O Vale do Ribeira, entre São Paulo e Paraná, é uma região de Mata Atlântica, com forte presença de povos indígenas, comunidades quilombolas, caboclas e caiçaras. São estas populações tradicionais que, com suas culturas e modos de vida, mantém as florestas da região em pé, resistindo à atividades predatórias e à exploração descontrolada dos recursos naturais. A presença quilombola, indígena, cabocla e caiçara faz do Vale do Ribeira um patrimônio socioambiental do Brasil e uma região fundamental para o equilíbrio climático, proteção da biodiversidade e produção de chuva entre duas grandes metrópoles do País: Curitiba e São Paulo.
O ISA atua no Vale do Ribeira desde o final da década de 1990 em parceria com associações e organizações locais da sociedade civil para garantir os direitos territoriais das comunidades quilombolas, bem como a proteção das florestas, rios, estuários e demais ecossistemas da região. Somos gratos pelo aprendizado de luta que as comunidades e suas lideranças transmitem há tantos séculos e ensinam às novas gerações.
O trabalho do ISA no Vale do Ribeira segue atualmente três linhas estratégicas: articulação política para defesa de direitos, fortalecimento do manejo de recursos em territórios quilombolas, com destaque para a estruturação da Rede de Sementes do Vale do Ribeira e valorização do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola do Vale do Ribeira, e fomento à produtos da mata, com destaque para o apoio à produção e comercialização, pelas comunidades, da produção orgânica da agrobiodiversidade local para a geração de renda.
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Iniciativa quilombola, Casa de Sementes Jucão recebe prêmio internacional de arquitetura
Edificação no Quilombo Nhunguara (SP) foi escolhida por combinar beleza e função ecológica, atender às necessidades locais e dar poder às pessoas de transformar realidades
Construída em estrutura de taipa de pilão, construção da Casa de Sementes Jucão valoriza conhecimento tradicional quilombola|Alain Briatte Mantchev
A premiação, além de reconhecer o valor social e ecológico da construção de 42m2 localizada no Quilombo Nhunguara, em Iporanga (SP), valoriza o conhecimento tradicional dos antepassados dos coletores e abre caminhos para novos projetos.
De acordo com a comissão avaliadora do Ammodo Architecture Award 2025, a escolha da Casa de Sementes do Jucão se deu pela forma inovadora que o projeto combina beleza e função ecológica, ao mesmo tempo em que atende às necessidades locais com potencial de transformação e amplia o poder de transformação social, transformando-se, portanto, em algo extraordinário.
Conheça a Casa de Sementes Jucão!
O espaço é seguro e saudável para sementes, e contribui para a manutenção e regeneração da floresta brasileira no futuro. O reconhecimento exalta um exemplo de como uma estrutura pode ser ao mesmo tempo bela, simples e ainda com potencial de ajudar a resolver um problema global.
Estruturada em taipa de pilão com cascalho do Rio Ribeira de Iguape, podendo armazenar toneladas de sementes coletadas da Mata Atlântica, a casa de sementes foi inaugurada em 15 de dezembro de 2021.
O espaço foi batizado como Casa de Sementes Jucão em homenagem a José Rodrigues de Almeida, liderança do Quilombo Nhunguara, um batalhador pelas roças tradicionais e sempre à frente na luta pelo reconhecimento do seu território, falecido em novembro de 2021.
Giovanna Bernardes, do Instituto Socioambiental (ISA) e responsável técnica da Rede de Sementes do Vale do Ribeira, conta que o prêmio, de 10 mil euros, será revertido para melhorias na construção.
“Essas melhorias fortalecerão o papel da Casa de Sementes, potencializando seu efeito multiplicador em diversas atividades. A Casa de Sementes tornou-se um espaço acolhedor e um elo vital nos esforços contínuos da rede para restauração ecológica e engajamento comunitário”, informa.
A Rede de Sementes do Vale do Ribeira é um projeto apoiado pelo ISA e faz parte do Redário, mobilizando cerca de 60 coletoras e coletores dos quilombos André Lopes, Maria Rosa, Nhunguara, São Pedro e Bombas.
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Maria Tereza Vieira, é quilombola, agricultora, viveirista e coletora de sementes, uma das fundadoras da Cooperativa da Rede de Sementes do Vale do Ribeira|Cláudio Tavares/ISA
De acordo com Maria Teresa Vieira, secretária da Rede de Sementes do Vale do Ribeira, a beleza e funcionalidade da Casa de Sementes faz a diferença na região, além de atrair visitantes há algum tempo.
“Esse prêmio vai nos ajudar, principalmente para nossa casa da semente, que é um local onde a gente está começando a receber o turismo também, para o pessoal que está vindo para visitar. Então, a gente tem que ter alguns reparos”, explicou. “O mais importante de tudo é ser reconhecido, sabendo que tem gente lá fora, tem pessoas que pensa positivo a nosso respeito, seja brasileiro ou estrangeiro, mas que também luta pela mesma causa de ver um planeta mais saudável, um planeta com mais verde. Por esse motivo eu agradeço esse prêmio em nome da rede toda e de todos coletores”, conclui.
Conhecimento tradicional
Alain Briatte Mantchev, arquiteto responsável pelo projeto, acredita que a aplicação da técnica tradicional dos quilombos foi o que proporcionou o resultado premiado.
“Ela já é própria dos quilombos, né? Todos os fogões de taipa que a gente vê tradicionalmente, é a mesma técnica das paredes ali. Então, na verdade, a gente se inspirou nessa técnica quilombola para construir a casa de sementes. E aí acho que cabe uma frase muito significativa para o projeto: guardar as sementes na terra para na terra a gente semear. E acho que tudo isso faz muito sentido”, afirma
Mantchev explica que o Prêmio Ammodo de Arquitetura celebra a arquitetura ecológica e social, a partir da seleção de projetos escolhidos por especialistas de vários continentes. O projeto Casa de Sementes do Jucão foi indicado pela arquiteta chilena, Amanda Riviera.
O evento de premiação aconteceu em cerimônia virtual em 13 de novembro de 2025.
O prêmio
A Ammodo Architecture promove e apoia a arquitetura social e ecologicamente responsável em todo o mundo. O Prêmio Ammodo de Arquitetura para escala local incentiva projetos com orientação social e ecológica. Na edição 2025, 26 projetos foram selecionados - 12 na categoria escala local, 12 na categoria engajamento social e dois na categoria arquitetura social.
A Ammodo é uma fundação holandesa que estimula o desenvolvimento da arte, da ciência e da arquitetura.
A Cooperativa da Rede de Sementes do Vale do Ribeira leva para a 13ª edição da Feira de Práticas Socioambientais Pétala por Pétala, no Sesc Interlagos, neste sábado (13/09), a vivência da “Muvuca de Sementes”, conhecida também como método de semeadura direta, com Giovanna Bernardes, engenheira agrônoma e responsável técnica da Rede, e Zélia Pupo, coletora de sementes e elo do grupo de coletores do Quilombo André Lopes.
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A Rede de Sementes do Vale do Ribeira atua desde 2017 e reúne coletores de cinco comunidades quilombolas de Eldorado e Iporanga|Andressa Cabral Botelho/ISA
A técnica consiste em misturar sementes de espécies florestais nativas, agrícolas e de adubação verde, junto a um material que auxilia na homogeneização, como areia, serragem ou terra. As espécies são escolhidas de acordo com o ecossistema local e a sucessão florestal, promovendo a formação de novas florestas e sua longevidade.
Com o tema “Pisar a Terra”, a Feira busca inspirar reflexões sobre a relação que estabelecemos com a terra a partir de diferentes perspectivas e em diálogo com as questões socioambientais contemporâneas.
Como parte da programação, o Instituto Socioambiental (ISA) e a Cooperativa da Rede de Sementes do Vale do Ribeira reforçam ainda o aspecto ecológico e comunitário da muvuca de sementes, que valoriza o conhecimento tradicional, incentiva a participação popular no reflorestamento e cria pontes entre o meio rural e urbano, contribuindo para a conservação da biodiversidade.
Além da atividade, Alina Morato e Omelina Santos, coletoras do Quilombo André Lopes estarão com um estande ao longo do evento no sábado e no domingo, expondo o Guia de Sementes "Do Quilombo à Floresta", além de algumas sementes e produtos quilombolas.
A oficina acontece no Hall do Viveiro de forma gratuita e tem duração de 180 minutos a partir das 13h. A Feira de Práticas Socioambientais Pétala por Pétala é uma realização do Sesc São Paulo com apoio do Consulado Geral da Alemanha em São Paulo.
Sobre a Rede de Sementes do Vale do Ribeira
A Rede de Sementes do Vale do Ribeira é uma iniciativa que atua desde 2017 na região do Vale do Ribeira, no sudeste de São Paulo. Atualmente, reúne cinco comunidades quilombolas (André Lopes, Bombas, Maria Rosa, Nhunguara e São Pedro), localizadas nos municípios de Eldorado e Iporanga. O objetivo é fornecer sementes florestais nativas com qualidade e em quantidade para a restauração ecológica do bioma Mata Atlântica.
As sementes da Rede já foram utilizadas em diversas regiões do Estado de São Paulo. Em 2024, venderam mais de 1 tonelada de sementes, contribuindo para a restauração da Mata Atlântica e gerando uma renda superior a 130 mil reais para 60 famílias quilombolas.
Serviço
Muvuca de Sementes com a Cooperativa da Rede de Sementes do Vale do Ribeira na Feira de Pétala por Pétala
Local: Hall do Viveiro, no Sesc Interlagos
Dia e horário: Sábado, 13/09, a partir das 13h
Duração: 180 minutos
Entrada gratuita e por ordem de chegada
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Decisão que invalida sobreposição de Unidade de Conservação a quilombo no Vale do Ribeira ganha prêmio do CNJ
Reconhecimento de sentença sobre o Quilombo Bombas valoriza luta histórica pela permanência dos quilombolas em seu território
Decisão da juíza Hallana Duarte Miranda, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), foi premiada no 2º Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na categoria Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais. A cerimônia de premiação aconteceu em 12 de agosto.
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Hallana Duarte Miranda, do TJSP, foi reconhecida na categoria Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais|YouTube do CNJ
A sentença foi proferida em dezembro de 2023 a favor do Quilombo Bombas, que historicamente vive e resiste no Vale do Ribeira, e que, desde 1958, passou a sofrer com conflitos socioambientais derivados da sobreposição de seu território pelo Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira (Petar), Unidade de Conservação de Proteção Integral, que não admitiria a presença humana em seu interior.
Segundo ela, o CNJ tem trabalhado na proteção e incentivo à aplicação, pelo Poder Judiciário brasileiro, dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos que asseguram direitos a diferentes segmentos da sociedade, entre eles, povos e comunidades tradicionais, que abrange os povos indígenas, comunidades quilombolas e outras comunidades tradicionais.
“O Brasil internalizou a Convenção 169 da OIT, que trata dos povos e comunidades tradicionais, uma das normativas que protege as comunidades quilombolas. O reconhecimento dessa decisão, na verdade, é um reconhecimento de que o sistema de justiça entende como importante a proteção territorial dessas comunidades”, afirmou.
A partir da década de 1980, a Unidade de Conservação criada no papel em 1958 começou a ter seu perímetro delimitado fisicamente pelo Governo do Estado de São Paulo. Esse processo exerceu grande pressão pela expulsão de comunidades tradicionais de suas terras, já que o Petar se sobrepõe aos territórios quilombolas e de comunidades Caboclas. Essa pressão pela expulsão das comunidades ocorreu, e ainda ocorre, apesar dos direitos constitucionais e convencionais desses povos e comunidades, da ocupação centenária dessas áreas por esses sujeitos coletivos e da constatação de que o modo de vida tradicional mantém o maior maciço de Mata Atlântica do Brasil em pé.
Suzana Pedroso, liderança do Quilombo Bombas de Cima, relata os desafios provocados pela sobreposição para a comunidade, que perdeu muitas famílias por conta das inúmeras limitações, principalmente para plantar as roças tradicionais.
"O parque quer dizer que nós não preserva. Nossas famílias nunca destruiu lá. Nunca destruiu a mata. Tem cerca de 25 famílias lá e nós preserva, nós planta e os bichos são os primeiros que comem. Nós sabe trabalhar e nós quer trabalhar livre. O parque levou nosso direito. Eu vivo na roça, eu trabalho na roça, criei meus filho na roça, meu pai me criou na roça", disse.
Na decisão inédita no país e histórica, a juíza reconheceu a invalidade da sobreposição do Petar ao território do Quilombo Bombas, situado na região do Vale do Ribeira, a sudoeste do estado, no município de Iporanga. Após mais de duas décadas de diálogos da comunidade com a Fundação Florestal e com organizações ambientalistas, o conflito derivado das sobreposições não foi resolvido no diálogo. Nesse contexto, a decisão judicial supre a inoperância do Poder Executivo do Governo de São Paulo em resolver essas questões, garantindo direitos às comunidades. Há outros conflitos judicializados que aguardam solução, como no caso das comunidades caiçaras da Juréia e no Quilombo da Fazenda, ambos em São Paulo.
Além disso, a decisão determina a apresentação do cronograma de execução e prazo para início da obra da estrada de acesso ao quilombo, que já fora determinada em decisão liminar anterior, proferida em 2015.
Suzana comemorou a decisão. "Foi muito importante e esse prêmio foi muito merecido. Ela viu o sofrimento do povo. O parque vem oprimindo muito o povo. Ele libera uma parte da roça e depois, mesmo liberado, vem a multa. E nós estamos sofrendo muito com isso. Quem somos nós no mato se a gente não puder viver da nossa roça? Eu me sinto presa, sem poder trabalhar. Era para ter nossa roça de feijão, rama e não tem essa liberação. Antes da instalação do parque, nós era livre. Hoje nós vive com medo, está difícil morar lá", desabafou.
Durante a Feira, Suzana e Hallana se conheceram. Suzana apresentou a família e a agradeceu. Emocionada, a juíza contou que o maior reconhecimento veio da própria comunidade quilombola.
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Encontro entre a juíza Hallana Duarte Miranda e Suzana Pedroso, liderança do Quilombo de Bombas de Baixo|Julio César Almeida/ISA
“Mais do que ganhar prêmio, acho que é o que mais me emocionou, e foi hoje, foi conhecer a dona Suzana, que é membro e liderança da comunidade de Bombas, e ela disse que a decisão para ele significa muito. Então, eu acho que, acima de qualquer teoria, prêmio ou academia, você ver a transformação na realidade, as pessoas sendo protegidas, é a coisa mais satisfatória, não só para mim, mas é a coisa mais satisfatória para quem tem um compromisso mesmo, que os direitos humanos se implementem.”
Trocas que germinam futuro: sementes circulam de mão em mão, fortalecendo a alma da feira|Julio César Almeida/ISA
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Cantos e batuques se somam, com os sons que também fazem florescer a resistência quilombola|Julio César Almeida/ISA
Mais de 300 pessoas se reuniram em Eldorado (SP) para viver dois dias de partilha e celebração na 16ª Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira, encontro que reafirma a força dos quilombolas da região e celebra o Sistema Agrícola Tradicional (SAT), guardião de sementes, histórias e modos de vida.
Nem o céu nublado atrapalhou as conversas, trocas e encontros, que acontecem todos os anos em agosto. A feira recebeu comunidades quilombolas de diferentes municípios da região, estudantes do ensino fundamental ao universitário, organizações sociais, parceiros e autoridades.
A 16ª edição é uma realização Grupo de Trabalho da Roça – GT da Roça, composto por 19 Associações das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira e parceiros como a Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (Eaacone) e o Instituto Socioambiental (ISA). Também apoiaram o evento o Sesc Registro e as Prefeituras de Eldorado, Iporanga e Itaoca.
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Abertura da 16ª Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira aconteceu em Eldorado|Júlio César Almeida/ISA
Na manhã de 15/08, a feira se inaugurou ao som da palavra quilombola. Com o tema “Educação Quilombola, transmissão de saberes e os desafios da juventude nos territórios”, o seminário de abertura trouxe as vozes dos anciãos Benedita Santos Rocha, do Quilombo Maria Rosa, e João Catá, do Quilombo Nhunguara, guiados pela mediação de Luiz Ketu, do Quilombo São Pedro, escritor e co-autor de obras como Na companhia de Dona Fartura, uma história sobre cultura alimentar quilombola.
Com a proposta de consolidar ainda mais um processo de educação que considere os saberes dos mais velhos sobre o território como conhecimento, a mesa teve falas poderosas, que evidenciaram o compromisso com a cultura quilombola, em todas as suas formas.
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Da esquerda para direita: Luiz Ketu, João Catá e Benedita Santos Rocha|Júlio César Almeida/ISA
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Segunda mesa da parte da manhã discutiu os tempos de hoje e o futuro ancestral - começo, meio e começo|Júlio César Almeida/ISA
“Como é importante a organização, convivência e união para a continuação do nosso antepassado. Eu aprendi muito com meus pais a cuidar da vida. Nós somos os guardiões do nosso território”, explicou Benedita. Segundo ela, seus pais não tinham a sabedoria do papel, mas sustentaram a família de forma abundante, ensinando o cuidado com a natureza e conceitos como sazonalidade e aproveitamento integral dos alimentos.
“Lá na Maria Rosa a gente aprendeu desde pequeno a plantar arroz, feijão, milho. Fomos nos formando na agricultura, na universidade do plantio. Os pais foram nossos professores", disse ela, que também aprendeu com os pais a fazer o plantio sem agrotóxico, cozinhar no fogão a lenha e a valorizar o lugar onde nasceu. Benedita, que aprendeu a escrever seu nome após os 30 anos, se orgulha por hoje dividir mesa com os professores.
Seu João da Mota, mestre no manejo da floresta, aproveitou o momento para relembrar sua primeira professora, Dona Zilda, em 1954, época em que as escolas ainda eram de pau a pique. E hoje eles continuam lutando para repassar aos mais jovens a importância do modo de ser quilombola, inclusive na questão de saúde, que Seu João fez questão de compartilhar: “Eu tenho 71 anos, nunca pousei num hospital, sempre remédio de ervas que eu tomo”.
Luiz Ketu, atualmente Doutorando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFScar), agradeceu pela resistência de ambos diante das dificuldades e ressaltou a importância de também abrir caminhos para outros espaços, como a universidade, que foram conquistados graças à luta das comunidades quilombolas aliadas às organizações locais, que motivaram a criação de políticas públicas de inclusão e protocolos de consulta. Para ele, a luta continua.
“A gente precisa fortalecer o território. Ter essa roda aqui envolvendo jovens, mais velhos e mais velhas, crianças faz parte de um processo de luta nosso”, disse em plenária.
Na plateia, estavam estudantes da Escola Estadual Alay Jose Correa Vereador, de Registro; Escola Estadual Nascimento Sátiro da Silva, de Iporanga; Escola Estadual Maria Chules Princesa de Eldorado, além das Escolas Municipais de Educação Infantil e Ensino Fundamental dos Quilombos Sapatu, André Lopes, Nhunguara, Ivaporunduva, Galvão, Cangume e São Pedro.
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As publicações "Roça é Vida" e "Do quilombo à floresta" valorizam conhecimento ancestral das Comunidades Quilombolas|Julio César Almeida/ISA
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Estudantes do Ensino Fundamental e Médio compareceram ao primeiro dia do evento para ouvir e falar sobre sobre seus futuros|Julio César Almeida/ISA
Haviam também estudantes de licenciatura em Educação do Campo - Ciências da Natureza da Universidade do Paraná (UFPR), e universitários da licenciatura em Educação Escolar Quilombola - Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), em turma composta por 30 estudantes quilombolas, sendo 90% delas mulheres, estavam em aula.
Benedita, ressalta a importância de que os futuros profissionais entendam cada vez mais a importância de voltar para os territórios. "É muito importante estudar. Fora da casa da gente é sofrido, mas é um sofrido compensado. Depois da formatura, ele volta com outro jeito de ver a realidade lá fora".
“A educação quilombola muda o mundo”
Na segunda mesa, “Os tempos de hoje e o futuro ancestral - começo, meio e começo”, Lorrayne Silva, do Quilombo André Lopes, fez a mediação junto com Vaniely dos Anjos Santos Dias, do Quilombo São Pedro, das falas das jovens lideranças Misael Henrique Rodrigues Dos Santos, do Quilombo Galvão; Ana Laura Donato dos Santos, do Quilombo Porto Velho; Letícia Ester França, do Quilombo São Pedro; e Niceia Santos, do Quilombo Maria Rosa.
Os participantes relataram que hoje tem o entendimento sobre o quanto a educação quilombola transforma, mas essa consciência nem sempre foi motivo de orgulho por conta da forma como as comunidades eram representadas no ambiente escolar.
"Os povos tradicionais, as comunidades quilombolas sofreram muito. Quantas pessoas deixaram de ter essa conversa nas escolas? Como alunos, era muito difícil para a gente trabalhar esses temas na sala de aula", lamentou Letícia Ester França em fala sobre racismo ambiental e a educação. Niceia Santos concorda: "Esse preconceito era sofrido também na escola. Eu não falava para os meus colegas que morava em quilombo, tinha vergonha. Mas os tênis estavam cheios de barro."
As lideranças ressaltaram que ações que exaltem a ancestralidade, os modos de ser e viver dentro dos quilombos, são estratégias para dar continuidade à cultura quilombola, e tudo isso passa pela valorização dos mais velhos.
"O conhecimento que eles [os mais velhos] têm, a gente enquanto jovem não tem dimensão disso. É um conhecimento do dia-a-dia, uma troca. No momento que a gente leva os conhecimentos ao território, a gente retorna às nossas raízes. A gente que forma o território", colaborou Misael Henrique, do Quilombo Galvão.
E formar essa consciência é lutar também por infraestrutura, por políticas públicas que cheguem e pela garantia de direitos fundamentais. Tudo isso passa pelo direito ao território. "Estamos abrindo portas, tendo a oportunidade de nos inserir cada vez mais nos espaços de discussão, de enfrentamento, de fazer política", destacou Vaniely dos Anjos Santos Dias.
Viviane Luiz, diretora de seis escolas quilombolas em Eldorado concorda. “Dentro dessa questão da educação como modalidade de ensino, perpassa questões do território, como o transporte escolar, como a merenda escolar. Então a alimentação está no cerne dessa discussão entendendo que a produção da roça, a produção da vida, ela se dá nos territórios quilombolas. E os quilombolas, tanto mulheres quanto homens, são os detentores desse conhecimento.”
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Na preparação do almoço quilombola, ingredientes tradicionais, como palmito e ostras foram utilizados|Julio César Almeida/ISA
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Time que cuidou da alimentação durante a Feira. Arroz, feijão, salada, carne de porco e sucos também fizeram parte do cardápio|Julio César Almeida/ISA
Após o almoço, foi o momento das oficinas simultâneas. Para a confluência de saberes, o evento promoveu discussões sobre comida quilombola, sementes agrícolas e florestais e manejo integrado do fogo.
Alimento é identidade
A oportunidade de partilhar histórias e exaltar a cultura quilombola em torno das comidas é algo que se cria. E esse aspecto ficou explícito durante a mesa “Comida quilombola na escola: a experiência da política Catrapovos no município de Iporanga/SP”, que teve a apresentação de Carlos Ribeiro, assessor técnico do Instituto Socioambiental (ISA), Vanilda Donato, liderança do Quilombo Porto Velho, e Mariana Camargo Relva da Silva, nutricionista da prefeitura de Iporanga.
Os resultados do primeiro ano de implementação da Catrapovos, que abrange sete comunidades, oito escolas e 179 crianças impactadas, surpreenderam o público.
Para Vanilda Donato, ter uma educação que espelha a cultura dos pais e do território é essencial e, segundo ela, esse é um dos ganhos da Catrapovos, por possibilitar um novo olhar das crianças sobre o trabalho dos pais e ainda gera economia dentro da própria comunidade.
“Eu acho que o Catrapovos se tornou um caminho onde se encontrou território e educação, que, por muito tempo, esteve muito distante”, disse. “Se o alimento que o pai e a mãe produz é saudável, se é importante que o pai e a mãe produz, então, viver no território é importante”, completou Vanilda.
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Ainda nos preparativos, legumes plantados no território em seu tratamento final|Julio César Almeida/ISA
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Palmito do Sistema Agrícola Tradicional das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira (SATQ)|Julio César Almeida/ISA
A nutricionista Mariana da Silva levantou também a questão dos alimentos industrializados. Por questões logísticas, servir alimentos frescos que chegavam de fora da comunidade era um desafio, o que abria espaço para refeições com altas adições de corantes, aromatizantes, emulsificantes e conservantes, que facilitam o aparecimento de doenças e afasta quem consome da cultura alimentar.
Com a Catrapovos, as sete escolas nos Quilombos Nhunguara, Maria Rosa, Pilões, Piririca, Bombas, Praia Grande e Porto Velho agora conseguem refeições frescas, saudáveis e cheias de histórias. Reeducação alimentar também é resgate cultural.
A implementação da política, a primeira incidência no estado de São Paulo, teve muitos desafios. Carlos Ribeiro explicou que houve um trabalho de apresentação e convencimento das lideranças das comunidades quilombolas e, em seguida, da prefeitura de Iporanga para aderir a esse projeto. Fazer um cardápio alinhado com a produção dos agricultores, fechar a logística de modo que as entregas semanais de alimentos frescos e seguros para consumo fossem garantidas esteve entre os desafios.
“Foram várias reuniões com a prefeitura, com a Secretaria de Educação para convencer sobre a importância desse projeto para o território e também para o município. A incidência começou em 2022 e a primeira chamada pública saiu em 2024. Teve um processo burocrático, desde criar o edital, o levantamento produtivo, como os alimentos seriam entregues nas escolas, então, tivemos bons resultados porque a nutricionista também abraçou isso. A nutricionista foi uma chave fundamental para esse projeto”, ressaltou.
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Roda de conversa com Carlos Ribeiro, Vanilda Donato e Mariana Camargo Relva da Silva discutiu alimentação quilombola nas escolas|Julio César Almeida/ISA
O trabalho foi feito em parceria com os agricultores e as comunidades, entendendo processos de plantio e colheita, sazonalidade e formas tradicionais de fazer. A geração de renda é um dos resultados, principalmente para as mulheres, que são a maioria nesse projeto.
Carlos explica que foram entregues 55 produtos diversos, entre eles arroz do sistema agrícola, feijão, mandioca, farinha de mandioca, frutas e ovo caipira, tudo dentro do hábito alimentar quilombola.
A alimentação no currículo escolar, além de aproximar a criança do território, pode ser usada para ensino de outras matérias, como destacou Vanilda. “Você pode estudar a história do território, você pode estudar a geografia do território, onde que produz isso, onde que é melhor produzir, qual lua que é melhor produzir, você trabalha ciência, trabalha tecnologia, biologia, dá para trabalhar.”
Para além das matérias, fomentar a participação das mulheres, é também um ganho. Vanilda comemora: “quando a gente começou a levar as mulheres para formações, para salas de aula, dentro do movimento, dentro das reuniões, elas começaram a levar com elas os filhos. Então, a gente formou as mulheres e junto com ela formamos a criança”.
Paralelo a isso, as oficinas "Sementes agrícolas e florestais: desafios de conservação e manutenção de variedades", feita em parceria com a Embrapa, e "Manejo integrado do fogo programa Prevfogo", feito em parceria com o Ibama e com a presença da brigada, compartilharam experiências e mostraram a potência das comunidades quilombolas da região.
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A discussão "Sementes agrícolas e florestais: desafios de conservação e manutenção de variedades" compôs a programação|Julio César Almeida/ISA
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Brigadista da Prevfogo participaram da conversa sobre manejo integrado, em parceria com o Ibama|Julio César Almeida/ISA
Aurico Dias, liderança do Quilombo São Pedro e integrante do GT Roça comemorou: “nós não deixamos a nossa cultura morrer, nós queremos que ela continue. E essa continuação é dos jovens, das crianças que estão na escola, então eles têm que aprender os dois lados, tanto falar na roça como sobreviver e na escola, na técnica na escola, para aprender a ler, escrever, aprender os direitos, né? Ter uma aprendizagem melhor, mas não deixa de ser lá da roça e aprender as duas coisas.”
O segundo e último dia foi um momento de pura celebração da cultura quilombola em toda sua essência. A Praça Nossa Senhora da Guia recebeu estandes com diversidade de comidas, artes, artesanatos, sementes e mudas. Na parte mais cultural, apresentações de danças, cantos, a tradicional poesia de Leonila Pontes, do Quilombo Abobral Margem Esquerda, e o puxirão, mostraram a beleza das gerações em harmonia.
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Apresentações culturais no segundo dia de evento tiraram o público para dançar|Júlio César Almeida/ISA
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Nha Maruca do Quilombo Sapatu também teve espaço na Feira de Sementes|Julio César Almeida/ISA
Ao final, o evento reforçou que a educação, a roça, a memória e a ancestralidade caminham juntas, garantindo que o conhecimento, a resistência e a identidade quilombola floresçam em cada semente e palavra trocadas.
João Santos Rosa, do Quilombo Sapatu, se apresentou ao público|Julio César Almeida/ISA
Integrantes do Quilombo Cangume fizeram apresentação de dança|Julio César Almeida/ISA
O arroz preparado nas escolas quilombolas do Vale do Ribeira (SP) pode até parecer igual a outro qualquer. Mas guarda alguns segredos especiais que começam no plantio e garantem um sabor único. As sementes do arroz encontrado nas roças tradicionais nessa região são cultivadas e repassadas por gerações entre os quilombolas, e esse alimento ancestral – assim como outros, como feijão, mandioca, farinha – estão chegando cada dia mais ao prato dos alunos e ganhando espaço em relação a alimentos ultraprocessados.
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O arroz, assim como feijão, mandioca, farinha fazem parte da alimentação tradicional. Na foto, mutirão de colheita do grão no Vale do Ribeira|Marília Garcia Senlle/ISA
Nos próximos dias 15 e 16 de agosto, acontece em Eldorado (SP) a 16ª Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira. O evento, organizado pelo Grupo de Trabalho da Roça (GT da Roça), celebra a resistência quilombola e promove a troca de sementes e mudas, e um dos temas que serão debatidos é a importância do alimento tradicional na escola.
Na sexta-feira (15/08), será realizada a oficina “Confluência de saberes: Comida quilombola na escola, a experiência da política pública Catrapovos no município de Iporanga/SP”. Na cidade, 95% da alimentação escolar vêm das roças quilombolas. Analista socioambiental do ISA, Carlos Ribeiro explica que a atividade busca informar secretarias de educação, nutricionistas, prefeitos e lideranças da região sobre a iniciativa, reforçando a importância da agricultura tradicional na escola.
A Comissão de Alimentos de Povos Tradicionais (Catrapovos), instituída pelo Ministério Público Federal (MPF), fomenta a adoção da alimentação tradicional em escolas indígenas, quilombolas e de comunidades ribeirinhas, extrativistas, caiçaras, entre outras, em todo o país.
Além disso, o grupo – composto por representantes de órgãos públicos e da sociedade civil – discute os entraves, desafios e formas de viabilizar as compras públicas da produção de comunidades indígenas e tradicionais, buscando o ajuste do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) às realidades locais.
Uma das conquistas foi a implementação da nota técnica do autoconsumo, que permite que alimentos processados e de origem animal produzidos nas comunidades sejam entregues nas escolas locais. “Isso ajuda os agricultores a entregarem seus produtos de forma mais simples e segura”, explica.
Com isso, as escolas passaram a receber alimentos como pães caseiros, beiju, farinha, frango caipira, ovos, arroz, feijão, mandioca e verduras frescas. Os produtores, na maior parte das vezes, são os familiares dos estudantes.
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Almoço do dia na escola do Quilombo Praia Grande conta com arroz, feijão, salada, legumes e carne|Fellipe Abreu/ISA
No Vale do Ribeira, a Catrapovos é composta pelo ISA, lideranças quilombolas, MPF e representantes de órgãos públicos. A iniciativa do PNAE/Catrapovos está sendo executada em Iporanga, um dos municípios da região, desde 2024. A lista de alimentos fornecidos tem cerca de 50 tipos de produtos das roças tradicionais.
Liderança do Quilombo Porto Velho, mãe, agricultora e estudante de Pedagogia, Vanilda Donato, fala da importância da Catrapovos. “A Catrapovos promove o resgate da cultura alimentar das crianças. A cultura alimentar e a forma de produzir passam a fazer parte da escola. E também acho a coisa mais linda quando as crianças estão comendo aquele alimento que vem do tio, da madrinha, do padrinho, da tia, da mãe. Então a criança passa a ter um reconhecimento do quanto o pai e a mãe também são produtores, são pessoas que contribuem com a renda e para o meio ambiente”, conta.
Vanilda Donato estará na oficina falando de sua experiência, assim como a nutricionista Maryana Camargo, da Secretaria Municipal de Educação de Iporanga, que ressalta que a oficina durante a Feira de Sementes será uma oportunidade para falar sobre o sucesso do programa.
“Em Iporanga, 95% da merenda escolar vêm da produção daqui. Eu consigo abastecer bem as escolas com alimentação de qualidade, sem ultraprocessados e industrializados. É bom para as comunidades, para a identidade e a autonomia. E é importante repassar as informações para que os municípios vizinhos possam conhecer a iniciativa”, diz.
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O SAT Quilombola do Vale do Ribeira é considerado patrimônio cultural brasileiro por cultivo com roças em meio à floresta|Fellipe Abreu/ISA
Segundo ela, o acesso ao alimento melhorou muito. “Como as comunidades tradicionais são distantes da cidade, havia um problema para a entrega. Com a Catrapovos, esse problema acabou. Alimentos como verduras, frutas, pão, bolo e queijo são entregues pela própria comunidade na escola. O cardápio funcionou certinho nessas comunidades tradicionais”, afirma.
A feira também reforça o fortalecimento da agricultura tradicional na região. O Sistema Agrícola Tradicional Quilombola do Vale do Ribeira é considerado patrimônio cultural brasileiro. A forma de cultivo, com roças em meio à floresta, produz fartura e, ao mesmo tempo, protege o ambiente. Esse sistema de saberes promove regulação climática, cuida da água e da biodiversidade.
A programação da feira inclui seminários, mesas redondas e troca de saberes, promovendo a valorização das sementes tradicionais e das práticas agroecológicas.
Família na escola
Em julho, foi realizada em Iporanga uma oficina que uniu mães de alunos e merendeiras. Durante o encontro foi promovida uma troca de conhecimentos sobre preparo de alimentos tradicionais, possibilitando a aproximação entre quem entrega o alimento – as mães agricultoras - e quem está recebendo e vai preparar os pratos. Além da troca de saberes, houve a possibilidade de se criar um vínculo de confiança.
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Oficina com mães e merendeiras promoveu troca de saberes e aproximação dos quilombos com a comunidade escolar|Programa Vale do Ribeira/ISA
“Na hora de fazer um arroz com frango caipira, cada uma fez à sua maneira. Mas o que teve de importante foi a troca de emoção. A mãe faz a forma que aprendeu com as avós. As merendeiras, do jeito que aprenderam na escola. Mas a receita acabou ganhando mais uma ligação afetiva. Quando forem fazer, vão lembrar das histórias! Foi uma forma de aproximar os quilombos da escola”, finaliza a nutricionista Maryana Camargo.
Serviço
16ª Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas
Dias 15 e 16 de agosto em Eldorado, SP
Participação gratuita
Programação:
15/8 das 9h30 à 12h30
Seminário: Educação Quilombola, transmissão de saberes e os desafios da juventude quilombola nos territórios.
Mesa redonda 1: No tempo dos Avós.
Mesa redonda 2: Os tempos de hoje e o futuro ancestral - começo, meio e começo.
15/8 das 14h30 às 16h
Momento da prosa: Confluência de saberes
Comida quilombola na escola, a experiência da política pública Catrapovos no município de Iporanga/SP.
Sementes agrícolas e florestais: desafios de conservação e manutenção de variedades.
Manejo Integrado do Fogo - Programa Prevfogo.
16/08 das 9h às 14h
16ª Feira de Trocas de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira com tradicional almoço quilombola
Local: Praça Nossa Senhora da Guia/Eldorado/SP.
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16ª Feira de Sementes e Mudas Tradicionais celebra resistência quilombola no Vale do Ribeira
Em agosto, encontro vai reunir povos e comunidades tradicionais da região para cultivar identidade, trocar saberes e fortalecer a luta pela educação quilombola
Nos dias 15 e 16 de agosto, a cidade de Eldorado (SP), no Vale do Ribeira, recebe a 16ª edição da Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas, um encontro que conecta territórios, biodiversidade, cultura e luta por direitos. O tradicional evento promove ainda trocas de sementes e mudas e diálogos sobre o futuro dos quilombos.
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Liderança do Quilombo Nhunguara, Dona Rosana de Almeida, participou da Feira trocando mudas e sementes com os participantes|Júlio César Almeida/ISA
Organizado há 15 anos pelo Grupo de Trabalho da Roça – GT da Roça, composto por 19 Associações das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira e parceiros como a Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (Eaacone) e o Instituto Socioambiental (ISA), dentre outros, a feira deste ano reúne lideranças de diversas gerações para refletir sobre os desafios e as conquistas do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola (SATQ), reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo IPHAN, educação quilombola, segurança alimentar, acesso à renda e outras questões importantes para uma população tradicional historicamente responsável por preservar o maior maciço de Mata Atlântica do país.
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Durante o evento, quilombolas do Vale do Ribeira compartilham variedades de espécies de seus territórios|Júlio César Almeida/ISA
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Além das sementes e mudas, produtos como mel, palmito, temperos e farinha de mandioca ficam disponíveis para venda|Júlio César Almeida/ISA
Programação
Na sexta-feira (15/08), as atividades começam com o seminário “Educação Quilombola: transmissão de saberes e os desafios da juventude quilombola nos territórios”, com mesas que discutem o passado, presente e futuro das comunidades.
Ainda no dia 15, a programação traz conversas sobre experiências inspiradoras, como a inclusão da comida quilombola na merenda escolar pelo programa Catrapovos, a conservação de sementes nativas e crioulas, com participação da Embrapa, CATI e redes de sementes do Ribeira e do Xingu, e debates sobre o manejo integrado do fogo, em parceria com o Prevfogo/IBAMA.
No sábado (16/08), a feira toma conta da Praça Nossa Senhora da Guia, no centro de Eldorado, promovendo trocas de sementes e mudas, venda de produtos da roça, apresentações culturais e o tradicional almoço quilombola.
Serviço
16ª Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas
Dias 15 e 16 de agosto em Eldorado, SP
Participação gratuita
Informações para a imprensa: imprensa@socioambiental.org
Programação completa 15/08 das 9h30 à 12h30
Seminário: Educação Quilombola, transmissão de saberes e os desafios da juventude quilombola nos territórios.
Mesa redonda 01: No tempo dos Avós.
Mesa redonda 02: Os tempos de hoje e o futuro ancestral - começo, meio e começo.
15/08 das 14h30 às 16h
Momento da prosa: Confluência de saberes
Comida quilombola na escola, a experiência da política pública CATRAPOVOS no município de Iporanga/SP.
Sementes agrícolas e florestais: desafios de conservação e manutenção de variedades.
Manejo Integrado do Fogo - Programa Prevfogo.
16/08 das 9h às 14h
16ª Feita de Trocas de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira com tradicional almoço quilombola
Local: Praça Nossa Senhora da Guia/Eldorado/SP.
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Sesc Pompeia exibe documentário “Do Quilombo pra Favela”, seguido de roda de conversa
Bate-papo neste domingo (22/6) contará com a presença de quilombolas do Vale do Ribeira e trará temas como resistência negra e fartura de solidariedade, saberes, alimentos e economia dos povos e comunidades tradicionais
Distribuição de alimentos da Cooperquivale na comunidade de São Remo, São Paulo|Rodrigo Kees/ISA
Cerca de 130 quilômetros separam as cidades de Eldorado e Itaoca, no Vale do Ribeira (SP), em trecho onde estão pelo menos 15 quilombos. E é dessa região que vem a história de resistência, fartura de alimentos e solidariedade que inspirou o minidocumentário “Do quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra”.
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Cartaz do minidocumentário Do Quilombo pra Favela, ilustrado por Amanda Nainá e Deco Ribeiro
O filme será exibido neste domingo, dia 22 de junho, às 17h, no Sesc Pompeia, em São Paulo. Em seguida, haverá roda de conversa com Rosana de Almeida, coordenadora executiva da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale) e moradora do Quilombo Nhunguara; Carlos Ribeiro, do Instituto Socioambiental (ISA) e morador do Quilombo São Pedro; e Catarina Godoi, voluntária da Associação de Moradores do Jardim São Remo, Zona Oeste de São Paulo. A mediação é de Maíra Silva, do Quilombo Ivaporonduva, também no Vale do Ribeira.
O minidocumentário “Do Quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra” (Brasil, 2022, 22 min) mostra como a Cooperquivale conectou suas raízes negras a uma favela da zona oeste de São Paulo através do alimento e da solidariedade. Assim, quilombo e favela, que pareciam distantes, tornaram-se parceiros de lutas semelhantes.
As ações de distribuição de alimentos quilombolas aconteceram durante a pandemia da Covid-19, mas continuam reverberando em outras ações que buscam a adequação de políticas públicas para fortalecimento dos sistemas agrícolas e de saberes dos quilombolas do Vale do Ribeira.
Participantes
Carlos Lionan Ribeiro Furquim
É técnico em agropecuária e atua como analista em desenvolvimento de pesquisa socioambiental no Instituto Socioambiental (ISA), em Eldorado, Vale do Ribeira (SP). Mora no Quilombo São Pedro. Em seu trabalho, atua com as associações das comunidades quilombolas em apoio à promoção da sociobioeconomia, fortalecimento de territórios e direitos dos Quilombos do Vale do Ribeira, valorização do sistema agrícola tradicional quilombola, segurança alimentar e geração de renda. Um dos projetos que acompanha é o de políticas públicas de aquisição de alimentos: Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Rosana de Almeida
Rosana de Almeida assumiu a coordenação executiva da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale) em março de 2025. É agricultora e liderança, moradora do Quilombo Nhunguara. Vem atuando na defesa dos territórios quilombolas do Vale do Ribeira e na valorização das economias da sociobiodiversidade, que é a economia praticada pelos quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais.
Catarina Godoi
Cozinheira e voluntária da Associação de Moradores do Jardim São Remo, zona oeste de São Paulo. Tem 51 anos, é casada e tem dois filhos. Durante a Covid-19, ela e o marido trabalharam como voluntários da Central Única das Favelas com uma série de apoios comunitários. Está sempre ativa e envolvida em ações coletivas, buscando reforçar os laços de união e respeito entre os moradores.
Maíra Silva
Maíra Silva é bióloga, pesquisadora, consultora da pauta socioambiental e clima e quilombola. É uma ponte viva entre o conhecimento ancestral e a pesquisa acadêmica. Da vida no quilombo ao impacto de suas pesquisas, Maíra nos convida a repensar ciência, território e pertencimento.
Serviço:
Exibição do filme “Do quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra”
Roda de conversa: Do Quilombo pra Favela: Encontro com fartura de solidariedade, saberes, alimentos e economia dos povos e comunidades tradicionais.
Convidados: Carlos Furquim, ISA; Rosana de Almeida, Cooperquivale; Catarina Godoi, Jardim São Remo (SP).
Mediação: Maíra Silva, Quilombo Ivaporunduva.
Quando: Domingo, 22 de junho, das 17h às 19h
Onde: Sesc Pompeia - Rua Clélia, 93, Pompeia (SP)
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Governador de SP, Tarcísio de Freitas, promete titular "100%" dos quilombos no estado
Quilombos Praia Grande e Pedro Cubas de Cima receberam seus títulos parciais na última semana (20/02). Outras 52 comunidades ainda esperam o documento
Integrantes do Quilombo Pedro Cubas de Cima receberam título de regularização fundiária|Pablo Jacob/Governo do Estado de SP
O governo de São Paulo entregou, no dia 20 de fevereiro, títulos parciais de regularização fundiária às comunidades quilombolas de Praia Grande e Pedro Cubas de Cima. As comunidades ficam no Vale do Ribeira, no sudoeste do estado.
A entrega dos títulos ocorreu durante o evento "Nosso Agro tem Força", no Palácio dos Bandeirantes, com a presença de sete quilombolas, da Secretaria de Agricultura, da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (Eaacone) e da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), além de outros atores do setor agropecuário da região.
Durante a solenidade, o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), prometeu titular "100%" dos quilombos no estado.
“Tenho que agradecer o trabalho do Itesp, que está proporcionando essa regularização fundiária. Acabou o agradecimento, agora eu vou cobrar. Vamos embora porque pretendo fazer o 100%. Eu digo assim: a gente tem pouco tempo para comemorar, pouco tempo para celebrar. A gente já tem que começar a trabalhar em busca da próxima meta”, disse.
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Integrantes do Quilombo Praia Grande receberam o título de regularização fundiária|Transmissão ao vivo no YouTube do Governo do Estado
Para Rafaela Santos, advogada quilombola da Eaacone, titular esses territórios é uma questão de reparação histórica. “O estado de São Paulo construiu sua riqueza à custa da vida do nosso povo e tem poucas comunidades quilombolas se compararmos com outros estados”, afirmou após o evento. “Ouvir hoje do governador que tem que titular 100% das Comunidades Quilombolas é algo importante, uma conquista do movimento quilombola que se articula na luta diariamente para ver nossos territórios titulados e vamos cobrar para que essa promessa seja de fato realizada em um prazo razoável”, ressaltou.
Edilene Geralda de Matos, liderança do Quilombo Praia Grande, nutre esperanças de que os outros territórios serão titulados em breve. “Pelo o que o governador disse, estou confiante que virão mais títulos e quero estar firme e forte para ver isso”. Edilene lembra com pesar do senhor Benedito Messias, que começou a luta pela titulação do Quilombo Praia Grande e faleceu em janeiro sem ver a conquista da Comunidade. “Ele que me sustentava de pé. Ele falava ‘filha, não desiste’. Ele se foi, mas eu sinto ele comigo a todo momento me dando força para continuar. A minha esperança é ver mais território titulado e a nossa terra titulada integralmente”, disse.
Mas os títulos entregues às comunidades não são da integralidade dos territórios tradicionais, ademais os não quilombolas ainda não foram de fato retirados da área titulada, acirrando os conflitos fundiários. Ou seja, ainda há muito trabalho de regularização fundiária e entrega de títulos a serem feitos nas comunidades de Praia Grande e Pedro Cubas de Cima.
Os títulos entregues têm cláusulas diferentes dos anteriores, entregues a outras comunidades. Foram retiradas cláusulas de reversibilidade, ou seja, de devolução das terras ao Estado em alguns casos como, por exemplo, por supostas e eventuais ações de degradação ao meio ambiente. Essa possibilidade violava o direito constitucional à titulação definitiva das comunidades.
A antiga cláusula era ainda uma expressão do racismo ambiental, pois não constava de títulos de terras entregues a não quilombolas no processo de regularização fundiária previsto na Lei 17557/2022. Ou seja, só os títulos entregues a quilombolas tinham essa restrição, justamente para os sujeitos que detêm as maiores porções de Mata Atlântica preservadas em todo o país.
Também, foi adicionada uma cláusula que prevê a imprescritibilidade, ou seja, os territórios agora ficam protegidos de eventuais tentativas de usucapião de suas terras por outras pessoas.
Outra cláusula adicionada foi a de impenhorabilidade dos territórios tradicionais coletivos, o que significa que eles não podem ser penhorados por dívidas.
Segundo Fernando Prioste, advogado popular no Instituto Socioambiental (ISA), as alterações nos títulos são fruto da ação das comunidades, que buscaram dialogar com a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo sobre o tema. “Após receber a solicitação formal feita pelas comunidades, a PGE analisou o caso, deu razão às comunidades, e alterou as cláusulas dos títulos”, explicou.
Histórico das titulações
No Estado de São Paulo há 56 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares, mas apenas as Comunidades de Ostras e Ivaporunduva receberam os títulos integrais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Passados 36 anos de vigência da Constituição Federal e 27 anos da lei paulista nº 9.757/1997, apenas 10 dez comunidades foram tituladas parcialmente: 1) São Pedro, 2) Maria Rosa, 3) Pedro Cubas,4) Pedro Cubas de Cima, 5) Pilões, 6) Nhunguara, 7) Sapatu, 8) Galvão, 9) Praia Grande e 10) Ostras.
No ritmo atual, seriam necessários aproximadamente 150 anos para titular integralmente os 54 Quilombos no estado de São Paulo que ainda aguardam regularização fundiária.
A regularização fundiária é ferramenta indispensável para a garantia de direitos e a preservação da história e da cultura dessas comunidades, que são responsáveis por conservar o maior maciço de Mata Atlântica do país. Entre suas práticas, está o Sistema Agrícola Tradicional (SAT) ligado ao modo de fazer as roças de coivara, que é reconhecido como Patrimônio Cultural e Imaterial do país pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
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Durante o evento, quilombolas presentes foram impedidos de usar a camiseta e subir ao palco com o seguinte questionamento: Quanto tempo para titular os mais de 50 Quilombos do estado?|Thalyta Martins/ISA
“Nós Quilombolas do Estado de São Paulo e do Brasil enfrentamos ainda muitos desafios na regularização fundiária de nossos territórios. A maioria das comunidades está há dezenas de anos aguardando reconhecimento e titulação conforme o comando constitucional. Mesmo estando como prioridade desde 2014 no convênio INCRA e ITESP, o Quilombo Praia Grande foi somente agora parcialmente titulado, mas sem que, de fato, os não quilombolas sejam retirados”, disse Rafaela.
“Precisamos lembrar também que muitos tombaram nessa batalha. Seu Laurindo Gomes foi assassinado na Comunidade de Praia Grande, Seu Messias faleceu pouco antes de receber o título. É uma tristeza para a gente, porque são pessoas que lutaram muito para ter esse momento aqui hoje, esse título e a retirada de terceiros de suas comunidades”, completou.
Edvina Tie (Dona Diva), liderança do Quilombo Pedro Cubas de Cima, ressaltou que a luta continua. “Estou muito contente com essa vitória, mas a luta continua. Nós vamos vencendo e começando outras etapas. São 30 anos de luta, fundei a Associação em 2003 e não parei mais”, disse.
As comunidades quilombolas cobram do ITESP e da Secretaria de Agricultura a realização de um plano estadual de titulação dos territórios quilombolas. A política pública de titulação não pode depender apenas da vontade política dos gestores, ela deve ser planejada, com objetivos, metas e indicadores bem definidos, para que as titulações ocorram em prazo razoável.
No entanto, apesar de trabalhar há quase trinta anos com essa agenda, o ITESP não se deu ao trabalho de planejar sua ação de forma a titular todos os quilombos em prazo razoável.
Esse planejamento também é importante para que as ações do ITESP possam prever os recursos necessários para as ações, e para que as leis orçamentárias possam prever esses recursos.
Comunidades que ainda esperam o título integral:
Fazenda Silvério
André Lopes
Sapatu
Cangume
Morro Seco
Mandira
Caçandoca
Bombas
Cafundó
São Pedro
Varadouro
Ariri
Porto Cubatão
Taquari
São Paulo Bagre
Santa Maria
Reginaldo
Pilões
Fazenda Caixa
Sertão do Itamambuca
Cambury
Brotas
Fazenda Pilar
Porto Velho
Pedro Cubas de Cima
Terras de Caxambu
Paraíso e Pedra Preta
Ribeirão Grande
Cedro
Terra Seca
Jaó
Castelhanos
Carmo
Nhunguara
Praia Grande
Capivari
Galvão
Maria Rosa
Abobral Margem Esquerda
Poça
Pedro Cubas
Frade, Raposa, Caçandoquinha e Saco Das Bananas
Espírito Santo da Fortaleza de Porcinos
José Joaquim de Camargo
Piririca
Aldeia
Bairro Peropava
Ilhas
Rio Das Minas
Engenho
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Lei baterá em quilombola e não baterá em fazendeiro: a criminalização das práticas tradicionais e o PL 3339/2024
Aplicação da lei deve considerar as diferenças entre grandes degradadores e atividades sustentáveis de comunidades tradicionais
A emergência climática é indiscutível. O planeta passa por transformações no clima que já afetam toda a vida na Terra, inclusive a humana. Também não há dúvidas de que a ação humana é o fator preponderante, senão único, que desencadeia a alteração drástica do clima no planeta.
A emissão de bilhões de toneladas de monóxido de carbono na atmosfera, as guerras, o crescente desmatamento e degradação da vegetação nativa em todos os biomas, o crescimento das monoculturas extensivas de commodities agrícolas, a poluição e sobreutilização das águas dos rios, a mineração em grande escala e o uso desenfreado de agrotóxicos, entre outras, são ações humanas que degradam o meio ambiente e colocam em risco a nossa existência.
A forma mais eficaz de enfrentar esse problema é uma mudança profunda na maneira como a sociedade hegemônica reproduz seu modo de vida. Ou seja, é necessário repensar como os alimentos e produtos agrícolas são produzidos, alterar os modais de transporte individual e de massas, reduzir drasticamente a quantidade e alterar as formas de distribuição e de consumo de energia, entre outras tantas ações já mapeadas por estudos.
Ou seja, se a humanidade efetivamente quer continuar a viver, precisa superar o capitalismo. A crise climática é, em sua essência, uma crise do sistema capitalista. Mas essa tarefa não é nada simples
Populismo penal
Entre as ações que não são difíceis de adotar, justamente por não desafiarem o modo capitalista de viver, estão os crimes e as penas. O direito penal existe no capitalismo para ser utilizado de forma ostensiva, extensa e profunda para garantir a liberdade de alguns para trocar produtos, explorar a natureza e o trabalho.
Ora, prender, por longo tempo, quem degrada o meio ambiente sem autorização do Estado, cumpriria com as tarefas essenciais e não declaradas do direito penal no capitalismo, e ao mesmo tempo, geraria sensação de combate às causas da emergência climática.
Mas, infelizmente, a realidade, as Artes, as Ciências Biológicas e o Direito já demonstraram que o populismo penal do estabelecimento de novos tipos penais e do aumento de penas é absolutamente ineficaz para os fins declarados a que se destina.
De um lado, porque grande parte do problema da crise climática não está nas ações ilegais. Agrotóxicos, mineração, desmatamento, sobreutilização e poluição das águas, monocultivos em extensão e a mineração em grande escala, entre outras, são atividades que podem e são legalmente desenvolvidas.
Contudo, apesar dessas atividades serem desenvolvidas legalmente, com fundamento em procedimentos de licenciamento ambiental, o direito não é capaz de impedir ou limitar significativamente os impactos dessas atividades no meio ambiente. Todas essas atividades, entre outras tantas, são legais perante o direito e degradadoras para o planeta.
Mas é evidente que coibir ações ilegais que degradam o meio ambiente são necessárias, como apoio residual e pontual às ações estratégicas. Degradar ilegalmente o meio ambiente causa danos, assim como a degradação em massa promovida pela humanidade sob a benção do Direito.
Contudo, a questão que se coloca é avaliar quais os impactos negativos, e os eventuais positivos, do incremento de penas na lei de crimes ambientais para auxiliar a coibir os abusos que incrementam a emergência climática.
De saída, em especial sob a ótica da criminologia crítica, é possível dizer que a intenção do PL 3339/24 – que amplia a penas para quem comete crimes ambientais – é boa na superfície, porém, pouco eficaz no solo das delegacias e dos tribunais. Trará poucos e residuais impactos nas situações que atinjam os detentores do poder político e do capital. Mas serão significativamente impactantes para quilombolas e povos e comunidades tradicionais.
Peso desigual da lei
Aumentar as penas para os crimes ambientais pode parecer uma solução rápida, justa e efetiva. Mas é necessário questionar como essas medidas serão aplicadas. Os grandes degradadores ambientais, como fazendeiros, grileiros, mineradores e todas as corporações transnacionais, detêm meios e recursos para evitar punições severas.
Os responsáveis pelos crimes contra o meio ambiente, com o rompimento das barragens em Brumadinho e Mariana, não deixaram de ser responsabilizados penalmente pela ausência de tipos penais ou pela diminuta pena aplicada pelos delitos previstos em lei. O mesmo se deve dizer sobre o vazamento de petróleo na bacia de campo em 2011 e as queimadas ocorridas em massa no Brasil em 2024.
Tipos penais, como o de crime organizado, e fundamentos jurídicos para manter sob prisão preventiva aqueles que mandaram ou executaram ações criminosas de incêndio, com grande impacto no ano de 2024, estão à disposição da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário.
E sempre há possibilidade de incrementar mecanismos, especialmente de investigação, para obter provas robustas dos ilícitos cometidos e das pessoas e instituições envolvidas nas ações. Seria possível, e desejado, realizar ações de inteligência que previnam crimes e que viabilizem provas robustas para ações penais. Seria igualmente desejado que a imposição de embargo em áreas degradadas fosse efetivamente fiscalizada quando do seu não cumprimento.
Mas mesmo que se desconsidere a ineficácia da persecução penal, o legislador poderia fazer alterações mais eficazes, como estabelecer agravantes que estivessem relacionadas às ações que têm potencial danoso relevante por suas características, como nos casos de crimes cometidos por concurso material, com uso de explosivos ou agrotóxicos, mediante promessa de paga, por motivo fútil ou torpe ou pela extensão dos danos ambientais
Mas o simples incremento das penas, conforme previsão do PL 3339/24, acabará penalizando com severidade povos e comunidades tradicionais, ao passo em que aqueles responsáveis pelas grandes degradações ambientais continuarão a se servir da seletividade penal para continuar a degradar o meio ambiente sem serem punidos com mínima severidade. Os poucos casos em que um grande degradador ambiental vier a ser penalizado será apenas um exemplo dos limites e das contradições do direito penal.
Comunidades tradicionais, como quilombolas, que manejam a biodiversidade de forma sustentável, acabarão sendo criminalizadas por práticas que, embora beneficiem o meio ambiente, são estigmatizadas, mal compreendidas e criminalizadas. Práticas que as ciências e os conhecimentos tradicionais indicam serem importantes para a conservação ambiental são vistas pelo estado, em especial pelas forças policiais, como atividades degradadoras.
Ou seja, o aumento indiscriminado das penas pode levar à criminalização de populações vulneráveis que dependem de recursos naturais para sobreviver, como quilombolas e indígenas. Em vez de resolver o problema ambiental, essa medida pode aprofundar as injustiças socioambientais e ampliar o racismo ambiental.
A aplicação da lei deve considerar as diferenças entre grandes degradadores e atividades sustentáveis de comunidades tradicionais. Parece óbvio, mas não é o que ocorre nas delegacias e nos fóruns. Nesse espaço a lei que bate em quilombolas não costuma bater em fazendeiros.
Veremos, num futuro não muito distante, quilombolas sendo presos por construírem uma canoa de madeira, ou por realizarem uma pequena roça de coivara. Suas penas serão agravadas, pois muitas dessas comunidades têm seus territórios sobrepostos por Unidades de Conservação.
E os grandes poluidores? Esses continuarão a ganhar dinheiro, mas parte desses ganhos será transferida a excelentes escritórios de advocacia.
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Nota de pesar pelo falecimento de Dona Antônia, liderança histórica do Quilombo Cangume
Antônia Gonçalves de Pontes tinha 91 anos e deixa um legado de compromisso e dedicação à luta quilombola
Dona Antônia em frente ao seu fogão a lenha no Quilombo Cangume|Felipe Leal/ISA
Faleceu nesta segunda-feira (06/01), aos 91 anos, Antônia Gonçalves de Pontes, liderança quilombola da comunidade Cangume, no Vale do Ribeira (SP). Mais conhecida como Dona Antônia, ela teve 10 filhos e uma trajetória de dedicação à luta pela terra.
Com apoio da família, lutou contra as barragens e empreendimentos de mineração na região, trabalhou em prol da titulação do território e teve a felicidade de ver o reconhecimento do Quilombo Cangume pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no ano passado.
Dona Antônia também foi uma das médiuns e benzedeiras mais experientes do Cangume, quilombo formado por negros que fugiram do recrutamento forçado para a Guerra do Paraguai, por volta de 1870.
Localizado no município de Itaóca, o Cangume pratica o espiritismo kardecista desde meados da década de 1930, que envolve a atividade de médiuns como Dona Antônia. Ela começou a desenvolver suas capacidades aos 17 anos e, desde então, não parou. Parentes e amigos comparecem nas reuniões para dar conselhos, se comunicar com os vivos e ouvir hinos com orientações sobre o caminho a seguir após a passagem.
Dona Antônia foi grande contadora de histórias, prezou pela memória dos mortos e vivenciou muitas celebrações que não existem mais, como Santa Cruz e homenagem em louvor a Santo Antônio.
Seu legado permanece vivo nas vivências da comunidade, nas histórias em volta da mesa e memórias de danças. Todas as pessoas que visitavam a comunidade, chegavam primeiro na casa de Antônia e lá eram recebidos com o seu famoso café, que ela mesma torrava, socava no pilão e preparava no fogão a lenha.
O sobrinho e atual coordenador da Associação do Quilombo Cangume, Odair Dias dos Santos (Seu Odair), também homenageia a tia.
“Ela foi, praticamente, uma das vozes principais na luta pela terra quilombola. A casa dela era muito cheia porque ela contava muitas histórias. O sonho dela era ver o território titulado e ela conseguiu. Deixou só boas lembranças”, disse. “Ela foi uma pessoa maravilhosa, amou as pessoas, amou a comunidade, amou a família, passaram por tanta coisa e ela nunca reclamou de nada”, completou.
O Instituto Socioambiental (ISA) lamenta a morte de Dona Antônia e se solidariza com os familiares e amigos neste momento de tristeza.
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