Brasil Socioambiental: desenvolvimento, sim. De qualquer jeito, não.
Um dos motes do ISA em sua fundação
A política é o meio de exercer a cidadania para garantir direitos. Nesse campo, o ISA visa contribuir para o Brasil ser um país mais justo e sustentável, a partir de marcos legais, institucionais e de políticas públicas que reflitam os desafios colocados à sociedade brasileira, incluindo povos indígenas e comunidades tradicionais, cujo papel para a manutenção de nosso patrimônio socioambiental é fundamental. Com o trabalho em Política e Direito, trazemos para o debate público e à formulação de normas e políticas as experiências desenvolvidas por e com nossos parceiros, bem como o conhecimento acumulado pelo próprio ISA nos temas socioambientais.
Atuar com o tema Política e Direito é um dos pilares do trabalho do ISA desde sua criação. O Núcleo de Direitos Indígenas (NDI), organização que precedeu e integrou a fundação do ISA, foi uma referência na sociedade civil brasileira nos anos 80 e 90, atuando junto aos poderes da República para a implementação dos direitos constitucionais indígenas, conquistados na Constituição de 1988. O trabalho do Programa Povos Indígenas do Centro Ecumêmico de Documento e Informação (Cedi), outra instituição que participou da criação do ISA, também sempre esteve voltado para a garantia dos direitos dos Povos Indígenas.
Desde sua fundação, em 1994, o ISA ampliou essa atuação para outros temas socioambientais, tendo participado ativamente de debates sobre a formulação de leis e políticas fundamentais ao desenvolvimento sustentável do País. Esse trabalho requer constante articulação interinstitucional no âmbito da sociedade civil, dos movimentos sociais e com outros setores, o que fazemos por meio da participação de nossos advogados, pesquisadores e ativistas em coletivos, fóruns e redes.
A missão da equipe do ISA que atua diretamente com o tema Política e Direito valoriza as iniciativas políticas e legislativas de caráter propositivo, qualificando o debate público e apresentando soluções aos desafios em pauta, mas sem abrir mão dos recursos de obstrução e das estratégias de denúncia e de resistência política contra qualquer ameaça de retrocesso.
A equipe do ISA reúne perfis multidisciplinares e opera em articulação direta com os demais times da organização, sempre antenada com as demandas e propostas da sociedade civil para a agenda socioambiental e atenta à atuação dos atores políticos e tomadores de decisão. Além disso, atuamos inspirados pelo movimento social que mobiliza milhares de corações e mentes pelo Brasil para transformar o País em um lugar mais justo e sustentável.
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"A economia da floresta é inimiga da monocultura": entidades lançam observatório na Câmara dos Deputados
Evento contou com apoio da Frente Parlamentar Ambientalista. ÓSocioBio buscará acompanhar e influenciar políticas relacionadas à economia da sociobiodiversidade
Foi lançado nesta quarta-feira (1/6), na Câmara dos Deputados, o Observatório da Economia da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), um coletivo de organizações da sociedade civil e movimentos sociais ligados à economia dos produtos da sociobiodiversidade e de seus territórios, que buscará acompanhar e influenciar positivamente as políticas no Congresso Nacional e no Executivo relacionadas à temática.
O lançamento, realizado em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista, contou com a presença de diversos deputados, que lembraram a importância e os desafios da agenda e a necessidade de fazê-la avançar. “Hoje o país tem que apresentar um plano de gestão que contemple as necessidades do nosso planeta”, afirmou a deputada Joenia Wapichana (Rede/RR). Ela lembrou a urgência do momento eleitoral e a necessidade de cobrar o compromisso dos candidatos com a economia da sociobiodiversidade, entre outros temas ambientais. No dia 22 de junho, o ÓSocioBio apresentará suas propostas para o próximo governo no Senado Federal.
Entre os deputados, participaram do evento o vice presidente nacional do PT, Marcio Macedo (PT/SE), Nilto Tatto (PT/SP), Erika Kokay (PT/DF), Talíria Petrone (Psol/RJ), Alessandro Molon (PSB/RJ) e Padre João (PT/MG). Pela sociedade civil, representantes do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS), da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), do WWF-Brasil, do Observatório do Clima, do Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus), do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), da Fian-Brasil, da ACT Promoção da Saúde, entre outras entidades.
Pelo Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santilli disse que as estratégias para a superação da crise climática e ambiental passam pelo apoio de uma economia alternativa. “A economia da sociobiodiversidade, ou a economia da floresta, é inimiga da monocultura. Ela é diversidade por princípio, pela própria lógica da reprodução dos ecossistemas naturais, das florestas. Portanto, fomentar esse tipo de economia não é a mesma coisa que fomentar a monocultura, uma cadeia econômica específica e isolada. É preciso lidar com essa diversidade, ter propostas e soluções que sejam capazes de contemplar justamente a diversidade, porque é ela que protege e que garante a longo prazo a sobrevivência dos nossos ecossistemas naturais”.
Durante o evento foi lida a carta de criação do Observatório. “A economia da sociobiodiversidade, em contraste com a narrativa emergente da bioeconomia, tem como cerne a diversidade de seus povos, comunidades e territórios, a valorização dos conhecimentos tradicionais e da biodiversidade, o cuidado com o meio ambiente e os modos de vida. Também o protagonismo de mulheres e o estímulo ao engajamento da juventude distinguem a organização social que dá sustentação às cadeias da sociobiodiversidade e informam sobre o projeto de futuro que elas postulam: o de uma sociedade mais justa e democrática”, afirma o documento.
Integrantes do Observatório da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio) e deputados da Frente Parlamentar Ambientalista durante lançamento na Câmara dos Deputados.
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Com novo Protocolo de Consulta, povo Arara exige participação nas regras de asfaltamento da Transamazônica
Documento estabelece condições para consulta de indígenas sobre projetos que afetam as duas Terras Indígenas, como a BR-230
A abertura da Transamazônica na década de 1970 foi uma experiência traumática para o povo indígena Arara. A estrada federal cortou o seu território ao meio, trouxe fome, doenças e violência. Agora, o governo prevê uma outra obra nessa rodovia que impactará novamente os Arara. A diferença é que dessa vez, os indígenas têm em mãos uma arma poderosa: seu Protocolo de Consulta.
São duas publicações: o Protocolo de Consulta da Terra Indígena Cachoeira Seca e o Protocolo de Consulta da Terra Indígena Arara, lançados no dia 29 de abril em Altamira (PA). Eles estabelecem as regras que os não indígenas devem seguir antes de fazerem qualquer empreendimento próximo aos territórios. É o caso do asfaltamento da Transamazônica justamente no trecho contíguo às duas Terras Indígenas.
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Indígena Iptjimaum Arara descarrega um tatu-canastra na aldeia Iriri após um dia de caça na Terra Indigena Cachoeira Seca/Lalo de Almeida
Entre os dias 4 e 8 de abril, com os protocolos em mão, lideranças dos dois povos seguiram para Brasília. Ali, foram aos principais órgãos do governo federal, para exigir a consulta prévia, livre e informada sobre duas obras que impactam seus territórios: o asfaltamento da BR-230 e a hidrelétrica de Belo Monte, cuja licença de operação está em processo de renovação.
A delegação participou de reuniões com representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovávei (Ibama), do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit), da Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF). Os dois protocolos foram apresentados para cada um desses órgãos. A partir de agora, devem ser utilizados antes das próximas tomadas de decisão nos processos de licenciamento ambiental da BR-230 e da UHE Belo Monte, que impactam as Terras Indígenas Arara e Cachoeira Seca.
A Transamazônica corta a Amazônia de leste a oeste e foi aberta durante a ditadura militar. A maior parte dela ainda não é asfaltada. O próximo trecho a ser pavimentado é justamente aquele que passa perto do território Arara. O impacto será direto: uma obra como essa valoriza o preço da terra na região, já que facilita seu acesso. Isso impulsiona a especulação fundiária e as invasões de grileiros das terras indígenas. E esse é apenas um dos impactos.
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Vista aérea da aldeia Laranjal às margens do rio Iriri, na Terra Indígena Arara|Lalo de Almeida
Em Brasília, a delegação também protocolou na Funai e no Ibama a Carta da Associação Indígena do Povo Arara Ugorog’mó nos processos de licenciamento ambiental das duas obras. A delegação ainda apresentou seus Protocolos de Consulta e a Carta com os pedidos de Consulta sobre a BR-230 e a renovação do licenciamento da UHE Belo Monte a representantes do DNIT, da DPU e do Ministério Público Federal (MPF).
Transamazônica: bloqueio do trecho km 750 a km 851
Nas décadas de 1970 e 1980, a abertura da Transamazônica cortou o território tradicional dos Arara ao meio, trazendo violência, doenças e fome, e forçando os indígenas a fazerem contato definitivo com a sociedade não-indígena. Em 1983, uma parte desse povo se estabeleceu na região que se tornou a Terra Indígena Arara. Em 1987, outro grupo fez o contato com os não-indígenas e se estabeleceu na região demarcada como Terra Indígena Cachoeira Seca, atualmente uma das mais desmatadas da Amazônia.
Com o início da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em 2011, os dois territórios passaram a sofrer ainda mais com o assédio constante de invasores e com o roubo de madeira. Muitas vezes, os próprios indígenas fazem expedições de proteção territorial, colocando a própria vida em risco. A pavimentação do trecho da Transamazônica (BR-230) entre Medicilândia e Rurópolis, limítrofe à TI Arara, aumenta a preocupação com a pressão de madeireiros, invasores, grileiros e garimpeiros devido à valorização das terras na faixa de domínio da rodovia e a intensificação do fluxo de karei (não indígenas).
Tanto a TI Arara quanto a TI Cachoeira Seca são formalmente reconhecidas como impactadas pela rodovia e estão incluídas no Componente Indígena do processo de licenciamento ambiental da pavimentação da Transamazônica (BR-230) no Pará, iniciado no ano de 2005. A construção do trecho está bloqueada pelo Ibama até que sejam cumpridas as condicionantes: execução de Plano de Proteção nas Terras Indígenas, a extinção das estradas clandestinas e o apoio às ações de desintrusão (retirada de invasores) das Terras Indígenas, além da elaboração e validação do Componente Indígena do Plano Básico Ambiental (PBA-CI) com a participação indígena.
Segundo a Funai, tais ações ainda não foram executadas. Por isso, a obra segue bloqueada. O Dnit, no entanto, iniciou a construção de algumas pontes, ferindo o direito de consulta dos indígenas. Os Arara exigem a consulta sobre o cumprimento das condicionantes e também sobre a construção dessas pontes. Esse passo deve ser feito pela Funai já observando as regras estabelecidas nos dois protocolos.
Proteção Territorial: Desintrusão da TI Cachoeira Seca e bases de proteção territorial
Uma das Terras Indígenas mais desmatadas do país, a TI Cachoeira Seca aguarda o início imediato da desintrusão do território desde novembro de 2020. A desintrusão é a retirada de invasores ilegais que se instalaram dentro do território e é uma condicionante da Usina Hidrelétrica de Belo Monte que não foi cumprida até hoje.
O processo estava parado, ferindo um direito do povo Arara e uma decisão da Justiça Federal de Altamira. No dia 6 de abril, a delegação Arara se reuniu com representantes da Diretoria de Proteção Territorial (DPT) da Funai para discutir esse tema. Estavam acompanhados de um representante da DPU. Acatando uma solicitação da DPU, a Funai se comprometeu a reunir a comissão responsável por avaliar benfeitorias (construções feitas dentro da TI antes da sua demarcação e cujos donos não indígenas devem ser indenizados pelo governo). Com essa reunião, a Funai pode deliberar sobre ocupantes de boa fé (aqueles anteriores à demarcação da Terra Indígena). Depois dessa etapa, não há mais nenhum entrave para que a desintrusão (retirada de invasores ilegais que não devem ser indenizados) seja feita.
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Mulheres Arara durante lançamento do Protocolo de Consulta do Povo Indígena Arara, na aldeia Iriri|Lalo de Almeida
Outro compromisso estabelecido pela Funai nessa reunião é o andamento do processo de construção de duas bases de proteção territorial dentro da Terra Indígena Cachoeira Seca, que faziam parte do Plano de Proteção, uma das condicionantes de Belo Monte, mas que nunca foi cumprida. O aumento do fluxo de não indígenas na região por conta da construção da usina era um fator conhecido de aumento de invasões e desmatamento na região. Por isso, a concessionária deveria garantir a construção de duas bases de proteção em pontos estratégicos da Terra Indígena - locais que são, sabidamente, rotas de invasão. Essas bases deveriam ter sido feitas antes da emissão da licença de instalação da Usina, em 2012. Mas até hoje, 10 anos depois, nada foi feito. Essa década sem o Plano de Proteção Vigente potencializou a vulnerabilidade territorial da TI, uma das mais desmatadas do Brasil e que hoje vive o passivo de invasões, grilagem, desmatamento e roubo de madeira. Os indígenas já vivem a redução da caça, da pesca e maior dificuldade em manter seu modo de vida graças à escalada das invasões.
Na reunião com os Arara, a Funai afirmou que as tratativas entre a Norte Energia (concessionária de Belo Monte e responsável pela desintrusão) e as Forças Públicas de Segurança para implantação das bases foram reiniciadas recentemente. Segundo o órgão, um novo cronograma para a sua construção deve ser executado o mais rapidamente possível.
A DPU afirmou junto aos indígenas o compromisso de monitorar o processo e de solicitar à DPT/FUNAI um cronograma dos próximos passos para a desintrusão e para a construção das bases de proteção na TI Cachoeira Seca.
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Minha floresta, minhas regras
Após experiências traumáticas com obras de infraestrutura como a Transamazônica, povo Arara publica protocolos de consulta para garantir direito ao território e se preparar para uma nova fase de luta
À frente, Mubuo OdoMuté Arara, da TI Arara, com o Protocolo de Consulta do Povo Indígena Arara, durante lançamento na aldeia Iriri, Terra Indigena Cachoeira Seca|Lalo de Almeida
Na mesa do auditório da Universidade Federal do Pará, Ororigó Arara compartilha com a plateia os relatos de sofrimento que chegaram até ela por meio de sua mãe. É o dia do lançamento do Protocolo de Consulta de seu povo, um documento que detalha como os Arara devem ser consultados quando os não indígenas quiserem fazer qualquer coisa que tenha impacto em suas terras. Ororigó relembra os ensinamentos de sua mãe: “ela me falava que os brancos são ruins, que nosso povo sofreu muito. Minha mãe sofria muito andando comigo, os madeireiros não deixavam a gente dormir nem de dia e nem de noite”, conta.
O sofrimento dos Arara é consequência direta de uma obra feita durante a ditadura militar. No trecho paraense da Rodovia Transamazônica, a BR-230, o território Arara foi cortado ao meio e trouxe o não indígena para a região. A obra foi feita sem considerar os direitos do povo Arara e de outros indígenas que viviam na região, e que foram afetados diretamente. Para que algo assim nunca mais aconteça, os Arara lançaram seus protocolos de consulta.
São dois protocolos: um escrito pelos Arara da Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca (Iwaploné endyt Ugorog’mó tantpót karei inabyly wa) e outro pelos Arara da TI Arara (Iwaploné Karei Emiagrin Idandyt Tjimna). Nos documentos, os indígenas definem as regras para a consulta em cada território. O direito de consulta aos povos originários e tradicionais é estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Isso significa que nenhum empreendimento que tenha impacto nas TIs pode ser feito sem antes escutar os moradores. Essa consulta tem que cumprir um protocolo claro, estabelecido pelos indígenas.
Durante a construção da Transamazônica , nas décadas de 1970 e 1980, os Arara foram obrigados a mudar sua vida. De uma existência livre, andando pela mata, eles passaram a viver com medo, fugindo dos não indígenas, ouvindo barulhos que pareciam explosões, sem nunca permanecer muito tempo em um lugar. Anos se passaram desse jeito, com as comunidades resistindo, até que a situação se tornou insustentável e elas decidiram fazer o contato com os não indígenas. De um grande território que se estendia do Rio Tapajós até o Rio Iriri (veja o mapa), os Arara se fixaram em áreas muito menores na beira do Iriri.
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Um dos grupos, que fez contato em 1983, se fixou no que hoje é a Terra Indígena Arara. Outro grupo fez o contato em 1987, e é considerado de recente contato; são os Arara da TI Cachoeira Seca. Anos depois, no início da década de 2010, outra obra atropelou o destino dos Arara: a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A obra trouxe uma nova leva de não indígenas para a região - os karei - e uma onda de invasões, sobretudo na TI Cachoeira Seca (veja o mapa).
E, apesar de tanto desrespeito, os Arara se definem como um povo alegre. Alegre, forte e resistente. Assim eles escreveram em seu protocolo de consulta. Foram dias de festa nos dois territórios durante o lançamento dos documentos. Na aldeia Iriri, da TI Cachoeira Seca, e na aldeia Laranjal, da TI Arara, eles caçaram, pescaram, fizeram beiju (abad) e amry, um fermentado de vários legumes, principalmente mandioca. Durante dois dias, dançaram e cantaram na Casa de Cultura e na Casa dos Homens, no centro das duas aldeias, comemorando essa nova etapa da resistência.
“Devemos ser consultados antes de tudo, antes das obras do branco”, afirma Timbektodem Arara.
“Tenho orgulho de ter minha comida tradicional, meu canto, minha raiz. Do meu território eu tiro minha comida tradicional. Nossa caçada é de vários dias no mato, por isso nós precisamos de território para isso”, explica o cacique da aldeia Iriri, Mobu Odó Arara.
A situação da Cachoeira Seca é alarmante. Sob o governo Jair Bolsonaro, foram desmatados 7.249 hectares, entre agosto de 2019 e julho de 2020 . A área é uma das mais desmatadas da Amazônia. Homologada em 2016, a desintrusão (retirada) dos invasores era uma das condicionantes de Belo Monte que até hoje não foi cumprida. Desde novembro de 2020, os Arara aguardam o início imediato da desintrusão, mas até agora nada foi feito (entenda o caso).
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Criança indígena observa sua mãe lavar louça no rio Iriri, na aldeia Laranjal, Terra Indigena Arara|Lalo de Almeida
A floresta é a casa dos Arara. Com mais desmatamento, aumenta a dificuldade para conseguir alimentos e manter o modo de vida tradicional.
“É da floresta que a gente tira remédio, alimentação, sustento financeiro. Tudo tá ali dentro da floresta no nosso território, por isso que a gente fala nossa casa”, diz Mobu Odó. “Mas está cada vez mais difícil para caçar. A nossa caça diminuiu muito, antes não precisava andar tanto, dormir na mata. Matava porco aqui na frente mesmo. E hoje não tem nada disso, já vemos o impacto e os animais indo embora. Quando derruba castanheira, ou massarandubeira ou mesmo mogno, que a gente usa muito a semente para tratar verme, nós ficamos muito triste”, lamenta.
Da invasão na Cachoeira Seca, os grileiros tentam entrar ilegalmente na vizinha TI Arara. Os indígenas têm se organizado para resistir, muitas vezes arriscando a própria vida. Tatji Arara participou de algumas expedições dentro da floresta em busca de invasores. Por causa desse trabalho, Tatji já foi ameaçado de morte.
Tambyapé já participou de expedições também. “Ano retrasado encontramos uma serraria manual dentro da nossa terra, no meio do mato. Encontramos trator, motor, barraca”, afirma.
Tambyapé afirma que o protocolo é importante porque muitas vezes os não indígenas já chegam com seus projetos prontos, sem perguntar para os indígenas sua opinião. “O protocolo de consulta é uma arma, uma ferramenta. Hoje em dia vivemos uma situação onde muitas coisas só podem ser conseguidas por documento, reunião. Muitas vezes os brancos não perguntam como deve ser feito, já chegam fazendo. e o protocolo diz como nós queremos ser consultados”, explica.
Outra ação para proteger o território foi abrir duas novas aldeias nas margens da Transamazônica, do outro lado da TI, já que a maior parte das invasões ocorre por essa via. Assim, fica mais fácil monitorar e impedir a entrada de invasores. Mas a mudança traz consequências: os Arara que moram nessas aldeias têm dificuldade de acesso à água potável. De acordo com eles, muitas fontes estão contaminadas.
Outro temor é o asfaltamento da Transamazônica entre Rurópolis e Medicilândia, justamente no trecho contíguo ao território Arara. Os Arara aguardam a consulta, de acordo com a previsão legal, mas até agora não foram procurados pelo Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes).
“A gente ficou sabendo que o Dnit ficou querendo asfaltar a BR-230 e até agora não vieram apresentar nenhum projeto pra gente, pra falar, pra conversar, pra ver se a gente aceita, se a gente não aceita… Até agora eles não vieram”, conta Tambyapé.
Para os moradores dessas duas aldeias, o impacto é direto: os caminhões e carros vão acelerar ainda mais na estrada em frente à aldeia, ameaçando as crianças que moram ali, além de toda a fauna. Mas o impacto será muito maior: o asfaltamento tende a valorizar as terras no entorno, gerando uma corrida por novas áreas, especulação fundiária e à intensificação das invasões.
“Nosso medo de impacto é da terra ter mais valor, e a invasão aumentar. Tamo com muito medo de quanto asfaltar de lotearem e venderem nossa terra pra quem tá chegando”, explica Timbektodem.
“Nós queremos a nossa terra livre, sem desmatamento, porque precisamos dela, a gente vive aqui na mata”, afirma Mulik Arara, uma jovem liderança da aldeia Iriri.
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Mulheres Arara mostram Protocolo de Consulta do Povo Indígena Arara, durante a celebração de lançamento na aldeia Iriri|Lalo de Almeida
Contato
As principais lideranças de hoje eram muito pequenas ou ainda nem tinham nascido na época do contato. Mas os mais velhos eram adultos ou crianças maiores e lembram bem de quando os karei começaram a invadir suas terras.
“Antigamente tinha muito branco na nossa terra, nós víamos os caminhos do karei”, diz Typy Arara, anciã da aldeia Iriri. “Os brancos eram muito ruins para nós. Ficou um pouco melhor, mas depois os madeireiros tão mexendo muito na nossa terra. Estamos muito preocupados, parece que eles querem expulsar a gente. Eu já sou velha, mas quero essa terra protegida para os meus meninos”, completa.
Mortiri Arara, ancião da aldeia Laranjal, relembra a primeira vez que teve contato com os brancos, provavelmente da Frente de Atração da Funai. “Por muito tempo, falavam pra nós que os brancos comiam a gente, os brancos espantavam nós, por isso a gente corria”, relata. A Transamazônica tornou essa fuga impossível. “Como é que nós vamos correr, pra onde vamos fugir se para ali tem a Transamazônica? Então conversamos entre nós: como é que nós vamos fazer com esse pessoal?”, lembra.
“As outras pessoas estavam com medo, mas eu mesmo não estava, não pegamos as coisas todas dos brancos. Aí os brancos começaram a gritar e chamar a gente e a gente discutiu. O que vamos fazer com os karei? Decidimos ir ver os karei. Decidimos ir em quatro. Eu fui primeiro. Deixamos as crianças num lado e fomos lá nos karei. O karei tava gritando sentado, apareceu sozinho, mas tinha gente escondida com ele. Karei tava chamando, 'vem aqui, vem aqui', oferecendo alguma coisa pra ele”, comenta.
A lembrança de Iogó Arara, da aldeia Iriri, é de um tempo de abundância antes da chegada dos não indígenas. Segundo ela, os Arara tinham mais acesso a plantas medicinais da floresta e por isso sofriam menos com problemas de saúde. “Antigamente a gente bebia o remédio do mato, feito do cipó. Essas plantas curavam mesmo”, diz ela. “Não tinha roça antigamente, tinha bebida tradicional mesmo, nós comia mel, macaco, guariba”, conta. Até que os brancos chegaram com violência e começaram a matar seus parentes. “Mataram o Tibi e o Kowit”, relembra.
Mulheres Arara dancam durante a festa de celebracao do lançamento do Protocolo de Consulta do Povo Indígena Arara, na aldeia Iriri, Terra Indigena Cachoeira Seca|Lalo de Almeida
Vista aérea da aldeia Laranjal às margens do rio Iriri, na Terra Indígena Arara. Com a perspectiva de asfaltamento da rodovia Transamazonica e dos possíveis impactos socioambientais dessa obra, os indígenas da Terra Indigena Arara e da Terra Indigena Cachoeira Seca organizaram um protocolo de consulta para ser utilizado sobre qualquer decisão do governo que afete o seu território/Lalo de Almeida
Aldeia Arado na Terra Indígena Arara, que fica localizada às margens da rodovia Transamazonica, próxima a Uruará|Lalo de Almeida
Operários trabalham na construção de uma ponte sobre um igarapé na rodovia Transamazônica, em área próxima à Medicilandia|Lalo de Almeida
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STF forma maioria contra atos de Bolsonaro que excluíram sociedade de órgãos ambientais
Decisão é derrota importante do governo, que luta contra participação social. Caso incluído no ‘Pacote Verde’ será concluído nesta quinta, com voto do presidente do tribunal, Luiz Fux
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, na tarde desta quarta (27), para derrubar os decretos do presidente Jair Bolsonaro que excluíram a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), do Conselho Nacional da Amazônia e do conselho orientador do Fundo Amazônia.
A revogação das normas foi requerida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 651, ajuizada pela Rede Sustentabilidade. Inicialmente, a ação pedia a inconstitucionalidade da exclusão da participação social apenas no FNMA. Depois, por aditamento (complemento), foi solicitada a inclusão dos outros dois conselhos.
Até agora, dez ministros já votaram, restando apenas o pronunciamento do presidente da corte, Luiz Fux. O julgamento será retomado na tarde desta quinta (28).
Sobre o FNMA, o placar está em 9 a 1. A única divergência foi do ministro Nunes Marques. Quanto aos outros conselhos, outros ministros divergiram sobre a possibilidade de se analisar os casos por questões formais, o que impedediria, na visão deles, o julgamento do mérito. Com isso, o julgamento está em 8 a 2, no caso do Conselho Nacional da Amazônia, e em 6 a 4, no do Fundo Amazônia.
Assim, mesmo sem o voto de Fux, há maioria para derrubar os três decretos.
Junto com outras seis ações que fazem parte do chamado "Pacote Verde", a ADPF pretende reverter parte do desmonte das políticas ambientais promovido pela gestão federal (leia mais ao final da reportagem).
“Os atos impugnados, ao eliminarem a participação da sociedade civil do conselho do FNMA, e ao implantar uma política de meio ambiente que tem resultado no aumento da degradação ambiental - esse é um fato objetivo, não é uma opinião - a administração pública está interferindo em um direito fundamental à proteção ambiental e no direito de participação da sociedade, um retrocesso”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso na sessão de hoje.
Derrota de Bolsonaro
A decisão é uma vitória da sociedade civil e uma derrota importante para Bolsonaro, que luta contra qualquer tipo de participação popular e controle social do Estado, especialmente em matéria socioambiental. Ele extinguiu dezenas de colegiados e instâncias participativos por meio de “revogaços”.
O julgamento da ADPF 651 foi iniciado em 6/4, com o voto da relatora Cármen Lúcia. Ela acatou todos os pedidos feitos na ação original. Os ministros Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes acompanharam a posição de Cármen na íntegra. André Mendonça seguiu a relatora apenas no pedido relativo ao FNMA e argumentou que os outros dois casos deveriam ser tratados em outras ações. Nunes Marques ficou sozinho ao defender a improcedência integral da ADPF.
Marques listou praticamente os mesmos argumentos do governo, da Advocacia-Geral da União (AGU) e do procurador-geral da República, Augusto Aras. Entre eles, o de que a edição de decretos é um instrumento exclusivo do presidente da República e, portanto, ele teria autonomia para redesenhar os conselhos dos órgãos ambientais sem respeitar qualquer parâmetro.
A análise do "Pacote Verde" começou no dia 30/3, com a leitura do voto de Cármen sobre a ADPF 760 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54, das quais também é relatora. A primeira ação pede a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm) e o cumprimento das metas climáticas do Brasil. A segunda acusa de negligência a administração federal no combate à devastação da floresta.
Em seguida, o ministro André Mendonça pediu vistas do processo, suspendendo-o. Não há data para a sua retomada (saiba mais). O ISA é uma das ONGs responsáveis pela elaboração da ADPF 760.
Constituição prevê participação
Na sessão de hoje, os principais argumentos usados pelos ministros que defenderam a representação da sociedade nos órgãos ambientais foram o princípio da proibição do retrocesso em matéria ambiental e a violação dos direitos constitucionais ao meio ambiente equilibrado e à participação política.
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Ministro Edson Fachin | Rosinei Coutinho / SCO / STF
O primeiro a falar foi o ministro Édson Fachin. Ele lembrou que a previsão de participação na tomada de decisões oficiais está prevista explicitamente na Constituição.
“O princípio democratico inequivocamente informa a Constituição e, de saída, não apenas no seu preâmbulo, mas no parágrafo único do artigo primeiro, demandando a participação direta da sociedade civil nas inúmeras questões que lhe concernem”, afirmou. E continuou: “Considerada a democracia participativa, o cidadão não é mero sinônimo de eleitor, mas de indivíduo participante e controlador da atividade estatal”.
Barroso também insistiu que o meio ambiente equilibrado é direito e dever da sociedade brasileira, o que exige a participação nas deliberações sobre o tema. “A democracia deliberativa significa que a democracia não se limita apenas ao voto, mas exige também um debate público permanente e participativo que legitima as decisões”, assinalou.
Crise ambiental
Em sua fala, o ministro chamou a atenção para a urgência da crise ambiental e climática e foi taxativo ao expor o desmantelamento dos órgãos e políticas ambientais arquitetado pela gestão Bolsonaro.
Ele lembrou que, entre 2004 e 2012, o PPCDAM foi responsável por reduzir as taxas de desmatamento em 80%, chegando a 4 mil quilômetros quadrados, enquanto elas alcançaram recordes de o triplo disso nos últimos três anos. Mencionou que as emissões globais de gases de efeito estufa caíram 7%, em 2020, enquanto subiram 9,5% no Brasil, impulsionadas pelo desmatamento. A devastação da floresta é a principal responsável por nossas emissões.
Barroso destacou ainda compromissos assumidos pelo Brasil no tratado internacional de mudanças climáticas, como reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa, até 2030, e acabar com o desmatamento ilegal, até 2028.
“O Brasil tem descumprido esses compromissos. Na verdade tem andado na direção oposta. Em vez de reduzir, está aumentando suas emissões de gases de efeito estufa e o seu desmatamento”, criticou. “Portanto, se o Estado brasileiro estivesse cumprindo a legislação e suas obrigações internacionais, eu concordaria que o Judiciário e o Supremo não deveriam interferir. Mas diante do quadro de manifesto descumprimento da Constituição e dos compromissos internacionais, qual a opção que sobra?” questionou.
“As consequências de um mundo sem a Amazônia serão catastróficas para o planeta e para o Brasil. Além do incremento do aquecimento global, haverá redução drástica das chuvas, que no caso brasieiro são imprescindíveis para o agronegócio e para a geração de energia”, finalizou.
Até fevereiro de 2020, o FNMA tinha nove representantes do governo e oito da sociedade civil. No "revogaço" de normas infralegais (decretos, portarias, instruções etc, de responsabilidade do Executivo) realizado na época, a participação de fora do governo acabou e o número de integrantes foi reduzido a seis.
O Conselho Nacional da Amazônia era formado por representantes de órgãos federais e também governadores, mas essa última participação foi igualmente extinta pela atual gestão federal.
Ações do “Pacote Verde”
1. ADPF 760: pede a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e o cumprimento de metas climáticas.
2. ADPF 735: questiona decreto presidencial que retira autonomia do Ibama na fiscalização de crimes ambientais e a transfere para as Forças Armadas pela Operação Verde Brasil.
3. ADPF 651: pede inconstitucionalidade de decreto que excluiu a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, do Conselho Nacional da Amazônia e do comitê orientador do Fundo Amazônia.
4. ADO 54: acusa o governo federal de omissão no combate ao desmatamento.
5. ADO 59: pede a reativação do Fundo Amazônia, o repasse de recursos financeiros de projetos já aprovados e a avaliação dos projetos em fase de consulta.
6. ADI 6148: questiona resolução do Conama que estabelece padrões de qualidade do ar abaixo do orientado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
7. ADI 6808: contesta medida provisória transformada em lei que permite licença ambiental automática para empreendimentos considerados de grau de risco médio e impede que órgãos de licenciamento solicitem informações adicionais àquelas registradas na Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).
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STF inicia julgamento histórico do 'Pacote Verde'
Duas primeiras ações, sobre Amazônia e mudança do clima, tiveram voto favorável da ministra Cármen Lúcia e pedido de vistas do ministro André Mendonça
Com a finalização do voto da ministra Cármen Lúcia e o pedido de vistas do ministro André Mendonça, acabou na quarta-feira (6) a primeira parte do julgamento do “Pacote Verde” no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na qualidade de relatora, a ministra analisou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54, que tratam do enfrentamento à emergência climática, da proteção da Amazônia e exigem a execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm). O ISA é uma das organizações da sociedade civil responsáveis pela elaboração da ADPF 760.
Em voto considerado histórico, Cármen Lúcia acolheu as alegações e pedidos das ações e declarou a existência de um “estado de coisas inconstitucional”. O termo jurídico designa situação de omissões e falhas estruturais nas ações governamentais em relação às políticas públicas classificadas como essenciais pela Constituição, resultando em massiva violação de direitos fundamentais.
A ministra propôs um prazo de 60 dias para que o governo apresente um plano para a retomada do PPCDAm e para o cumprimento da meta climática com a qual o país comprometeu-se internacionalmente (máximo de 3.925 km² de desmatamento por ano até 2020). Em 2021, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Amazônia teve um desmatamento de mais de 13,2 mil km².
Cármen Lúcia determinou, ainda, a apresentação de um plano de fortalecimento institucional para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), além de medidas de monitoramento, transparência e controle social do cumprimento da decisão.
A ministra ainda comparou o desmonte das políticas ambientais ao que chamou de “cupinização institucional”. “Com relação ao meio ambiente, especificamente, as instituições são destruídas por dentro, como cupim, sem que se mostre exatamente o que se passa. Promovem-se políticas públicas ineficientes, ineficazes”, criticou.
O ministro André Mendonça seria o próximo a se pronunciar, mas pediu “vistas” para analisar melhor os processos. A solicitação suspende a apreciação das duas ações por 30 dias, mas não raro esse prazo regimental não é cumprido. Assim, não há data marcada para a retomada do julgamento.
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Plenário do STF durante julgamento do 'Pacote Verde' | Nelson Jr. / SCO-STF
Pacote Verde
Ainda no dia 6, começou a análise da ADPF 651, outra do pacote e que contesta a constitucionalidade do decreto que excluiu a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente. No dia seguinte, a sessão terminou com o voto favorável à ação da relatora, também Cármen Lúcia, que foi seguido pelos ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e, em parte, André Mendonça. O ministro Nunes Marques abriu divergência, entendendo não haver inconstitucionalidade no decreto. O julgamento será reiniciado no dia 20.
O “Pacote Verde” inclui no total sete ações sobre o meio ambiente (veja lista completa no quadro ao final da reportagem). É a primeira vez na história que a Corte estabelece uma agenda comum para julgar ações específicas sobre o tema. Cármen Lúcia é relatora ainda da ADPF 735 e das ADIs 6148 e 6808. A ministra Rosa Weber relata a ADO 59.
As ações denunciam o desmonte das políticas socioambientais no país, acusando o governo Bolsonaro de violar o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, instituído no artigo 225 da Constituição, além de direitos como à vida, à dignidade, à saúde, dos povos e comunidades tradicionais, das crianças, adolescentes e jovens.
ADPF 760
A ADPF 760 pede a retomada e cumprimento urgentes do PPCDAM. O plano foi criado em 2004 e, segundo avaliação de especialistas, foi a mais bem-sucedida política ambiental brasileira, sendo responsável pela redução de 83% nas taxas de desflorestamento entre 2004 e 2012. Porém, em 2019, a iniciativa foi suspensa pelo governo, resultando em seguidos recordes nos índices de destruição da floresta.
A ação também aponta graves violações a direitos fundamentais dos povos indígenas e comunidades tradicionais, que são essenciais para a manutenção da vida, como destacou, durante o julgamento, o advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) Luís Eloy Terena.
“As Terras Indígenas e as Unidades de Conservação são bens da União que funcionam como barreiras territoriais contra o desmatamento. São essas áreas de segurança climática que, ao serem efetivamente protegidas, garantem de forma significativa que o Brasil cumpra as metas assumidas diante da comunidade internacional. O compromisso normativo e ético para combater as mudanças climáticas é uma tarefa de responsabilidade global”, argumentou.
De acordo com Sandra Cureau, subprocuradora-geral da República aposentada, o compromisso constitucional do país não é apenas com a presente geração. “A solidariedade contida no artigo 225 caput da Lei Maior é intergeracional, é preciso que seja garantido também às crianças e aos jovens e aqueles que ainda virão um patamar de equilíbrio ecológico que lhes garanta o direito à vida e à saúde e o respeito aos seus direitos fundamentais”, disse.
Além do ISA, participaram da elaboração da ação a Apib, Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS), Observatório do Clima (OC), Greenpeace Brasil, Conectas Direitos Humanos, Instituto Alana, Engajamundo, Artigo 19 e Terra Azul. A ADPF foi proposta pelo PSB, PSOL, PT, PCdoB, Rede, PDT e PV.
ADO 54
A ADO 54 apresenta uma série de dados que atestam a omissão da administração federal no combate ao desmatamento.
Na análise da ação, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, afirmou que o governo não falhou ao tentar conter a destruição da floresta. Bianco mencionou a criação do Plano para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020-2023, uma espécie de substituto ao PPCDAm. Ele alegou uma suposta tentativa de interferência na atuação do governo por parte das organizações responsáveis pelas ações e pediu seu indeferimento.
“Não houve qualquer descontinuidade no plano de ação para prevenção e controle do desmatamento na Amazônia, [...] mas sim uma evolução para um novo Plano Nacional de Combate ao Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa para os anos 2020 a 2023”, defendeu. “Fica muito claro que as impugnações expostas nessas ações de modo geral traduzem pretensões de intervenção e rearranjo na atuação do poder executivo”, concluiu.
O assessor jurídico do ISA Mauricio Guetta apresentou alguns dos dados que põem em xeque a fala de Bianco. Entre eles, o aumento da taxa de desmatamento da Amazônia nos últimos três anos, de 7,5 km² mil, em 2018, para mais de 13,2 mil km², em 2021; extinção de instâncias governamentais e órgãos de combate aos crimes ambientais e às mudanças do clima; redução no número de autuações pelo Ibama (o menor nos últimos 20 anos); paralisação do Fundo Amazônia.
Guetta também criticou a tentativa do governo de substituir o PPCDAM. De acordo com ele, o novo plano federal, mencionado pelo advogado-geral, não encontra respaldo legal, o que o torna juridicamente inexistente.
“O tal novo ‘plano’ igualmente inexiste devido ao seu conteúdo, por não possuir qualquer das características exigidas à constituição de uma política pública, em franco retrocesso ao que consta do PPCDAm”, criticou. “Estamos em um momento decisivo na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu destino comum. Com a decisão pretendida, o STF pode orientar o Brasil a voltar a caminhar em direção à Constituição Federal e, com isso, restabelecer a esperança do povo brasileiro e de toda a comunidade global”, continuou.
“Esse julgamento é um dos mais importantes da história do direito socioambiental e ele tem uma relevância que transcende os limites do país, porque a Amazônia é essencial para o combate às mudanças climáticas. Sem a Amazônia não há esforço global capaz de frear a mudança do clima. Então a gente está tratando de um elemento essencial para o futuro da humanidade”, concluiu (veja vídeo abaixo).
Já o procurador-geral da República, Augusto Aras, simplesmente ignorou a responsabilidade do governo na crise ambiental e afirmou se tratar de uma questão que não deveria ser julgada pelo STF.
“Não parece a este procurador geral, na espécie, estar evidenciado ato do poder público lesivo a preceito fundamental da Constituição, tampouco omissão constitucional passível de censura, ao menos nesta via processual e nesta assentada de julgamento”, alegou.
Ações do “Pacote Verde”
1. ADPF 760: pede a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia;
2. ADPF 735: questiona decreto presidencial que retira autonomia do Ibama na fiscalização de crimes ambientais e a transfere para as Forças Armadas pela Operação Verde Brasil;
3. ADPF 651: pede inconstitucionalidade de decreto que excluiu a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente;
4. ADO 54: acusa o governo federal de omissão no combate ao desmatamento
5. ADO 59: pede a reativação do Fundo Amazônia, o repasse de recursos financeiros de projetos já aprovados e a avaliação dos projetos em fase de consulta;
6. ADI 6148: questiona resolução do Conama que estabelece padrões de qualidade do ar sem estabelecer prazos para a mudança;
7. ADI 6808: contesta medida provisória que permite licença ambiental automática para empresas consideradas de grau de risco médio e impede que órgãos de licenciamento solicitem informações adicionais, além das informadas à Redesim (Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios).
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Em sessão histórica, STF julgará 7 ações que pedem enfrentamento às mudanças climáticas
É a primeira vez que a Corte pauta ações climáticas; julgamento do “Pacote Verde” pode definir resposta do Brasil à proteção da Amazônia e à crise do clima
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, agendou para o dia 30 de março uma sessão para julgar sete ações relacionadas à proteção do meio ambiente e ao enfrentamento às mudanças climáticas.
As ações contestam o desmonte das políticas socioambientais no país, e questionam se as medidas de enfraquecimento ambiental executadas pelo governo nos últimos três anos violam o direito constitucional ao meio ambiente (Artigo 225).
Entre as ações do “Pacote Verde” - como está sendo chamada o julgamento da Corte - será julgada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760, uma das mais importantes ações socioambientais apresentadas no Supremo, para exigir a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM).
A ADPF 760 apresentou um extenso levantamento de dados e análises sobre a destruição da floresta e a desestruturação de políticas ambientais promovidas pelo governo Bolsonaro. A ação foi concebida por uma coalizão de dez organizações ambientais e de direitos humanos, entre elas o Instituto Socioambiental (ISA).
Das sete ações agendadas para julgamento, seis são relatadas pela ministra Cármen Lúcia e uma pela ministra Rosa Weber. “É a primeira vez que o STF estabelece uma agenda temática de votações para julgar ações que impactam diretamente o enfrentamento às mudanças climáticas”, afirma Maurício Guetta, consultor jurídico do ISA.
“Esse momento é um marco para o país e para o mundo. A proteção da Amazônia e o respeito à legislação ambiental são imperativos para a sociedade brasileira e também para as relações internacionais”, diz Guetta.
Confira a seguir um resumo das ações pautadas para 30 de março:
1. ADPF 760: pede a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia;
2. ADPF 735: questiona decreto presidencial que retira autonomia do Ibama na fiscalização de crimes ambientais e a transfere para as Forças Armadas pela Operação Verde Brasil;
3. ADPF 651: pede inconstitucionalidade de decreto que excluiu a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente;
4. ADO 54: acusa o governo federal de omissão no combate ao desmatamento
5. ADO 59: pede a reativação do Fundo Amazônia, o repasse de recursos financeiros de projetos já aprovados e a avaliação dos projetos em fase de consulta;
6. ADI 6148: questiona resolução do Conama que estabelece padrões de qualidade do ar, sem estabelecer prazos para a mudança;
7. ADI 6808: contesta medida provisória que permite licença ambiental automática para empresas consideradas de grau de risco médio e impede que órgãos de licenciamento solicitem informações adicionais, além das informadas à Redesim (Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios).
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Lideranças de Roraima repudiam PL que legaliza garimpo em Terras Indígenas
Realizada na TI Raposa Serra do Sol, 51ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas condenou em carta o avanço da atividade predatória
Evilene Paixão
- Jornalista da Hutukara Associação Yanomami
Mais de mil lideranças dos povos Wapichana, Macuxi, Taurepang, Wai Wai, Sapará, Yanomami, Patamona e Warao estiveram reunidas na 51ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima, realizada no Centro Regional Lago Caracaranã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
No centro das discussões estiveram as ameaças aos povos indígenas da região, sobretudo o PL 191, que regulamenta o garimpo e outras atividades predatórias em Terras Indígenas.
De autoria do presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o PL 191 voltou às discussões na Câmara dos Deputados após ser incluído na agenda legislativa prioritária do governo federal para o ano de 2022.
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Diversas lideranças estiveram na 51ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima|Evilene Paixão/ISA
Em 9 de março, mesmo sob pressão da sociedade civil, a Câmara votou e aprovou o regime de urgência para votação do PL 191, que deve ir para o Plenário em meados de abril.
Segundo o coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), entidade organizadora do evento, Edinho Batista, os povos indígenas em todo o país precisam se aliar para fazer frente a retrocessos como o PL 191.
"Vamos referendar uma estratégia de embate para defender o direito dos povos indígenas. As populações indígenas têm sofrido com diversos ataques às suas vidas, com a pandemia e esses projetos de lei de morte”, disse.
Ele ainda destacou a necessidade de apoiar o povo Yanomami, que sofre com a invasão de mais de 20 mil garimpeiros em seu território. “Temos ciência que o problema de invasão do garimpo e devastação dentro da Terra Yanomami já foi denunciado no mundo todo, mas nada é feito”, lamentou.
“Vamos fazer Roraima e o Estado Brasileiro pararem para ouvir a população indígena, pois não é só um problema dos Yanomami, mas nosso, de todos os povos indígenas”, sublinhou Batista.
O vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Kopenawa, afirmou que sua participação na assembleia foi importante para denunciar a invasão garimpeira, construir parcerias e também festejar os 51 anos de resistência dos povos indígenas de Roraima, por meio do CIR.
“Precisamos nos unir! Precisamos ser fortes! Outros parentes indígenas que não têm seus territórios demarcados também sofrem com o garimpo, a precarização da saúde e a falta de políticas de educação e proteção territorial. Viemos apoiar o CIR nessa luta de 51 anos de resistência e convidar para os 30 anos de homologação da Terra Indígena Yanomami. Isso é um grande fortalecimento político indígena aqui em Roraima, principalmente para combater o garimpo dentro das nossas terras”, enfatizou.
Durante o evento, conselheiros, tuxauas e presidentes de associações indígenas tiveram a oportunidade de debater e denunciar as ameaças em outras regiões como nos territórios Wai Wai, no sul do Estado.
“Existe invasão de garimpo nas Terras Indígenas Trombetas Mapuera e na Terra Indígena Wai Wai. As estradas vicinais interligam as Terras Indígenas e isso é muito preocupante, pois é uma ameaça aos povos indígenas Wai Wai”, destacou Geovane Wai Wai, presidente da Associação dos Povos Indígenas Wai Wai (APIW).
Segundo ele, as lideranças Wai Wai já enviaram denúncias à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Ministério Público Federal (MPF), mas nada foi feito. “Diversos sobrevoos acontecem diariamente em nossas terras e acreditamos que são garimpeiros. Estamos ameaçados pelos invasores, garimpeiros e madeireiros”, alertou.
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Geovane Wai Wai, presidente da Associação dos Povos Indígenas Wai Wai (APIW)|Evilene Paixão/ISA
A deputada federal Joênia Wapichana (REDE/RR) também participou do evento e recebeu documentos com demandas das populações indígenas, dentre eles, uma carta que descreve as principais áreas e comunidades atingidas pelo garimpo na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Alisson Marugal, procurador da República do MPF/RR, também recebeu uma cópia.
Funai ausente
Uma das mesas mais aguardadas era “Terras Indígenas em risco: garimpo ilegal, monocultura, estradas, energia, hidrelétricas, termoelétricas”, mas faltaram representantes da Funai, do Ministério da Justiça, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (IcmBio), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da Polícia Federal (PF) e do Exército Brasileiro.Compareceram somente o MPF/RR e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
A deputada Joênia Wapichana criticou as ausências e destacou que Funai, Ibama e ICMBio são órgãos que têm obrigações constitucionais e não podem sofrer pressão do governo federal.
“O que vemos é o desmantelamento e o enfraquecimento desses órgãos, com cortes de recursos na Funai. O Ibama também está desmantelado, não somente em termos de orçamento, mas de política, de atribuições, no sentido de não proteger o meio ambiente e as Terras Indígenas”, lamentou.
Ao final da assembleia, as lideranças indígenas lançaram uma carta com denúncias e reivindicações. O documento traz diversos temas, como direito à terra, vigilância e proteção territorial, sustentabilidade e gestão territorial e ambiental, educação escolar indígena e direito à saúde indígena.
“Nosso movimento indígena reafirma que defender os territórios é garantir a vida dos povos indígenas. Por isso, estaremos mobilizados em âmbito nacional. Exigimos que o Estado brasileiro cumpra com seu dever de proteção e defesa dos direitos indígenas. Nenhuma gota de sangue indígena a mais! Nenhum direito a menos!”, finaliza o documento.
Confira depoimentos de lideranças sobre o PL do Garimpo
Esse projeto traz para todas nós, mulheres e povos indígenas, um retrocesso muito grande. É uma ameaça às nossas vidas.
É um governo anti-indígena e genocida porque esse PL é a morte para os povos indígenas, que já sofrem com a invasão de seus territórios, como os nossos parentes Yanomami, as mulheres e crianças que têm sofrido todas as mazelas desse crime cruel.
As mulheres indígenas jamais vão se calar diante dessas ameaças, desses retrocessos. Nossa Mãe-Terra sempre será sagrada para nós, principalmente para as mulheres porque somos mães também.
É da Mãe-Terra que tiramos o nosso sustento, a nossa vida. O nosso bem-viver vem da Mãe-Terra, dos nossos territórios.
A bandeira de luta do movimento indígena sempre foi a defesa dos nossos territórios. A defesa da nossa Mãe-Terra, que todos os dias sofre ameaças com esse governo que não é nosso porque não compactuamos e não aceitamos como nosso governo.
Maria Betania Mota, secretária-geral das Mulheres Indígenas do CIR
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Esse projeto é muito perigoso para os povos indígenas. Com isso, os povos indígenas precisam se unir. Se a gente não se unir, esse projeto vai matar os povos indígenas.
Vai matar a terra, os rios, a Amazônia. E é isso que o governo do Bolsonaro quer fazer com as populações indígenas.
Os garimpeiros também usam as justificativas desses projetos criminosos para invadir as nossas terras – Yanomami, Macuxi, Kayapó, Munduruku e muitos outros povos indígenas que estão sendo afetados com a invasão nos nossos territórios. Isso é um grande trator que vai arrancar a pele dos povos indígenas.
A Terra Yanomami vai completar 30 anos de homologação e há muitos anos estamos lutando contra o garimpo ilegal. Deixamos sempre claro que somos contra a mineração.
Temos que fazer barulho com os nossos parceiros! Vamos continuar a luta. Não podemos enfraquecer diante desses projetos de morte, se não, não vamos ter mais territórios, não vamos ter mais Brasil. Isso é muito grave!
Dario Kopenawa, liderança da Terra Indígena Yanomami
Esse PL 191, assim como o PL 490 e Marco Temporal, vão atingir a todos os povos indígenas assim como todo o território brasileiro.
Infelizmente, esse projeto é mais uma declaração de guerra do governo Bolsonaro aos povos indígenas. Ele não consulta os povos indígenas, não respeita a própria Constituição.
Então, nós povos indígenas estamos nos organizando de Norte a Sul do Brasil dentro e fora dos seus territórios para tentar barrar esse PL 191.
Desde o ano passado, o Levante Pela Terra vem acompanhando e fazendo várias mobilizações para barrar a aprovação desses projetos de morte e conseguimos barrar, mas como o Bolsonaro não conseguiu aprovar nada ano passado, agora está fazendo de uma forma sem consulta prévia, na surdina.
Pedimos aqui o apoio a toda população brasileira para que também esteja, porque tudo que venha prejudicar os territórios indígenas também vai prejudicar todo Brasil. Onde tem área preservada é onde tem área indígena. Liberar agora é liberar assassinos para dentro das terras indígenas.
Esses assassinos têm nomes, são megas empresas estrangeiras que estão investindo com maquinários nas terras indígenas e o governo está dando aval para isso. Não vamos nos calar diante dessas atrocidades.
Isabel Tucano, coordenadora do Levante pela Terra
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A nossa posição sempre foi contrária a todos os males que destroem o meio ambiente, o que é colocado acima da vida.
Sabemos que são ações criminosas desse governo que quer destruir a população indígena do Brasil e queremos fazer um chamado para a população em geral, pois todos serão afetados, porque se trata do bem comum.
Aqui em Roraima temos como exemplo a única bacia hidrográfica que abastece a capital e várias cidades, que está sofrendo grande risco de contaminação do mercúrio pelo garimpo.
Mas, isso só vai acontecer se a população deixar. Por isso, precisamos ficar atentos!
Edinho Batista, coordenador do CIR
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PL 191/20 atropela Constituição para liberar mineração em Terras Indígenas
Nas últimas semanas as discussões sobre mineração em terras indígenas voltaram ao debate público em razão da publicação da Portaria nº 667/2022, da Casa Civil, que incluiu o PL nº 191/2020, de autoria do atual presidente da República, na agenda legislativa prioritária do governo federal para o ano de 2022.
O PL nº 191/2020 pretende regulamentar o § 1º do artigo 176 e o § 3º do artigo 231 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas.
Diversas iniciativas legislativas já foram propostas com esses objetivos. O tema é complexo e carece de consenso entre os setores envolvidos com a produção mineral, os indígenas, ambientalistas e a sociedade de modo geral.
Sob o ponto de vista constitucional, diversos aspectos que devem reger a lei vêm sendo vilipendiados, tanto no debate público como nas proposições que tramitam no Legislativo, notadamente no PL nº 191/2020. Tendo em vista que o espaço diminuto não nos permite mencioná-los de modo exauriente, comentaremos apenas alguns desses aspectos.
A Constituição estabeleceu regras gerais para as atividades minerárias ou o aproveitamento de potenciais energéticos em todo o território nacional. Entretanto, criou regras específicas e mais restritivas para a possibilidade de sua prática em terras indígenas.
De acordo com o artigo 231, § 7º, “não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º”. O citado § 3º do artigo 174, estabelece que “o Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros”. Já o § 4º estatui que “as cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei”.
O artigo 174, § 4º, faz referência, ainda, ao artigo 21, XXV, o qual confere à União a competência para estabelecer as áreas (ou zonas de garimpagem) e as condições para as atividades de garimpagem.
Infere-se da leitura do artigo 231, § 7º, portanto, que, em razão da inaplicabilidade dos artigos 174, §§ 3º e 4º e do artigo 21, XXV, às terras indígenas inexiste possibilidade de “favorecer a atividade garimpeira” ou conferir prioridade às cooperativas garimpeiras nestas terras. Além disso, falece competência à União ou qualquer outro Poder da República para estabelecer ou definir áreas (zonas de garimpagem) e condições para o exercício da atividade de garimpagem em terras indígenas. O garimpo em terras indígenas, portanto, não está sujeito à regulamentação prevista no artigo 231, § 3º da Constituição, seja na forma da lei ou de outros atos normativos.
O PL nº 191/2020 ignora a questão e pretende regulamentar não apenas a mineração como também o garimpo.
Outro ponto ignorado pela proposição se refere à necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e para a pesquisa e lavra de riquezas minerais, prevista no artigo 49, XVI e artigo 231, § 3º da Constituição. De acordo com o PL, a autorização só seria necessária para terras cujo processo de demarcação já contasse com decreto de homologação do presidente da República.
Para se ter uma ideia, existem hoje 237 processos de demarcação de terras indígenas pendentes de homologação por decreto, a penúltima fase de um complexo processo administrativo, que passa por estudos técnicos elaborados por equipe multidisciplinar, aprovação do presidente da Funai, contestação administrativa, análise e aprovação dos estudos pelo ministro da Justiça. Superadas todas estas etapas, o processo segue para a homologação presidencial e, então, para registro em cartório e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Esse trâmite é longo e demorado. Há processos iniciados na década de 80 que ainda não foram finalizados e casos em que o processo de demarcação até hoje não foi aberto.
De acordo com o PL nº 191, nas terras não homologadas as atividades poderiam ser liberadas por intermédio de uma “autorização provisória”, sem qualquer manifestação do Congresso, tal como a Constituição exige. Após a homologação por decreto, o Congresso teria quatro anos para autorizar a atividade.
Nas terras que já contam com o decreto de homologação, o Congresso também teria que autorizar a pesquisa e lavra mineral, assim como o aproveitamento de recursos hídricos, em quatro anos. Caso não autorize a atividade nesse prazo, considerar-se-ia que houve aprovação tácita ou por decurso de prazo. Neste ponto, o PL afronta o pacto federativo e retira competência exclusiva do Congresso Nacional, exercitável mediante decreto legislativo.
Importante deixar bem vincado que a inexistência de deliberação do Congresso Nacional, em todos os âmbitos de sua competência, é tida como ausência de prioridade ou recusa, jamais como autorização tácita ou ficta. Vide o que acontece com as medidas provisórias quando não são apreciadas no prazo constitucional.
Enfatize-se, ainda, que a Constituição não tergiversou sobre o estágio do processo de demarcação das terras indígenas para a necessária autorização do Congresso e a oitiva das comunidades afetadas. Tampouco criou regimes jurídicos diferentes entre terras indígenas homologadas ou não homologadas.
A valer a possibilidade de autorização provisória, até mesmo terras com a presença de indígenas isolados, que são aqueles que não possuem contato com a sociedade envolvente, poderiam ser afetadas, já que muitas delas têm apenas uma portaria de interdição de área, sem a conclusão formal do processo de demarcação e o decreto de homologação.
O Brasil é o país com o maior número de indígenas isolados no mundo. São povos extremante vulneráveis socioepidemiologicamente, já que a ausência de convívio com outros povos e com a sociedade de modo geral, faz com que não tenham memória imunológica para doenças comuns, como a gripe. Também são indígenas totalmente dependentes do meio ambiente que os circunda, de modo que qualquer alteração ambiental poderia ameaçar a sobrevivência do grupo. O PL, no entanto, não se preocupou com essas questões.
Sob o argumento de “criar a lei prevista na Constituição”, O PL pretende instituir verdadeira desregulamentação de empreendimentos altamente impactantes, a promover um “libera geral” de inúmeras atividades que hoje são vedadas.
Além de pretender legalizar garimpos e conceder direitos minerários atropelando os direitos constitucionais dos povos indígenas, o PL nº 191 também promoverá a instalação de hidrelétricas, a abertura de estradas e o plantio de espécies transgênicas nas terras indígenas. Um esbulho múltiplo!
É importante relembrar que as terras indígenas são a base material onde os indígenas vivenciam sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Nelas, exercem suas atividades produtivas e encontram os recursos ambientais necessários para o seu bem-estar. Tais garantias constitucionais devem compor o núcleo essencial de qualquer lei que vise “regulamentar” o tema, sob pena de esfacelamento do próprio conceito de “terra indígena”.
Como está, o PL reduzirá drasticamente o grau de proteção institucional aos direitos fundamentais dos povos indígenas, atingindo o núcleo essencial de seus direitos fundamentais à vida, organização social, usos e costumes, bem como o usufruto exclusivo das riquezas dos solos, rios e lagos, direitos assegurados de forma permanente nos artigos 231, caput e parágrafos da Constituição.
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