígenas têm seus próprios modos de planejar o futuro e cuidar do território”, afirmou.
Para Carlinhos Neri, diretor de referência da Foirn no Médio Rio Negro, os planos expressam a visão das comunidades sobre o uso e o cuidado com seus territórios. “Eles consolidam as necessidades e os anseios das comunidades de forma planejada e articulada, e são ferramentas de reivindicação junto ao poder público e às instituições”.
Entre as lideranças locais, a fala de Adilson da Silva Joanico, da TI Jurubaxi-Téa e presidente da Acimrn, traduziu o sentimento coletivo: “É um trabalho que lutamos muito para realizar, e agora temos um documento físico nas mãos, que garante nossa voz e orienta os próximos passos com os governos municipal, estadual e federal.”
Da TI Uneiuxi, a liderança Eduardo Fonseca Castelo, do povo Nadëb, reforçou a importância simbólica e política do documento. “É o nosso plano de governo. Nossos direitos e nosso futuro estão registrados aí, dando mais uma segurança para nós. E registrado na nossa língua para que ela não se perca”, disse.
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Carlos Neri faz entrega simbólica do PGTA Uneiuxi à liderança Nadëb Eduardo Fonseca Castelo|Alexandre Produtor Audiovisual/Decom-Foirn
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Dário Baniwa, presidente da Foirn, faz entrega ao presidente da Acimrn, Adilson da Silva Joanico|Alexandre Produtor Audiovisual/Decom-Foirn
O lançamento faz parte do conjunto de 12 PGTAs apoiados pelo ISA em parceria com a Foirn, coordenadorias e associações de base. A antropóloga Carla Dias, coordenadora do Programa Rio Negro, destacou o caráter participativo do processo e o valor do documento como instrumento de fortalecimento da governança dos territórios pelos próprios povos indígenas. Segundo ela, “a ferramenta pode orientar políticas públicas adequadas à realidade local, apoiar as associações na elaboração de projetos e captação de recursos, além de servir para atualizar acordos intercomunitários”.
Os 12 PGTAs da região do Alto e Médio Rio Negro podem ser acessados e obtidos na íntegra no acervo do ISA e no site da FOIRN.
Todo o processo de elaboração dos PGTAs das Terras Indígenas Jurubaxi-Téa e Uneiuxi até o lançamento contou com o apoio financeiro da Aliança pelo Clima, da Rainforest Foundation Norway (RFN), da Embaixada da Noruega e da Fundação Gordon & Betty Moore, instituições parceiras do ISA que contribuem para tornar realidade o fortalecimento da gestão territorial e ambiental dos povos indígenas do Rio Negro.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Professores recebem formação para ampliar acesso ao PNAE em escolas indígenas do Rio Negro
Implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar enfrenta grandes desafios logísticos e estruturais diante da extensão territorial, conectividade e acesso à informação
Cerca de 60 professores da rede municipal de São Gabriel da Cachoeira (AM), além de nutricionistas e gestores, participaram entre os dias 16 e 19 de setembro da Oficina de Multiplicadores do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e demais políticas públicas alimentares no Território Rio Negro. Realizada no Telecentro do Instituto Socioambiental (ISA), a atividade teve como objetivo formar os professores como facilitadores na elaboração de projetos para o PNAE em escolas indígenas de comunidades onde o programa ainda não atingiu.
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Cerca de 60 pessoas, entre professores, gestores e parceiros, participaram da Oficina de Multiplicadores do PNAE|Juny Venceslau Cardoso
O PNAE é uma das principais políticas públicas voltadas à segurança alimentar e nutricional de estudantes da rede pública. No Rio Negro, sua implementação enfrenta grandes desafios logísticos e estruturais diante da extensão territorial, conectividade e acesso a informação.
Somente em São Gabriel da Cachoeira, há 259 escolas da rede pública municipal, das quais 251 estão em comunidades indígenas, onde a gestão cotidiana é feita pelos próprios professores. Neste universo, o programa chegou a 53 comunidades em 2024 e, em 2025, ampliou seu alcance para 66, o que torna a oficina ainda mais relevante para fortalecer e ampliar a política na região, valorizando a cultura alimentar dos povos e gerando renda para as famílias.
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Mapa mostra onde estão localizadas as escolas indígenas municipais e a presença do PNAE na região|Renata Alves/ISA
“Por isso não convidamos os agricultores, e sim os professores. Porque é o professor quem recebe a merenda, que registra no relatório a entrega dos agricultores”, explica Andreia Damasceno, assessora técnica do ISA responsável pela atividade. Segundo ela, os convidados vieram justamente de comunidades distantes, nas calhas dos rios, onde a equipe de assessoria dificilmente chega com frequência, em uma estratégia para ampliar o acesso ao programa.
Considerando esse contexto, a programação combinou momentos de exposição e prática, onde os professores e gestores puderam, com apoio dos facilitadores, compreender as normativas, ler e preencher coletivamente as etapas do processo de venda ao PNAE, além de mapear os alimentos disponíveis em cada comunidade ao longo do ano.
O nutricionista Ricardo Colares, do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (Cecane), ligado à Universidade Federal do Amazonas (Ufam), foi um dos parceiros e facilitadores da oficina. Ele explica que a efetivação do programa em territórios remotos, como o Rio Negro, representa um passo essencial no resgate da cultura alimentar indígena.
“Por muitos anos, as escolas receberam alimentos industrializados, que descaracterizaram os hábitos alimentares locais. Hoje, o PNAE permite valorizar e reintroduzir alimentos tradicionais, como galinha caipira, peixe, goma, farinha, beiju e pé de moleque, substituindo enlatados por uma alimentação mais saudável”, ressalta.
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Ricardo Colares, nutricionista do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (CECANE/UFAM) também falou durante a oficia|Ana Letícia Pastore/ISA
No decorrer da programação, Ricardo explicou quais alimentos são permitidos no PNAE, conforme a Nota Técnica nº 03/2020 – 6ª CCR, esclareceu as diferenças entre Chamada Pública dos PCTs e Chamada Pública Geral do PNAE e apoiou o mapeamento da produção agrícola para fornecimento ao programa. Sua contribuição trouxe elementos técnicos que ajudaram a aproximar a política da realidade das comunidades locais.
“Depois de várias reuniões no Ministério Público Federal, com órgãos da Vigilância Sanitária, do MAPA [Ministério da Agricultura e Pecuária], da [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] Funai e outros parceiros, foi elaborada a nota técnica que facilitou o acesso do agricultor. A partir dela, não é mais necessário que um alimento passe por inspeção e protocolo sanitário, pois se reconhece que os povos indígenas produzem e consomem seus alimentos de acordo com métodos tradicionais praticados há milhares de anos”, afirma.
Segundo Andréia, a dinâmica permitiu aproximar o planejamento da realidade da produção local e das especificidades culturais da alimentação indígena, uma vez que envolveu a participação de órgãos e técnicos responsáveis pela elaboração dos editais de chamamento no município, reforçando o diálogo entre as partes envolvidas e garantindo que os processos possam ser mais adequados à disponibilidade de alimentos em cada região.
Nesta perspectiva, a nutricionista Alexandra Maria Melgueiro Delia, responsável técnica pela alimentação escolar indígena em São Gabriel da Cachoeira, avalia que a oficina representa um avanço fundamental na execução da política.
“O município é de grande extensão territorial, com comunidades de difícil acesso, onde muitas vezes não conseguimos chegar. Trazer os professores para cá e capacitá-los para elaborarem os projetos junto com os agricultores é de grande relevância. A alimentação escolar só tende a ganhar, porque gera renda no município, valoriza a cultura e garante uma oferta de comida adequada, saudável e nutritiva para as nossas crianças”, destaca.
Professor em Vista Alegre, no médio Rio Içana, João Cláudio conta que, após a formação, vai poder orientar as famílias da sua região, que muitas vezes não conseguem acessar o programa devido à burocracia e à distância da cidade para organizar a documentação necessária.
O PNAE, relata o professor, ainda não chegou à escola da comunidade e os próprios pais, para complementar a merenda escolar, costumam fazer o “ajuri”, ou seja, se juntam para entregar frutos e outros produtos das roças e quintais de forma voluntária e gratuita. Para ele, a capacitação representa a possibilidade de planejar melhor a produção local, fortalecer a participação das famílias e fazer com que os alunos possam consumir alimentos regionais no lugar dos industrializados.
“Eu fiquei satisfeito, porque já vou poder ajudar os familiares lá, os pais dos alunos principalmente, para entender qual é a necessidade para nossas regiões, orientar e eles também poderem receber por isso”, avalia o professor.
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Professor e gestor da escola na comunidade de Maturacá, na TI Yanomami, João Vicente Vilela, ressalta a importância do PNAE|Vanessa Fernandes/ISA
O professor João Vicente Vilela, do povo Yanomami, é o responsável pela gestão da Escola Municipal Indígena Horoinã, na comunidade de Maturacá, na Terra Indígena Yanomami no Amazonas, e conta que o programa era conhecido pelo nome, mas sem detalhamento de como realmente funcionava.
A partir da oficina, ele conta que pôde compreender as normativas e o direcionamento do programa, o que lhe permitirá levar informações concretas para sua comunidade e incentivar os agricultores a apoiarem as escolas.
“O PNAE é importante para a gente, porque ele faz um complemento, ele valoriza as merendas regionais voltada para a nossa realidade, para não só se focar na merenda industrial”, completa.
A oficina é uma ação que integra o projeto de processos de estruturação, governança, conexão com o mercado e incidência política para a promoção das cadeias de valor de turismo de base comunitária e de produtos da sociobiodiversidade de comunidades indígenas no Rio Negro, realizado pelo ISA com apoio financeiro do BNDES e Fundo Amazônia.
A atividade contou com a parceria da Secretaria Municipal de Educação e Educação Escolar Indígena (Semedi) e do Cecane/Ufam, além do apoio da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam), Secretaria Municipal do Interior, Produção e Abastecimento (Seminpa), Funai e ICMBio.
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Tecendo saberes e arte: catálogo apresenta cestaria Yanomami
“Arte Yanomami” apresenta saberes dos cestos tradicionais, fortalecendo mulheres, cultura, arte, cosmovisão e territórios
O trançado da cestaria Yanomami tem início com caminhadas na terra-floresta, a urihi a, para a coleta dos cipós e do Përisi, uma espécie de fungo retirado cuidadosamente pelas mulheres. Depois de prontas, as peças únicas guardam uma herança do saber ancestral passado entre as gerações. E podem chegar à sua casa!
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Luiza Lima Góes Yanomami carrega dois cestos Motorohima, feitos por ela na comunidade Maturacá, Terra Indígena Yanomami|Roberto Almeida/ISA
Cultura, arte e cosmovisão Yanomami presentes nas cestarias são apresentadas no Catálogo Arte Yanomami, uma produção realizada em parceria pela Hutukara Associação Yanomami e pelo Instituto Socioambiental (ISA) e que teve lançamento nesta quinta-feira (28/08).
No catálogo, estão descritos os nomes dos cestos, seus formatos e dimensões, o que torna mais ágil o diálogo para a comercialização justa e ética.
Com o novo guia, é possível saber, por exemplo, que o Xotehe é um cesto raso trançado pelas mulheres Yanomami utilizando cipó titica com fios de fungo negro (o Përisi) ou tiras de raízes pretas da palmeira paxiubinha. Quando o trançado tem ponto fechado, é utilizado para acondicionar alimentos. Mas se a trama é aberta, tradicionalmente é usado na pesca.
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Detalhe do cesto xotehe, feito de cipó titica por mulheres Yanomami|Amanda Latosinski / ISA
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Confecção de cestaria Yanomami com tiras de cipó titica e fios de fungo negro|Amanda Latosinski/ISA
E é possível entender que alguns dos cestos, os mais alongados, utilizados para viagens na mata ou para guardar alimentos, são trançados apenas por mulheres. Um saber repassado de geração para geração. Outros, que servem como utensílios de cozinha, em formato tubular ou de peneira, são produzidos por homens do grupo Sanöma.
A comercialização das peças de arte yanomami é uma forma de valorizar o trabalho desenvolvido principalmente pelas mulheres desse povo, além de fortalecer o território, a cultura e os saberes ancestrais Yanomami.
Para os Yanomami, a cestaria é usada no dia a dia. Mas a arte indígena pode receber outros usos, como fruteiras, revisteiros e adornos nas paredes.
No trançado aparecem o cipó – cru ou pintado de vermelho com urucum – e o Përisi. Na cosmologia Yanomami, os fios do Përisi são os pelos pubianos do espírito da floresta. Por isso, as mulheres fazem a coleta com todo o cuidado e, ainda, contam com o diálogo de xamãs para a retirada.
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Cesto Wiia é o recipiente onde as mulheres levam os produtos da coleta e da roça e carregam a lenha para cozinhar e aquecer a casa coletiva|Edson Sato
Mas o fio negro usado na trama da cestaria é também uma nova espécie de fungo (Marasmius yanomami) descoberta através de uma pesquisa intercultural envolvendo pesquisadoras indígenas e não indígenas e que está relatada no livroPërɨsɨ: o fungo que as mulheres yanomami usam na cestaria, uma publicação da Associação de Mulheres Yanomami Kumirãyõma e ISA. Contado pelas mulheres, o livro explica, em Yanomami e português, como o fungo é coletado e usado.
Os cestos Yanomami são produzidos nas comunidades, no centro da floresta Amazônica. Após confeccionados, são encaminhados pelas lideranças comunitárias para a Hutukara Associação Yanomami, que se responsabiliza pelo armazenamento, cuidado e venda das peças.
Todo o recurso arrecadado com as vendas das cestarias é revertido nas compras de matihipë - objetos diversos - solicitados pelas comunidades.
A Hutukara Associação Yanomami (HAY) é uma organização sem fins lucrativos fundada em 2004 pelo xamã e líder político Davi Kopenawa Yanomami. Sua missão é representar os povos Yanomami e Ye’kwana que vivem na Terra Indígena Yanomami, nos estados brasileiros de Roraima e Amazonas, sobretudo consolidando o protagonismo indígena para defender os direitos territoriais e atuando na mediação e no acompanhamento da implementação de políticas públicas que contribuam para o bem viver das comunidades.
Em parceria com o ISA, a Hutukara desenvolve projetos que fortalecem as economias da sociobiodiversidade, a cultura e os saberes por meio de produtos da floresta, como cestarias, cogumelos, castanhas e cacau. Esses projetos envolvem 78 comunidades e cerca de 900 indígenas.
Conheça alguns cestos:
Wiia é um cesto alongado de ponto fechado e com fundo arredondado. É trançado por mulheres Yanomami e feito de cipó titica com detalhes de fios de fungo negro (o Përisi) ou com pinturas de tintas naturais. Wiia é o recipiente onde as mulheres levam os produtos da coleta e da roça e carregam a lenha para cozinhar e aquecer a casa coletiva durante a noite.
Xotehe é um cesto raso trançado de cipó titica com fios de fungo negro (o Përisi) ou tiras de raízes pretas da palmeira paxiubinha. Feito pelas mulheres Yanomami, pode ter o trançado com ponto fechado, utilizado para acondicionar alimentos, ou de trama de aberta, tradicionalmente utilizado na pesca.
Tipiti é um cesto tubular, uma espécie de prensa, confeccionado por homens Yanomami do grupo Sanöma. É trançado com fibras de arumã, de cor crua, e fibras tingidas com tintas naturais. É utilizado pelas mulheres para espremer o suco venenoso da mandioca brava. O líquido pode ser aproveitado para fazer o tucupi. Já a massa que resulta da extração, após a secagem é transformada em farinha ou beiju.
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Tipiti preto feito por homens Yanomami com grafismos tipicamente Ye'kuana. Pronto, ele é utilizado pelas mulheres na cozinha|Yareidy Rivas/ISA
Sotea ose é um cesto de bordas baixas, uma espécie de peneira, confeccionado por homens Yanomami do grupo Sanöma. É trançado com fibras de arumã, em cor crua, e fibras tingidas com tintas naturais. Utensílio de cozinha, serve como travessa para apoiar frutas e outros alimentos, recolher a massa de mandioca, guardar e servir o beiju, que é comido coletivamente em família.
Para adquirir a sua cestaria Yanomami, entre em contato por meio dos seguintes canais de venda:
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Troca de experiências e saberes marca intercâmbio entre mulheres yanomami e guarani em encontro na TI Tenondé Porã (SP)
Relato de intercâmbio entre Ehuana Yanomami e 16 mulheres-liderança do povo Guarani revela laços entre as lutas de mulheres indígenas na defesa de seus territórios
Jera Poty Mirim, liderança da tekoa Kalipety, recebe Ehuana Yanomami na TI Tenondé Porã, na capital paulista|Ana Maria Machado
“Elas são como nós, Yanomami”. Essa foi uma das conclusões a que chegou a liderança Ehuana Yaira Yanomami, após percorrer os cerca de 3500 km que separam a aldeia Demini, na Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, da aldeia Kalipety, na TI Tenondé Porã, na capital paulista.
Recebida por um grupo de dezesseis mulheres do povo Guarani, que participam do conselho de lideranças de seu território, Ehuana deixou a aldeia com a certeza de que as mulheres guarani são verdadeiras defensoras da floresta e que seus saberes, sua língua e sua cultura estão vivas – mesmo morando tão perto da cidade, onde predomina o modo de vida dos não indígenas, chamados de napë pë em yanomami, juruá em guarani. "Apesar de estar na cidade de São Paulo, cheguei no lugar onde eles fizeram uma floresta", celebrou Ehuana.
Ela, além de liderança, é pesquisadora e artista plástica. Sua ida a São Paulo aconteceu em razão de uma série de palestras que daria em um colégio na cidade, mas a visita à TI Tenondé Porã nasceu do desejo de Ehuana conhecer e dialogar com outras mulheres indígenas em posição de liderança como ela. A demanda foi recebida por Jera Poty Mirim, liderança da tekoa Kalipety, que se prontificou a recebê-la em seu território.
No artigo que publicou com outras mulheres de seu povo no livro, Jera fala da importância das mulheres ocuparem posições de liderança em suas comunidades e territórios: “Quando era criança, tinha constantemente reuniões gerais, nhemboaty guaxu como diziam, e sempre, sempre, eram só homens falando. Acredito muito que a participação das mulheres no trabalho político interno, só vai fortalecer. Não exterminar os homens ou mandar todo mundo pra cadeia, ou coisa do tipo. Vai fortalecer o nhandereko de novo, o nosso modo de ser guarani”.
Hoje, Jera é uma das vozes do conselho de lideranças da TI Tenondé Porã e ajuda a fortalecer outras mulheres guarani para que ocupem posições de liderança em diversos âmbitos da vida no território, como donas de roças, mestras de cantos-rezas, educadoras, artesãs, comunicadoras, motoristas, entre outras.
Para esse intercâmbio cultural e político, ela reuniu outras 16 mulheres-lideranças, representando aldeias como Tape Porã, Yporã, Tape Mirim, Kalipety e Krukutu. A atividade foi articulada pela organização indígena Comitê Interaldeias em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e contou com o apoio da Hutukara Associação Yanomami (HAY).
“Essa foi a primeira vez que eu conheci os Guarani, foi a primeira vez que eu fui em outra Terra Indígena. Até então eu só tinha conhecido a cidade dos napë. Então eu cheguei até a Terra onde mora Jera Guarani, a liderança que nos recebeu, e quando cheguei até ali, eu ouvi sobre o sofrimento do povo Guarani. Os näpe há 500 anos destroem seu território, seu povo, mas eles fazem a retomada”, constatou Ehuana.
Geovana dos Santos Lima, jovem indígena, estudante de ciências sociais e pesquisadora do Instituto Socioambiental (ISA), é quem narra os trechos a seguir. Ela acompanhou o encontro junto a Tatiane Klein, antropóloga e jornalista no ISA, e Ana Maria Machado, antropóloga indigenista e tradutora do encontro.
Uma ponte entre mundos
por Geovana Lima
A estrada de barro balançava o carro e, com ele, os corpos e as expectativas. Pelas janelas, víamos a mata se adensar, como quem se aproxima de algo vivo, palpitante. A chegada à aldeia Kalipety foi anunciada por placas, cheiros, sons e acolhimentos.
“Apesar de eu estar bem longe da minha terra, cheguei até a terra deles”, observou Ehuana Yanomami.
Ela examinou as roças de batata-doce, mandioca, urucum e a forma como o povo Guarani trabalha, como preparam seus alimentos e como fizeram renascer a mata. "Os napë pë destruíram muito a floresta deles, mas eles replantaram. Hoje, apesar de cercados pela cidade, eles resistem e permanecem em sua terra", contou.
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Ehuana pôde ver como a roça guarani na TI Tenondé Porã é farta e possui variedade de alimentos. Na foto, batatas coloridas do território|Ana Maria Machado
Um café da manhã nos esperava, repleto de xipa (uma espécie de pão frito), batata-doce cozida, mbeju e rora (um tipo de cuscuz) — e da presença animada do cachorrinho Pipoca, que circulava entre as pessoas como um anfitrião atento. O xipa, em especial, nos conquistou.
Logo após o café, fomos caminhar pelo território, onde vimos diversos plantios e roças cuidadas com zelo. “Eu fui até a roça, onde eles plantam batatas doces, macaxeiras, pés de urucum, eu vi essa árvore. E vi também a forma como eles fazem para manter a terra sempre úmida“, detalhou Ehuana, se referindo à cobertura de folhas feita pelos Guarani em seus roçados, para manter a umidade da terra.
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Jera Poty Mirim também cuida da sua roça, que representa parte da cultura Guarani de resistência|Ana Maria Machado
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Entre batatas doces e macaxeiras, a terra também abriga pés de urucum|Ana Maria Machado
A cada passo, sentíamos que o chão era também uma memória. Colhemos mandioca, para o preparo do almoço. Os homens trouxeram galinhas caipiras — o prato do dia seria galinhada. Mas antes de comer, fomos à casa de reza.
A entrada nesse espaço revelou algo fundamental: naquele momento, eram apenas mulheres ali. Cantando, rezando, servindo-se, trocando saberes, compartilhando alimentos, comentando suas trajetórias. Uma cena de força e de escuta, onde a espiritualidade e a política se entrelaçavam com naturalidade.
Em círculo, nos apresentamos. Cada mulher compartilhou sua realidade, desafios e formas de luta. Ehuana contou da emoção ao receber o convite para conhecer o território guarani; disse que seu peito se encheu de alegria. Aline Jaxuka, uma das lideranças guarani, lembrou que a liderança das mulheres começa dentro de suas próprias comunidades. Jera, referência entre as Guarani Mbya, comentou que os grandes encontros de mulheres por vezes se tornavam distantes das realidades locais. Ressaltou que ali estavam reunidas mulheres com trajetórias próprias — algumas fundaram suas tekoa, outras dividem responsabilidades com homens nas equipes de liderança. “Não podemos esquecer do nosso quintal”, disse, lembrando que muitas lideranças se afastam de suas comunidades e perdem a conexão com aquilo que as sustenta.
A conversa fluía em várias línguas, mas sempre com sentido. Ana Maria fazia a tradução simultânea entre Yanomami e português, costurando os fios do diálogo com cuidado e paciência. Ao fundo, xejaryi Rosa e suas filhas pitavam, compondo o cenário com quietude e presença.
O almoço nos reuniu novamente ao redor de um banquete coletivo: galinhada, variedades de batata-doce (assadas, cozidas, brancas, laranjas, roxas), feijão com canjica – um prato que os Guarani chamam de jopara. Depois, uma abundância de frutas: melancia, banana, manga, mamão, laranja, mexerica. Comer juntas era também partilhar mundos.
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As Guarani mostraram a Ehuana como preparam alguns de seus alimentos tradicionais, como avaxi hu'i (milho torrado e pilado)|Ana Maria Machado
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As variedades de milho cultivadas pelos Guarani interagem com as demais esferas da vida, como os rituais|Ana Maria Machado
Depois do almoço farto e das intensas trocas da manhã, o corpo pediu descanso. Dormi por algumas horas.
Enquanto dormia, soube que as Guarani mostraram a Ehuana como preparam alguns de seus alimentos tradicionais, como batata doce, mbeju eavaxi hu'i(milho torrado e pilado), além de trocarem experiências sobre suas culturas e saberes.
Nesse momento, em torno do pilão e da fogueira, Ehuana e a parteira e liderança Yara dos Santos, partilharam experiências sobre um dos temas que as unem: os partos. Yara parteira contou de seu trabalho na valorização dos partos na aldeia e se encantou com os relatos e ilustrações de Ehuana sobre a forma como as mulheres yanomami dão à luz sozinhas na floresta, atualmente Ehuana é pesquisadora do projeto Redes de Cuidado (UFMG), voltada para a melhoria do pré-natal entre as Yanomami
Acordei por volta das 16h sob a companhia do gatinho branco e, após um lanche rápido, seguimos para a mata, onde gravamos o depoimento de Ehuana para as mulheres yanomami. Ela falou com firmeza e ternura sobre o que estava vivendo ali. Suas palavras, traduzidas com cuidado por Ana Maria, revelaram a admiração pela resistência das lideranças guarani e a conexão entre suas lutas e as do povo Yanomami.
À medida que o sol se despedia, retornamos à casa de reza. Foi ali que passamos a madrugada inteira em cantos e danças junto aos Guarani. O ambiente era marcado por uma espiritualidade densa e acolhedora.
A madrugada transcorreu num tempo próprio: dormíamos e acordávamos, guiadas não pelo relógio, mas pelo ritmo dos cantos guarani e das pausas. Em uma dessas vezes, despertei com a voz de Ehuana preenchendo o espaço com um canto profundo, que me atravessou de um jeito difícil de descrever. Ao seu lado, Ana Maria seguia a melodia yanomami em harmonia, como quem sustenta com cuidado uma ponte entre mundos. Aquela cena me tocou profundamente — havia algo ali de cura, de força compartilhada, de presença plena. Era como se, por um momento, eu escutasse não apenas com os ouvidos, mas com todo o corpo.
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Sessão de cantos-rezas na Opy, casa de rezas guarani, embalam a madrugada durante intercâmbio entre mulheres guarani e yanomami|Geovana Lima/ISA
“Eu vim conhecer a forma como seus mais velhos bebem o sumo da planta medicinal, pois eu queria conhecer como fazem“, disse Ehuana. E assim, durante o ritual, foi feita a utilização da medicina tradicional dos Guarani, conduzida por eles em seus próprios termos e saberes. Eu, que não participei desse momento de forma direta, observei com respeito e atenção a força do gesto, compreendendo sua importância naquele contexto sagrado.
Entre um repouso e outro, víamos as brasas acesas.
Por volta das seis ou sete horas da manhã, despertei de vez — os Guarani ainda cantavam, embalando a chegada do sol. O céu clareava, e juntas começamos a arrumar a casa de reza, recolhendo os rastros da noite intensa e bonita que havíamos vivido.
“Ali eu pude ver a forma como seus xamãs cuidam da Terra. Ficamos acordadas até sete horas da manhã. Eu não dormi naquela noite, mas fiquei muito emocionada. Da mesma forma como nós, Yanomami, fazemos xamanismo, eles também fazem pela cura da Terra. Isso me deixou muito feliz. E fiquei muito feliz também por ver jovens e moças ali tomando a medicina deles, anciãs que cantavam toda a noite sem dormir”, relatou posteriormente a Ehuana, em evento registrado no podcast”Floresta no Centro”. Escute aqui!
Em seguida, tomamos café da manhã e seguimos para a casa de artesanato. Lá, fomos todas presenteadas com peças diversas — colares, pulseiras, brincos — inclusive por Jera, que nos ofereceu seus próprios trabalhos com generosidade e firmeza.
Encerramos o intercâmbio com abraços, risos, fotos e trocas de palavras, enquanto a mata ao redor parecia também se despedir, com seus sons e cheiros.
O carro balançava novamente, como no início da viagem, e a mata ia se esvaindo pelos meus olhos na volta para casa — como quem guarda por dentro aquilo que não quer deixar para trás.
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Enchente recorde seguida por ataque de porcos-do-mato ameaça segurança alimentar no Baixo Rio Ayari
Relato de Valêncio da Silva Macedo, Agente Indígena de Manejo Ambiental (AIMA) em Urumutum Lago, registra os acontecimentos dos últimos meses e sua ligação com eventos anteriores
Valêncio Macedo é AIMA (Agente Indígena de Manejo Ambiental) em sua comunidade desde 2018, depois de ter tido experiências de pesquisa na Escola Pamaali e com manejo de peixes. Essa notícia será integrada em um texto mais extenso do autor, reunindo suas observações e registros sobre os ciclos de vida dos últimos três anos, que aparecerá no próximo número da Aru, revista de pesquisa intercultural da Bacia do Rio Negro, que está em fase final de preparação, a ser lançada em outubro.
Leia o depoimento:
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Valêncio Macedo, Agente Indígena de Manejo Ambiental da comunidade de Urumutum, no Baixo Rio Ayari|Aloisio Cabalzar/ISA
Em junho de 2025, enfrentamos pela segunda vez uma grande enchente em nossa comunidade (Urumutum Lago, no Baixo Rio Ayari, que é o principal afluente do Rio Içana). Em 2014, neste mesmo mês, ocorreu outra grande enchente. Agora, após onze anos, essa enchente teve ainda mais impacto, com o nível das águas superando em mais de 50 centímetros a marca de 2014, alagando parte das casas (seis casas, incluindo a minha) e das roças. Em 2014, as roças não alagaram como aconteceu dessa vez. Se o rio subisse mais um palmo de altura, a comunidade ia alagar toda.
A enchente atingiu seis roças de três famílias, de Atilio Campos Mateus, Arlindo Macedo e Cleto Lopes Macedo. Eram roças maduras e roças novas, em desenvolvimento. Entre as comunidades vizinhas à nossa, Camarão, Foz do Miriti, Tucunaré Lago, Cará Igarapé, Santana, São Joaquim, também sofreram com o alagamento de roças.
Os quintais das casas também ficaram inundados, onde temos várias plantações comestíveis: banana, açaí-do-Pará, açaí-do-igapó, Ingá-de-metro, pupunha, abacaxi, pimenta, alho, cebolinha, limão, cupuaçu, umari, abacate, coco, goiaba, manga, caju e plantas medicinais, que não podemos perder. Duas roças de abacaxi alagaram na área da comunidade. Uma muda de açaí-do-pará demora cinco anos para começar a frutificar e uma muda de abacaxi ou banana, um ano. São as plantas que precisam de tempo para se recuperar, e nós, donos dessas plantas, não podemos fazer nada para salvá-las. Justamente quando as plantações dos quintais estavam se recuperando do alagamento de 2014 e já estávamos começando a consumir algumas frutas, perdemos novamente.
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Roça alagada de um morador da comunidade Urumutum Lago, registrada em 13 de junho deste ano, evidenciando os impactos da crise climática na vida cotidiana local|Valêncio Macedo
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“Minha sobrinha Gabriely nadando na água dentro de casa, catando o que sobrou – um envelope de tang. Levamos a caixa-d’água para coletar água da chuva. No interior da minha casa a água chegou a 1,50 m de altura”|Valêncio Macedo
O rio cresceu e por um mês ficou parado, até final de junho, daí baixou pouco a pouco até chegar no nível normal. Com essa demora, as plantações começaram a morrer, já que não podem passar muito tempo dentro d’água, não são como as plantas do igapó, que não morrem. Na enchente, a água do rio torna-se bastante suja e os quintais alagados ficam cheios de lodo (motoowhaa) e algas (molewa), que estragam as plantações e mudas das plantas.
Na enchente, a água fica contaminada, algumas plantas venenosas morrem nas margens dos igarapés, causando doenças nas pessoas e peixes; os peixes parecem tinguijados e, mortos, pioram a situação. Nesse mês, quando estive na pescaria, observei uma sucuri morta, já que o bicho não teve mais espaço para descansar. Em 2014 morreram jacarés enormes e sapos venenosos no igapó, como novamente dessa vez. Por isso nós bebemos somente água das chuvas, para evitar beber sujeira dos bicho mortos.
Na comunidade construímos um barracão, espaço para os viajantes chegarem a qualquer hora para pernoitar e sair, também a qualquer hora, para que os passageiros tenham facilidade de cuidar da sua canoa e evitar roubos. Esse barracão também foi atingido, ficando com um metro de água.
A minha casa foi a mais impactada, tivemos que nos mudar para a casa da minha irmã Celina e levar todas as nossas coisas. Mas ao menos as minhas roças ficaram distantes da enchente. A casa da minha irmã fica no outro lado do igarapé, a ponte foi no fundo, e tivemos que ir com uma canoinha para chegar na casa, de manhã para ir ao mingau no centro comunitário e para os estudantes irem à escola. Quando o rio começou a baixar, nossas casas estavam com bastante sujeira, ficamos dias limpando o lodo e o limo (molewa) nas paredes das casas, dentro e fora.
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Casa do AIMA Valêncio da Silva, em Urumutum Lago, em um dia comum 📷 Aloísio Cabalzar/ISA
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Imagem da casa tomada pela água. A enchente atingiu seis roças de outras três famílias 📷 Walter Silva/AIMA
Ataque da roças por porcos do mato
Esses eventos extremos sempre afetam a vida da população, mas as dificuldades para os moradores de Urumutum Lago não pararam por aí. No mês de julho começaram os ataques de porcos do mato às roças. Novamente, narro acontecimentos que se passaram pela segunda vez na minha comunidade, registrados no monitoramento que faço como pesquisador AIMA, descrevendo todos os fatos que afetaram a vida da população. Os ataques às roças por porcos do mato – nova espécie de queixada, aapidza panali (falsa queixada), causaram grandes estragos nas roças no entorno da comunidade. O cheiro dos animais é forte e são de tamanho menor (como caititu).
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Mandioca parcialmente devorada por porco do mato em roça de Urumutum Lago|Valêncio Macedo
A comunidade está localizada numa paisagem baixa, área de muita campinarana chamada na língua baniwa hamaliani, também com muitos igapós - áreas de floresta alagável. Assim, temos pouco espaço para abrir roças, e as que temos são de pequeno tamanho, feitas em capoeiras novas; não tem mais mata primária neste local, o que era mata primária nossos antepassados derrubaram tudo, os locais tornaram-se capoeiras novas, não capoeira madura, que abrimos para ser local das nossas roças por falta de área melhor. O desenvolvimento de uma roça nas áreas de campinarana leva de três a quatro anos, só então chegam na maturação. Não é como as roças feitas em terra firme, onde o desenvolvimento da maniva é rápido, em um ano.
Com esse pouco espaço que temos próximo da comunidade, dá apenas para segurar nossa vida com nossa família. Vivemos também com as trocas de farinha por peixes com as pessoas das áreas de terra firme, quando elas trazem em suas viagens. Por isso, quando ocorre este tipo de fato, como agora, somos muito afetados.
Entre 2017 e 2020 enfrentamos pela primeira vez esses animais selvagens que atacaram nossas roças. Chegamos a cercar as roças com varas para proteger dos animais selvagens, mas as varas não resolveram nada, entraram assim mesmo. Caçadores seguiram os bichos nas roças e na mata, mas não resolveu. Eles também andam em noite de luar, o que dificulta o monitoramento das roças. Sumiram depois de atacarem todas as nossas roças.
Antes, não pensávamos em ter que enfrentar esse problema em nossa vida – perdemos todas as nossas roças, nenhuma escapou, e toda a maniva. Em 2020, não tinha sobrado nenhuma roça. Ficamos quatro anos sem roças e vivemos apenas das trocas de peixes por farinha. Durante este período, abrimos novas roças. Agora, em julho de 2025, ocorreram novamente ataques às roças da comunidade, justamente quando as nossas roças estavam recuperadas.
Com este ataque que enfrentamos agora, consultamos conhecedores e conhecedoras sobre casos passados e eles afirmaram que antigamente não tinha este tipo de animal que ataca as roças, como está acontecendo agora. Somente caititus (dzamolito) atacavam as roças do povo das aldeias, mas não tanto assim. Esses porcos que aparecem agora são mais rápidos e atacam tanto as roças maduras como novas.
Mandioca é um alimento usado diariamente nas comunidades – sem farinha e beiju, os peixes e as caças não têm gosto. Por isso que a farinha e o beiju não podem faltar nas nossas casas e não podemos segurar as nossas vidas só com as frutas.
Ataques de porcos do mato
O surgimento das “falsas queixadas” foi relatado pela primeira vez em 2018 por moradores da Comunidade Urumutum Lago. Entretanto, o fenômeno dos ataques massivo das roças pelos porcos do mato também afeta outras diversas comunidades da área de igapó do Alto Rio Negro desde 2015.
Pesquisadores indígenas associam esses comportamentos à falta de frutos nas florestas causada por alterações no ciclo reprodutivo das plantas em decorrência da privação hídrica durante longos períodos de seca severa. Seus efeitos são refletidos nas dinâmicas da fauna ao longo do ano.
O cenário apresenta um desafio para a segurança alimentar das comunidades locais e revela sinais de mudanças ambientais e climáticas. Na perspectiva cosmológica Baniwa, o aumento das pragas também está relacionado à ausência de pajés, responsáveis por proteger as roças por meio de benzimentos.
Tal relato evidencia como os povos indígenas interpretam e respondem às “mudanças mais-que-climáticas”, que combinam impactos ambientais, sociais e espirituais na Amazônia.
Saiba mais na publicação de Natalia Pimenta e Valêncio Macedo na Revista Aru, volume 4.
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Expedições às Serras Guerreiras de Tapuruquara abrem novas datas para vivências na Amazônia indígena
Guiados por lideranças indígenas, os roteiros oferecem uma imersão nos saberes, paisagens e histórias do Médio Rio Negro
Quando as águas do Rio Negro baixam, praias de areia branca se formam em sua margem|Benjamin Mast/La Mochila Produções/ISA
Quando as chuvas intensas no noroeste da Amazônia começam a diminuir, é sinal que o verão vem logo ali. As águas do Rio Negro começam a baixar e a paisagem passa a ganhar um contorno branco das praias de areia fina em contraste com as águas escuras e o verde intenso das árvores. É chegada a hora da temporada de expedições do projeto de turismo de base comunitária Serras Guerreiras de Tapuruquara, que proporciona aos visitantes uma imersão no território, cultura e saberes dos povos indígenas do Rio Negro.
Próximas datas: 2025
Roteiro Maniaka – 18 a 25 de outubro
Roteiro Iwitera – 15 a 22 de novembro (confirmado)
2026
Roteiro Iwitera – 24 de janeiro a 03 de fevereiro
As Serras Guerreiras de Tapuruquara — Iwitera Maramuywera Tapuruquara Suiwara, na língua geral Nheengatu — são sagradas para os povos indígenas da região. Contam os antigos que elas eram um grupo de guerreiros que desceu da Colômbia para travar uma batalha contra a serra localizada do outro lado do rio. Amanheceu o dia, os guerreiros viraram pedra e ali estão até hoje.
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Local sagrado para os povos indígenas, as Serras Guerreiras estão localizadas nas TIs Médio Rio Negro I e II|Benjamin Mast/La Mochila Produções/ISA
Elas estão localizadas nas Terras Indígenas Médio Rio Negro I e Médio Rio Negro II, no município de Santa Isabel do Rio Negro (AM). Uma área estratégica, onde parte do território se sobrepõe ao Parque Nacional do Pico da Neblina.
Desde a primeira expedição, em 2017, o projeto vem contribuindo para a geração de renda e autonomia de mais de 200 famílias e para o fortalecimento da organização coletiva frente às ameaças que cercam o território, como a mineração, a pesca predatória, o desmatamento e outras atividades ilegais.
Nas expedições, os visitantes são conduzidos por guias indígenas em dois roteiros imersivos desenvolvidos por eles mesmos: o Maniaka e Iwitera. Ambas oferecem experiências de vivência cultural, como festas, danças e rituais, além do contato com saberes tradicionais e paisagens naturais da floresta amazônica.
A diferença entre eles é que um, o Iwitera, é mais focado no ecoturismo, com maior intensidade de trilhas na floresta, remadas nos rios e igapós e incursão às serra sagradas. Já o Maniaka proporciona uma imersão no etnoturismo, com uma vivência mais intensa no dia a dia das comunidades e seus modos de vida, e que inclui visita ao sistema agrícola tradicional, contação de histórias com os sabedores mais velhos e a experimentação da produção de artesanatos tradicionais, como cerâmica e cestarias.
As expedições partem de Manaus e os pacotes incluem transporte de barco até as comunidades, alimentação e todas as atividades previstas nos roteiros. Para saber mais sobre cada um deles, acesse o site do projeto: www.serrasdetapuruquara.org.br. As vagas são limitadas e, para garantir a sua, entre em contato com a Poranduba, operadora parceira do projeto.
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Exposição inédita de Joseca Yanomami em São Paulo revela sonhos e mitos da floresta
De 16 de agosto a 11 de outubro, com entrada gratuita, a Almeida & Dale Galeria de Arte recebe cerca de 30 desenhos e telas do artista
Com cerca de 30 obras inéditas, a exposição Urihi mãripraɨ – Sonhar a terra-floresta, que inaugura no próximo sábado (16/08) na Almeida & Dale Galeria de Arte, em São Paulo, apresenta a linguagem única de Joseca Mokahesi Yanomami, artista nascido em 1971 que transforma em imagens os sonhos e narrativas xamânicas da floresta amazônica. A entrada é gratuita.
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Joseca Yanomami ilustra cenas da vida cotidiana na floresta|Daniel Tancredi/Platô Filmes/ISA
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Lugares e eventos também são evocados pelos mitos e cantos xamânicos em suas obras|Daniel Tancredi/Platô Filmes/ISA
Filho de um grande xamã, Joseca desenvolveu seu traço desde a infância. Na mostra, com curadoria do antropólogo Bruce Albert, o público poderá apreciar desenhos e telas nascidas das interpretações da cosmologia Yanomami, onde humanos, animais, espíritos e a floresta formam uma rede interdependente e viva.
Além de artista, Joseca também é professor. Na década de 1990, ele fundou a primeira escola yanomami em sua comunidade, incentivando jovens e crianças a se alfabetizarem na língua yanomae. Nesse período, participou da produção de diversas cartilhas bilíngues (yanomae/português) para os programas de educação escolar e de saúde.
Exposições nacionais e internacionais
A convite de Bruce, amigo de longa data do artista, Joseca participou em 2003 de sua primeira exposição, L’Esprit de la Forêt na Fondation Cartier, Paris, França, e começou a circular em exposições nacionais e internacionais.
Realizou sua primeira individual, Kami Yamakɨ Urihipë [Nossa Terra Floresta], no MASP, São Paulo, Brasil (2022). Participou da 60ª Bienal de Veneza, Itália (2024). Destacam-se também exposições coletivas como: Maxita Yano, Instituto Inhotim, Belo Horizonte, Brasil (2025); Badu Gili: Healing Spirit, Ópera de Sydney, Austrália (2024); Dancing With All: The Ecology Of Empathy, 21st Century Museum of Contemporary Art, Kanazawa, Japão (2024); 38º Panorama da Arte Brasileira, MAM São Paulo, Brasil (2024); Siamo Foresta, Triennale Milano, Milão, Itália (2023); Histórias Indígenas, MASP, São Paulo, Brasil (2023); Les Vivants, Le Tripostal, Lille, França (2022); Moquém Surarî: arte indígena contemporânea, MAM São Paulo, Brasil (2021); e Trees, Power Station of Art, Xangai, China (2021).
Sua obra está presente nas coleções da Fondation Cartier pour l’art contemporain, França; MAM São Paulo, Brasil; e MASP, Brasil.
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Convite para a abertura da exposição individual, em São Paulo
A representação de Joseca Yanomami é uma parceria entre a Almeida & Dale e a Hutukara Associação Yanomami.
Serviço
Urihi mãripraɨ – Sonhar a terra-floresta
Exposição individual de Joseca Mokahesi Yanomami
Curadoria: Bruce Albert
De 16 de agosto a 11 de outubro de 2025
Segunda a sexta, 10h às 19h | Sábado, 11h às 16h
Almeida & Dale Galeria de Arte Rua Fradique Coutinho, 1360, São Paulo, SP
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Livro com autoria indígena sobre aves do Alto Rio Negro conquista Jabuti Acadêmico 2025
Escrito em Baniwa, Nheengatu e português, obra editada pelo INPA alia o conhecimento tradicional dos Baniwa à pesquisa científica
Publicado pela Editora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), o livro é resultado de uma parceria entre pesquisadores do instituto e autores da comunidade Baniwa da aldeia de Nazaré, e contou com a colaboração do Instituto Socioambiental (ISA) e da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) no município de São Gabriel da Cachoeira (AM).
O conteúdo reúne registros de 310 espécies de aves observadas na região do Rio Cubate, com informações detalhadas sobre nomes tradicionais, habitats, alimentação e comportamentos.
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Autores indígenas receberam o reconhecimento pela obra no palco do Prêmio Jabuti Acadêmico 2025, em São Paulo|Renata Alves/ISA
Escrito em Baniwa, Nheengatu e português, o livro alia o conhecimento tradicional dos Baniwa à pesquisa científica, e foi concebido desde o início como ferramenta para fortalecer o ensino nas escolas indígenas e a autonomia cultural das comunidades locais.
Para Dzoodzo Baniwa, educador, pesquisador, liderança indígena e um dos organizadores da obra, o livro atende a uma demanda da própria comunidade de Nazaré, que vislumbra o potencial do levantamento das aves para futuras iniciativas de ecoturismo.
Dzoodzo também destaca a importância do reconhecimento como um convite à comunidade científica a rever a forma histórica de produção de conhecimento, propondo a atualização de metodologias participativas e colaborativas que incluam as comunidades indígenas e/ou locais e seus saberes. “Receber o Prêmio Jabuti Acadêmico é reconhecer a importância da construção colaborativa do conhecimento científico intercultural baseado na valorização de saberes locais e conhecimentos científicos. Isso é o que o nosso livro traz”.
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Gracilene Florentino Bittencourt, tradutora da obra para o Nhengatu e Dzoodzo Baniwa, um dos autores|Renata Alves/ISA
O projeto foi conduzido por meio de oficinas, expedições e deliberações comunitárias, com todas as decisões editoriais sendo aprovadas em assembleia na aldeia de Nazaré.
O livro não apenas registra a biodiversidade do Alto Rio Negro, mas também afirma a potência dos saberes indígenas como base legítima para a produção de conhecimento científico e a conservação ambiental.
A obra foi organizada por Dario Baniwa, Dzoodzo Baniwa, Damiel Legario Pedro, Estevão Fontes Olímpio, Gracilene Florentino Bittencourt, Camila Cherem Ribas, Fernando Mendonça d’Horta e Ramiro Dário Melinski.
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‘Uma Enciclopédia nos Trópicos: memórias de um socioambientalista’ vence o Jabuti Acadêmico 2025
Lançado em 2024, livro destaca o legado de Beto Ricardo, fundador do ISA, e reúne memórias e documentos sobre a defesa dos direitos dos povos indígenas no Brasil
O livro Uma Enciclopédia nos Trópicos: memórias de um socioambientalista, de um dos fundadores do Instituto Socioambiental (ISA), o antropólogo Beto Ricardo, e do escritor e jornalista Ricardo Arnt, foi o vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico 2025 na categoria Antropologia, Sociologia, Demografia, Ciência Política e Relações Internacionais.
A cerimônia de premiação aconteceu nesta terça-feira (05/08), no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, e reuniu autores, editoras e representantes de instituições acadêmicas de todo o país. Carolina Ricardo, filha de Beto Ricardo, recebeu o prêmio ao lado de Ricardo Arnt e Ricardo Teperman, publisher da Zahar, selo do Grupo Companhia das Letras responsável pela publicação da obra.
Lançado em 2024 e organizado por Jurandir Craveiro, ex-presidente do ISA, o livro reúne reflexões, relatos e documentos essenciais da trajetória de Beto Ricardo e da organização. Jurandir destaca que relembrar histórias, orientar pesquisas e selecionar fotos e mapas não foi uma tarefa fácil para Beto, que enfrenta há alguns anos o Mal de Parkinson.
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Beto Ricardo, antropólogo e fundador do ISA, em seu escritório na antiga sede da organização em Higienópolis, São Paulo|Claudio Tavares/ISA
“Em 2021, ele pressentiu que, em algum momento, talvez não estivesse mais apto a levar adiante o projeto. Com os pés no chão e determinação, não hesitou em me pedir ajuda. Durante quase três anos, com o apoio da família, cuidadoras, amigos e companheiros do ISA, estive junto do Beto para que conseguisse nos contar a histórias da sua vida e suas lutas. Não sem sacrifício, com amor e paciência, ele concluiu a obra, deixando um legado inspirador”, afirmou.
O livro resgata momentos-chave da criação e consolidação do campo socioambiental no Brasil, revelando bastidores do movimento indigenista e destacando contribuições de figuras como Darcy e Berta Ribeiro, Davi Kopenawa, Lula, Marina Silva, Milton Nascimento e Gilberto Gil, entre outros.
Veja imagens históricas de Beto Ricardo que constam no livro:
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Lideranças indígenas durante as negociações do capítulo dedicado aos povos indígenas na Assembleia Constituinte|Beto Ricardo/ISA
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Milton Nascimento com Benke Ashaninka, em viagem em setembro de 1989 que resultou no CD Txai, em apoio à Aliança dos Povos da Floresta|Beto Ricardo/ISA
Um dos marcos narrados é a criação do programa Povos Indígenas no Brasil, herança que o ISA recebeu do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) e que reunia, sistematizava e divulgava informações cruciais sobre os povos indígenas em um período em que o Estado brasileiro insistia em negar sua existência. O programa criou à Enciclopédia “Pibão”, como ficou conhecida a base de dados pioneira, referência nacional e internacional e alicerce fundamental para o trabalho do ISA.
Com prefácio do escritor e ativista indígena Ailton Krenak e posfácio do jornalista Leão Serva, o livro encerra com o capítulo “O céu que nos protege”, onde Beto alerta para os efeitos da crise climática no Brasil. O texto enfatiza a urgência do protagonismo dos povos tradicionais e a valorização da sociobiodiversidade para a preservação da vida no planeta.
CARLOS ALBERTO (“BETO”) RICARDO é antropólogo e ativista desde a resistência à ditadura militar no Brasil. Foi um dos fundadores do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), criou e editou a série Povos Indígenas no Brasil junto com Fany Ricardo, recebeu o prêmio Goldman de Meio Ambiente de 1992 e fundou diversas organizações, como o Instituto Socioambiental (ISA), o Instituto Atá e a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg).
RICARDO ARNT é jornalista e escritor. Foi editor da Folha de S. Paulo, do Jornal do Brasil, do Jornal Nacional da TV Globo, da TV Bandeirantes e das revistas Exame, Superinteressante e Planeta. É autor de vários livros, entre os quais O que é política nuclear (1983); Um artifício orgânico: Transição na Amazônia e ambientalismo (1992); Jânio Quadros: O Prometeu de Vila Maria (2004); e O que os economistas pensam sobre sustentabilidade (2010).
A segunda oficina do Ciclo de Estudos Interculturais sobre Políticas Climáticas reuniu cerca de 40 lideranças das regiões de abrangência da governança territorial da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), entre os dias 15 e 18 de julho, em São Gabriel da Cachoeira (AM). O encontro foi marcado pela escuta, troca de experiências e fortalecimento das estratégias coletivas em defesa dos territórios, com foco nas conexões entre mercado de carbono, governança e justiça climática.
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Lucilene Veloso, do povo Desana e articuladora do Departamento de Mulheres da região da CAIBARNX, fala durante atividade em São Gabriel|Juliana Radler/ISA
A programação de quatro dias trouxe temas estratégicos, como projetos de carbono florestal, REDD+ jurisdicional, Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e também perspectivas de participação dos povos do Rio Negro na COP 30, marcada para novembro deste ano, em Belém (PA).
Na primeira parte da oficina, a realidade das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira (SP) foi apresentada como ponto de partida para compreender como as mudanças no clima impactam diretamente seus modos de vida, as práticas agrícolas e a juventude nas comunidades, proporcionando uma importante troca de experiências e conexão entre os territórios indígenas e quilombolas, seus desafios e potências.
“A gente trouxe um pouco das questões do que é o quilombo no Vale do Ribeira, sobre as roças, sobre a legislação, sobre a educação e como trazer o jovem para dentro dessa discussão, que é muito pertinente hoje em dia. Falamos também da importância da preservação do território, de buscar e trazer esse conhecimento para os nossos, preservar nossos anciãos e essa cultura que não pode se perder”, detalhou Nicéia da Prata Santos, liderança quilombola da comunidade Maria Rosa, em Iporanga (SP), e integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).
Lucia Munari, pesquisadora no Programa Vale do Ribeira, do Instituto Socioambiental (ISA), apresentou a metodologia aplicada em comunidades da região, em pesquisa que visa identificar como os quilombolas percebem as mudanças climáticas nos territórios, por meio da aplicabilidade de protocolo internacional com indicadores locais e ampla participação das comunidades na coleta de dados.
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À esquerda, Nicéia da Prata Santos, liderança do Quilombo Maria Rosa e à direita Lucia Munari, pesquisadora do ISA |Juliana Radler/ISA
O conhecedor indígena Arlindo Maia Tukano, ao final, reforçou a importância do encontro, destacando a presença dos convidados e a oportunidade de conhecer a perspectiva quilombola, seus territórios e os pontos de convergência com a cosmologia indígena. “Gostei muito de saber mais sobre os nossos amigos quilombolas. Eu não sabia como era, e aqui, através das falas da nossa amiga Nicéia, percebi que eles são nossos irmãos de luta. Nossa luta é a mesma”, afirmou.
Os debates sobre políticas climáticas se aprofundaram com a apresentação de estudos e experiências práticas, como o caso do Projeto de Carbono Paiter Suruí, em Rondônia, o primeiro projeto indígena brasileiro no mercado voluntário de carbono, apresentado por Karoline Brasil, engenheira florestal do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam).
Karoline Brasil, engenheira florestal do Idesam, apresenta o Projeto de Carbono Paiter Suruí durante as atividades em São Gabriel da Cachoeira| Juliana Radler/ISA
As atividades abordaram conceitos técnicos fundamentais, como linha de base, adicionalidade, estoque de carbono e as etapas para implementação de projetos florestais em territórios indígenas, com ênfase em uma abordagem que considera saberes tradicionais, a biodiversidade e os impactos reais das mudanças climáticas nas comunidades.
Os grupos trabalharam, de forma prática, na elaboração de trilhas para projetos próprios e refletiram sobre os desafios e oportunidades da participação em programas como o REDD+ Jurisdicional.
Juliana Radler, analista de políticas socioambientais do Programa Rio Negro do ISA, no Amazonas, que organiza o ciclo em parceria com Foirn e com apoio do Banco Mundial, destacou a importância do encontro num momento em que a pauta climática ganha ainda mais centralidade com a realização da COP30 na Amazônia.
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Juliana Radler, analista de políticas socioambientais do Programa Rio Negro do ISA (blusa roxa), é a organizadora do ciclo de estudos|Vanessa Fernandes/ISA
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Após as discussões, os grupos de trabalho apresentaram os resultados|Vanessa Fernandes/ISA
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Temas como cultura, conhecimento e biodiversidade formaram a pauta|Vanessa Fernandes/ISA
“Os cientistas têm alertado para o ponto de não retorno da Amazônia. Os povos indígenas também nos mostram, através de sua ciência e cosmovisão, que a natureza está em desarmonia e não apresenta mais os padrões que costumavam orientar a vida na floresta. As secas estão extremas e as inundações também. Os rios estão secando, os peixes diminuindo. Já vivemos os impactos das mudanças do clima na Amazônia e a efetivação de medidas de adaptação e mitigação são urgentes. Um financiamento climático que leve em consideração a justiça ambiental precisa avançar em Belém”, afirmou.
O encerramento da oficina reforçou a construção coletiva de estratégias para atuação indígena na COP 30 e a importância de levar à conferência uma voz que reflita a diversidade e a complexidade dos territórios amazônicos e tradicionais do Brasil.
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Encerramento da segunda oficina do Ciclo de Estudos Interculturais sobre Políticas Climáticas no Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira|Rede Wayuri
Ficha técnica do Ciclo de Estudos Interculturais em Políticas Climáticas do Rio Negro | II Oficina de 15 a 18 de julho:
Organização: Juliana Radler
Produção: Antônio Gabriel Silva, Michelle Machado Tukano, Juliana Radler, Wizer Oliveira Baré e Sidnei dos Santos
Conselho Intercultural e articulação com rede de Aimas: Arlindo Maia Tukano, Aloisio Cabalzar e Danilo Bruxellas Parra
Palestrantes convidadas: Ana Karoline Brasil (IDESAM), Lúcia Munari (Programa Vale do Ribeira/ISA) e Nicéia da Prata Santos (CONAQ)
Mediação: Michelle Machado Tukano e Juliana Radler
Logística: Antônio Gabriel Silva, Sidnei dos Santos e Wizer Almeida Baré
Alimentação: Rosemira Lizardo, Marlene Albino e Valéria Guerra
Apoio na articulação com comunidades: Adelina Sampaio Desana
Elaboração de conteúdos para a II oficina (slides, apostila e materiais de apoio): Ana Karoline Brasil (IDESAM), Lúcia Munari (Programa Vale do Ribeira/ISA), Nicéia da Prata Santos (CONAQ) , Juliana Radler (ISA) e Renata Alves (ISA)
Relatoria do evento e gravação em áudio dos conteúdos: Inês Mexia
Participantes:
Diretoria da Foirn: Dario Casimiro Baniwa (presidente), Hélio Gessém Monteiro Lopes Tukano, Carlos Neri Piratapuia e Edison Cordeiro Gomes Baré.
Lideranças das Coordenadorias: Coordenadoria das Associações Indígenas do Baixo e Médio Rio Negro (Caimbrn): Adilson da Silva Joanico e Pedro Vaz Pena; Coordenadoria das Associações Indígenas do Balaio, Xié e Alto Rio Negro (Caibarnx): Adelina de Assis Sampaio Veloso, José Baltazar, Edmundo Gomes Alemão e Lucilene Veloso; Coordenadoria das Associações Indígenas do Distrito de Iauaretê (Coidi): Gustavo Cordeiro Trindade, Miriam Sirlene Marques Dias e Fátima Alves Nogueira Coordenadoria Diawii (rios Uaupés e Tiquié): Alexandre Sarmento Rezende, Francicleno dos Santos Brandão, Anunciata Rezende Marques, Geraldino Pena Tenório e Nildo Fontes; Coordenadoria Nadzoeri (rios Içana e Ayari): Ronaldo Apolinário, Francinaldo Farias, Joaquim da Silva Lima e Tiago Pacheco;Rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) - Ezequias da Costa Pereira, Oscarina Caldas Azevedo, Rafael Antonio Azevedo, Roberval Pedrosa e Rogelino da Cruz Alves Azevedo;Comunicadores da Rede Wayuri - Alderney Trindade da Silva, Claudia Ferraz Wanano, José Paulo Sampaio Castro, Aldison Lobo, Josivan Aguiar, Nayra Sthefany Cardoso, Richarlison Lana Meireles
Departamento de Adolescentes e Jovens do Rio Negro (Dajirn): Jucimery Garcia Tariano, Mariete Pompilho Videira
Conhecedores indígenas: Arlindo Maia Tukano e Januário Bastos Alves Tuyuka
Equipe do Programa Rio Negro: Ana Letícia Pastore, Danilo Bruxellas Parra, Dulce Morais, Jéssica Martins, Vanessa Fernandes, Juliana Radler e Renata Alves
Convidada da Academia: Juliana Lins Góes de Carvalho, doutoranda da Universidade Radboud, Holanda
Instituições convidadas: ICMBIO (São Gabriel da Cachoeira): Airton Norberto da Silva Almeida, Anair Fontes Azevedo, Edivaldo Luiz Lopes e Maria Janete Pena Ramos
Universitários de Gestão Ambiental da UFAM em São Gabriel da Cachoeira: Denise Nogueira, Humberto Rogério Freitas e Jociele Marinho Ferraz
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