O Vale do Ribeira, entre São Paulo e Paraná, é uma região de Mata Atlântica, com forte presença de povos indígenas, comunidades quilombolas, caboclas e caiçaras. São estas populações tradicionais que, com suas culturas e modos de vida, mantém as florestas da região em pé, resistindo à atividades predatórias e à exploração descontrolada dos recursos naturais. A presença quilombola, indígena, cabocla e caiçara faz do Vale do Ribeira um patrimônio socioambiental do Brasil e uma região fundamental para o equilíbrio climático, proteção da biodiversidade e produção de chuva entre duas grandes metrópoles do País: Curitiba e São Paulo.
O ISA atua no Vale do Ribeira desde o final da década de 1990 em parceria com associações e organizações locais da sociedade civil para garantir os direitos territoriais das comunidades quilombolas, bem como a proteção das florestas, rios, estuários e demais ecossistemas da região. Somos gratos pelo aprendizado de luta que as comunidades e suas lideranças transmitem há tantos séculos e ensinam às novas gerações.
O trabalho do ISA no Vale do Ribeira segue atualmente três linhas estratégicas: articulação política para defesa de direitos, fortalecimento do manejo de recursos em territórios quilombolas, com destaque para a estruturação da Rede de Sementes do Vale do Ribeira e valorização do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola do Vale do Ribeira, e fomento à produtos da mata, com destaque para o apoio à produção e comercialização, pelas comunidades, da produção orgânica da agrobiodiversidade local para a geração de renda.
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Primeira feira quilombola de São Paulo levou 1,6 tonelada de alimentos à periferia
Próxima edição do Quilombo&Quebrada será no dia 13 de agosto em São Miguel Paulista
Ashley Amaia na primeira feira Quilombo&Quebrada, que levou 1,6 tonelada de produtos orgânicos e agroecológicos dos quilombos do Vale do Ribeira|Ariel Gajardo/ISA
São Miguel Paulista teve um sábado quilombola. O bairro da zona leste da capital paulista recebeu no dia 9 de julho a primeira edição da feira Quilombo&Quebrada, com produtos orgânicos e agroecológicos dos quilombos do Vale do Ribeira, sudeste do Estado de São Paulo.
Ao todo, 1,6 tonelada de uma diversidade de frutas, legumes e verduras produzidos com a Mata Atlântica em pé chegou com preços subsidiados ao Galpão ZL, equipamento gerido pela Fundação Tide Setúbal e Sociedade Amigos do Jd. Lapena.
A ação é de Mulheres de Orì e Kitanda das Minas – iniciativas de cultura alimentar afro geridas por mulheres negras – em parceria com a Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale), que há 10 anos organiza e comercializa os produtos das comunidades quilombolas.
A Cooperquivale, com sede no município de Eldorado (SP), recebe apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA) para organizar e escoar sua produção.
“Ficamos felizes de mostrar um conhecimento simples, mas que as outras pessoas não têm”, afirmou Tânia Moraes, do Quilombo Sapatu, conselheira fiscal da Cooperquivale. “É gratificante saber que no meu território eu posso colher o produto do pé e também levar para os meus irmãos”.
"Quebrada e Quilombo são territórios de resistência negra", reforçou Adriana Rodrigues, que faz parte da organização Mulheres de Orì e é assessora do ISA. “O que nós estamos fazendo aqui é um aquilombamento, porque nós fazemos parte de uma história e de uma mesma ausência de políticas públicas que não nos permite viver e existir com saúde”, explicou.
Veja como foi o Quilombo&Quebrada no Tiktok do ISA:
A primeira edição da feira contou com 26 variedades de alimentos, entre eles quatro tipos de banana (prata, nanica, ouro e pão), maracujá, limão rosa e taiti, mandioca, inhame, cará de espinho, maná cubiu, almeirão, alface, taioba, laranja, palmito, além de mel, rapadura, taiada, farinha de mandioca e banana chips.
“Entregar esses alimentos alimenta o corpo e alimenta as imaginações. E é preciso replantar a nossa imaginação”, disse Gisele Brito, do Instituto de Referência Negra Peregum. “A agricultura não é pop. É uma atividade essencial feita por pessoas.”
Ao todo, cerca de 70% dos alimentos foram comercializados na feira, e a xepa foi distribuída para famílias de imigrantes africanos do Centro Cultural Guiné e da Associação dos Estudantes Angolanos no Brasil, em articulação com a Casa Preta Hub.
Para a próxima edição da feira, no dia 13 de agosto, a previsão é de mais de duas toneladas de produtos quilombolas no Galpão ZL.
“O Quilombo&Quebrada, ainda bebê, mas grande em proposta, tem como objetivo romper com a grande vala que hoje o agronegócio impõe entre a oferta e a demanda de alimentos”, apontou Kenia Cardoso, coordenadora de Nova Economia e Desenvolvimento Territorial da Fundação Tide Setúbal. “É um absurdo ter mais de 60% da população do Brasil hoje em situação de insegurança alimentar.”
O lançamento do Quilombo&Quebrada contou ainda com exibição do minidocumentário “Do Quilombo pra Favela - Alimento para a Resistência Negra”, realizado pela Cooperquivale, pelo ISA e pelas associações quilombolas do Vale do Ribeira, com discotecagem da DJ Bia Sankofa (militante Coletivo Força Ativa) e se encerrou com o Samba das Pretas, grupo formado por mulheres negras da Cidade Tiradentes.
Patrimônio e segurança alimentar
Com preços subsidiados, os produtos apresentados na feira são oriundos das roças quilombolas, que são parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, reconhecido desde 2018 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio cultural imaterial do Brasil.
“Nós estamos em um momento de garantia de direitos, que só se dá através das lutas coletivas, sem o racismo”, disse Nilce Pontes, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). “Nós não vamos comer soja, cana, trigo. Nós não somos commodities. Somos grupos organizados que sustentam o Brasil.”
Serviço:
2a edição do Quilombo&Quebrada, a feira quilombola em SP!
Local: Galpão ZL (R. Serra da Juruoca, 112 - Jardim Lapena, São Paulo - SP, 08071-180)
Quando: 13/08 (sábado)
Feira quilombola: das 9h às 13h
Entrada gratuita
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Quilombolas do Vale do Ribeira (SP) dão continuidade a Tereza de Benguela
Nas roças, universidades e gramados de futebol, mulheres quilombolas vêm ocupando campos tradicionalmente masculinos e honrando o legado da liderança negra
Mulheres quilombolas do Esporte Clube São Pedro posam para foto após treino no campo do quilombo, no Vale do Ribeira| JF Diório/ISA
O dia 25 de julho é reconhecido internacionalmente desde 1992 como Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, mas em 2014, a data passou a celebrar também a mulher negra brasileira e, principalmente, a liderança feminina quilombola Tereza de Benguela. Um marco na luta feminina quilombola, Tereza deixou um legado que se estende até hoje.
Estejam elas nos quilombos ou nas favelas, mulheres negras são a continuidade de Tereza e de tantas outras lideranças femininas. Aos poucos, elas vêm ocupando diversos campos, como o de plantio, do futebol e da educação, mostrando que mulher quilombola pode estar onde ela quiser e, assim como as suas ancestrais, pode desempenhar papéis masculinizados.
Atualmente, as mulheres negras são maioria nas universidades. De acordo com levantamento de 2019 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), elas representam 27% dos estudantes, seguidas por mulheres brancas (25%), homens brancos (25%) e homens negros (23%). Em 2001, elas formavam 19% do total, superadas por mulheres (38%) e homens brancos (30%) e à frente somente dos homens negros (13%).
Novas gerações quilombolas
Letícia Ester França, de 24 anos, é um dos rostos que ilustra essa mudança. Nascida no Quilombo São Pedro, ela alterna sua vida entre a comunidade e a vida universitária em Matinhos, onde faz licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para ela, estar no espaço acadêmico é promover uma troca e mostrar às outras pessoas a relação que quilombolas têm com a terra.
“A minha faculdade é interligada com as relações do modo de vida em comunidade quilombola. Toda metodologia estudada está voltada para o campo: as relações das políticas públicas, os saberes tradicionais de cada comunidade, e modo de vida em território coletivo. Além do aprendizado, isso faz com que busquemos saber mais dos nossos direitos”, contou.
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Letícia Ester França durante treino da equipe feminina de futebol realizado no campo do Quilombo São Pedro|JF Diório/ISA
Ela alterna o tempo entre a graduação, o trabalho com digitalização de arquivos sobre a questão quilombola na Equipe de Assessoria e Articulação das Comunidades Negras (Eaacone) e o futebol. No entanto, a agricultura familiar está sempre presente. Seus pais, Judith Dias e Amarildo de França, sobrevivem do plantio no quilombo e, desde cedo, a jovem foi ensinada a cultivar. “Uma das coisas que minha mãe sempre me falou foi: ‘vá para a roça aprender a, pelo menos, plantar uma rama de mandioca, um feijão ou seja lá o que for, porque se um dia você quiser morar fora e não der certo, quando voltar para casa, não passará fome’", lembra a estudante.
“Se o campo não planta, a cidade não janta”
Atualmente, a agricultura familiar é a principal responsável pela produção de alimentos disponíveis para consumo da população brasileira, como aponta o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Ela é constituída por pequenos produtores, indígenas, povos e comunidades tradicionais, como quilombolas, além de extrativistas, caiçaras e assentados.
Reconhecidos pela lei 11.326/2006, agricultores familiares são aqueles que realizam atividades na zona rural, utilizando mão-de-obra da própria família para cuidar da área plantada e tendo a agricultura como principal fonte de renda.
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Judith Dias, do Quilombo São Pedro, preparando milho|Agê Barros/ISA
Mesmo colocados no mesmo grupo de agricultores familiares, quilombolas têm uma forma diferenciada de plantio. No Vale do Ribeira, a roça tradicional é feita por meio de corte e queima da mata onde vai ser o plantio e após a colheita, se realiza um rodízio para que a área volte a ser produtiva e a vegetação anterior cresça novamente.
Nesse tipo de roça, há o cultivo de diversas espécies em uma mesma área e a vegetação local é mantida para que a copa das árvores possa fazer a cobertura parcial do solo, não havendo a incidência direta do sol no roçado.
A técnica de agrofloresta, que vem ganhando destaque na atualidade, já era realizada pelos quilombolas do Vale do Ribeira há séculos. “Essa é a forma que os nossos mais velhos trabalhavam e a gente quando criança não entendia. É plantado tudo na mesma área porque é a forma de aproveitar o máximo possível do nutriente de solo”, explicou a agricultora Joelma Ursolino Mota Dias, do Quilombo São Pedro, que realiza em sua roça o manejo agroflorestal sustentável.
O modo de fazer roça das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira faz parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola (SATQ), e é reconhecido desde 2018 como patrimônio cultural imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Reconhecer essa técnica é incentivar que a agricultura familiar quilombola permaneça viva e seja repassada para novas gerações.
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Três gerações de quilombolas, Valni, Elizabete e Ester de França, do quilombo São Pedro|Claudio Tavares/ISA
Elizabete de França Dias, de 22 anos, do Quilombo São Pedro, é técnica de enfermagem, mas o seu primeiro trabalho foi na roça da família, ainda criança. “Minha mãe conta que, quando eu era neném, ela me levava para a roça e eu ficava deitada em uma rede, com meus irmãos mais velhos me olhando. Cresci observando e ajudando na roça”, lembrou.
Na infância, as crianças tinham uma horta coletiva e aprendiam brincando como plantar de forma tradicional quilombola. Hoje, ela tem uma horta em parceria com sua mãe, Valni de França.
Joelma, Elizabete e Valni fazem parte da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale), que há 10 anos produz e comercializa alimentos sem agrotóxicos e cultivados de forma tradicional.
Dos 241 cooperados, 101 são mulheres, que trabalham com uma grande diversidade de alimentos, como banana, chuchu, couve e mandioca.
Durante a pandemia, quilombolas da Cooperquivale, junto a organizações parceiras, se organizaram para distribuir os alimentos produzidos em suas roças para pessoas em situação de insegurança alimentar em 11 municípios do estado de São Paulo, entre elas, favelas da cidade de São Paulo. De maio de 2020 a fevereiro de 2022, a Cooperquivale realizou 22 entregas, num total de 332 toneladas de alimentos distribuídos. Embora os homens estejam em maior número dentro da cooperativa, foram elas as principais responsáveis pelas entregas de alimentos e representaram a maioria da força de trabalho dentro dessas 22 distribuições, formando 54,8% do grupo.
Mesmo que a agricultura familiar tenha papel relevante na alimentação da população do país, trabalhar na roça ainda é alvo de preconceito. “Já ouvi algumas vezes, até mesmo nas escolas daqui, coisas do tipo ‘Você quer ficar igual aos teus pais? Carpindo a vida inteira?’ ou ‘o que é mais leve? Uma caneta ou o cabo de uma enxada?’, como se trabalhar na agricultura fosse algo menor”, afirmou Elizabete.
Da roça para os campos de futebol
Quando se pensa em atletas de referência do futebol feminino brasileiro, nomes como o de Marta, Formiga, Pretinha são mencionados. Entretanto, nos cargos de poder da comissão técnica, elas não têm a mesma chance de brilhar como nos gramados.
Atualmente ainda há um outro fenômeno que é o embranquecimento do futebol em si, com os negros perdendo espaço e protagonismo nos gramados. Gradativamente, o perfil dos jogadores tem mudado. Se antes eram de jovens negros de classes sociais mais baixas, hoje é possível ver a substituição desses por muitos jovens de classe média.
A filósofa Sueli Carneiro apontou o fenômeno recentemente em conversa com o rapper Mano Brown no podcast “Mano a Mano”, onde destacou que “eles não deixaram de querer futebol; eles têm sido gradativamente excluídos”. Segundo profissionais do futebol, esse movimento se dá tanto em relação à elitização do esporte e estádios, mas também uma mudança na seleção de jovens jogadores. No passado, muitos jogadores eram descobertos nas várzeas por olheiros e hoje os clubes têm buscado atletas em escolas particulares, favorecendo atletas de classe média.
Nos quilombos do Vale do Ribeira, elas subvertem essa ordem, formando times com maioria ou completamente negros. Joelma, Elizabete, Letícia e Judith fazem parte do Esporte Clube São Pedro, time composto exclusivamente por mulheres quilombolas que já soma 10 títulos nos torneios que disputam na cidade de Eldorado (SP), onde está localizado o quilombo.
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No gol, Joelma Ursolino defende pênaltis durante treino no quilombo São Pedro|JF Diório/ISA
Outro aspecto diferencial do time é que não há uma idade limite para fazer parte do time, basta querer jogar futebol. “Tem mulheres de todas as idades. De 13, 14 anos, as mais velhas… A gente abrange todas as mulheres que querem jogar. A gente espera poder evoluir com o futebol feminino”, disse Letícia, que hoje é a capitã do time.
Seja nos campos de futebol, na roça ou na universidade, as mulheres quilombolas querem ocupar os espaços de poder e serem vistas como seres potentes. “O objetivo é aprimorar e desejar ocupar aquele espaço que é para qualquer mulher, e mulher negra quilombola, principalmente. Temos que mostrar que somos capazes de mudar como a sociedade nos vê, que não somos capazes de nada e pelo contrário, somos capazes de muitas coisas”, finalizou Letícia.
Quem foi Tereza de Benguela?
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Casada com José Piolho, líder do Quilombo Piolho, ou Quilombo do Quariterê, no Mato Grosso, Tereza de Benguela assumiu a liderança do quilombo assim que o seu companheiro morreu, por volta de 1750.
Durante os 20 anos seguintes, Rainha Tereza, como era chamada, chegou a abrigar cerca de 100 pessoas no território, entre negros, indígenas e mestiços. Por meio de um regime parlamentar, comandou a estrutura política, econômica e administrativa do quilombo. Ali era cultivado milho, feijão, mandioca, entre outros, e algodão, que mais adiante era utilizado para a produção de tecido.
Ela morreu após ter sido capturada por soldados, mas não se sabe ao certo se suicidou-se ou se foi executada.
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Filme 'Do Quilombo pra Favela' mostra caminho para combater a fome no Brasil
Minidocumentário conecta raízes negras e detalha como uma cooperativa quilombola distribuiu 330 toneladas de alimentos para 42 mil pessoas durante a pandemia da Covid-19
Fartura na pandemia: minidoc mostra como quilombolas do Vale do Ribeira (SP), como Rosana de Almeida, alimentaram comunidades vulneráveis |Manoela Meyer/ISA
Em março de 2020, a Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale) sentiu o baque da pandemia da Covid-19. De forma unilateral, seus contratos para entrega de alimentos para a merenda escolar com as prefeituras de São Paulo, Santos, Santo André e Cajati foram suspensos.
Era o início de um período de insegurança e angústia. Sem renda e com a maior crise sanitária do século 21 batendo às suas portas, a cooperativa via ameaçado o sonho de crescimento e valorização da cultura alimentar quilombola.
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Cartaz do minidocumentário Do Quilombo pra Favela, ilustrado por Amanda Nainá e Deco Ribeiro
O minidocumentário Do Quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra(Brasil, 2022, 22 min.)mostra como, em um período de dois anos, a Cooperquivale recuperou suas forças e conectou suas raízes negras a uma favela da zona oeste de São Paulo através do alimento e da solidariedade.
Com o apoio de parceiros, a cooperativa quilombola elaborou um plano emergencial de captação de recursos para pagar seus custos, remunerar as agricultoras e agricultores e distribuir os alimentos que, sem escoamento, seriam perdidos em suas roças tradicionais.
Resultado: dois anos depois, a equipe conseguiu levar 330 toneladas de 56 variedades de alimentos para 11 municípios do Estado de São Paulo. A biodiversidade chegou à mesa em frutas, legumes e verduras cultivados com técnicas ancestrais, que mantêm a Mata Atlântica em pé e cada vez mais resistente.
Ao todo, 42 mil pessoas receberam cestas de alimentos orgânicos e agroecológicos, que simbolizam um jeito de viver e produzir parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, reconhecido em 2018 patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Sem apoio do Estado, os recursos financeiros vieram de organizações da sociedade civil, empresas e organizações internacionais. A cooperativa movimentou R$ 1,5 milhão no período.
A distribuição dos produtos foi feita em parcerias com ONGs, bancos de alimentos e associações de moradores de favelas na capital paulista.
O filme acompanha o trabalho da cooperativa desde os primeiros momentos da crise sanitária até as trocas de experiências entre quilombo e favela, que resultaram em um amistoso de futebol com toda a potência das mulheres negras, agricultoras, quilombolas e atletas com futuro brilhante pela frente.
O Estado das coisas
Em abril de 2022, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, atendeu pedido elaborado pela Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e determinou ao governo federal que amplie à agricultura familiar quilombola o acesso às políticas públicas relacionadas à segurança alimentar e nutricional, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
No entanto, a má-gestão sobre a pandemia da Covid-19 e o desmantelamento de políticas públicas alimentares levaram o Brasil ao maior retrocesso em 30 anos.
Estudo publicado em junho pela Rede Brasileira de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional mostra que 33 milhões de pessoas vivem em situação de fome no Brasil. E ainda: que 65% dos domicílios com pessoas de referência preta estão com algum grau de insegurança alimentar. Um aumento de 8% em relação a 2020.
O mesmo estudo mostra que a agricultura familiar e as comunidades tradicionais deixaram de receber recursos do PAA e do PNAE, fundamentais para que possam produzir alimentos para combater a fome.
O plano emergencial da Cooperquivale retratado no filme deveria ser visto como modelo no período pós-pandemia, porque gera renda para quilombolas que podem produzir, fortalece a agricultura familiar e alimenta quem tem fome.
Assista ao minidoc:
Sinopse:
No Vale do Ribeira, sudeste de São Paulo, uma cooperativa de agricultoras e agricultores quilombolas uniu esforços para minimizar o impacto da pandemia da Covid-19. Por geração de renda e segurança alimentar, eles elaboraram um plano emergencial para distribuir a comunidades vulneráveis alimentos orgânicos produzidos em suas roças tradicionais, que mantêm a Mata Atlântica em pé. Assim, quilombo e favela, que pareciam distantes, tornaram-se parceiros de lutas semelhantes.
Ficha técnica:
Direção e Roteiro: Manoela Meyer e Roberto Almeida
Produção: Roberto Almeida e Adriana Rodrigues
Reportagem: Adriana Rodrigues, Andressa Cabral Botelho e Roberto Almeida
Produção Local: Raquel Pasinato, Frederico Viegas, Mauricio Biesek, Fabiana Fagundes, Juliano Nascimento e Andressa Cabral Botelho
Fotografia: Manoela Meyer
Montagem: Manoela Meyer
Trilha Sonora: Make you mine (Acoustic) - Mina; Oxumare (Instrumental version) - Maitlna; Idesof Spring - Michael Shynes; Facus - AwaDu; The River of Hope - Emmanuel Jacob; Enjoy the Game - Borrtex; Macune (Instrumental version) - Maitlna; Good to be Alive - John Coggins; Yemaya (Instrumental version) - Maitlna.
Soundesign e Mix Stereo: Otávio Carvalho e Manoela Meyer
Cor e Efeitos: Manoela Meyer
Realização: Instituto Socioambiental (ISA), Associações Quilombolas, Cooperquivale
Apoio: União Europeia, Cisco, Good Energies
Parcerias: Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Instituto Linha D’Água, Associação dos Moradores da Enseada da Baleia, Instituto Brasil a Gosto, Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eaacone), Prefeitura de Eldorado, Prefeitura de Iporanga, Prefeitura de Cananéia, Prefeitura de Jandira, Prefeitura de Embu das Artes, ONG Bloco do Beco, Associação de Moradores do Jardim São Remo, Associação de Moradores da Vila Brasilândia, Grupo Conexão Petar, Associação Mulheres Unidas por uma Vida Melhor (Amuvim), Projeto Meninas em Campo e Colégio Santa Cruz.
Sobre a Cooperquivale
Fundada em 2012, a Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale), com sede em Eldorado (SP), comercializa a produção excedente dos territórios quilombolas de forma justa e solidária. Hoje, a cooperativa congrega 19 comunidades quilombolas dos municípios de Jacupiranga, Eldorado, Iporanga e Itaóca, no Vale do Ribeira. São, ao todo, cerca de 240 cooperados.
A cooperativa tem como principal estratégia a comercialização de mais de 78 alimentos da sua agrobiodiversidade para os programas de compras institucionais, como Programa de Aquisição de Alimentos na modalidade de Doação Simultânea (PAA-DS) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Encontro de saberes e resistências: João da Mota, do Quilombo Nhunguara, abraça Cícera, uma das lideranças que fundou a comunidade São Remo|Rodrigo Kees/ISA
Equipe feminina de futebol do Quilombo São Pedro após treino para amistoso contra time de São Paulo|JFDiorio/ISA
Luis Marcos dos Santos Silva, mais conhecido como Lula Santos (de camiseta preta), líder da São Remo, cumprimenta quilombolas do quilombo Nhunguara, Vale do Ribeira (SP)|JFDiorio/ISA
Grace Kelly Mendes, à esquerda, moradora da São Remo, e Zeni Florinda dos Santos, do Quilombo Ivaporunduva, durante distribuição de alimentos|Rodrigo Kees/ISA
Representantes dos moradores da São Remo visitam a horta de Zeni Florinda dos Santos , agricultora quilombola de Ivaporunduva|JFDiorio/ISA
Distribuição de alimentos da Cooperquivale na comunidade de São Remo, na zona oeste de São Paulo|Rodrigo Kees/ISA
Distribuição de comida orgânica, produzida pelos quilombolas do Vale do Ribeira (SP), para famílias da São Remo|Manoela Meyer/ISA
Treino da equipe feminina de futebol do Quilombo São Pedro, preparativo para jogo amistoso|JFDiorio/ISA
Adan Pereira, do Quilombo Sapatu, colhe bananas em sua roça destinadas à distribuição de alimentos orgânicos|Manoela Meyer/ISA
Osvaldo dos Santos, do Quilombo Porto Velho, prepara farinha de mandioca para a distribuição de comida orgânica|Manoela Meyer/ISA
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Primeira feira mensal de produtos quilombolas estreia em São Paulo
Quilombo Quebrada leva à periferia paulistana a diversidade de frutas, legumes e verduras produzida pelos quilombolas do Vale do Ribeira
Pela primeira vez, alimentos orgânicos e agroecológicos produzidos de forma sustentável nos quilombos do Vale do Ribeira (SP) serão comercializados em uma feira mensal na capital paulista.A feira é parte da iniciativa Quilombo Quebrada, uma parceria do Mulheres de Ori e Kitanda das Minas com a Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale). O objetivo é levar à quebrada, a preços baixos, a diversidade de frutas, legumes e verduras produzida nos quilombos.
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Distribuição de alimentos orgânicos da Cooperquivale na comunidade de São Remo, na zona oeste de São Paulo|Rodrigo Kees/ISA
A feira gera renda para agricultoras e agricultores quilombolas e, ao mesmo tempo, alimenta famílias que convivem com a insegurança alimentar. Quilombo Quebrada, como o próprio nome diz, fortalece a conexão entre os quilombos e as quebradas de São Paulo, territórios com raízes negras.
A feira, que estreia neste dia 9 de julho, acontecerá todos os meses no Galpão ZL, equipamento gerido pela Fundação Tide Setúbal e Sociedade Amigos do Jardim Lapena, em São Miguel Paulista, extremo da zona leste de São Paulo.
A Cooperquivale, com sede no município de Eldorado (SP), recebe apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA) para organizar e escoar sua produção.
Com preços subsidiados, os produtos apresentados na feira são oriundos das roças quilombolas, que são parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio cultural do Brasil.
No evento acontecerá uma sessão de pré-lançamento do minidocumentário “Do Quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra”, produzido pelo ISA em parceria com a Cooperquivale e as associações quilombolas do Vale do Ribeira.
A exibição será seguida de debate provocado pela mesa de abertura “Racismo Ambiental e Insegurança Alimentar: na encruza entre quilombo e quebrada”
A mesa contará com a mediação de Andressa Cabral (jornalista do ISA, programa Vale do Ribeira) e participação de Nilce Pontes (coordenadora nacional da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ), Tania Moraes (conselheira fiscal da Cooperquivale - Cooperativa de Agricultores do Vale do Ribeira e membro da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras - EAACONE), Gisele Brito (militante UNEAFRO, Coalizão Negra por Direitos e assessora de desenvolvimento de projetos do Instituto de Referência Negra Peregum) e Adriana Rodrigues (coordenadora Mulheres de Orì e analista de desenvolvimento do ISA).
A festa contará com a discotecagem da DJ Bia Sankofa (militante Coletivo Força Ativa) e se encerra com o Samba das Pretas, grupo formado por mulheres negras da Cidade Tiradentes.
Serviço:
Lançamento do Quilombo Quebrada e a primeira feira quilombola em São Paulo!
Local: Galpão ZL (R. Serra da Juruoca, 112 - Jardim Lapena, São Paulo - SP, 08071-180)
Mesa de debate: 10h
Feira quilombola: das 9h às 16h
Entrada gratuita
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'From Quilombo to Favela' documentary shows path to fighting hunger in Brazil
Minidocumentary connects black roots and details how a quilombola cooperative distributed 330 tons of food to 42,000 people during the Covid-19 pandemic
Abundance during the pandemic: minidoc shows how quilombolas from Vale do Ribeira fed poor communities of São Paulo
In March 2020, the Quilombola Farmers' Cooperative of the Ribeira Valley (COOPERQUIVALE) felt the brunt of the Covid-19 pandemic. Unilaterally, its contracts to deliver food for school meals with the city halls of São Paulo, Santos, Santo André, and Cajati were suspended.
It was the beginning of a cycle of uncertainty and anguish. With no income and the biggest health crisis of the 21st century knocking at its doors, the cooperative saw its dream of growth and recognition of quilombola food culture threatened.
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Poster for the mini-documentary From Quilombo to Favela, illustrated by Amanda Nainá and Deco Ribeiro
The minidocumentary "Do Quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra" ["From the Quilombo to the Favela - Food for Black Resistance"] (Brazil, 2022, 22 min.) shows how, in a two-year period, COOPERQUIVALE was able to recover and connect its black roots to a favela in the west zone of São Paulo through food and solidarity.
With support from partners, the quilombola cooperative produced an emergency fundraising plan to cover its costs, pay the farmers, and distribute the food that would have been lost in their traditional fields without an outlet.
The result: two years later, the team has managed to supply 330 tons of 56 varieties of food to 11 municipalities in the state of São Paulo. Biodiversity has reached the table in fruits, vegetables, and greens grown with ancestral techniques, which keep the Atlantic Forest standing and increasingly resistant.
In all, 42,000 people received organic and agroecological food baskets, which symbolize a way of living and producing that is part of the Quilombola Traditional Agricultural System, recognized in 2018 as an intangible cultural heritage of Brazil by the Institute of National Historical and Artistic Heritage (IPHAN).
With no support from the state, financial resources came from civil society organizations, companies, and international organizations. The cooperative raised R$1.5 million in the period.
The distribution of the produce was undertaken in partnerships with NGOs, food banks, and Favela residents' associations in the capital city of São Paulo. Among them, the Residents' Association of Jardim São Remo, in the west zone of São Paulo, and the Meninas em Campo project, which promotes women's soccer among young women from the city' s outskirts.
The film follows the work of the cooperative from the first moments of the health crisis to the exchange of experiences between quilombo and favela, which resulted in a soccer match with the full power of black women, farmers, quilombolas, and athletes with a bright future ahead.
The State of Things
In April 2022, the Minister of the Federal Supreme Court (STF) Edson Fachin granted a request made by the Coordination of Rural Black Quilombola Communities (CONAQ) and ordered the federal government to expand access to public policies related to food and nutritional security to quilombola family farmers, including the National School Meals Program (PNAE) and the Food Acquisition Program (PAA).
However, mismanagement of the Covid-19 pandemic and the dismantling of public food policies have led Brazil to its biggest setback in 30 years. A study published in June by the Brazilian Research Network on Food Security and Nutrition shows that 33 million people in Brazil are living in a state of hunger.
And further: 65% of households with people with black reference are experiencing some degree of food insecurity. This is an 8% increase in relation to 2020.
The same study shows that family farming and traditional communities have stopped receiving funding from the PAA and PNAE programs, which are essential for them to produce food to fight hunger.
COOPERQUIVALE's emergency plan portrayed in the film should be seen as a model in the post-pandemic period as it generates income for quilombolas who are able to produce, strengthens family farming, and feeds the hungry.
Watch the mini-doc:
Synopsis:
In the Ribeira Valley, in southeastern São Paulo, a cooperative of quilombola farmers joined forces to minimize the impact of the Covid-19 pandemic. For income generation and food security, they devised an emergency plan for distributing food to vulnerable communities which is organically produced on their traditional farms, which in turn keep the Atlantic Forest standing. Thus quilombo and favela, which seemed distant, became partners in similar struggles.
Credits:
Directed and Scripted by: Manoela Meyer and Roberto Almeida Produced by: Roberto Almeida and Adriana Rodrigues Reportage: Adriana Rodrigues, Andressa Cabral Botelho and Roberto Almeida Local Production: Raquel Pasinato, Frederico Viegas, Mauricio Biesek, Fabiana Fagundes, Juliano Nascimento and Andressa Cabral Botelho Photography: Manoela Meyer Editing: Manoela Meyer
Soundtrack: Make you mine (Acoustic) - Mina; Oxumare (Instrumental version) - Maitlna; Idesof Spring - Michael Shynes; Facus - AwaDu; The River of Hope - Emmanuel Jacob; Enjoy the Game - Borrtex; Macune (Instrumental version) - Maitlna; Good to be Alive - John Coggins; Yemaya (Instrumental version) - Maitlna. Sound Design and Stereo Mix: Otávio Carvalho and Manoela Meyer Color and Effects: Manoela Meyer Organized by: Instituto Socioambiental (ISA), Quilombola Associations, COOPERQUIVALE Support: European Union, Cisco, Good Energies Partnerships: Linha D'Água Institute, Enseada da Baleia Residents' Association, Brasil a Gosto Institute, Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE), Eldorado City Hall, Iporanga City Hall, Cananéia City Hall, Jandira City Hall, Embu das Artes City Hall, NGO Bloco do Beco, Jardim São Remo Residents' Association, Vila Brasilândia Residents' Association, Grupo Conexão Petar, Associação Mulheres Unidas por uma Vida Melhor (AMUVIM), Projeto Meninas em Campo and Colégio Santa Cruz
About COOPERQUIVALE
Founded in 2012, the Quilombola Farmers' Cooperative of the Ribeira Valley (COOPERQUIVALE), based in Eldorado (SP), markets the surplus production of the quilombola territories in a fair and solidary way.
Today, the cooperative is made up of 19 quilombola communities in the municipalities of Jacupiranga, Eldorado, Iporanga, and Itaóca, in Vale do Ribeira. In all, the cooperative has about 240 members.
The cooperative's main strategy is to commercialize more than 78 foods from its agro-biodiversity for institutional purchasing programs, such as the Food Acquisition Program in the Simultaneous Donation modality (PAA-DS) and the National School Meals Program (PNAE).
Translation: Philip Somervell
Meeting of knowledge and resistance: João da Mota, from Quilombo Nhunguara, embraces Cícera, one of the leaders who founded the São Remo community|Rodrigo Kees/ISA
Quilombo São Pedro women's soccer team after training for a friendly against São Paulo team | JFDiorio/ISA
Luis Marcos dos Santos Silva, better known as Lula Santos (in black shirt), leader of São Remo favela, greets quilombolas of the quilombo Nhunguara, Vale do Ribeira (SP)|JFDiorio/ISA
Grace Kelly Mendes, left, resident of São Remo, and Zeni Florinda dos Santos, from Quilombo Ivaporunduva, during food distribution|Rodrigo Kees/ISA
Representatives of São Remo residents visit the vegetable garden of Zeni Florinda dos Santos, a quilombola farmer from Ivaporunduva|JFDiorio/ISA
Cooperquivale's food distribution in the community of São Remo, in the west of São Paulo|Rodrigo Kees/ISA
Distribution of organic food, produced by the quilombolas of Vale do Ribeira (SP), to families in São Remo|Manoela Meyer/ISA
Quilombo São Pedro women's soccer team training, preparation for friendly match | JFDiorio/ISA
Adan Pereira, from Quilombo Sapatu, harvests bananas in his garden for the distribution of organic food|Manoela Meyer/ISA
Osvaldo dos Santos, from Quilombo Porto Velho, prepares cassava flour for the distribution of organic food|Manoela Meyer/ISA
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‘Del Quilombo a la Favela’ muestra una vía para el combate al hambre en Brasil
Mini documental conecta las raíces negras y cuenta cómo una cooperativa quilombola destinó 330 toneladas de alimentos para 42 mil personas durante la pandemia por Covid-19
Minidocumental muestra cómo quilombolas del Vale do Ribeira, como Rosana de Almeida, alimentaron comunidades vulnerables | Manoela Meyer/ISA
En marzo de 2020, la Cooperativa de los Agricultores Quilombolas del “Vale do Ribeira” (Cooperquivale) sintió la repercusión de la pandemia por Covid-19. De forma unilateral, los contratos, referentes a la entrega de alimentos para la merienda escolar, con las municipalidades de São Paulo, Santos, Santo André y Cajati fueron suspendidos.
Era el inicio de un ciclo de inseguridad y angustia. Sin renta y con la mayor crisis sanitaria del siglo 21 golpeando a sus puertas, la cooperativa veía que estaba siendo amenazado el sueño de crecimiento y valorización de la cultura alimentaria quilombola.
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Afiche del minidocumental Del Quilombo a la Favela, ilustrado por Amanda Nainá y Deco Ribeiro
El mini documental “Del Quilombo a la Favela - Alimento para la resistencia negra” (Brasil, 2022, 22 min.) muestra cómo, en un período de dos años, la Cooperquivale recuperó sus fuerzas y conectó sus raíces negras a una favela de la zona oeste de São Paulo a través de los alimentos y la solidaridad.
Con el apoyo de colaboradores, la cooperativa quilombola elaboró un plan de emergencia para la captación de recursos, con el fin de pagar sus costos, remunerar a las agricultoras y agricultores y distribuir los alimentos que, sin destino, serían perdidos en sus territorios tradicionales.
Resultado: dos años después, el equipo consiguió llevar 330 toneladas de 56 variedades de alimentos para 11 municipios del Estado de São Paulo. La biodiversidad llegó a la mesa en frutas, leguminosas y verduras cultivados con técnicas ancestrales, que mantienen a la Mata Atlántica en pie y cada vez más resistente.
En total, 42 mil personas recibieron cajas de alimentos orgánicos y agroecológicos, que simbolizan una forma de vivir y producir del Sistema Tradicional Quilombola, reconocido en 2018 como patrimonio cultural inmaterial de Brasil por el Instituto del Patrimonio Histórico y Artístico Nacional (Iphan).
Sin apoyo del Estado, los recursos financieros llegaron de organizaciones de la sociedad civil, empresas y organizaciones internacionales. La cooperativa movió R$1,5 millones en este periodo.
La distribución de los productos fue realizada en cooperación con ONGs, bancos de alimentos y asociaciones de vecinos de las favelas de la capital paulista. Entre ellas, la Asociación de Vecinos del Jardín “São Remo”, en la zona oeste de São Paulo, y el proyecto “Meninas en Campo”, para el fomento al fútbol femenino entre las jóvenes de la periferia.
El vídeo documental acompaña el trabajo de la cooperativa desde los primeros momentos de la crisis sanitaria hasta los intercambios de experiencias entre el quilombo y la favela, que resultaron en un amistoso partido de fútbol con toda la potencia de las mujeres negras, agricultoras, quilombolas y atletas con un futuro brillante por delante.
El Estado de las cosas
En abril de 2022, el ministro del Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, atendió al pedido elaborado por la Coordinación de las Comunidades Negras Rurales Quilombolas (Conaq) y determinó que el gobierno federal extienda para la agricultura familiar quilombola el acceso a las políticas públicas relacionadas a la seguridad alimentaria y nutricional, como el Programa Nacional de Alimentación Escolar (PNAE) y el Programa de Adquisición de Alimentos (PAA).
Sin embargo, la mala gestión en relación a la pandemia por Covid-19 y el desmantelamiento de políticas públicas alimentarias llevaron a Brasil al mayor retroceso en 30 años. Un estudio publicado en junio por la Red Brasileña de Investigación en Seguridad Alimentaria y Nutricional muestra que 33 millones de personas viven en situación de hambre en Brasil.
Y aún: 65% de los domicilios con personas de referencia negra están con algún grado de inseguridad alimentaria. Un aumento de 8% en relación a 2020.
El mismo estudio muestra que la agricultura familiar y las comunidades tradicionales dejaron de recibir recursos del PAA y del PNAE, fundamentales para que puedan producir alimentos que combaten el hambre.
El plan de emergencia de la Cooperquivale retratado en el video documental debería ser visto como un modelo en el periodo de pos pandemia, porque genera renta para los quilombolas, quienes pueden producir, fortaleciendo la agricultura familiar y alimentando a quien tiene hambre.
Vea al minidocumental:
Sinopsis:
En el “Vale do Ribeira”, sudeste de São Paulo, una cooperativa de agricultoras y agricultores quilombolas juntó fuerzas para disminuir el impacto de la pandemia por Covid-19. Para generar renta y seguridad alimentaria, ellos elaboraron un plan de emergencia con el fin de distribuir entre las comunidades vulnerables alimentos orgánicos, producidos en sus territorios tradicionales, que mantienen a la Mata Atlántica en pie. Así, quilombo y favela, que parecían distantes, se convierten en compañeros de luchas semejantes.
Ficha técnica:
Dirección y Guion: Manoela Meyer y Roberto Almeida Producción: Roberto Almeida y Adriana Rodrigues Reportaje: Adriana Rodrigues, Andressa Cabral Botelho y Roberto Almeida Producción Local: Raquel Pasinato, Frederico Viegas, Mauricio Biesek, Fabiana Fagundes, Juliano Nascimento y Andressa Cabral Botelho Fotografía: Manoela Meyer Montaje: Manoela Meyer Música: Make you mine (Acoustic) - Mina; Oxumare (Instrumental version) - Maitlna; Idesof Spring - Michael Shynes; Facus - AwaDu; The River of Hope - Emmanuel Jacob; Enjoy the Game - Borrtex; Macune (Instrumental version) - Maitlna; Good to be Alive - John Coggins; Yemaya (Instrumental version) - Maitlna. Diseño de Sonido y Mix Estéreo: Otávio Carvalho y Manoela Meyer Color y Efectos: Manoela Meyer Realización: Instituto Socioambiental (ISA), Asociaciones Quilombolas, Cooperquivale Apoyo: Unión Europea, Cisco, Good Energies
Colaboradores: Instituto Linha D’Água, Asociación de Vecinos de la Enseada da Baleia, Instituto Brasil a Gosto, Equipo de Articulación y Asesoría a las Comunidades Negras del Vale do Ribeira (Eaacone), Municipalidad de Eldorado, Municipalidad de Iporanga, Municipalidad de Cananéia, Municipalidad de Jandira, Municipalidad de Embu das Artes, ONG Bloco do Beco, Asociación de Vecinos del Jardín São Remo, Asociación de Vecinos de la Vila Brasilândia, Grupo Conexión Petar, Asociación de Mujeres Unidas por una Vida Mejor (Amuvim), Proyecto Meninas en Campo y Colegio Santa Cruz.
Sobre la Cooperquivale
Fundada en 2012, la Cooperativa de los Agricultores Quilombolas del “Vale do Ribeira” (Cooperquivale), con sede en Eldorado (SP), comercializa la producción del excedente de los territorios quilombolas de forma justa y solidaria.
Hoy, la cooperativa reúne 19 comunidades quilombolas de los municipios de Jacupiranga, Eldorado, Iporanga e Itaóca, en el “Vale do Ribeira”. Son, en total, alrededor de 240 cooperados.
La cooperativa tiene como principal estrategia comercializar sus más de 78 alimentos de su agrobiodiversidad a través de los programas de compras institucionales, como Programa de Adquisición de Alimentos en la modalidad de Donación Simultánea (PAA-DS) y Programa Nacional de Alimentación Escolar (PNAE).
Traducción: Javiera Abalos
Encuentro de saberes y resistencias: João da Mota, de Quilombo Nhunguara, abraza a Cícera, una de las líderes fundadoras de la comunidad de São Remo|Rodrigo Kees/ISA
El equipo de fútbol femenino del Quilombo São Pedro después del entrenamiento de preparación para un partido amistoso|JFDiorio/ISA
Luis Marcos dos Santos Silva, más conocido como Lula Santos (de camisa negra), líder de São Remo, saluda a quilombolas del quilombo Nhunguara, Vale do Ribeira (SP)|JFDiorio/ISA
Grace Kelly Mendes, izquierda, residente de São Remo, y Zeni Florinda dos Santos, del Quilombo Ivaporunduva, durante la distribución de alimentos|Rodrigo Kees/ISA
Representantes de los habitantes de São Remo visitan la huerta de Zeni Florinda dos Santos, agricultora quilombola del Quilombo Ivaporunduva|JFDiorio/ISA
Distribución de alimentos de Cooperquivale en la comunidad de São Remo, en el oeste de São Paulo|Rodrigo Kees/ISA
Distribución de alimentos orgánicos, producidos por los quilombolas de Vale do Ribeira (SP), a familias de São Remo|Manoela Meyer/ISA
Entrenamiento del equipo de fútbol femenino de Quilombo São Pedro, preparación para el partido amistoso|JFDiorio/ISA
Adán Pereira, de Quilombo Sapatu, cosecha banano en su huerta para la distribución de alimentos orgánicos|Manoela Meyer/ISA
Osvaldo dos Santos, del Quilombo Porto Velho, prepara harina de yuca para la distribución de alimentos orgánicos|Manoela Meyer/ISA
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Quilombolas da Rede de Sementes do Vale do Ribeira celebram 5 anos de união
Durante o encontro, coletores de sementes florestais trocaram experiências com visitantes e avançaram na formalização de uma cooperativa
Quilombolas e parceiras durante Encontro Anual da Rede de Sementes do Vale do Ribeira | Foto: Andressa Cabral Botelho/ISA
Após dois anos afastados devido à pandemia, quilombolas coletores da Rede de Sementes do Vale do Ribeira reuniram-se no Quilombo Ivaporunduva, no município de Eldorado, para encontro anual entre 3 e 5 de maio. O momento também foi de celebração: além de marcar os cinco anos de existência da rede, proporcionou a criação de novos acordos para o grupo.
Juntaram-se coletores dos quilombos André Lopes, Bombas, Maria Rosa e Nhunguara, técnicos que atuam com sementes em diversos campos, parceiros e apoiadores. Também compareceram membros de comunidades interessadas em começar a coleta de sementes, como dos quilombos São Pedro e Ivaporunduva.
A reunião aconteceu no mês em que se celebra o Dia da Mata Atlântica e reforçou o pacto pela restauração do bioma. Segundo a ONG SOS Mata Atlântica, entre 2020 e 2021, uma área equivalente a 20 mil campos de futebol foram desmatados. Justamente nesses dois anos, quilombolas do Vale do Ribeira fizeram a sua maior coleta de sementes até o momento, totalizando 2,1 toneladas, o que possibilitou a restauração de até 60 hectares de áreas degradadas.
“Em 2017, o grupo coletou 40kg. Hoje, tem quilombola que sozinho coleta 40kg”, comemorou Juliano Nascimento, assessor do Programa Vale do Ribeira do Instituto Socioambiental (ISA). A rede começou com 12 quilombolas do Nhunguara e hoje conta com 42, de quatro comunidades. E floresceu rápido: já foram coletados 2.610kg de sementes, possibilitando a restauração de cerca de 74,5 hectares de áreas degradadas.
“Quando se fala de 42 coletores, estamos falando de 42 famílias, porque o trabalho não envolve apenas quem participa das atividades da rede. Nas casas, está a mulher e a filha ajudando a limpar, o genro sugerindo um dia para coletar – é um trabalho coletivo”, observou.
Um dos destaques dos resultados da rede é a geração de renda para as quilombolas. Acompanhando os participantes, o assessor técnico percebeu que, quando as mulheres recebem o dinheiro da coleta, conseguem fazer uma melhor gestão do dinheiro.
Elas investem de forma coletiva, comprando itens para a casa ou pagando o tratamento médico de um familiar, enquanto boa parte dos homens gasta o dinheiro para si.
Nilza Pereira de Moraes Oliveira, do quilombo André Lopes, conta que comprou uma geladeira e colocou um forro no teto de sua casa utilizando apenas o dinheiro que conseguiu com as sementes. “Antes, o meu marido falava que eu andava à toa pelo meio do mato. E vendo o que eu consegui comprar com o dinheiro das sementes ele até se animou em coletar também”, comentou, com um sorriso.
Troca de conhecimentos
O primeiro dia de encontro foi aberto ao público e contou com a participação de técnicos que também atuam com a restauração ecológica. Eduardo Malta, biólogo do ISA e assessor técnico do Redário, e Edézio Miranda, engenheiro florestal da iniciativa Caminho das Sementes, compartilharam suas experiências.
"Mais importante do que se falar de valores e rentabilidade, é pensar em quanta diversidade, cor e mãos têm por trás desse trabalho todo. É isso que é importante de se falar", destacou Malta após saber a evolução da Rede ao longo desses cinco anos, valorizando o crescimento da iniciativa e disposição de seus participantes.
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Linha do tempo de atividades da Rede de Sementes do Vale do Ribeira | Foto: Andressa Cabral Botelho/ISA
Quilombolas também tiveram a oportunidade de conhecer parceiros como Jaques Tornisielo, biólogo encarregado de reflorestamento na Reserva Legado das Águas, em Juquitiba (SP). Em fevereiro, as sementes do Vale do Ribeira foram plantadas em uma área de cinco hectares na reserva. “Estou do outro lado, agora acompanhando o crescimento do plantio que foi feito recentemente com sementes de vocês e é importante conhecer quem são as pessoas que fazem parte dessa iniciativa tão relevante”, afirmou.
Outro momento importante foi a apresentação da professora Elza Alves Corrêa, que atua na área de Produção e Tecnologia de Sementes na Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Registro. A Faculdade de Agronomia e a Rede de Sementes desenvolvem um trabalho desde 2019 com aanálise das sementes produzidas pela rede. Hoje, o laboratório faz análise para determinar a pureza, a germinação, o teor de água e peso dos lotes coletados.
“Quando as sementes chegam ao laboratório, avaliamos o metabolismo e quando elas vão ‘acordar’. Algumas demoram mais tempo, então a forma de armazená-las é diferente e isso é bem importante”, contou a professora.
Os resultados chamaram a atenção dos presentes, como Omelina M. dos Santos França, do quilombo André Lopes. “Vendo o trabalho de vocês, quero ir aonde vocês fazem os estudos para ver as sementes”, disse.
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Coletoras de sementes junto a pesquisadoras durante Encontro Anual da Rede de Sementes do Vale do Ribeira. | Foto: Andressa Cabral Botelho/ISA
Além da análise das espécies realizada na Unesp/Registro, a antropóloga Bianca Cruz Magdalena contou um pouco da sua pesquisa de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A sua pesquisa mostra o quanto os saberes quilombolas - em especial os que atuam com a coleta de sementes - é relevante para a conservação da Mata Atlântica.
“O tempo da floresta é diferente do tempo do mundo e os quilombolas puderam nos contar sobre os ciclos do que se planta, se cuida, se colhe”, destacou Magdalena durante a sua apresentação. Embora os estudos tenham começado recentemente, ela acompanha o trabalho da Rede de Sementes de perto desde 2020, ouvindo e aprendendo com coletores e coletoras das quatro comunidades.
“Essa é uma forma de valorizar o trabalho feito por vocês, que há anos mantém essa área conservada e possibilitam que outros locais possam ser restaurados com essas sementes que vocês coletam aqui”, destacou a autora.
Combinados para 2022
No encontro, quilombolas deram um passo adiante na formalização da rede e decidiram transformá-la em uma cooperativa. Em junho os quilombolas vão fechar detalhes do estatuto, coordenação e conselho fiscal que vai acompanhar o trabalho a partir da nova etapa. Desta forma, a rede passa a ter mais autonomia e os quilombolas vão poder atuar mais de perto na comercialização e na administração, conduzida por Nascimento.
“Determinar que o trabalho de vocês vai se dar a partir de uma cooperativa nos ajuda a entender também quem de fora pode fazer parte da Rede”, salientou o advogado do ISA Fernando Prioste. “Vocês vão ter um estatuto e essas decisões vão partir principalmente de vocês”, observou Prioste, que tem acompanhado o processo de formalização da iniciativa.
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Coletores de sementes João da Mota e Maria Tereza Vieira, do quilombo Nhunguara | Foto: Andressa Cabral Botelho/ISA
O estatuto vem sendo construído de forma coletiva durante reuniões nas comunidades para que as pessoas possam opinar e indicar nomes para os cargos da diretoria antes que todo o grupo possa votar.
Outro ponto debatido pelo grupo foi a entrada de novos integrantes, como quilombolas de outras comunidades e outros povos e comunidades tradicionais do Vale do Ribeira.
"Se estamos todos no Vale e fazemos a gestão do território cuidando da paisagem, coletando sementes sem precisar derrubar árvores, faz sentido que os indígenas, por exemplo, também façam parte, desde que eles sigam a organização do regimento interno de suas associações e o estatuto da rede", argumentou Maria Tereza Vieira, coletora do Quilombo Nhunguara.
Nos cinco anos da Rede de Sementes do Vale do Ribeira, germinaram novas alianças e horizontes. A Mata Atlântica e os quilombos agradecem.
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Novo processo de regularização ambiental prejudica quilombolas e povos tradicionais
RegularizAgro, lançado pelo Governo Bolsonaro, privilegia imóveis rurais de uso individual e ignora contribuição dos quilombolas na proteção da vegetação e no desenvolvimento agropecuário do Brasil
Quilombolas do Vale do Ribeira (SP) colhem mandioca em roça tradicional no quilombo Cangume (Iporanga)|Manoela Meyer/ISA
Reportagem atualizada em 24/5/2022
Passados 134 anos do fim da escravização, ainda há muitos desafios para que as populações quilombolas sejam reconhecidas e seus territórios regularizados. A abolição formal e inconclusa fez com que alguns desses direitos fossem estabelecidos, como o direito à terra aos quilombolas, conforme consta no artigo 68 da Constituição, mas que não são garantidos na prática.
Há 10 anos, foi instituído o Novo Código Florestal, pela Lei 12.651/2012, que determina normas gerais sobre proteção da vegetação nativa. Embora a comunidade quilombola seja responsável por proteger parte significativa de mata nativa do país, segundo dados da plataforma MapBiomas, isso não é garantia de conseguir fazer uso ou conseguir demarcação de seu território.
Para garantir que qualquer território em área rural seja regularizado ambientalmente, o Código Florestal determina que seja feita uma inscrição no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar). Entretanto, o processo de Cadastro Ambiental Rural (CAR) dos territórios coletivos de populações tradicionais segue repleto de morosidade e violações de direitos. Enquanto mais de 6,5 milhões de imóveis rurais possuem cadastro, apenas 3.418 inscrições de povos e comunidades tradicionais (PCT) constam na base do Sicar.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que hoje existam 5.972 quilombos distribuídos em 1.672 municípios em 24 estados do país - apenas Acre e Roraima não possuem quilombos. Ou seja, até o momento, 30% das comunidades quilombolas do Brasil constam no Sicar, mas com processos em andamento.
Em meio a uma série de dificuldades encaradas por quilombolas, o governo federal, por meio do Decreto 11.015/2022, de março deste ano, instituiu o Plano Nacional de Regularização Ambiental de Imóveis Rurais, (RegularizAgro), que pensa em medidas para avançar o processo de regularização ambiental rural em todo o país.
O plano facilitaria o cadastro de territórios diversos no Sicar, incluindo os quilombolas, mas, na prática, o foco é especificamente nos imóveis rurais, que fazem o uso individual da terra. O referido plano do governo federal entende por gestão territorial apenas a atuação do agronegócio brasileiro e ignora a contribuição dos povos e populações tradicionais para a proteção da vegetação e até mesmo para o desenvolvimento agropecuário do Brasil.
Dificuldades encontradas
O Decreto não menciona o segmento do CAR para povos e populações tradicionais, que, de acordo com Código Florestal, é feito de forma diferenciada e deve ser apoiado pelo poder público para que as inscrições sejam feitas. Também não é mencionada a forma como lidar com as sobreposições entre os imóveis rurais e os territórios de uso coletivo, como Territórios Quilombolas, Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
“Nós não recebemos informação do governo federal e dos estados de como fazer o CAR e, por isso, muitos quilombolas têm medo de fazer o cadastro de forma coletiva e optam por fazer de forma individual”, destacou Francisco Chagas, do Quilombo Caboclo (PI) e membro da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).
Além das dificuldades que a própria comunidade encontra no preenchimento dos dados do sistema, há ainda o fato de que nem mesmo as instituições estaduais e empresas privadas que atuam com a elaboração do CAR têm conhecimento do módulo PCT e no seu cadastramento como território de uso coletivo. Diante da falta de conhecimento, a possibilidade de se cadastrar uma terra coletiva como imóvel rural é bastante grande. Além disso, uma série de direitos são violados, entre eles, o direito ao uso da terra como comunidade tradicional.
É necessário, então, que haja um diálogo entre comunidades quilombolas, órgãos federais, secretarias estaduais de meio ambiente e institutos de terras para que não se tenha uma violação do Código Florestal e dos direitos dos povos e comunidades tradicionais.
De acordo com o Código Florestal, povos e comunidades tradicionais têm o direito de fazer o uso sustentável da área que ocupam, como é o caso do manejo de roças tradicionais, desde que não descaracterizem a vegetação existente. Quando um quilombo é inscrito no sistema no segmento de imóvel rural e não como PCT, o coletivo fica impossibilitado de utilizar a sua área desta forma. Assim, há um processo de apagamento de outras formas de uso e ocupação do território rural brasileiro para além do uso feito pelo agronegócio em seus imóveis rurais.
“Se o Estado não tem a abertura de uma aba de PCT para cadastrar os quilombos como território de uso coletivo, essas comunidades não estão sendo pensadas dentro do escopo de inclusão pelo Estado. Precisamos fazer um debate com esses estados para entender qual foi e qual é a dificuldade para que possamos garantir o cadastro dos nossos quilombos dentro do Sicar”, observou Chagas.
Sobreposições de inscrições
Por priorizar imóveis rurais, o decreto não menciona problemas relacionados a territórios de uso comunitário, como é o caso de ocupações tradicionais. Uma dessas questões são as sobreposições, quando os registros de imóveis rurais estão localizados em cima de territórios de povos e comunidades tradicionais e, ainda assim, são cadastrados no Sicar como imóveis privados e não como parte do território de uso comunitário.
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Mapa da área do quilombo Poça (em verde) com sobreposições (polígonos em cinza)
De 435 territórios quilombolas registrados na base do Incra, 379 apresentam sobreposição com 9.439 registros de imóveis rurais. Essa sobreposição soma 1,57 milhões de hectares e ameaça 60% da área desses territórios.
Das 33 comunidades do Vale do Ribeira em São Paulo, 29 foram formalmente apoiadas pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), órgão responsável pelas políticas agrária e fundiária no estado e foram inscritas no CAR. E todas as reconhecidas possuem sobreposições com imóveis rurais, totalizando 393 sobreposições, como destaca nota técnica feita pelo Instituto Socioambiental (ISA) e Conaq.
No total, são mais de 33 mil hectares de áreas com sobreposição nos quilombos. Em 14 comunidades, a área de sobreposição acumulada ocupa 50% ou mais do território e em alguns casos, como Bombas e Peropava, as sobreposições de imóveis rurais individuais superaram a área dos quilombos. O quilombo de Poça, por exemplo, possui 35 sobreposições de imóveis rurais registradas dentro de seu território.
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Movimentos sociais locais realizam protesto contra a privatização do Petar no Vale do Ribeira (SP)
O Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, em parceria com o Moab - Movimento dos Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira SP/PR -, realiza no dia 9 de abril um ato em protesto contra a concessão do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar). A manifestação será na cidade de Iporanga (SP), onde o parque está localizado.
O ato visa informar a população da cidade, do Vale do Ribeira de um modo geral e toda sociedade sobre os riscos e impactos do procedimento de concessão de 30 anos do Petar, que viola direitos das comunidades tradicionais localizadas dentro dessa área.
Tanto a criação do Petar quanto a Lei Estadual nº 16.260/2016, que autoriza a Fazenda do Estado de São Paulo a conceder essas áreas, não foram precedidas de consulta e consentimento prévio dos povos e comunidades tradicionais.
E é isso que está ocorrendo com esta concessão, não garantindo às comunidades locais o direito à consulta e consentimento prévio, livre, informado e de boa fé. Tal direito é previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), vigente desde 2004 no Brasil, e também no Protocolo de Consulta Prévia das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira.
Além da falta de consulta, nenhum estudo de impactos socioambientais do projeto de concessão foi realizado, parte fundamental para que as comunidades afetadas possam se manifestar, participar e dialogar de forma qualificada sobre ele.
Além da concessão do Petar, o ato abordará ainda outras denúncias e ameaças sofridas pelos territórios de Comunidades Tradicionais, que seguem em resistência frente a ameaças como mineração, barragens, monoculturas florestais, grilagem, racismo estrutural e criminalização de suas práticas e modos de vida.
Serviço
Ato contra a concessão do Petar em Iporanga (SP)
Data/Horário: 9 de abril - 9h00
Local: Coreto Igreja Matriz de Sant’ana. Praça Luiz Nestlehner, Centro - Iporanga (SP)