A Amazônia (ou "Pan-amazônia'', para olharmos o bioma integralmente, para além das fronteiras brasileiras) é um sistema socioecológico integral, compartilhado por oito países e uma província francesa na América do Sul, que beneficia todos os habitantes do planeta. Sua enorme diversidade socioambiental é um ativo estratégico tanto para o meio ambiente tropical da América do Sul quanto para o equilíbrio do clima na Terra. Os grandes responsáveis por manter os ecossistemas amazônicos conservados são os mais de 400 povos indígenas e outras populações tradicionais, como comunidades quilombolas e ribeirinhas.
Nós do ISA acreditamos que para fortalecer uma visão integral da Pan-amazônia, olhar o bioma como um todo, é necessário superar abordagens fragmentadas e promover iniciativas com sinergia territorial, considerando escalas geográficas regionais, nacionais e internacionais para, ao final, fortalecer os territórios indígenas e as áreas protegidas de toda a Pan-amazônia, o que significa aumentar a proteção das florestas. Para caminhar nessa direção, o ISA ajudou em 2007 na criação da Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas (RAISG), uma rede formada por organizações da sociedade civil de países amazônicos com larga experiência de trabalho na Amazônia e com seus povos.
A RAISG busca construir uma visão integral da Amazônia que vincule os direitos coletivos dos povos indígenas e populações tradicionais à valorização e proteção da biodiversidade. Nesses 14 anos, a RAISG tem produzido e divulgado um conjunto de mapas, dados estatísticos e informações socioambientais da Pan-amazônia, que contribuem para o monitoramento de 3,8 milhões de hectares de terras indígenas e áreas protegidas em nove países. O Atlas Amazônia Sob Pressão 2020 reúne as versões mais recentes de muitos destes mapas.
As informações produzidas pela RAISG também geram evidências sobre o valor da Pan-Amazônia para o enfrentamento da crise climática e podem ajudar na tomada de decisões em processos de desenvolvimento sustentável em diferentes níveis de planejamento (municipal, estadual, nacional e internacional) para prevenir e mitigar a degradação ambiental da região. Desde 2017, a RAISG tem parceria com a iniciativa MapBiomas Brasil, para o mapeamento da cobertura do uso do solo na região amazônica dos nove países. Os produtos e dados cartográficos produzidos pela RAISG estão disponíveis para download em sua plataforma: www.amazoniasocioambiental.org.
Em tempo: no ISA também atuamos regionalmente na "Amazônia" brasileira, em duas de suas grandes bacias hidrográficas, a do Rio Xingu e a do Rio Negro. Para conhecer nossa atuação "raiz", pé no chão, visite as páginas destes territórios.
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A Amazônia (ou "Pan-amazônia'', para olharmos o bioma integralmente, para além das fronteiras brasileiras) é um sistema socioecológico integral, compartilhado por oito países e uma província francesa na América do Sul, que beneficia todos os habitantes do planeta. Sua enorme diversidade socioambiental é um ativo estratégico tanto para o meio ambiente tropical da América do Sul quanto para o equilíbrio do clima na Terra. Os grandes responsáveis por manter os ecossistemas amazônicos conservados são os mais de 400 povos indígenas e outras populações tradicionais que habitam suas florestas, como comunidades quilombolas e ribeirinhas.
Nós do ISA acreditamos que para fortalecer uma visão integral da Pan-amazônia, olhar o bioma como um todo, é necessário superar abordagens fragmentadas e promover iniciativas com sinergia territorial, considerando escalas geográficas regionais, nacionais e internacionais para, ao final, fortalecer os territórios indígenas e as áreas protegidas de toda a Pan-amazônia, o que significa aumentar a proteção das florestas. Para caminhar nessa direção, em 2007 o ISA ajudou na criação da Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas (Raisg), uma rede formada por organizações da sociedade civil de países amazônicos com larga experiência de trabalho na Amazônia e com seus povos.
Nesses 14 anos, a Raisg tem produzido e divulgado mapas, dados estatísticos e informações socioambientais da Pan-amazônia, que contribuem para o monitoramento de 3,8 milhões de hectares de terras indígenas e áreas protegidas em 6 dos 9 "países amazônicos" (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). O Atlas Amazônia Sob Pressão 2020 reúne as versões mais recentes de muitos destes mapas.
As informações produzidas pela rede de organizações sul-americanas também geram evidências sobre o valor da Pan-Amazônia para o enfrentamento da crise climática e podem ajudar na tomada de decisões em processos de desenvolvimento sustentável em diferentes níveis de planejamento (municipal, estadual, nacional e internacional) para prevenir e mitigar a degradação ambiental da região. Desde 2017, a Raisg tem parceria com a iniciativa MapBiomas Brasil, para o mapeamento da cobertura do uso do solo na região amazônica. Os produtos e dados cartográficos produzidos pela rede estão disponíveis para download em sua plataforma: www.amazoniasocioambiental.org.
Em tempo: no ISA também atuamos regionalmente na "Amazônia" brasileira, em duas de suas grandes bacias hidrográficas, a do Rio Xingu e a do Rio Negro.
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Terras Indígenas com povos isolados estão entre as mais ameaçadas de 2022
Garimpo ilegal e grilagem são os maiores responsáveis por desmatamento em territórios com presença confirmada de indígenas em isolamento
Garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku. Em 2022, foram identificados mais de 500 hectares de mata nativa desmatada em função da atividade |Marizilda Cruppe/Amazônia Real
Ao longo de 2022, o desmatamento causado pelo garimpo ilegal e pela grilagem atingiu principalmente as terras indígenas com presença confirmada de povos indígenas isolados. O alerta é do boletim Sirad-Isolados, produzido pelo Instituto Socioambiental, que traz um balanço das pressões e ameaças monitoradas nestes territórios durante o último ano.
O monitoramento identificou 1192 hectares desmatados e 594 alertas emitidos no interior dos territórios com povos isolados em toda a Amazônia Legal.
Em 2022, algumas terras indígenas conseguiram frear grandes áreas de desmatamento em seu interior em virtude de denúncias, por exemplo, a Terra Indígena Piripkura (MT) e a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (RO). Entretanto, diversos territórios seguiram na contramão desse declínio, como as terras Munduruku (PA), Araribóia (MA), Alto-Turiaçu (MA) e Jacareúba/Katawixi (AM).
Com a nova direção da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), encabeçada pela advogada e ex-deputada federal Joenia Wapichana, essa situação pode mudar. Durante sua posse, que ocorreu no dia 3 de fevereiro, Joenia assinou Portarias de Restrição de Uso para as Terras Indígenas Jacareúba/Katawixi e Piripkura que, agora, devem ficar sob proteção até que sejam homologadas.
Confira a situação dos territórios mais ameaçados no último ano, de acordo com o boletim Sirad-Isolados:
Terra Indígena Munduruku
A exploração garimpeira em terras indígenas cresceu ao longo dos últimos anos e é uma realidade em territórios com presença de povos isolados. Na Terra indígena Munduruku, localizada no Pará, a principal ameaça é o garimpo ilegal. Em 2022, foram identificados mais de 500 hectares de mata nativa desmatada em função do garimpo. Desde 2020, foram derrubadas mais de 1,5 milhão de árvores adultas no território.
Terra Indígena Jacareúba/Katawixi
A Terra Indígena Jacareúba/Katawixi, localizada no sul do Amazonas, está dentro do município de Lábrea, o 4º mais desmatado de toda a Amazônia Legal. No segundo semestre de 2022, foram identificados aproximadamente 93 hectares desmatados dentro do território, o que representa um aumento de 209% quando comparado ao mesmo período do ano anterior.
Além disso, 111 Cadastros Ambientais Rurais (CAR) foram registrados no interior da terra indígena, indicando grande especulação de grilagem dentro do território, o que representa uma expectativa de ocupação por invasores.
Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau
Localizada em Rondônia, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau teve 155 hectares desmatados durante todo o ano passado, o que corresponde a aproximadamente 87 mil árvores adultas derrubadas.
Essa terra indígena está cercada por fazendas, com áreas de pasto e de plantio de soja. Os invasores não respeitam os limites da demarcação e avançam em direção ao interior do território. Além do desmatamento desenfreado causado pela grilagem, a TI também possui requerimentos minerários protocolados na Agência Nacional de Mineração para exploração de diversos minerais.
Terra Indígena Araribóia
Considerada ainda uma grande área verde remanescente no estado do Maranhão, a Terra Indígena Araribóia teve 195 hectares desmatados durante todo o ano de 2022, o que corresponde a aproximadamente 105 mil árvores adultas derrubadas. Um dos grandes problemas que o território enfrenta é a grilagem de terras. Em dezembro de 2022, o ISA identificou um total de 7 inscrições do CAR declaradas em sobreposição ao território.
Terra Indígena Alto Turiaçu
Também localizada no Maranhão, a Terra Indígena Alto Turiaçu teve quase 100 hectares desmatados em 2022. O território hoje é pressionado por fazendas e propriedades rurais, algumas sobrepostas à terra indígena, de acordo com registros do Cadastro Ambiental Rural. As queimadas também são fatores preocupantes nesta região.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
“Nós somos o arco e vocês, as flechas": mulheres indígenas celebram Célia Xakriabá e Sonia Guajajara em posse ancestral
Cerimônia reuniu mulheres de 93 povos, 22 estados e seis biomas e fez parte da programação da Pré-Marcha das Mulheres Indígenas
Elas não estão sozinhas! Entre cantos, danças, rezas, cocares, maracás e muitas cores, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) (saiba mais no box ao final da notícia) e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (PSOL-SP), foram abençoadas pela graça das “mulheres-biomas” durante cerimônia de posse ancestral, no Centro de Formação em Política Indigenista da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em Sobradinho (DF). A celebração aconteceu em paralelo à posse oficial das parlamentares, na Câmara dos Deputados, e fez parte da programação da Pré-Marcha das Mulheres Indígenas, que aconteceu de 29 de janeiro a 1 de fevereiro.
O evento foi organizado pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), em parceria com o Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin). Em demonstração de apoio à candidatura e eleição de Xakriabá e Guajajara, a ANMIGA “finalizou” o ritual que iniciou, ainda em pré-campanha, para fortalecer candidaturas femininas por meio da iniciativa Bancada do Cocar. A cerimônia também celebrou a nomeação de Guajajara como ministra dos Povos Indígenas.
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Célia Xakriabá e Sonia Guajajara celebram posses em Sobradinho (DF), com a benção das mulheres-biomas |Benjamin Mast/ISA
Puyr Tembé, mobilizadora e organizadora da Marcha das Mulheres Indígenas, ativista, liderança e agora a primeira secretária dos Povos Indígenas do Pará, falou da importância da ANMIGA na eleição da Bancada do Cocar. “A gente não só encorajou, a gente não só deu força tanto pra Célia quanto pra Sonia, mas pra tantas outras mulheres (...). Tiveram a coragem não só apenas por elas, mas por essa força que vem de todos os territórios do Brasil”.
A ANMIGA fez diversas caravanas pelos biomas brasileiros falando sobre o eixo da campanha indígena. “E queremos continuar a caravana das mulheres originárias da terra, para que a gente possa ter em 2026 mais mulheres, construindo mais municípios, mais estados e mais 'Brasis"', declarou.
A mobilizadora e organizadora da marcha das mulheres, ativista, liderança e secretária do estado do Pará, Puyr Tembé, fala sobre a importância da @AnmigaOrg na eleição da Bancada do Cocar.
"Começamos o dia hoje com muita emoção, com muita força e com muita alegria", disse Guajajara, durante café da manhã organizado no Memorial Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília (UnB), para dar início ao dia dedicado à sua posse ancestral e de sua “parentíssima” companheira de luta, Célia Xakriabá. "É sim um dia histórico, é um dia que marca um novo momento da história dos povos indígenas", afirmou a ministra dos Povos Indígenas
Emocionada, ela relembrou com as mulheres indígenas presentes os momentos de luta e mobilização, o Acampamento Terra Livre (que acontece anualmente na capital federal), marchas e até as corridas pelos gramados de Brasília, fugindo da repressão policial. “Não tem como olhar pra cada uma que tá aqui e não lembrar desses momentos”, falou com carinho.
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Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas: "É um dia que marca um novo momento da história dos povos indígenas" |Benjamin Mast/ISA
“A luta que a gente faz enfrenta muitos poderosos. As tentativas de silenciar são permanentes, as tentativas de nos intimidar são permanentes e a violência contra os povos indígenas não param. Olha o que foi o governo Bolsonaro: um projeto genocida pra acabar com os povos indígenas”, disse Guajajara, ao mencionar a situação de crise humanitáriaenfrentada pelos Yanomami e a violência contra os demais povos indígenas do Brasil.
A ministra também relembrou a trajetória e a luta da primeira deputada federal indígena e agora primeira mulher indígena presidente da Funai, Joenia Wapichana, que toma posse nesta sexta-feira (3), no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília. "Nós vamos trazer ainda mais e mais mulheres para ocupar esses lugares de poder”.
Wapichana marcou presença na posse ancestral e falou na reconstrução de um país que precisa reconhecer e considerar os povos e mulheres indígenas. “Encerro [o mandato] com muita alegria, porque o que a gente deixou de proposições legislativas, Celinha [Xakriabá] vai continuar defendendo, nossos amigos vão continuar defendendo, os movimentos vão continuar defendendo. Saio com a consciência tranquila”.
Em meio a muitas falas das mulheres indígenas presentes, “mulheres-terra”, “mulheres-biomas”, como são chamadas pela ANMIGA, as mulheres indígenas dos estados da Amazônia vieram para a pré-marcha para demonstrar apoio à Bancada do Cocar, declarar que elas não estão sozinhas e legitimar a confiança no trabalho das parentes eleitas. “Nós viemos trazendo a nossa força da ancestralidade. Nós somos o arco e vocês são as flechas” disse Edna Shanenawa, uma das representante das mulheres indígenas da Amazônia.
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Primeira deputada federal indígena do Brasil e inspiração para muitas das presentes, Joenia Wapichana celebrou a continuidade de sua luta na Câmara dos Deputados, agora com Célia Xakriabá |Benjamin Mast/ISA
Com o “rezo” de proteção das “mulheres-raiz” para defender os direitos dos povos indígenas com muita força, também receberam as bênçãos a secretária dos Povos Indígenas do Pará, Puyr Tembé; a secretária dos Povos Indígenas do do Ceará, Juliana Jenipapo Kanindé; a secretária de Direitos Ambientais e Territoriais Indígenas, Eunice Keretxu, e o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, além do secretário de Saúde Indígena, Weibe Tapeba.
Luta compartilhada
Ao longo do dia da posse ancestral, juntaram-se à Sonia e à Célia as ministras da Igualdade Racial e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Anielle Franco e Marina Silva, respectivamente, em caminhada realizada no gramado em frente ao Congresso Nacional.
Também acompanharam a cerimônia a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e a primeira-dama, Janja Lula da Silva.
Gonçalves colocou o Ministério das Mulheres à disposição das mulheres indígenas. “Quero trazer o calor e a afetividade da maioria das mulheres brasileiras, porque nós acreditamos em vocês. Aquele Congresso vai ser dos povos originários com esses dois mandados”.
Janja, igualmente, colocou-se como aliada da causa das mulheres indígenas. “Eu vou caminhar junto com elas. Encontrar caminhos para que as nossas meninas indígenas não sofram mais com a violência. Esse também é meu compromisso”.
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Aliança feminina: a primeira-dama e as ministras da Igualdade Racial, Meio Ambiente e Mudança do Clima e Mulheres também se juntaram à celebração de Sonia e Célia |Benjamin Mast/ISA
Uma carta da ANMIGA foi entregue à primeira-dama com proposições para contribuir com a melhoria da vida e a garantia de direitos das mulheres indígenas dos seis biomas do Brasil. O documento possui oito eixos: Proteção e Infraestrutura nos Territórios, Saúde, Combate à Violência Obstétrica, Indígenas Fora do Território, Acesso à Justiça, Educação, Cultura, Funai e Planejamento e Orçamento.
“Permaneceremos mobilizadas na força de nossas ancestralidades, seguimos firmes na luta pela vida das mulheres e pelos nossos territórios dos diferentes biomas para reconstruir a democracia no Brasil. Pois é preciso retomar as políticas públicas de Igualdade de Gênero com a nossa participação na produção de políticas que dialoguem com as nossas especificidades: Nunca mais um Brasil sem nós!”, diz trecho da carta.
Pré-marcha das Mulheres Indígenas
A Pré-Marcha teve como tema “Vozes da Ancestralidade dos seis biomas do Brasil” e foi uma etapa preparatória para a construção da agenda e planejamento da III Marcha das Mulheres Indígenas, que acontecerá em setembro, para o “Março das Originárias” e para o ATL 2023, em abril.
Continuação do legado
“É a chama do fogo ancestral que nós trazemos pra esse lugar”, ressaltou a co-fundadora da ANMIGA Célia Xakriabá, durante a “posse ancestral”. Desde cedo, interessou-se em saber o que era política, sempre questionando as lideranças de sua aldeia. Elas falavam que ela chegaria longe e se tornaria deputada. “Eu fiquei rindo. Jamais pensei que estaria nesse lugar”.
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Célia Xakriabá, deputada federal por MG |Benjamin Mast/ISA
A partir daí, Xakriabá traçou seu caminho para ressignificar a política tradicional branca, do paletó e da caneta, sob a perspectiva ancestral da poesia, do cocar, do jenipapo, do urucún e da mulher indígena.
“Eu entendo política quando as pessoas estão participando. Eu entendo política quando as pessoas estão dialogando. Eu entendo política quando elas estão em algum projeto de vida, e pra mim é o melhor jeito de fazer política. Eu não percorri caminhos da velha política tradicional brasileira. Minha primeira escola, minha primeira universidade foi, e continua sendo, a luta”.
Célia Xakriabá (esq.), deputada federal e Sonia Guajajara (dir.), ministra dos Povos Indígenas, durante a cerimônia de posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva |Mídia NINJA
Boas novas da quinzena
“Uma novidade histórica do governo Lula é a política indígena, em vez de indigenista, que será implementada a partir de agora”. A colocação de Márcio Santilli, ativista e sócio fundador do Instituto Socioambiental, reflete o início de um novo momento na política brasileira e na luta socioambiental, marcado pelo protagonismo dos povos indígenas na defesa de suas vidas e seus direitos.
Sonia Guajajara, que já presidiu a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), tomou posse como Ministra dos Povos Indígenas, pasta que terá o advogado Eloy Terenacomo secretário executivo e braço direito de Guajajara. A Funai, que irá integrar o novo Ministério, passa a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas e também será chefiada por uma mulher indígena, a ex-deputada federal Joenia Wapichana. O Ministério da Saúde também ganha representação indígena pela primeira vez. A Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) será dirigida pelo advogado Weibe Tapeba.
São muitas novidades que colocam em evidência como a política se reinventa para abrir espaço à atuação protagonista dos povos indígenas!
Como primeiro ato da nova política indígena, uma instrução normativa que flexibilizava a exploração de madeira em terras indígenas, permitindo que não-indígenas participassem do manejo, foi revogada. A norma havia sido criada no final do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e apresentava um plano de manejo que podia atender a interesses de madeireiras, que vinham pressionando por isso.
Na mesma semana, a Sesai e a Funai também agiram, enviando uma missão de cerca de 10 dias à Terra Indígena Yanomami (RR e AM) para fazer um diagnóstico sobre a situação da saúde dos indígenas e, a partir daí, traçar as ações para enfrentar a crise sanitária vivida na região. Nos últimos anos, os Yanomami passaram por diversos problemas de acesso aos atendimentos de saúde, agravados pela invasão garimpeira ao território. Profissionais de saúde relatam falta de segurança e vulnerabilidade para continuar os atendimentos.
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Lideranças Yanomami e Ye'kwana se manifestam contra o garimpo em suas terras durante o 1º Fórum de Lideranças da TI Yanomami |Victor Moriyama/ISA
A visita tomou grande e necessária proporção. O presidente Lula também foi à Terra Yanomami no sábado, 21 de janeiro, junto com um comitê, do qual também participaram Sonia Guajajara, Joenia Wapichana, Weibe Tapeba, a Ministra da Saúde, Nísia Trindade, o Ministro da Justiça, Flávio Dino e a primeira-dama Janja Silva.
A ida do comitê lançou o olhar da grande imprensa, do governo e dos brasileiros para a situação catastrófica dos Yanomami. A emergência sanitária e socioambiental na terra indígena tem suas raízes na década de 1970, durante a Ditadura Militar, mas se agravou ao extremo ao longo do governo de Jair Bolsonaro.
E ainda na primeira semana de trabalho, o Ministério e a Funai mostraram que irão acompanhar de perto e apurar casos de violência contra indígenas, que cresceram nos últimos anos. Um gabinete de crise foi criado por Sonia Guajajara para investigar casos de violência contra povos indígenas que lutam pela demarcação de terras no sul da Bahia. A portaria foi assinada em caráter de urgência depois que 2 líderes indígenas do povo Pataxó foram assassinados a tiros na cidade de Itabela.
Baú socioambiental
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Conselho Indígena de Roraima celebra 50 anos de luta e resistência em prol dos povos originários do estado |Fabrício Araújo/ISA
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) está celebrando 50 anos de história. Essa é uma das organizações indígenas mais antigas do país. Na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), um dos locais sagrados que simboliza a luta dos povos originários do estado, mais de dois mil indígenas de 11 etnorregiões (Serras, Raposa, Surumú, Baixo Cotingo, Serras, Amajari, Murupú, Tabaio Wai-Wai, Yanomami, Yekuana e Pirititi) se reuniram entre os dias 16 e 19 de janeiro.
A organização teve seu marco inicial na década de 1970, quando um pequeno grupo de indígenas decidiu fazer a primeira Assembleia de Tuxauas, na comunidade Barro, na região Surumú. Desde então, os encontros passaram a ser anuais.
Durante estes 50 anos, a luta pelo território da Raposa Serra do Sol foi o momento mais emblemático para o movimento, no qual muitas vidas foram perdidas. O processo de demarcação da terra indígena se iniciou na década de 1970, junto à construção do CIR. Foram quase 30 anos até a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela homologação e demarcação, que ocorreu em 2008.
Foi em uma das assembleias do Conselho que Joenia Wapichana foi escolhida coletivamente como candidata a deputada federal, tendo sido a primeira mulher indígena a ser eleita para o cargo. Wapichana foi a primeira advogada indígena da história a se pronunciar no plenário do Supremo Tribunal Federal durante a batalha jurídica pela Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Atualmente, o CIR representa 261 comunidades e defende os direitos de mais de 70 mil indígenas de 10 povos. A organização atua em diversas áreas como saúde, segurança, educação, cultura, gestão ambiental e desenvolvimento sustentável.
Interessados podem inscrever pautas investigativas para realizar reportagens sobre as ameaças e agressões às terras indígenas e as comunidades que nelas vivem. As 5 propostas vencedoras ganharão uma bolsa de R$ 7.500 para produzir a reportagem, com mentoria e edição da Pública. As inscrições devem ser feitas até o dia 31 de janeiro de 2023 por meio deste formulário.
“Estamos em busca de pautas que abordem diferentes aspectos dessas ameaças às terras e povos indígenas, como: invasões dos territórios; roubos e destruição do patrimônio natural nas terras indígenas; corrupção, ações e omissões do poder público e de setores empresariais relacionadas a esses crimes; violências praticadas contra populações indígenas em luta por seus direitos territoriais; testemunhos e informações inéditas que comprovem a autoria de ações de esbulho e violência registradas na história recente etc”, afirma o regulamento.
Durante a 1ª chamada, que aconteceu no ano passado, foram selecionados comunicadores indígenas do Amazonas, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Assista ao vídeo e Fique Sabendo:
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Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
Enchente em Manaus (AM), em 2016 |Alberto César Araújo/Amazônia Real
A tentativa frustrada de golpe da extrema direita esquentou o debate sobre o papel das Forças Armadas (FAs) no regime democrático. Quem se opõe ao golpe entende que elas foram lenientes ao tolerar acampamentos golpistas em frente aos quartéis por meses, enquanto os golpistas dizem que elas foram covardes ao não impedirem, à força, a posse de Lula.
O alto grau de politização e de ideologização entre policiais e militares promovido pelo governo passado deixou sequelas. O suposto envolvimento de ex-ministros militares na estratégia golpista, como Braga Neto e Augusto Heleno, multiplica dúvidas sobre a isenção política e o compromisso democrático das FAs. Milhares de militares que foram cooptados para cargos civis foram exonerados e, os que estão na ativa, voltam, ressentidos, para as suas funções de origem.
Quarta-feira da semana passada (18), o general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, então comandante militar do Sudeste, fez um enfático discurso em defesa da isenção política e do profissionalismo nas FAs, durante uma cerimônia no Quartel-General Integrado, em São Paulo. Na sexta-feira, o presidente reuniu-se com os comandantes militares para definir uma agenda positiva na política de defesa, em um clima de “página virada”.
Quebra de confiança
No sábado, porém, para surpresa geral, Lula exonerou o comandante do Exército, general Julio Cesar de Arruda, que esteve na reunião da véspera, quando não foi discutida a tentativa de golpe. Foi acordado que as investigações pertinentes seguiriam a cargo da Polícia Federal, subordinada ao STF, e que os eventuais culpados seriam punidos, sejam civis ou militares.
A divergência de Arruda com Lula começou por causa da nomeação, pelo primeiro, do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, para comandar um batalhão de elite do Exército, em Goiânia, a 200 km da capital. Cid foi um dos assessores mais próximos do ex-presidente, participou da difusão de fake news e de ofensas contra Lula, o que levou à sua inclusão entre os investigados pelo STF e à descoberta de que operava, dentro do Palácio do Planalto, uma imensa rachadinha alimentada por cartões corporativos. A informação é de que Arruda teria resistido à exonerar o militar bolsonarista.
A gota d’água, provavelmente, foi a divulgação pela imprensa de mais detalhes das conversas realizadas, na noite do dia 8 de janeiro, em Brasília, entre Arruda, outros militares, ministros do governo Lula, o recém-nomeado interventor da Segurança Pública do DF, Ricardo Cappeli, e o então comandante da Polícia Militar do DF, Fábio Augusto Vieira.
Os ministros da Defesa, da Justiça e do Gabinete da Casa Civil, além de Capelli e Vieira, reuniram-se com Arruda para viabilizar a retirada do acampamento golpista instalado, há meses, em frente ao Quartel-General do Exército e para prender seus participantes, após a depredação das sedes dos Três Poderes. Arruda não só não concordou com a ação como chegou a ameaçar impedi-la com o uso de suas tropas. O clima esquentou, com bate-boca entre Arruda e o ministro da Justiça, Flávio Dino. Depois que os ânimos se acalmaram, o combinado foi que o acampamento seria desmontado e as prisões ocorreriam na manhã seguinte. Depois disso tudo, Lula exigiu exoneração de Arruda e o substituiu por Ribeiro Paiva.
A profissionalização das FAs requer a formação e a valorização dos seus quadros, sem qualquer discriminação de gênero, de raça, de religião ou de opinião política. Mas ela não pode ser alcançada protegendo ou promovendo quem atua contra a democracia.
Formação com ciência
Nas tratativas preparatórias para a reunião entre Lula e os comandantes militares, membros das forças sinalizaram aos interlocutores do governo que, em nome de uma convivência positiva nos próximos anos, esperavam ver respeitados seus usos, costumes e tradições. Entre eles, teria sido mencionada a necessidade de não interferência do governo nos currículos das escolas militares. Nada consta sobre o assunto no programa de governo de Lula.
Para além da discussão específica sobre os currículos, experiências dolorosas dos anos recentes mostram um quadro grave de ignorância e de negação à ciência, do comando à tropa. Foi o caso do combate à pandemia do novo coronavírus, em que o Ministério da Defesa mergulhou na distribuição de cloroquina, inclusive entre indígenas, quando já havia evidências científicas da sua ineficácia para esse fim.
Outro exemplo gritante é o do negacionismo climático. O pensamento dominante nas FAs continua tratando a ameaça das mudanças climáticas como se fossem uma fake ambientalista, quando já não existem dúvidas científicas sobre o aquecimento global, tendo como causa principal a excessiva emissão de metano, dióxido de carbono e outros gases na atmosfera. A ignorância deliberada sobre o tema torna ridículos estudos “estratégicos” recentes, como o “Projeto de Nação: Brasil 2035”, formulado por três importantes ONGs militares.
Emergência climática
Não estou falando de saber especulativo e nem de estudos pontuais, mas de acúmulo científico ao longo do tempo. Não é preciso que o governo civil imponha conteúdos semelhantes aos currículos militares. Os próprios dirigentes militares devem fazê-lo, da forma mais apropriada aos seus usos e costumes. Nesses casos, a negação da verdade não é questão de opção ideológica, mas cobra o seu preço em vidas, muitas vidas, inclusive de militares e familiares.
Também não se trata de projeções científicas, mas de realidades factuais acachapantes. O aumento da temperatura potencializa a violência das tempestades, com maior volume de água em menor tempo. E também favorece o alongamento das estiagens, com impactos crescentes sobre a agricultura, o abastecimento das cidades e a geração de energia. O aumento do nível do oceano já afeta ilhas e regiões costeiras com ressacas violentas e erosão.
A crise climática já afeta a economia de todos os países, embora as vulnerabilidades sejam diferenciadas; intensifica fluxos migratórios internos e externos; contribui para o aumento da sede, da fome, da disseminação de doenças e da violência. O Brasil precisa da capacidade humana e operacional e da capilaridade estrutural das FAs para proteger o povo, o território e a economia dos impactos das mudanças climáticas.
Diversos países dispõem de instituições militares públicas e privadas dedicadas às implicações estratégicas das mudanças climáticas, assim como há foros de debates internacionais. Segundo seus usos, costumes e tradições, as FAs precisam recuperar o tempo perdido e incorporar, de forma orgânica, a emergência do clima à sua visão estratégica, antes que seja tarde demais.
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Política indígena
Ministério dos Povos Indígenas, Funai e Secretaria de Saúde Indígena serão dirigidos por lideranças indígenas
Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
Uma novidade histórica do governo Lula é a política indígena, em vez de indigenista, que será implementada a partir de agora. Foi criado o Ministério dos Povos Indígenas, ao qual ficará subordinada à Funai, que passa a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Ambos, assim como a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, serão dirigidos por lideranças indígenas. Sônia Guajajara, Joênia Wapichana e Weibe Tapeba, respectivamente, serão os seus dirigentes.
Esses nomes foram encaminhados ao presidente Lula pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), na forma de uma lista tríplice para a escolha d@ ministr@. Sônia coordenou a Apib nos últimos anos e foi eleita deputada federal por São Paulo; Joênia encerra o mandato como primeira deputada federal indígena, por Roraima, e Weibe é vereador em Caucaia (CE) há vários mandatos. Lula escolheu Sônia para acolher o PSOL no Ministério, mas aproveitou Joênia e Weibe em outras funções-chave.
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Weibe Tapeba, secretário de Saúde Indígena |Reprodução - Instagram @weibetapeba
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Joenia Wapichana, presidente da Funai 📷Câmara dos Deputados Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas 📷Instagram (@guajajarasonia)
O protagonismo indígena sobre as políticas públicas levará outros quadros oriundos do movimento para funções de governo, como o advogado Eloy Terena, que será secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas.
Ocorre, também, intensa movimentação nas comunidades e nas organizações indígenas locais para apresentar nomes para as coordenações regionais da Funai e da Sesai, contra as habituais indicações de partidos, reduzindo a influência de interesses de terceiros sobre os territórios indígenas e os seus recursos naturais. O protagonismo político local, por sua vez, deve fortalecer a participação indígena nas próximas eleições municipais.
Em 1 de fevereiro, tomará posse o novo Congresso Nacional, onde atuará, além de Sônia Guajajara, que vai se licenciar do mandato para assumir o MPI, a deputada federal Célia Xakriabá, eleita por Minas Gerais, e que deverá coordenar a Frente Parlamentar dos Povos Indígenas, substituindo Joênia. Outr@s deputad@s e senador@s que também se identificam como indígenas, como Juliana Cardoso, do PT de São Paulo, e Silvia Waiãpi, do PL do Amapá. A ocupação de espaços políticos não se dá só a partir de partidos de esquerda, mas a forte simbologia política indígena também vem sendo capturada por forças de direita.
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Célia Xakriabá, deputada federal por Minas Gerais |Reprodução - Instagram @celia.xakriba
Nada será como antes
O protagonismo político indígena é crescente desde o final da ditadura militar, mas se fortaleceu de forma inédita no enfrentamento aos retrocessos promovidos pelo governo anterior. O Acampamento Terra Livre, realizado anualmente no mês de abril em Brasília, reuniu mais de seis mil representantes indígenas de todo Brasil em sua última edição. A Apib foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como competente para ingressar com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs). A expressiva votação alcançada por candidatos indígenas nas capitais é uma evidência do acolhimento desse protagonismo indígena por parcelas crescentes da sociedade.
A nomeação de indígenas para conduzir as políticas do seu interesse decorre da generosidade do presidente Lula, que também decorre da sua percepção de que o movimento indígena foi capaz de se fortalecer, mesmo sob as mais adversas condições políticas. São conquistas históricas, não apenas transitórias. Os interesses incidentes nos territórios e demais direitos indígenas terão que ser tratados diretamente, e não através de prepostos ou supostos tutores.
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Da esquerda para a direita: Sonia Guajajara, Lula, Joenia Wapichana e Célia Xakriabá |Ricardo Stuckert
Não serão pequenas as dificuldades, mas essa nova geração de dirigentes indígenas está pronta para enfrentá-las. Ela não poderá subestimar a força objetiva dos interesses que serão contrariados, estará sujeita às vicissitudes próprias da atuação partidária e administrativa, mas aprenderá muito mais ainda sobre a própria natureza da política, com os seus prós e contras.
Aqui não vai nenhum desprezo pelo indigenismo sério, historicamente praticado por pessoas e instituições que foram e continuam sendo fundamentais para a resistência dos povos indígenas à sanha colonial. Muitos sacrificaram as suas vidas nesse processo, e Bruno Pereira foi apenas o mais recente. Mas o momento, agora, é o da política indígena, e todos nós devemos nos orgulhar pelo privilégio de partilharmos esse novo tempo.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Veja quais foram as primeiras medidas socioambientais do governo Lula
Decretos retomam políticas públicas e promovem uma reestruturação do Executivo, com a criação de novos ministérios e redistribuição de competências
Nas primeiras horas após tomar posse, no dia 1º de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou uma série de decretos e medidas que retomam políticas públicas socioambientais e promovem mudanças na estrutura de governo, com a criação ou recriação de novos ministérios, reorganizações internas e redistribuição de competências. Com isso, ele avança em seu compromisso de fortalecer a proteção dos povos e comunidades tradicionais e combater o desmatamento e as mudanças climáticas.
Muitas das medidas estão apoiadas por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do “Pacote Verde”, as sete ações sobre meio ambiente que contestaram, na Corte, o desmonte das políticas socioambientais durante o governo Bolsonaro. O julgamento de uma das ações (ADPF 760), foi citado no relatório final do governo de transição como base para as mudanças anunciadas.
Os primeiros atos do Presidente na área ambiental demonstram que o tamanho do compromisso assumido vai além dos discursos. Segue a lista!
Confira o que foi feito em relação às políticas socioambientais:
Revisão do processo de autuação ambiental
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, revogou atos do governo anterior que colocavam entraves no julgamento de infrações ambientais autuadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Em 2019, foi implementada uma nova fase de “conciliação” com o infrator, que, na prática, causava a paralisação do processo até que fosse realizada uma audiência, inviabilizando a tramitação de todo o processo. A medida de Salles levou o número de julgamentos do órgão a cair exponencialmente, de uma média de 5,3 mil anuais entre 2014 e 2018 para somente 17 em 2020.
Ainda foi resolvido um problema formal criado pelo ex-presidente do Ibama, que colocava sob risco de prescrição milhares de autos de infração lavrados pelo órgão.
Com a revisão feita pela nova ministra, fica determinado ainda que os autos de infração deverão ser públicos e disponibilizados na internet e que 50% dos valores arrecadados em multas deverão ser revertidos para o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).
Restabelecimento do PPCDAm
Criado em 2004, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi o principal responsável pela redução do desmatamento no bioma em mais de 80% entre 2004 e 2012. Apesar de bem-sucedida, a política foi extinta pelo governo Bolsonaro, que elevou a derrubada da Amazônia em 59%, em comparação aos quatro anos anteriores.
Uma das ações do ‘Pacote Verde’ no STF é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760, que pede a retomada e cumprimento urgentes do PPCDAm, além do fortalecimento dos órgãos socioambientais. Em voto histórico proferido em abril de 2022, a ministra Cármen Lúcia, relatora da ação, acolheu as alegações e declarou a existência de um “estado de coisas inconstitucional”. O ISA é uma das organizações da sociedade civil responsáveis pela elaboração desta ADPF.
Agora, além de retomar o PPCDAm e também o PPCerrado, a norma publicada pelo governo Lula procura ampliar a política de controle ao desmatamento, estabelecendo, de forma inédita, planos específicos para os biomas Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. Também institui a Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento, sublinhando a necessidade de se tratar desta questão de forma multidisciplinar, transversal e integrada. Dezessete ministérios, sob o comando da Casa Civil, participarão da implementação dos planos de ação.
Retomada do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional do Meio Ambiente
Paralisado no governo Bolsonaro, o Fundo Amazônia concentra mais de três bilhões de reais disponíveis para uso no combate ao desmatamento e crimes ambientais, além de projetos que incentivem a proteção da floresta. Os conselhos do Fundo foram restabelecidos, pois haviam sido extintos pela gestão anterior.
No caso do Fundo Nacional do Meio Ambiente, a participação social foi novamente contemplada, já que havia sido eliminada pelo governo Bolsonaro. A paralisação do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional do Meio Ambiente também foi objeto de julgamento no Pacote Verde no STF (ADO 59 e ADPF 651, respectivamente).
Com a recomposição das estruturas de governança, países financiadores, como Noruega e Alemanha, sinalizaram novos aportes; enquanto novos parceiros, como Reino Unido, indicaram interesse em contribuir com a defesa ambiental no Brasil.
Criado em 1981, o colegiado é responsável por assessorar e propor ao governo as políticas prioritárias na área ambiental e estabelecer normas e diretrizes técnicas, com efetiva participação de órgãos federais, estaduais e municipais, do setor privado e da sociedade civil.
No governo anterior, porém, o desmonte e a desestruturação do Conama deram maior poder de decisão ao governo federal e diminuíram a participação popular, o que foi considerado inconstitucional pelo STF (ADPF 623).
Revogação de decreto pró-garimpo
Assinado em fevereiro de 2022, o Decreto de nº 10.966, revogado pelo governo Lula, flexibilizava as leis de combate ao garimpo ilegal. Nele, foram criados o “Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala” e a “Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala”, que buscavam, na prática, estimular o garimpo ilegal, inclusive em Terras Indígenas e outras Áreas Protegidas.
Atividade comandada por esquemas milionários e com conexões com o crime organizado, o garimpo gera graves problemas humanitários e ambientais. Em 2020, os três povos indígenas mais afetados pelo garimpo no Brasil – Yanomami, Munduruku e Kayapó – formaram uma aliança para pressionar pelo fim das invasões.
Confira as principais mudanças socioambientais na estrutura do Governo Lula:
Criação do Ministério dos Povos Indígenas e retomada da Funai
Promessa de campanha, a oficialização do Ministério dos Povos Indígenas já é um marco histórico na política nacional. Comandada pela deputada federal Sonia Guajajara (Psol-SP), a pasta inclui em sua estrutura a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que foi renomeada e será presidida pela primeira vez por uma indígena, a deputada federal Joenia Wapichana (REDE-RR).
Além disso, a pasta recria órgãos extintos pelo governo Bolsonaro, como o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), colegiado que garante participação social na formulação de políticas públicas para os povos indígenas.
O ministério retomará a implementação de políticas paralisadas pela gestão anterior, como a demarcação e proteção de Terras Indígenas e a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), um dos maiores avanços na gestão autônoma e sustentável dos territórios indígenas.
Estive no ato organizado pelos servidores " Retomada da Funai", juntamente com a nossa Ministra @GuajajaraSonia a dep. federal eleita @celiaxakriaba, nosso Secret. Saúde Indígena @weibetapeba e o Cacique Raoni, na sede da Fundação Nacional do Povos Indígenas. Ato histórico! pic.twitter.com/TRyhHjlH0J
Criação da Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente na Polícia Federal
O decreto que reestrutura o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) retira a Funai de sua estrutura, estabelece competência de apoio a conflitos envolvendo indígenas e cria a Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente na Polícia Federal (PF).
A nova diretoria é responsável por dirigir, planejar, coordenar, controlar, executar e avaliar as atividades de prevenção e repressão das infrações penais contra o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural e os povos originários e comunidades tradicionais, bem como a segurança pública na região da Amazônia Legal e unidades operacionais e de gestão integrada brasileiras estabelecidas na Amazônia Legal.
Reestruturação do Ministério do Meio Ambiente
A pasta passa a se chamar Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, inserindo a pauta climática no centro da agenda socioambiental, e estará sob o comando de Marina Silva, deputada federal, ministra do Meio Ambiente nos primeiros governos Lula (2003-2008) e ex-senadora pelo Acre por dois mandatos, entre 1995 e 2011.
O decreto também reinsere o Serviço Florestal Brasileiro em sua estrutura e assume entre suas competências a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento de planejamento ambiental e combate ao desmatamento em propriedades rurais.
Além disso, a pasta vai tratar de agendas-chave para a questão ambiental, como a bioeconomia e uso sustentável de ecossistemas, e inserir o tema dos oceanos e gestão costeira na Secretaria Nacional de Mudança do Clima. Retornam, também, as agendas que envolvem povos e comunidades tradicionais.
Reorganização da governança sobre povos e territórios quilombolas
Sob comando da ministra Anielle Franco, o novo Ministério da Igualdade Racial será responsável por tratar de políticas relacionadas a quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.
Já o Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar abrigará o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e será responsável pelo reconhecimento de territórios quilombolas e outros territórios tradicionais. O Ministério da Cultura, onde está localizada a Fundação Cultural Palmares, por sua vez, fica com a função de auxiliar as ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural das comunidades quilombolas.
Inclusão da transição energética na organização do MME
Ficou definida a inclusão da transição energética na antiga Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME). O órgão passa a se chamar Secretaria de Planejamento e Transição Energética e está prevista a criação de um departamento voltado exclusivamente para o tema.
Criação da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente na AGU
A Advocacia-Geral da União (AGU), agora comandada pelo ministro Jorge Messias, passará a contar, em sua estrutura, com a Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente, de acordo com o Decreto nº 11.328, assinado pelo presidente Lula.
A Procuradoria vai trabalhar de maneira transversal junto aos órgãos e as entidades da agenda ambiental e fortalecer a atuação dos órgãos jurídicos dedicados à temática para, de acordo com Messias, “encontrar novas soluções jurídicas que harmonizem as diferentes políticas setoriais com a política ambiental, para viabilizar as transformações necessárias à efetividade da transição ecológica”.
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Bolsonaro deixa presidência com recorde histórico de desmatamento em Áreas Protegidas
Devastação aumentou 94% nos últimos quatro anos em comparação com períodos anteriores, segundo análise do ISA
Análise do Instituto Socioambiental (ISA) dos índices de desmatamento em Áreas Protegidas durante o Governo Bolsonaro comprovou o alerta feito nos últimos quatro anos por cientistas: o período da presidência representou o maior retrocesso ambiental do século, com um aumento de 94% no desmatamento, se comparado com os anos anteriores da gestão.
As principais causas do índice escandaloso têm relação direta com o desmonte dos órgãos de gestão ambiental, a paralisação nas demarcação de Terras Indígenas (TI) e gestão de Unidades de Conservação (UCs), o não reconhecimento de Territórios Quilombolas e a paralisação quase que completa das operações de fiscalização de crimes no interior de Áreas Protegidas.
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Focos de incêndio ao longo da vicinal Paraná, via de acesso à Terra Indígena Bau, do povo Kayapó|Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real
Os quatro anos de Governo Bolsonaro são um retrato revelador da destruição da Amazônia, com perdas florestais severas que comprometem diretamente a vida dos povos indígenas e tradicionais.
Segundo a análise do monitoramento do ISA, as Unidades de Conservação Federais de proteção integral e uso sustentável registraram aumentos de 111% e 116%, respectivamente. Os Territórios Quilombolas (TQs) registraram um aumento de 13%. Já nas Terras Indígenas, principal alvo de crimes cometidos durante o atual governo, o aumento do desmatamento foi de 157%, demonstrando a omissão generalizada do Estado e o estímulo à ilegalidade ambiental.
Os dados oficiais de 2022, fornecidos pelo sistema Prodes/INPE, mostram que houve uma diminuição tímida da taxa de desmatamento nas áreas protegidas de 4% em comparação ao ano de 2021. Contudo, esse ano foram mais de 123 milhões de árvores derrubadas.
Dentre as áreas mais afetadas estão as Terras Indígenas e Unidades de Conservação. O desmatamento se concentrou em um conjunto de 41 Áreas Protegidas, sendo 20 TIs, 13 UCs federais e estaduais e oito TQs, localizadas em regiões pressionadas pela abertura de estradas vicinais, grilagem de terras e implantação de obras de infraestrutura.
Para Antonio Oviedo, pesquisador do ISA, esse cenário retrata um método de governo irresponsável e uma triste herança para o país. “Este resultado negativo para as Áreas Protegidas é fruto de um esforço persistente de desmonte das políticas de gestão ambiental e de combate ao desmatamento no governo de Jair Bolsonaro. Uma destruição do nosso maior patrimônio socioambiental, que distancia o país cada vez mais de um protagonismo mundial na proteção da natureza”, afirma.
A nota aponta medidas urgentes para reverter esse panorama, entre elas está a necessidade de ressuscitar as medidas de gestão e proteção das áreas protegidas, em especial o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI) e a Gestão Territorial e Ambiental Quilombola.
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Ariene Susui: com a caneta na mão e em espaços de poder!
#ElasQueLutam! Jornalista e jovem liderança indígena vem pautando a democratização da comunicação e a experiência amazônica na equipe de transição do governo federal
Foi na adolescência, aos seus 14 anos, que Ariene Susui “despertou” para a vida política e para a luta do seu povo, os Wapichana. Começou na escola, frequentada na Terra Indígena Truaru da Cabeceira (RR), onde parte do currículo diferenciado incluia a participação dos jovens em assembleias, reuniões e atos do movimento indígena.
“[Nesses momentos], as nossas lideranças perguntavam: ‘cadê a juventude?’ E eu comecei a observar que a gente estava ali, mas pouco se interessava pela participação direta, por realmente discutir, colocar nossas ideias”, lembra. “Aquilo mudou a minha vida”.
Ariene entendeu que era necessário qualificar debates com a experiência e o conhecimento indígenas e preparar os mais novos para darem continuidade aos processos e lutas pelos direitos originários. Cada vez mais atenta e participativa, ela chega agora a um lugar inédito: o Grupo de Trabalho de Comunicação na equipe de transição para o novo governo presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, o qual foi convidada a integrar no começo de dezembro.
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Em Brasília, Ariene Susui trouxe sua experiência como comunicadora para a equipe de transição |Arquivo pessoal
“Quando eu tinha 14 anos, eu queria debater, me formar politicamente. Eu olho para aquela menina e passa um filme na minha cabeça, de toda a trajetória para chegar até aqui e estar hoje no corpo técnico, entendendo o que as pessoas estão falando, [mas também] tendo a oportunidade de colocar propostas”, explica. “Sou muito grata aos meus ancestrais e a todas as minhas lideranças que me possibilitaram falar das nossas vozes, das nossas dificuldades e o que queremos para a comunicação no país”.
Mais do que somar à sua história de ativismo, a indicação de Ariene ao GT mostra que pessoas indígenas têm todas as condições de contribuir com qualquer discussão relevante para a sociedade e as necessidades do Brasil e do mundo.
“Quando a gente se forma, a gente não se forma apenas para uma questão dos povos. Claro que vamos falar da nossa vivência, mas estamos preparados para assumir outras funções,” pontua. “Ir para um GT de Comunicação sendo uma jornalista indígena, mestre em Comunicação, que estuda sobre comunicação indígena na Amazônia, para mim traça um caminho de dizer que a gente pode ocupar todos os espaços”.
É justamente essa sabedoria que ela tem compartilhado com os demais membros do GT, onde vem destacando pautas como o direito à comunicação, democratização da informação, o combate às fake news e a regulamentação das mídias sociais, com especial atenção para a Amazônia e as diferentes realidades dos povos que habitam o bioma.
“Eu pude falar sobre as minhas inquietações e fui muito bem aceita. [Quero] colocar a Amazônia como ponto central, como uma linha de trabalho explícita que deve se desenvolver ao longo dos anos”.
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"A gente pode ocupar todos os espaços", sublinha Ariene Susui |Arquivo pessoal
Juventude de luta
O convite para integrar o GT da Comunicação é somente a mais recente etapa de uma longa e potente trajetória traçada por Ariene para defender direitos e garantir participação política para os seus.
Ainda na adolescência, ao ouvir o chamado das lideranças Wapichana para a juventude, ela decidiu ingressar de vez na luta do movimento indígena. De início, assumiu a coordenação da frente de jovens do seu território e, alguns anos depois, ajudou a construir o Núcleo de Juventude do Conselho Indigena de Roraima, organização que reúne os povos e associações do estado.
Foi na comunicação, porém, que escolheu seguir caminho. “Eu começo com algumas formações de comunicadores, ainda muito timidamente, mas já [na perspectiva de] discutir nossas próprias pautas, falar da nossa realidade, [de maneira] mais voltada para os territórios”, lembra. “E então, eu vou me interessar pelo campo da comunicação no nível acadêmico”.
“[Eu entendi] que para ajudar ainda mais na [nossa] visibilidade, na luta pela nossa sobrevivência, eu precisava ocupar outros espaços,” ela afirma sobre o período em que ingressou na Universidade Federal de Roraima (UFRR) para cursar Jornalismo – via vestibular específico para pessoas indígenas, destaca.
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Desde os 14 anos, Ariene coordena frentes de juventude e contribui para uma comunicação mais ampla e originária |Kauri Waiãpi
Foi uma época desafiadora, principalmente em relação à convivência e compreensão de termos e tecnologias do universo acadêmico, porém ela logo se colocou como comunicadora-ativista, pautando debates sobre os contextos comunicacionais indígenas da Amazônia e, inclusive, ganhando prêmios universitários - caso da série Pymydy - polinizando conhecimentos, eleita a melhor produção laboratorial em audiojornalismo no Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação da Região Norte de 2018.
Depois de formada, Ariene regressou ao Conselho Indigena de Roraima (CIR), agora como coordenadora do Departamento de Comunicação. Foi ali, também, que ajudou a fundar a Rede de Comunicadores Wakywai. “Eu acredito que quando você tem conhecimento, você deve emancipá-lo. Tudo o que eu aprendi na universidade dava para ser aplicado dentro do movimento e das organizações indígenas, [respeitando] nossos conhecimentos tradicionais obviamente”, comenta.
Mais tarde, a Rede Wakywai foi seu objeto de estudo no Mestrado em Comunicação da UFRR, que ela finalizou em agosto de 2022, tornando-se uma das primeiras indígenas mestras em comunicação do Brasil. “Eu trago essa experiência de resistência, de acreditar que nossos conhecimentos técnicos têm que estar atrelados com aquilo que a gente luta no movimento indígena”.
Segundo Ariene, sua escolha pela área da comunicação parte de um forte senso de justiça que sempre moldou seus passos, ou ainda, de uma rejeição ao modo como a mídia e as pessoas não-indígenas tratavam seu povo. “Eu lembro de ler matérias absurdas, que falavam que nós éramos um zoológico humano, que as pessoas estavam morrendo de fome”, conta. “Eu vou [para a comunicação] com muita raiva. Eu precisava ter as nossas narrativas, não queria que falassem sobre nós sem a nossa participação”.
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Jornalista e mestre em Comunicação, Ariene Susui tem na democratização do conhecimento uma de suas principais bandeiras |Elvis Ferreira
É, para ela, uma estratégia de luta, uma arma para os povos indígenas poderem mostrar para o mundo o que está acontecendo em seus territórios, desde ameaças até a divulgação de suas culturas e diversidades.
“Precisamos estar por dentro [desses espaços] para desconstruir algumas narrativas que são postas, principalmente pelas mídias convencionais. Hoje, a gente tem a oportunidade de escrever sobre nós, pautar os jornais, [apontar] o que não nos representa”, afirma. “Claro que ainda precisa avançar, [mas] você tem um contraponto”.
Engajamento político
O mesmo senso de justiça que despertou Ariene para a importância da comunicação lhe mostrou que a efetiva participação política, inclusive em espaços institucionais, era algo a se buscar. Por isso, parte considerável da sua trajetória ativista incluiu a luta para que mais jovens, em especial as mulheres, pudessem compreender o contexto político brasileiro e para que mais pessoas indígenas conseguissem acessar os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
“Aos 16 anos, meu primeiro voto foi indígena, e até hoje eu luto para que mais indígenas ocupem [esses lugares]”, assinala. “Eu sabia que vinham dali as políticas públicas [importantes para os indígenas] e falava: ‘só paro quando vir meus representantes no Congresso Nacional’”.
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“Só paro quando vir meus representantes no Congresso Nacional”, dizia |Kauri Waiãpi
Desde 2014, ela atua em campanhas de candidatos indígenas na Amazônia, tendo apoiado a candidatura de Joenia Wapichana, eleita deputada federal por Roraima em 2018, e, mais recentemente, em 2022, de Vanda Witoto e Maial Kaiapó para deputadas pelo Amazonas e Pará, respectivamente. Além disso, integra a Executiva Nacional do partido Rede Sustentabilidade e frequentemente colabora com formações políticas para jovens e mulheres.
“Quando a Joenia ganhou, foi [um sentimento] de que nada é impossível. A gente mostrou que era possível ter indígenas no Congresso”, lembra.
Em 2020, ela própria se candidatou a vereadora pela cidade de Boa Vista (RR), como parte de um processo de educação política. “Para eu poder contribuir com outras candidaturas, eu precisava entender como era uma candidatura. Foi para isso: entender todo o campo técnico, as partes burocráticas, conhecer os espaços políticos”, comenta.
“Essas minhas vivências de movimento indígena, da academia e da política me levam a estar mais tranquila ao colocar minhas propostas. Eu sei do que estou falando, do processo político que existe hoje no Brasil e estou ali para contribuir”.
Sobre o atual momento, ela avalia que é positivo para a ampliação do diálogo com os povos originários, porém, há riscos. Ainda que mais indígenas tenham sido eleitos, com destaque para Sonia Guajajara e Célia Xakriabá, a composição de assentos no Congresso segue majoritariamente anti-ambiental e anti-indígena. “[Além disso], a gente está vindo de um momento em que várias políticas estão muito fragilizadas, de uma série de violências e violações de direitos”, adiciona.
Mesmo assim, Ariene nunca foi de desistir diante de desafios, e não é agora que vai começar.
“Quando você trata de ser mulher, ser indígena, ser jovem e ser jornalista, você tem um grande espectro para diversos ataques. Mas eu sempre assumi com muita responsabilidade e acreditando que é preciso [ir à luta], ou daqui a pouco tem uma outra geração que vai ficar com medo de se impor”, diz.
Desde o fim do ciclo eleitoral de 2022, ela tem se dedicado a ingressar no doutorado e a construir projetos de educação política para pessoas da Amazônia, em especial mulheres e jovens. “O que me move são sonhos. Sonhos dos nossos povos serem respeitados, para que haja menos genocídio, menos preconceito, para que a nossa geração não seja tão violentada como foram nossos ancestrais”, conclui.
#ElasQueLutam é a série do ISA sobre mulheres indígenas, quilombolas e ribeirinhas e o que as move. Acompanhe no Instagram!
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Garimpo ilegal derrubou 1,5 milhão de árvores na Terra Indígena Munduruku desde 2020
Monitoramento do boletim Sirad-I, do ISA, ainda revelou recorde de desmatamento em setembro e outubro em Terras Indígenas com povos isolados
Povo Munduruku protesta contra o garimpo ilegal, atividade que já derrubou 440 hectares de floresta no território desde o início de 2022 |Tuane Fernandes/Greenpeace
O desmatamento em Terras Indígenas com a presença de povos isolados bateu recorde e mais que dobrou nos meses de setembro e outubro em comparação com o bimestre anterior. As principais terras afetadas foram Munduruku (PA), Araribóia (MA), Arara do Rio Branco (AC), Jacareúba/Katawixi (AM) e Uru-Eu-Wau-Wau (RO). Foram cerca de 460 hectares desmatados em 20 territórios, segundo análise do sistema Sirad-I, do Instituto Socioambiental (ISA).
A Terra Indígena Munduruku está entre as mais pressionadas e ameaçadas pelo garimpo ilegal na Amazônia. O monitoramento Sirad-I identificou 440 hectares de floresta desmatada no interior do território desde o início do ano – 136 hectares só no mês de outubro. Desde 2020, quando a TI começou a ser monitorada, 1,5 milhão de árvores foram derrubadas.
Assim como na TI Munduruku, a Terra Indígena Zoró, no Mato Grosso, também está na mira dos garimpeiros. Desde janeiro, foram identificados 25 hectares desmatados em decorrência do garimpo ilegal.
Proteção vencida
A Terra Indígena Jacareúba/Katawixi, no Amazonas, está à mercê dos invasores desde dezembro de 2021, quando venceu sua portaria de restrição de uso, mecanismo legal de proteção do território.
Há quatro meses o monitoramento do Sirad-I vem identificando sucessivos alertas de desmatamento dentro da Terra Indígena. Nos meses de setembro e outubro, foi identificado um ramal que liga uma fazenda vizinha ao interior da TI e possibilita a extração ilegal e selecionada de madeira – a área identificada somou 68 hectares em setembro.
De acordo com o sistema PRODES, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Jacareúba já perdeu mais de 3,3 milhões de árvores. A TI está cercada por estradas e ocupações desordenadas.
Pirititi sob ameaça
Após inúmeras ações da campanha Isolados ou Dizimados, no dia 22 de novembro foi publicado decreto que renovou a restrição de uso que protege os isolados da Terra indígena Pirititi (RO), com prazo de validade até o final do processo demarcatório. O decreto prevê a conclusão da demarcação da TI no prazo máximo de três anos.
Apesar da vitória, o monitoramento do ISA comprovou que a invasão dentro dessa Terra Indígena segue a todo vapor. Entre abril de 2020 e junho de 2022, o desmatamento acumulado no interior desse território atingiu 2.240 hectares, equivalente a mais de um milhão de árvores derrubadas. Na última semana, logo após a renovação, houve um outro foco significativo dentro da TI.
Essa é uma grande vitória para os isolados de Pirititi e demonstra que é possível a Fundação Nacional do Índio (Funai) garantir a renovação, até a conclusão da demarcação, de todas as restrições de uso que legalmente protegem terras de indígenas isolados - inclusive daquelas que ainda aguardam a criação dessa proteção.
No entanto, é preciso que os territórios sejam fiscalizados para que a vida dos indígenas, que dependem exclusivamente da floresta para sobreviver, seja preservada
Precisamos continuar pressionando para que as Terras Indígenas com a presença de Isolados sejam protegidas. Assine a petição!
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Há um ano desprotegida, Terra Indígena Jacareúba-Katawixi (AM) vira terreno de exploração ilegal de madeira
Última Portaria de Restrição de Uso venceu em dezembro de 2021. Levantamento mostra que mais de 12 mil árvores adultas foram derrubadas no território, cerca de 209% a mais do que no ano anterior
A Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, localizada no sul do Amazonas, está entre as Terras Indígenas com a presença de povos indígenas isolados mais ameaçadas do país e o motivo é óbvio: há um ano a Fundação Nacional do Índio (Funai) negligencia a proteção do território sem qualquer justificativa formal. Levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) comprova que, entre agosto de 2021 e setembro de 2022, o território registrou mais 21,9 hectares em novos desmatamentos, o que representa mais de 12 mil árvores adultas derrubadas.
A taxa de destruição registrada é 209% maior do que a taxa do ano anterior, segundo o Prodes/INPE. Esses dados revelam que existe uma invasão contínua do território para exploração ilegal de madeira sem qualquer ação do Estado para contê-la.
Além do crescimento expressivo do desmatamento, outra constatação alarmante foi evidenciada no levantamento realizado via imagens de satélite: uma nova frente de extração ilegal de madeira no interior da TI Jacareúba-Katawixi. A atividade está acontecendo perto do limite sudeste do território e começou com a abertura de um ramal a partir do interior de uma fazenda vizinha e segue rumo à TI, que por sua vez possui toda essa porção leste tomada de fazendas que pressionam fortemente os limites do território, especialmente à beira do Rio Mucuim, importante afluente da margem direita do Rio Purus.
Os dados obtidos através do sistema de monitoramento autônomo do ISA (Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento – SIRAD), comprovam que o aumento do desmatamento pode estar associado com a expectativa dos invasores sobre a não renovação da Portaria de Restrição de Uso — mecanismo de proteção legal de grupos indígenas isolados.
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Mapa da MapBiomas/Planet mostra novo ramal ilegal na Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, no Amazonas
“A ausência de medidas enfáticas para a proteção territorial das terras com a presença de indígenas em isolamento sujeita estes povos a ataques, contatos forçados, insegurança alimentar e uma série de outras ameaças que podem ser fatais para a sua sobrevivência física e cultural”, explica a assessora Jurídica do ISA, Juliana Batista.
A área, localizada nos municípios de Canutama e Lábrea (AM), faz parte de um importante mosaico de Áreas Protegidas, com uma diversidade de povos indígenas, populações tradicionais e ecossistemas florestais preservados. A TI Jacareúba-Katawixi é sobreposta quase integralmente (96% do território) pelo Parque Nacional Mapinguari, criado em 2008. O registro sistemático da presença dos indígenas isolados na região ocorreu durante o planejamento das obras das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, quando a Funai alertou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a existência de vestígios dessas populações.
Apesar de evidências da presença de povos isolados serem registradas desde os anos 1970, a medida protetiva da área só aconteceu, pela primeira vez, em 2007, quando foi editada a primeira Portaria de Restrição de Uso — com prazo de vigência de três anos. Ao fim da primeira portaria, foram editadas mais quatro outras portarias de igual teor, sendo que a última venceu em dezembro de 2021, assinada ainda pelo então presidente da Funai, General Franklimberg.
Segundo Luiz Fernandes, da Gerência de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), “o abandono deste território é mais um sintoma agudo da política de destruição que tomou de assalto cargos de gestão, as instâncias de tomadas de decisão na Funai e, de forma muito particular a política de proteção aos povos indígenas isolados e recente contato".
De acordo com ele, desde a perseguição aos servidores e lideranças indígenas , o abandono das Frentes de Proteção e a falta de condições para atuar, ficou evidente e mais grave a situação nestes últimos três anos. "A Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus, vinculada à Funai, é responsável por proteger uma área extensa, que vai da região das fronteiras entre Rondônia, Amazonas e Mato Grosso, próximo à TI Tenharim do Igarapé Preto, passando pelo interflúvio Madeira-Purus e chegando ao Purus-Juruá a oeste. Não há condições de execução pelo aparelhamento e ingerências da [Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato] CGIIRC e da [Diretoria de Proteção Territorial] DPT junto à Unidade Gestora da Região, a CR Médio Purus [ocupada até outubro deste ano por militares], o que reflete no abandono das ações, perseguição e risco de conflitos a todo tempo e nenhuma medida administrativa para garantir a proteção integral da TI Jacareúba Katawixi”, continuou.
“Pela gravidade que se encontra a região, os próprios indígenas, em diálogo com a Frente de Proteção, Ministério Público Federal e o [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] ICMBio, garantiram até 2016 e 2017 a presença de uma Base de Proteção Etnoambiental no norte dessa Terra Indígena e isso garante a proteção, mas nessa porção leste, onde estão abrindo esse ramal, o grande problema é que é uma área totalmente desconhecida em termos socioeconômicos e por isso essa TI é uma das mais vulneráveis em termos de proteção de isolados”, diz Fernandes.
BR-319
Outro fator apontado pelos indigenistas como um possível motivo para a omissão da Funai em proteger a TI Jacaraeúba-Katawixi é pelo fato de seu limite se encontrar somente a 15 quilômetros da Rodovia BR-319, cuja Licença Prévia para a pavimentação foi concedida em 2015 pelo Ibama.
Terra Indígena Jacaraeúba-Katawixi está a somente 15 quilômetros da Rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho|ISA
Já o órgão estadual emitiu a Licença de Instalação para um trecho da obra. A BR-319, que liga Rondônia à Amazônia central, segue à margem da TI Jacareúba-Katawixi e, caso a proteção do território seja efetivada, poderia haver um embargo da pavimentação desse trecho que seria utilizado para facilitar o escoamento de monocultivos.
Segundo um estudo realizado pelo ISA e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em um cenário de baixa governança ambiental das políticas de controle e licenciamento ambiental, a TI Jacareúba-Katawixi poderá acumular um desmatamento de 269.974 hectares entre os anos de 2022 a 2039, caso a rodovia seja concretizada.
“A rodovia tem alto potencial de estimular o desmatamento na região, uma vez que abrirá acesso a vastas áreas da floresta amazônica, preservada pela presença de populações indígenas”, explica Antonio Oviedo, pesquisador do ISA.
Decisão histórica
O levantamento realizado pela Campanha Isolados ou Dizimados foi protocolado na Sexta Câmara do Ministério Público Federal do Amazonas e a expectativa é que seja distribuído aos procuradores que atuam na Terra Indígena para que haja alguma ação de proteção imediata desse território.
No último dia 21 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou, de forma histórica, que o governo brasileiro tome todas as medidas necessárias para garantir a proteção da vida e dos territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato. A decisão do ministro Edson Fachin foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991,proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e elenca sete obrigações impostas à União, à Funai e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Para Fachin, existe uma “violação generalizada” dos direitos humanos dos povos indígenas isolados e de recente contato, devido à "omissão estrutural” do governo brasileiro. Ele afirmou que o governo utilizou um “método” para desfazer as proteções das terras de povos isolados, deixando de renovar as portarias de restrições de uso ou simplesmente não emitindo o instrumento em áreas com confirmação da presença de grupos isolados.
Segundo dados oficiais de 2021, o desmatamento nas 33 TIs com registros de povos isolados e de recente contato, listadas em outra ADPF proposta pela APIB no STF, aa ADPF 709/2020, representou 34% do total desmatado nas TIs da Amazônia legal. Entre 2019 a 2021, foram 51.837,8 hectares desmatados nos territórios de povos isolados e de recente contato, e a média anual neste período representou um aumento de 164% em comparação com a média dos três anos anteriores (2016 a 2018).
Frente à situação emergencial, um coletivo de organizações indígenas e indigenistas encabeçado pela Coiab e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), lançou em agosto de 2021 a campanha “Isolados ou Dizimados”, que conta com uma petição para pressionar as autoridades a agir para proteger as quatro terras com registros de isolados.