Brasil Socioambiental: desenvolvimento, sim. De qualquer jeito, não.
Um dos motes do ISA em sua fundação
A política é o meio de exercer a cidadania para garantir direitos. Nesse campo, o ISA visa contribuir para o Brasil ser um país mais justo e sustentável, a partir de marcos legais, institucionais e de políticas públicas que reflitam os desafios colocados à sociedade brasileira, incluindo povos indígenas e comunidades tradicionais, cujo papel para a manutenção de nosso patrimônio socioambiental é fundamental. Com o trabalho em Política e Direito, trazemos para o debate público e à formulação de normas e políticas as experiências desenvolvidas por e com nossos parceiros, bem como o conhecimento acumulado pelo próprio ISA nos temas socioambientais.
Atuar com o tema Política e Direito é um dos pilares do trabalho do ISA desde sua criação. O Núcleo de Direitos Indígenas (NDI), organização que precedeu e integrou a fundação do ISA, foi uma referência na sociedade civil brasileira nos anos 80 e 90, atuando junto aos poderes da República para a implementação dos direitos constitucionais indígenas, conquistados na Constituição de 1988. O trabalho do Programa Povos Indígenas do Centro Ecumêmico de Documento e Informação (Cedi), outra instituição que participou da criação do ISA, também sempre esteve voltado para a garantia dos direitos dos Povos Indígenas.
Desde sua fundação, em 1994, o ISA ampliou essa atuação para outros temas socioambientais, tendo participado ativamente de debates sobre a formulação de leis e políticas fundamentais ao desenvolvimento sustentável do País. Esse trabalho requer constante articulação interinstitucional no âmbito da sociedade civil, dos movimentos sociais e com outros setores, o que fazemos por meio da participação de nossos advogados, pesquisadores e ativistas em coletivos, fóruns e redes.
A missão da equipe do ISA que atua diretamente com o tema Política e Direito valoriza as iniciativas políticas e legislativas de caráter propositivo, qualificando o debate público e apresentando soluções aos desafios em pauta, mas sem abrir mão dos recursos de obstrução e das estratégias de denúncia e de resistência política contra qualquer ameaça de retrocesso.
A equipe do ISA reúne perfis multidisciplinares e opera em articulação direta com os demais times da organização, sempre antenada com as demandas e propostas da sociedade civil para a agenda socioambiental e atenta à atuação dos atores políticos e tomadores de decisão. Além disso, atuamos inspirados pelo movimento social que mobiliza milhares de corações e mentes pelo Brasil para transformar o País em um lugar mais justo e sustentável.
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Exposição em SP celebra os 30 anos do ISA
Abertura acontece no dia 22 de junho no Museu A CASA do Objeto Brasileiro, com entrada gratuita
Imagem presente na exposição ISA 30 anos. Em Brasília, indígenas de diversos povos comemoram o resultado da votação do capítulo sobre seus direitos no primeiro turno na Constituinte|Beto Ricardo/ISA/1988
Desde 1994, Socioambiental se escreve junto. De 22 de junho a 25 de agosto de 2024, a exposição ISA 30 anos - Por um Brasil Socioambiental ocupa dois pisos do Museu A CASA do Objeto Brasileiro, em São Paulo.
A mostra celebra o aniversário do Instituto Socioambiental (ISA), que em abril completou três décadas de luta pela garantia de direitos constitucionais de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e comunidades tradicionais, bem como pela demarcação e proteção de seus territórios.
Em um país sujeito ao agravamento dos impactos das mudanças climáticas e com urgência para enfrentar suas diferenças sociais e econômicas, a mostra apresenta como a formação contínua de alianças e redes é um motor de resistência e um respiro de luta por um Brasil Socioambiental.
A exposição é composta por materiais audiovisuais, objetos de arte indígena e artefatos, expostos junto a 30 painéis em tecido com mais de 100 fotografias que ajudam a contar a história do socioambientalismo no Brasil, reunindo nomes como Are Yudja, Carol Quintanilha, Christian Braga, Claudia Andujar, Kamikiá Kisêdjê, Lalo de Almeida, Pedro Martinelli, Roberto Linsker, Rogério Assis, Victor Moriyama e Webert da Cruz Elias.
Estará também disponível ao público o mapa interativo Terras e Povos Indígenas no Brasil, em que o visitante pode navegar pelo mapa do país, conhecer os territórios e os povos indígenas, com informações recolhidas há décadas pelo ISA e sua rede de colaboradoras e colaboradores.
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Movimento dos Ameaçados por Barragens (Moab), do Vale do Ribeira (SP), protestam contra o projeto de construção da hidrelétrica de Tijuco Alto|Claudio Tavares/ISA/2009
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Jovens comunicadores indígenas filmam ritual de xamãs durante a celebração dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA/2022
Sobre a curadora
A coleção tem curadoria de Rosely Nakagawa, consultora da SECULTCeará e diretora do Centro Cultural do Cariri, que já trabalhou com a curadoria de mostras e edições de livros de fotógrafos brasileiros e estrangeiros, como Anna Mariani, Carlos Moreira, Eduardo Viveiros de Castro, Sebastião Salgado, entre outros.
Em 1979, Rosely criou, junto de Thomaz Farkas, a primeira galeria de Fotografia em São Paulo, a Galeria FOTOPTICA, e em 1986 se tornou a primeira curadora a ocupar o espaço expositivo do SESC São Paulo no SESC Pompéia.
Confira a programação completa
As celebrações dos 30 anos do ISA no Museu A CASA do Objeto brasileiro ainda contam mensalmente com trocas de saberes e experiências sobre a pauta socioambiental na ação cultural “Papo de CASA”, destinada ao diálogo e à construção de ideias, e com a exibição de filmes em realidade virtual. Marque na agenda:
29/06 - Das 11h às 12h30: bate-papo com o presidente e sócio-fundador do ISA, Márcio Santilli, e a vice-presidente do ISA, Marina Kahne; das 12h30 às 16h: exibição dos filmes em realidade virtual Fogo na FlorestaeFazedores de Floresta.
06/07 - Das 14h30 às 17h30: exibição do filme Escute a Terra Foi Rasgada- que mostra a luta dos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku contra o garimpo ilegal - acompanhada de bate-papo com a diretora Cassandra Mello e com a liderança indígena e consultor da Hutukara Associação Yanomami, Enio Yanomami.
27/07 - Das 11h às 12h30: bate-papo sobre Restauração Ecológica com Rodrigo Junqueira, secretário executivo do ISA e conselheiro da Rede de Sementes do Xingu, Maria Tereza Vieira, liderança quilombola do Vale do Ribeira e fundadora da Cooperativa Rede de Sementes do Vale do Ribeira e Juliano Nascimento, engenheiro agrônomo, assessor técnico do ISA e responsável técnico pela Cooperativa ; das 12h30 às 16h: exibição dos filmes em realidade virtual Fogo na Floresta e Fazedores de Floresta.
10/08 - Das 14h30 às 17h30: exibição do filme Mapear Mundos - que mescla imagens históricas e testemunhos atuais para rememorar os passos dados pelo ISA e por organizações da sociedade civil pela garantia de direitos dos povos indígenas no Brasil - com a diretora Mariana Lacerda, a liderança do Rio Negro, André Baniwa, o antropólogo e sócio-fundador do ISA, Geraldo Andrello, e a ecóloga e sócio-efetiva do ISA, Silvia Futada.
24/08 - Das 11h às 12h30: debate com os pesquisadores do ISA, Luma Prado, Tatiane Klein e Tiago Moreira dos Santos e a antropóloga indígena Francy Baniwa sobre a pesquisa e monitoramento de informações sobre povos e Terras Indígenas. Edição também apresenta algumas iniciativas do ISA, como a série de livros Povos Indígenas no Brasil, o projeto educativo Povos Indígenas no Brasil Mirim e a plataforma Terras Indígenas no Brasil, que, em 2024, ganha uma versão em formato mapa interativo, disponível ao público no Museu A CASA.
Sobre o Museu A CASA
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Fachada do museu A CASA do Objeto Brasileiro em Pinheiros, São Paulo|Daniel Ducci
O Museu A CASA do Objeto Brasileiro é referência em preservação da tradição artesanal. Há 27 anos, o museu incentiva produções ambientalmente responsáveis por meio de exposições, projetos, programações culturais e parcerias.
Suas exposições buscam evidenciar a importância do saber feito à mão para a cultura brasileira, criando pontes entre pessoas, abrindo espaços de troca de experiências e aprendizagem mútua, e explorando todas as capacidades de conexão e tradução entre diferentes cosmovisões.
Serviço
Exposição ISA 30 anos - Por um Brasil Socioambiental
Abertura: 22 de junho, das 14h às 18h
Temporada: 23 de junho a 25 de agosto de 2024, de quinta a domingo, das 10h às 18h
Local: Museu A CASA do Objeto Brasileiro
Endereço: Av. Pedroso de Morais 1216/1234 - Pinheiros, São Paulo/SP
Entrada gratuita. Visitação em grupos mediante agendamento através do e-mail educativo@acasa.org.br.
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Promete, mas não cumpre
Lideranças quilombolas vão a Brasília a convite do governo para avançar no processo de titulação de seus territórios, mas voltam de mão abanando
Mais de 3 mil quilombolas de todas as regiões do Brasil ocuparam Brasília durante o Aquilombar 2024|Matheus Soares
Depois do ocorrido em abril, quando às vésperas do Dia dos Povos Indígenas o governo federal anunciou a homologação de somente duas Terras Indígenas, ao contrário das seis prometidas, em maio foi a vez do movimento quilombola enfrentar uma decepção.
Aguardados como a principal entrega do governo durante a 2ª edição do Aquilombar, o maior encontro quilombola do país, ocorrido em Brasília no dia 16 de maio, os decretos para encaminhamento da titulação de territórios quilombolas simplesmente não foram entregues.
O Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) convidou cerca de dez lideranças quilombolas de diversas regiões do país para receberem os decretos – último passo antes da titulação definitiva de seus territórios. Acontece que eles só souberam ali, com o evento já em andamento, que viajaram em vão. Os decretos não seriam assinados.
Já o público geral, parceiros e imprensa tomaram conhecimento do recuo do governo já no avançado da hora, no momento da fala do ministro Paulo Teixeira, o último dos ministros a discursar. A expectativa causou ainda mais frustração.
Os processos de titulação de territórios quilombolas no Brasil são embaraçosamente demorados. Não por acaso, o avanço nas titulações é a pauta prioritária do movimento. Este foi o coro das caravanas de todo o país que se uniram no Aquilombar. Em uníssono, a titulação definitiva foi levantada como principal reivindicação das lideranças. Sem resultado.
Das 1.327.802 pessoas quilombolas registradas no país, conforme o Censo 2022, coordenado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente 4,3% residem em territórios já titulados.
Estudo inédito divulgado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e Instituto Socioambiental (ISA), com levantamento do MapBiomas, revela a importância dos quilombos, em especial os titulados, para a conservação da floresta em pé no Brasil, assunto tão sensível e de extrema importância diante das catástrofes climáticas que vêm assolando não só nosso país, como todo o mundo.
Segundo a pesquisa, entre os anos 1985 e 2022 os territórios quilombolas perderam aproximadamente 4,7% de sua área de vegetação nativa, enquanto o desmatamento nas áreas privadas foi de 25%.
Se fizermos um recorte e olharmos somente para os quilombos, aqueles titulados perderam ainda menos floresta: 3,2%, diante dos 5,5% daqueles cujo processo de titulação segue em tramitação.
Diante disso, soa intrigante a inércia do governo. Ainda mais se acrescentarmos ao debate os alarmantes dados de violência nos quilombos brasileiros, sendo sabida a direta relação entre episódios de violação de direitos e territórios não titulados.
O assassinato de Mãe Bernadete Pacífico, no Quilombo Pitanga dos Palmares, na região metropolitana de Salvador, em agosto de 2023, é um infeliz exemplo desta realidade. Somente em 2023, sete quilombolas foram assinados, sem nenhuma prisão dos responsáveis.
Assim, sem porta de acesso a políticas públicas, direito quem vem atrelado à titulação de seus territórios, o que fica é o questionamento de quando o governo dará passos concretos rumo à efetivação deste direito constitucional das populações quilombolas, mais uma vez prometido e não cumprido junto ao movimento e toda a sociedade brasileira.
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O que a catástrofe climática no Rio Grande do Sul tem a ver com a COP 30?
Ciro Brito e Juliana Maia, analistas de políticas climáticas do ISA, alertam sobre a urgência do debate e proposição de políticas públicas sobre adaptação e mitigação climática
Ciro de Souza Brito
- Analista de Políticas de Clima do ISA
Juliana Maia
- Analista de Políticas de Clima do ISA
A catástrofe climática no Rio Grande do Sul (RS) e seus impactos devastadores para milhões de gaúchos é uma radiografia da política climática do Estado, composta por atores locais, estaduais e federais e suas ações e omissões em relação à emergência climática apontada exaustivamente por cientistas nas últimas décadas.
Esse cenário acende um alerta vermelho para o país que sediará a COP 30, em 2025, onde se discutirão temas como adaptação e mitigação climática, perdas e danos e financiamento climático. Temas estes diretamente relacionados com o caso do Rio Grande do Sul e de outras regiões.
No Congresso Nacional, deputados federais e senadores gaúchos têm sido autores, relatores e votado favoravelmente a Projetos de Lei e Emendas à Constituição que afetam direitos socioambientais e o equilíbrio climático, como os relacionados aos direitos indígenas, grilagem, agrotóxicos, legislações sobre recursos hídricos, mineração, oceanos e zonas costeiras, flexibilização do Código Florestal e do Licenciamento Ambiental.
Como se não bastasse, não têm aplicado sistematicamente recursos de emendas parlamentares em iniciativas para a implementação da política nacional de mudanças climáticas ou para a mitigação dos impactos dos eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul.
No âmbito estadual, sequer há planos de mitigação de danos e de adaptação climática. Para piorar, o governador Eduardo Leite (PSDB) tem sancionado leis em articulação com a Assembleia Legislativa que aumentam as oportunidades de exploração ambiental do setor agropecuário, sem maior rigor quanto aos impactos climáticos. Tem prefeitura, como a de Porto Alegre, que não investiu um centavo em prevenção contra enchentes em 2023, mesmo tendo em caixa mais de 428 milhões de reais.
No ambiente de recepção e presidência da Conferência das Partes, em 2025, agendas e direcionamentos das negociações internacionais estarão nas mãos do Brasil. Temos ótimos exemplos, enquanto sociedade, sobre como conectar correntes de apoio ao povo gaúcho, ao mesmo tempo que nos deparamos com o quê temos de fracassos.
Para liderar a agenda climática por meio do exemplo, é importante incluir como prioridade nas negociações os temas de perdas e danos e de adaptação e mitigação, fundamentais para avançar em iniciativas e soluções. Os debates sobre financiamento climático e florestas serão fortalecidos se bem amarrados com esses outros temas que têm feito parte do dia a dia dos brasileiros. Basta ficar atento: de Norte a Sul, todos os meses temos enfrentado eventos climáticos extremos, que têm desalojado milhares de brasileiros e brasileiras nas cidades, nos campos, nas comunidades e nas aldeias.
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Liderança indígena do Rio Negro reforça na ONU combate à discriminação contra as mulheres
A diretora da Foirn, Janete Alves, do povo Desana, apresentou uma série de reinvidicações em reunião do Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (Cedaw), na Suíça
Janete Alves, do povo Desana, em reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) na Suíça|Renata Vieira/ISA
As mulheres indígenas da Amazônia foram representadas nesta segunda-feira (20/05) no Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (Cedaw) da ONU, em Genebra, na Suíça, por Janete Alves, do povo Desana, diretora da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN).
Ela participa, ao lado de outras mulheres indígenas e não indígenas, da 88ª Sessão de Avaliação do Brasil na Convenção da ONU sobre esse tema.
Janete Desana é liderança feminina da região de Iauaretê, distrito de São Gabriel da Cachoeira (AM), na fronteira com a Colômbia, e, para a sessão na ONU, pintou em seu rosto grafismos tradicionais do seu povo que significam mulher feliz e guerreira.
Em sua fala, ela pontuou uma série de pressões que as mulheres da região estão sofrendo, sobretudo a invasão de garimpeiros, que leva à contaminação da água e peixes pelo mercúrio, e o problema do tráfico internacional de drogas.
Além disso, Janete destacou as deficiências na saúde da mulher, que resultam em várias consequências, como a mortalidade por câncer de colo do útero e a ausência de medicina indígena no sistema de saúde formal.
A diretora da Foirn trouxe recomendações ao Estado brasileiro, dentre as quais que incorpore em seus quadros profissionais “nossos pajés, benzedores e parteiras e que contrate mulheres para tratamento ginecológico”.
“Que realize fiscalização territorial retirando os invasores das Terras Indígenas. Que nosso direito à consulta prévia previsto na Convenção 169 da OIT seja respeitado e que nossos Protocolos de Consulta sejam reconhecidos pelo Estado para todo projeto de extração mineral ou petróleo que afete nossos rios e nosso bem viver. Muito obrigada! Añu’u!”, disse, finalizando a fala com um agradecimento na língua Tukano.
Janete Desana representou a Rede de Cooperação Amazônica (RCA) que é integrada por 14 Organizações Indígenas e Indigenistas da Amazônia Brasileira, entre elas o Instituto Socioambiental (ISA).
Ela está acompanhada pela advogada do Programa Rio Negro do ISA, Renata Vieira. Segundo ela, as discussões vão acontecer durante toda essa semana e, ao final, o Cedaw fará recomendações aos governos para ações de combate à discriminação contra as mulheres.
Segundo Renata Vieira, a fala de Janete Desana como liderança indígena feminina reforça as vozes das mulheres, adolescentes e crianças indígenas vítimas de discriminação que geram violência de diversas formas.
Foram preparados e encaminhados dois relatórios com o objetivo de realizar uma avaliação da implementação dos direitos previstos na Cedaw, à luz da Recomendação número 39, que apresenta um conjunto de ações que devem ser tomadas pelos Estados para prevenir e proteger as mulheres e meninas indígenas contra a violência de gênero.
O Comitê reconhece que a violência de gênero contra mulheres indígenas é uma forma de discriminação e que ela afeta de forma desproporcional as meninas e mulheres indígenas.
Um dos relatórios foi elaborado pelo Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro (DMIRN) em parceria com o ISA, a RCA e Instituto Raça, Igualdade e Direitos Humanos. O DMIRN/FOIRN representa mulheres de 23 etnias, como Baré, Desana, Baniwa, Tukano, Dâw, Yanomami que vivem no território do Médio e Alto Rio Negro.
O documento (em espanhol) traz informações sobre dados coletados por meio de pesquisas, relatórios técnicos, depoimentos, cartas, atas de assembleias e vivências na última década pelas mulheres indígenas da região do Rio Negro, que concentra dois dos municípios mais indígenas do país, localizados na fronteira com Venezuela e Colômbia. Também traz uma lista de questões e recomendações relacionadas às dificuldades de acesso à saúde pública, segurança, direitos, entre outros.
Outro relatório foi elaborado pela Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM), Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), RCA, Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos e traz elementos sobre a situação das mulheres indígenas do Oiapoque, Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, também na Amazônia Brasileira, tendo como base as questões e demandas das mulheres indígenas dos povos Karipuna, Galibi Marworno, Galibi Kali’na e Palikur.
A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) também encaminhou ao comitê da ONU um relatório sobre a situação das mulheres indígenas.
Confira o discurso completo ou assista no instagram da Rede de Cooperação Amazônica!
Participantes da oficina na sede do ISA, em Brasília 📷 Tauani Lima/ISA
Passo crucial na luta pela regularização e proteção dos territórios quilombolas, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), em parceria com o ISA e o Ministério da Igualdade Racial (MIR), promoveu nesta quarta-feira (15), em Brasília, uma oficina com mais de 60 lideranças quilombolas de todo o país para debater a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ). O evento teve apoio do Banco Mundial.
Participaram do evento representantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), da Fundação Palmares, do Ministério da Cultura (MC), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da Defensoria Pública da União (DPU).
A oficina marca o início de uma série de encontros que serão realizados nos 24 estados brasileiros com registros oficiais de comunidades quilombolas, com o objetivo de instruí-las sobre a Política. A programação faz parte da 2ª edição do 'Aquilombar - Ancestralizando o Futuro', maior evento do movimento quilombola no Brasil, que acontece nesta quinta-feira (16) em Brasília.
A PNGTAQ, assinada pelo presidente Lula no Dia da Consciência Negra em 2023, foi instituída após dez anos de construção e intensa mobilização do movimento quilombola. A política, desenvolvida em colaboração com diversas lideranças quilombolas e ministérios do governo, visa a proteção e gestão ambiental dos territórios quilombolas.
Apesar da conquista, o movimento quilombola aguarda há seis meses a formação do Comitê Gestor da PNGTAQ, responsável por planejar, coordenar, articular, monitorar e avaliar a execução da política. A implementação do comitê é uma demanda política importante para o movimento.
De acordo com Claudia Pinho, do MMA, o governo deve lançar o edital de convocação para composição do Comitê no próximo mês. “Assim que o Comitê Gestor estiver implementado, o primeiro ato é organizar um plano integrado de gestão ambiental e territorial”, garantiu Pinho.
A instância terá representações de seis ministérios e de cinco associações quilombolas regionais e uma nacional, escolhidas via eleição. Pelo governo, farão parte do Comitê o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Ministério da Educação (MEC), MC, MDA, MMA e MIR.
“Ao instituir a PNGTAQ o governo brasileiro reafirma o compromisso com a proteção do direito das comunidades quilombolas, reconhecendo sua contribuição essencial para a conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável do país”, afirmou Edel Moraes, secretária de Povos e Comunidades Tradicionais do MMA. “O nosso desafio é fazer efetivamente a política pública, então nós precisamos de orçamento”.
Claudia Pinho, representante do MMA, e Fabiano Campelo, do MIR, reafirmaram o compromisso do governo com a implementação da Política e comentaram sobre os desafios financeiros para sua execução. “A preocupação é que a política não exista apenas no Decreto, ela precisa ser implementada”, frisou Campelo. “Para isso, precisamos que a política seja financiada, e o orçamento ainda é insuficiente para todos os territórios quilombolas no Brasil”.
Campelo apresentou as estratégias de financiamento da PNGTAQ:
Fundo Amazônia - O governo vai promover uma chamada pública para projetos de Planos de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PGTAQs) nos territórios da Amazônia Legal, para financiamento na elaboração dos planos locais e sua implementação inicial;
Banco Mundial - Fonte de financiamento para os territórios fora da Amazônia legal;
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) - Projeto de cooperação técnica para monitoramento da implementação da PNGTAQ, mapeamento e diagnóstico, além da promoção de capacitações e materiais para facilitar a execução da política;
Apoio à implementação do CAR Quilombola - Projeto a ser apresentado para o Fundo Amazônia para apoio à implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) quilombola a partir de metodologia que fortaleça as comunidades no cadastramento e implementação do cadastro.
Durante a oficina, foi destacada a importância da transversalidade das políticas públicas e da proteção dos territórios quilombolas para a eficácia das ações governamentais. Antônio Criolo, diretor do Departamento de Reconhecimento, Proteção de Territórios Tradicionais e Etnodesenvolvimento do MDA, enfatizou a necessidade de garantir o reconhecimento e a titulação dos territórios quilombolas como base para qualquer política pública eficaz.
Paula Balduino de Melo, representante do MIR, comentou sobre a preparação de uma incidência nos processos fundiários parados há muitos anos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e destacou a recente destinação, pelo Governo Federal, de 57 mil hectares de terras públicas para a regularização de territórios quilombolas.
Francisco Chagas, pesquisador e membro da Conaq, ressaltou a urgência de discutir o racismo estrutural e a necessidade de inverter a lógica colonialista em relação à regularização dos territórios quilombolas. “‘Regularizar’ território quilombola está errado. Ele não é irregular. Precisamos garantir que a vida continue ali em abundância. Irregular é quem ocupa esses territórios. Precisamos inverter essa lógica”, afirmou.
“O Brasil é um país racista, preconceituoso. Não querem que os quilombolas deem um grito de liberdade. A prova é a morte de Mãe Bernadete. É importante que a gente leve para as trincheiras estas parcerias, para quebrar as correntes do racismo deste país tão difícil”, completou Chagas.
Ivanilde, do Quilombo do Rosa, no Amapá, emocionou os participantes ao chamar a atenção dos representantes do governo para a necessidade urgente de assistência básica aos quilombos. "No meu quilombo não tem assistência médica, não tem escola, não tem água potável. Pedimos moradias dignas no Programa Minha Casa Minha Vida, o que a gente quer é ‘fazejamento’", desabafou.
Professora pós-graduada em docência do ensino superior e neuropsicopedagogia, Ivanilde só teve a oportunidade de estudar porque se mudou para Macapá com a mãe aos 12 anos. “Passei por muita dificuldades em Macapá e depois eu voltei para o meu Quilombo com o conhecimento que eu tenho. Eu tenho que fazer alguma coisa para mudar a realidade do meu povo”, disse emocionada.
Ela destacou as dificuldades enfrentadas no Quilombo do Rosa, que mesmo muito próximo à zona urbana, não recebe políticas públicas essenciais, como a educação. "Nós temos esse direito, nós somos capazes, sim. Nós temos a inteligência de concorrer de igual para igual com todos, mas o mundo é desigual com a gente”, ressaltou. “Ele é desigual na sala de aula, ele é desigual em vários espaços. Quando eu chego e digo que não sei mexer em computação, foi porque eu aprimorei os meus conhecimentos em outras coisas que estavam faltando dentro do meu quilombo".
Cadastro Ambiental Rural (CAR)
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Raquel Pasinato, assessora técnica do ISA, durante oficina 📷 Tauani Lima/ISA
Chagas também criticou as dificuldades trazidas pelo CAR (instrumento nacional de registro de imóveis rurais) para o reconhecimento das comunidades quilombolas, que devem ser inscritas na modalidade “povos e comunidades tradicionais” (CAR-PCT), mas têm recebido orientações incorretas de empresas terceirizadas ou mesmo dos órgãos estaduais de meio ambiente, que orientam sua inscrição nas categorias “imóveis rurais” (CAR-IRU) e “assentamentos” (CAR-AST).
“O próprio estado usa suas estruturas para dizer que o CAR coletivo é errado, que não pode e vai atrapalhar a vida dos quilombolas. Essa é a lógica do processo de escravização do país”, criticou Chagas, da Conaq. “Se formos fazer uma análise do tempo, o CAR mais atrapalhou do que ajudou, porque a nossa lógica de relação com a terra é diferente de um CAR que pensa a lógica do mercado. A gente pensa a vida em torno do seio do nosso território”, ressalta.
Alguns estados sequer disponibilizam o sistema eletrônico para inscrição do CAR de povos e comunidades tradicionais, excluindo as comunidades quilombolas dessa política pública. Raquel Pasinato, assessora técnica do ISA, lembra que o CAR é oriundo da reformulação do Código Florestal Brasileiro, em 2012, e “não considerou as comunidades tradicionais, não pensou nos territórios coletivos e trouxe um monte de problemas".
Pressões e ameaças
Francisco Chagas, da Conaq, e Antonio Oviedo, pesquisador do ISA, apresentaram o estudo lançado pelas duas organizações, que apontou que mais de 98% dos territórios quilombolas do Brasil estão ameaçados por obras de infraestrutura, requerimentos minerários e sobreposição de imóveis rurais (CAR-IRU).
“É urgente que o poder público cancele os pedidos minerários e de infraestrutura nestes territórios”, afirmou Oviedo. “Fizeram com as terras indígenas, precisam fazer a mesma coisa com os territórios quilombolas. E com o CAR a mesma coisa, cancelar os que estão sobrepostos”. Oviedo ressaltou ainda que o licenciamento ambiental de obras de infraestrutura deve respeitar o direito à consulta livre, prévia e informada das comunidades quilombolas.
Francisco Chagas alertou sobre impactos imateriais decorrentes das intervenções nos territórios quilombolas. “O problema é que o impacto imaterial não é previsto na legislação que discute os impactos ambientais. Quando as empresas vêm, elas não dizem sobre os impactos irreversíveis. Nosso griôs [líderes espirituais e guardiões da cultura quilombola] estão morrendo de depressão, de banzeira, de tristeza. Qual o valor que paga isso? Isso é irreparável”, lamentou.
Ronaldo dos Santos, do Ministério da Igualdade Racial, encerrou o dia de debates sobre a PNGTAQ destacando a necessidade de fortalecer a agenda dentro do governo. "Na medida que formos ganhando corações e mentes e os primeiros PGTAQs acontecerem na prática, isso vai ganhar a consolidação necessária. Queremos daqui a alguns anos comemorar o sucesso dessa política, que vai marcar a nossa história", afirmou.
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TRF3 debate aplicação da Consulta Prévia, Livre e Informada pela Justiça brasileira
Para juristas e operadores do Direito, Convenção 169 da OIT é expressa e não admite interpretações
“É chegada a hora de abrirmos as portas do Judiciário para os povos e comunidades tradicionais, sem formalismos e sem o juridiquês”, defende o presidente do TRF3, Desembargador Federal Carlos Muta | Taynara Borges/ISA
Desembargadores, procuradores da República, juízes federais e estaduais, defensores públicos, juristas e advogados populares se juntaram a advogados quilombolas e indígenas em evento no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), com sede na cidade de São Paulo, para se debruçarem sobre a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O dispositivo propõe a garantia de participação de povos e comunidades tradicionais nas tomadas de decisão em situações, propostas pelo governo ou pelo setor produtivo, que impactem suas vidas em seus territórios.
O evento foi proposto em função do lançamento do livro “Tribunais Brasileiros e o Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada”, organizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pelo Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado. Assim como o livro, o evento se destinou à avaliação e à discussão da jurisprudência nos tribunais brasileiros acerca do tratado internacional, conhecido como Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais, especificamente em seus artigos 6º e 7º, que se dedicam ao direito à consulta.
Aprovado em 1989, em Genebra, na Suíça, e em vigor internacionalmente desde 1991 enquanto Norma Internacional do Trabalho, o instrumento necessitou de um ato formal do Estado brasileiro para ter vigência na legislação nacional. E, embora tenha sido aprovado pela Câmara em 1993, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL nº34/93) só veio a se tornar vigente em 2003, após quase uma década de engavetamento no Senado, onde só obteve aprovação em 2002.
Desde então, compreendido como um instrumento de diálogo entre o Estado e os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), o PDL nº34/93 possui natureza instrumental e acessória ao conjunto de direitos reconhecidos a estas comunidades no arcabouço jurídico brasileiro, nas normas e instrumentos nacionais e internacionais vigentes no país.
Desconhecimento generalizado e deliberado
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O evento “Convenção 169 da OIT na jurisprudência brasileira: perspectivas e desafios” ocorreu nos dias 18 e 19 de abril, no auditório da Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3º Região | Taynara Borges/ISA
Nas palavras dos juristas e operadores do Direito presentes no evento no TRF3, muito embora a Convenção 169 da OIT apresente importantes avanços no reconhecimento e na garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais coletivos de PCTs, e seja compreendido como o instrumento internacional mais atualizado e abrangente no que diz respeito às suas condições de vida, sua aplicação por parte do Estado e sua garantia no âmbito jurídico brasileiro ainda são bastante tímidas.
A razão para isto é o desconhecimento generalizado e deliberado dos agentes estatais que deveriam aplicar as premissas da consulta prévia, livre e informada antes de qualquer tomada de decisão que afete as vivências destas comunidades em seus territórios, como também por aqueles que deveriam garantir sua aplicabilidade no âmbito legal.
Exemplos práticos da aplicabilidade do dispositivo de consulta prévia são os empreendimentos para a geração de energia elétrica, desde as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) espalhadas pelo país, passando por gigantes como a Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, situada à bacia do Rio Xingu, na região norte do Estado do Pará.
Entram nesse grupo também a instalação de plataformas de exploração de petróleo, como em todo o Polígono do Pré-Sal, no mar territorial entre os estados de Santa Catarina e Espírito Santo, a extração de minérios como o potássio no Amazonas, que possui a segunda maior reserva do planeta e incidências administrativas e legislativas que tenham impacto não só no território, mas na rotina, na cultura ou nos modos de vida das comunidades tradicionais.
A determinação da Convenção 169 é para que, antes mesmo de se iniciar o projeto para qualquer que seja o empreendimento ou a tomada de ação que interfira diretamente na vida de PCTs, o direito à consulta prévia, livre e informada seja devidamente aplicado – o que não ocorreu em nenhum dos casos citados e que, quase em sua totalidade, somente ocorre a posteriori, após judicialização, quando os impactos já foram sentidos pelas comunidades. Ou seja, quando já não há mais espaço para o diálogo, uma vez que as decisões já foram tomadas unilateral e arbitrariamente.
O evento “Convenção 169 da OIT na jurisprudência brasileira: perspectivas e desafios” ocorreu nos dias 18 e 19 de abril, no auditório da Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3º Região.
Acompanhe trechos do debate realizado no TRF3 sobre o direito dos Povos e Comunidades Tradicionais à Consulta Prévia, Livre e Informada
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Para Rafaela Santos, o direito à Consulta vem para “equilibrar a balança” das injustiças de uma abolição inconclusa | Taynara Borges/ISA
Somos as primeiras gerações que nascem livres, a minha e a de meu pai. Meus avós foram escravizados. Em 1888 tivemos uma abolição formal, mas inconclusa, da escravidão no Brasil. E foram cem anos de invisibilização jurídica. Passamos a ser sujeitos de direitos em 1988, com a Constituição Federal, a partir da garantia do direito ao território. Mas, mesmo assim, sempre vivemos ameaças atrás de ameaças. O direito à consulta prévia é para equilibrar a balança.
E os Protocolos de Consulta são os regulamentos das próprias comunidades, a partir de como elas se mobilizam, se organizam e se movimentam. Mas o governo vai atropelando os passos. São muitos os vícios que a gente observa. A consulta prévia não é audiência pública, não é mensagem de WhatsApp. Só haverá diálogo se houver um protocolo adequado.
Um dos símbolos da escravidão era a mordaça. E a gente não quer isso mais. A gente quer Anastácia livre!
(Rafaela Santos, Advogada Popular da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras – Eaacone)
É histórica a luta de povos e comunidades tradicionais por fazer valer a Convenção. Temos o marco da Constituição Federal, mas nossa luta por direitos remonta à colonização. Mas, ainda hoje, nossas identidades são pouco reconhecidas. As pessoas entendem que a consulta prévia é uma audiência pública, mas não é. Nós ficamos reféns das interpretações na hora de fazer valer o nosso direito. Tem que respeitar a cultura de cada povo, que é quem determina a forma e o tempo em que querem ser consultados.
O que precisamos debater é o que a gente consegue fazer para avançar no âmbito do sistema de Justiça acerca da observância do direito à consulta prévia. A Convenção deixa isso muito nítido, mas nem todos os juízes têm este entendimento, só os mais flexíveis. Existe um melindre. Mas, em primeiro lugar, é preciso compreender que este é um direito efetivo. O Protocolo de Consulta não deve ser enxergado como um mero rito. O objetivo é ter consentimento. Nosso desafio é fazer o sistema de Justiça entender que este é um direito aderente.
(Yuri Luz, Procurador da República – Ministério Público Federal)
Nós temos compreendido que o processo de consulta é um processo de decolonização. E talvez seja por isso que a gente não tenha conseguido efetivar este direito até hoje. Porque a Convenção 169 vem trazer o poder a estes povos e comunidades. Estamos na etapa 4 de licenciamento de uma gigante exploração de petróleo na Bacia de Santos e até hoje não conseguimos fazer valer este direito. O Ibama diz, desde a etapa 1, que não vai ter impacto nas comunidades indígenas, quilombolas e de pescadores. Só agora conseguimos provar que haverá impacto a estas comunidades. Mas a decisão de explorar ou não foi tomada antes mesmo dos leilões. Então a consulta prévia foi ultrapassada. O que for feito agora soa como figurativo. Colocamos vários ministérios na mesa e eles perguntaram se as centenas de comunidades desde a Bacia de Guanabara até o fim do litoral paulista têm seus devidos Protocolos de Consulta. Mas, na totalidade, elas não têm. E então surge um novo impasse sobre regulamentação. O que seria inverter a lógica do Protocolo.
(Walkíria Picoli, Procurador da República – Ministério Público Federal)
Os Protocolos Comunitários têm o poder de mudar estruturas. O Protocolo é como uma regra básica, e os planos de consulta desenvolvidos a partir daí são a concretização destes Protocolos. É aqui que há um espaço privilegiado para a construção de políticas públicas. E nós precisamos ter como referência que a autoatribuição é o pilar desta discussão. São os povos e comunidades que dizem quem são. E cada um determina seu próprio Protocolo de Consulta.
(Andrew Toshio, Defensor Público do Estado de São Paulo)
Quem deve realizar a consulta prévia é o Estado. E a gente tem um problema grave no planejamento estatal. Mas o Estado brasileiro precisa lançar mão de dispositivos para garantir esta efetivação. Não se constituem direitos sobre os direitos originários. Eles são inalienáveis. Há uma dificuldade em compreender que, quando se trata de PCTs, o movimento parte de baixo para cima, e que este é o único movimento possível para a garantia de direitos. O Estado brasileiro precisa de boa fé e de boa vontade. E o Judiciário, (precisa) compreender que a demora da Justiça gera um vácuo de legalidade, o que abre espaço para a violência. A Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que a Convenção 169 é um princípio geral de garantia de direitos, e nós temos o dever de realizar uma defesa intransigente desses direitos.
(Juliana de Paula, assessora jurídica do Instituto Socioambiental – ISA)
Foi uma iniciativa muito importante a organização deste livro. Por isso, parabenizo o ISA e o Observatório. Porque se a Convenção tem um texto expresso e muito literal, como o universo de incerteza e dúvidas se cria? Estas dúvidas são construídas socialmente, a partir da dificuldade de se pensar estes povos e comunidades como detentores do Direito. Todas estas controvérsias têm intencionalidade. Como é o caso das dificuldades na questão fundiária. Se o Direito pressupõe um caráter ético, como alegar confusão entre audiência pública e consulta prévia?
(Maíra Moreira, Pesquisadora do Observatório de Protocolos Comunitários)
Às vezes é preciso explicar aos tribunais que PCTs vão além de povos indígenas. Porque nos deparamos com muitas interpretações, até mesmo de que em territórios não titulados ou não demarcados não precisa de consulta prévia. Estamos passando por isso com as indústrias eólicas. Elas passam por leilões sem a consulta prévia. E estas eólicas estão matando povos e comunidades tradicionais. Outro exemplo foi a transposição do Rio São Francisco, que não realizou consulta, e é bom ter em mente que ainda não terminou. Estas são as energias que são apontadas como limpas, mas que não são.
(Clarissa Marques, Pesquisadora do Observatório de Protocolos Comunitários)
Existe um devido processo legislativo, apoiado no artigo 231 da Constituição Federal que, interpretado à luz da Convenção 169 da OIT, diz que este é um direito constitucional. Logo, se entende enquanto cláusula pétrea. E é importante ressaltar que um dos maiores adversários está em um dos lados da Praça dos Três Poderes: no Congresso Federal. Além disso, os acessos a quem decide são assimétricos. E isso está muito profundamente penetrado nos sistemas de Justiça. É preciso propiciar a democratização destes espaços.
(Daniel Sarmento, Professor Titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro)
O Judiciário pode se posicionar melhor, aceitando que não sabe. Não podemos pensar que sabemos tudo e impor nossos modos de vida enquanto hegemônicos. Os povos (tradicionais) são vistos como incapazes de decidir por eles mesmos. Há uma recusa das instituições por compreender esta matéria. Isto tem que constar na formação dos magistrados. É essencial. Sem conhecer, a gente pode supor que ele (o direito à Consulta) não existe. E isso pode acarretar no sofrimento e no fim de muitas comunidades.
(Hallana Duarte Miranda, Juíza de Direito Titular da Comarca de Eldorado – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)
Esta escuta emerge como uma solução premente. Mas os magistrados não sabem destas matérias. Eles estão num ambiente de despreparo. Por que não conseguimos ouvir? Porque temos tempos diferentes. Vamos precisar chegar num meio de caminho para resguardar este País que é tão diverso. Vamos ter de encontrar soluções possíveis. Às vezes me pergunto se somos mesmo civilizados, até mesmo diante de tantos animais irracionais.
(Daniele Maranhão, Desembargadora Federal – TRF1)
Trago não só os conhecimentos da minha ancestralidade, mas acumulei o conhecimento de vocês para estar aqui em pé de igualdade. Além da Convenção, que já tem caráter supralegal, os povos têm os Protocolos de Consulta escritos do jeito que vocês gostam: Times New Roman, tamanho 12. Nós estamos prontos para dialogar quando vocês chegarem. Mas tudo isso afetou nossa organização. São as mulheres que têm o conhecimento ancestral, mas o governo só chama os homens para conversar. Às minhas ancestrais eu honro estar aqui hoje.
Maíra Carneiro, Liderança Pankararu, Assessora da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho)
O paradigma foi mudado em 1988, mas de nada adiantou. Todas as hidrelétricas de lá para cá foram instaladas sem consulta prévia. O que mudou foi o paradigma do direito individual para o coletivo, e isso é fruto de lutas sociais profundas. Lá atrás, quando se compõe o Direito, ele expulsa o coletivo, a mulher e a natureza. E são eles que determinam as perspectivas de futuro. Sem isso nós não temos solução.
(Carlos Marés, Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná)
É chegada a hora de abrirmos as portas do Judiciário para os povos e comunidades tradicionais, sem formalismos e sem o juridiquês. O juiz federal tem que ser o juiz das massas, de quem foi esquecido ao longo dos séculos. O Judiciário de hoje não pode ser hermético. Temos que ter a capacidade de querer aprender com a sociedade para que ela nos transforme e que a gente use uma nova linguagem, a linguagem dos povos, como uma expressão legítima e dominante.
(Carlos Muta, Desembargador Federal, Presidente do TRF3)
Precisamos mudar o cérebro do nosso país. Ele veio de fora, de cabeças maldosas. Precisamos reflorestar a nossa mente, porque ela está monoculturada. Ñanderu está mostrando que a Terra está muito doente, com 44ºC de febre. E se para o Congresso é tudo negócio, para nós a Terra é mãe. Hoje, para demarcar terra precisa de governo, Justiça, de antropólogo. Mas quando foi para tirar nossas terras não precisou de nada. Eles criaram a Constituição, mas eles mesmos querem assassinar a Constituição. Não respeitam nossos direitos, muito menos o meio ambiente. Para eles, um boi vale mais do que uma criança em nossos territórios.
(Anastácio Peralta Ava Kwarahy Rendyju, liderança Guarani-Kaiowá, graduado em Licenciatura Intercultural Indígena e mestre em Educação e Territorialidade)
Eu tenho muita esperança de que este evento reverbere muito. Porque eu considero este um encontro histórico. Eu não me lembro de um evento como este, com esta presença tão diversa. Então eu tenho a esperança de sensibilizar as pessoas no sentido de dar a conhecer esta realidade e este direito. A Convenção 169 é pouco conhecida, pouco aplicada. Então, dar esta visibilidade é muito oportuno.
(Maria Luiza Grabner, Procuradora Regional da República, Coordenadora do GT Nacional do MPF sobre Comunidades Quilombolas)
Para quem tem martelo, tudo é prego. E assim a Justiça vai sendo aplicada. Então, este evento faz parte de um processo de incorporar nas instituições os princípios constitucionais de um Estado plural que, necessariamente, deve incluir todos os grupos, ouvir e abrir as portas para as pessoas. A gente não pode ficar encastelado, falando para nós mesmos. É interesse da comunidade e é interesse também dos magistrados poder ampliar seus horizontes, suas visões de mundo. Acho que todos só têm a ganhar.
(Cristina Melo, Desembargadora Federal - TRF3)
Assista às mesas do evento
Dia 18.04, manhã:
Dia 18.04, tarde:
Dia 19.04, manhã:
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Aquilombar 2024: movimento quilombola leva luta ancestral a Brasília
Mobilização realiza marcha nesta quinta-feira e levará ao centro do poder as principais pautas e reivindicações dos quilombolas
Marcha das Comunidades Quilombolas em Brasília em agosto de 2022, quando o último Aquilombar foi realizado|Gustavo Bezerra/PT na Câmara
A diversidade e a resistência dos quilombos de todo o Brasil irão ocupar as ruas e os corredores de Brasília nesta quinta-feira, dia 16 de maio, quando acontece a segunda edição do Aquilombar – maior mobilização do movimento quilombola, organizada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Com uma programação diversificada que inclui palestras, performances culturais, exposições artísticas, feira com produtos quilombolas, rodas de conversa, lançamentos de dados e iniciativas sociais, o Aquilombar permite que as comunidades negras rurais de todo território nacional compartilhem suas vivências, saberes e experiências, contribuindo para a preservação e fortalecimento da herança cultural afro-brasileira.
Neste ano, o encontro busca explorar as conexões entre passado, presente e futuro, destacando a importância das raízes culturais na construção de um amanhã mais inclusivo e sustentável, levando o tema “Ancestralizando o Futuro”.
Uma marcha está prevista para a quinta-feira (16/5) até o Congresso Nacional. Após a mobilização pelas ruas de Brasília, deve acontecer a leitura e aprovação da carta final do Aquilombar 2024.
No centro das pautas e reivindicações dos quilombolas estão o direito à terra, o combate ao racismo, a garantia de direitos básicos, a preservação da cultura e do meio ambiente e a necessidade de avanço nas políticas institucionais para os quilombos.
Em 2022, a população quilombola foi incluída pela primeira vez no Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pesquisa que acontece há 150 anos e apresenta o retrato demográfico, geográfico e socioeconômico do país.
Os resultados da pesquisa são essenciais para a construção das políticas públicas e sociais, uma vez que levantam discussões sobre a segurança, a expectativa de vida e as necessidades prioritárias desses grupos.
Direito à terra
Símbolo de concretização da luta política quilombola, o Decreto 4.887/2003, que “regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos”, completou vinte anos em novembro de 2023.
Essa é uma política fundamental para a garantia do direito à terra das populações quilombolas e, desde o início, enfrenta dificuldades para ser instituída de fato. No passado, sua legitimidade, constitucionalidade e formalidade foram fortemente questionadas.
Hoje, um dos principais desafios é lidar com a falta de vontade política e a falta de orçamento para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), responsável por executar a reforma agrária, realizar o ordenamento fundiário nacional e emitir títulos de territórios quilombolas.
Segundo dados do último censo demográfico do IBGE, são quase 6 mil comunidades quilombolas espalhadas pelo país e apenas 147 tiveram seu título emitido.
Na ocasião, Lula comentou que o ato era “o pagamento de uma dívida histórica, que a supremacia branca construiu nesse país desde que esse país foi descoberto, e que nós queremos apenas recompor aquilo que é a realidade de uma sociedade democrática”.
Estruturada em cinco eixos (integridade territorial, usos, manejo e conservação ambiental; produção sustentável e geração de renda, soberania alimentar e segurança nutricional; ancestralidade, identidade e patrimônio cultural; educação e formação voltadas à gestão territorial e ambiental e organização social para a gestão territorial e ambiental), a política se propõe a promover práticas de gestão territorial e ambiental desenvolvidas pelas comunidades quilombolas; atuar para garantir os direitos territoriais e ambientais dessas comunidades; favorecer a implementação de políticas públicas de forma integrada; proteger o patrimônio cultural material e imaterial; conservar a biodiversidade e fomentar seu uso sustentável, e ainda, promover a melhoria da qualidade de vida e a justiça climática.
A construção da PNGTAQ se deu por um processo conjunto envolvendo diversos territórios e lideranças da CONAQ de todo o Brasil. Além dos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Ministério da Cultura, Ministério da Igualdade Racial, Ministério do Desenvolvimento Social, dentre outros que estão previstos para compor o futuro Comitê Gestor da política.
Apesar de uma grande conquista, o movimento quilombola ainda não tem resposta sobre a formação e implementação do Comitê Gestor*.
Em novembro, o Ministério da Igualdade Racial havia comentado que “a partir do dia 20 [de novembro], as ministras Anielle Franco e Marina Silva, em conjunto com o ministro Paulo Teixeira, devem publicar em noventa dias um ato próprio estabelecendo critérios e procedimentos para a definição das organizações quilombolas que irão compor o Comitê Gestor”. Entretanto, já se passaram quase seis meses e isso ainda não aconteceu.
*O Comitê Gestor tem como papel planejar, coordenar, articular, monitorar e avaliar a execução da PNGTAQ; propor ações, planos, programas e recursos necessários à implementação da PNGTAQ no âmbito do Plano Plurianual, das diretrizes orçamentárias, do orçamento anual e de outras fontes de financiamento; assegurar a realização de consulta livre, prévia e informada às comunidades quilombolas no âmbito de iniciativas governamentais e legislativas que as afetem, observada a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais e os protocolos de consulta existentes e aprovar o seu regimento interno, por maioria simples de votos.
Mesa Quilombola
Criada para dar visibilidade à política de titulação de quilombos, a Mesa Quilombola, que estava suspensa há 7 anos, foi retomada.
Em um evento promovido pelo Incra no último mês de abril, em Brasília, foi assinado um Protocolo de Intenções entre a Conaq e a autarquia com o objetivo de “estabelecer a cooperação e colaboração mútua na área de regularização fundiária dos territórios quilombolas, notadamente quanto ao intercâmbio e compartilhamento de informações, pesquisas e estudos, por meio da implementação de ações, programas e projetos que favoreçam a instrução dos processos de regularização fundiária em trâmite perante o Incra”.
A mesa foi descontinuada no governo Temer e assim permaneceu durante o governo Bolsonaro.
Principais pautas do movimento quilombola nacional:
- Reconhecimento e demarcação de territórios, com garantia da posse e do direito ao uso da terra pelas comunidades conforme sua sabedoria e tradições.
- Regularização fundiária, garantindo segurança jurídica sobre suas terras e acesso a políticas públicas de desenvolvimento, como crédito agrícola e programas de assistência técnica.
- Acesso a serviços básicos, como saúde, educação, saneamento básico e energia elétrica.
- Preservação cultural e ambiental, incluindo tradições, línguas, práticas agrícolas e religiosas, além da proteção do meio ambiente nos territórios quilombolas, promovendo práticas sustentáveis de uso dos recursos naturais.
- Combate ao racismo e à discriminação, buscando o reconhecimento da contribuição histórica e cultural das comunidades quilombolas para a sociedade brasileira e promovendo a igualdade de direitos.
Racismo e violência
Segundo o estudo “Racismo e violência contra quilombos no Brasil”, lançado em novembro de 2023 pela Conaq e pela organização Terra de Direitos, a média anual de quilombolas assassinados de 2018 a 2022 quase dobrou em relação ao período de 2008 a 2017.
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Movimentos negros protestaram por todo o Brasil contra a violência policial e do Estado em agosto de 2023|Júlio César Almeida/ISA
Dos 32 homicídios registrados de 2018 a 2022, quase a metade foi de “lideranças reconhecidas pelas comunidades”, com 15 casos. Em 10 das 26 comunidades em que os crimes ocorreram, observa a publicação, não há processo de regularização do território aberto no Incra.
Ou seja, territórios à espera de regularização estão mais vulneráveis à violência, conforme comprovam os dados. Segundo números da Fundação Palmares, há hoje 1.805 processos inconclusos em tramitação no Incra para regularização de territórios quilombolas.
Um dos assassinatos de maior repercussão foi o de Mãe Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, em agosto passado, no Quilombo Pitanga de Palmares, em Simões Filho (BA). O crime cometido contra a Yalorixá e liderança de terreiro também expôs a questão da violência de gênero, abordadas na pesquisa.
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Manifestantes pedem justiça por Bernadete Pacífico, liderança assassinada em agosto de 2023 no quilombo Pitanga dos Palmares|Júlio César Almeida/ISA
O feminicídio é a segunda maior causa de mortes entre quilombolas, perdendo somente para os conflitos fundiários. O estudo mostrou que a proporcionalidade de mulheres quilombolas assassinadas dobrou em comparação com o período de 2008 a 2017, que registrou a morte de oito mulheres em dez anos.
As organizações afirmam no documento que a violência contra as mulheres é também reflexo da luta política desempenhada por elas nos quilombos em defesa do território e da sobrevivência das comunidades.
Crise Climática
As rodas de conversa previstas para a quinta-feira (16/05) incluem discussões sobre a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que neste ano acontecerá em Belém (PA).
Essa é a primeira vez que o maior evento global de discussões climáticas vai desembarcar no Brasil, e a expectativa é de que a Amazônia e os povos que ali vivem ocupem uma posição central nas discussões.
Com a proximidade da COP 30, Vercilene Dias, advogada quilombola e assessora jurídica da Conaq, defendeu que as discussões sobre o direito à consulta e a presença de lideranças dos povos da floresta sejam assegurados.
“Porque são justamente [eles] que estão sendo afetados. Quem sofre as afetações [das mudanças climáticas] não são as pessoas de classe média ou que estão nos grandes centros; são as pessoas da periferia, as comunidades tradicionais”, disse.
Do sudoeste de São Paulo para a capital do país
Em meio a um cinturão verde de mais de 2 milhões de hectares de floresta preservada no maior remanescente de Mata Atlântica do Brasil, mais de 80 comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, em São Paulo, lutam contra o racismo ambiental e diversas violações dos seus direitos.
Durante centenas de anos, buscaram o protagonismo sobre suas narrativas para combater a criminalização das práticas tradicionais e dificuldade para obter licenças para o cultivo da terra.
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Urias Morato durante puxirão em sua roça de milho no Quilombo São Pedro, no Vale do Ribeira|Manoela Meyer/ISA
14ª Feira de Troca de Sementes e Mudas do Vale do Ribeira, evento destinado à preservação cultural e preservação de espécies nativas|Júlio César Almeida/ISA
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Aquilombar: Conaq realiza 2ª edição da maior mobilização quilombola do Brasil
Encontro organizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) acontece dia 16 de maio, em Brasília
Avaliado como o maior evento do movimento quilombola do Brasil e realizado pela Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a 2° edição do Aquilombar acontece em 16 de maio. Trata-se de um espaço de grande importância na promoção e valorização da cultura e tradições quilombolas.
É através desse encontro que as comunidades negras rurais de todo território nacional têm a oportunidade de compartilhar suas vivências, saberes e experiências, contribuindo para a preservação e fortalecimento da herança cultural afro-brasileira.
Aquilombar 2022, que reuniu mais de três mil quilombolas em Brasília, trouxe diversas organizações quilombolas à capital|Andressa Cabral Botelho/ISA
Com uma programação diversificada que inclui palestras, performances culturais, exposições artísticas, feira temática quilombola, rodas de conversa, lançamentos de dados e iniciativas sociais, além da mobilização de uma marcha que sairá do espaço sede do evento até o Congresso Nacional, em Brasília, o Aquilombar busca explorar as conexões entre o passado, presente e futuro, destacando a importância das raízes culturais na construção de um amanhã mais inclusivo e sustentável, por isso a sua segunda edição carrega o tema “Ancestralizando o Futuro”.
Ao reunir líderes comunitários, ativistas, intelectuais, artistas e demais apoiadores da causa quilombola, o evento cria um espaço propício para debates, trocas de ideias e ações concretas voltadas para o empoderamento dessas comunidades historicamente marginalizadas. Dessa forma, o Aquilombar se destaca como um marco na luta pela preservação da identidade quilombola e na construção de um futuro mais justo e equitativo para essas comunidades, reforçando a importância do respeito à diversidade cultural e étnica do Brasil.
Participe deste encontro imperdível que irá inspirar, provocar reflexões e celebrar a riqueza da diversidade cultural brasileira quilombola. A Conaq convida a todos a se juntarem nessa jornada de resgate e valorização das nossas origens em direção a um futuro mais promissor, com a garantia dos direitos ao povo quilombola que luta há séculos pela restituição da sua dignidade.
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Aquilombar 2024
Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq)
Proteção a Terras indígenas, territórios quilombolas e Unidades de Conservação é essencial para agenda climática brasileira. Na foto, vista aérea da comunidade indígena Gaviao 2, no Amazonas|Bruno Kelly/Amazônia Real
O dia 13 de abril, agora, passará a ser lembrado como a data em que uma grande defensora de direitos ambientais nos deixou. Osvalinda Alves, agricultora familiar que teve a vida marcada pela defesa ambiental e o enfrentamento das ameaças e perigos dela decorrentes, foi a primeira brasileira a receber o prêmio Edelstam, na Suécia, em 2020, em reconhecimento do seu trabalho de defesa da Amazônia. Ela reivindicava direitos territoriais e denunciava a extração ilegal de madeira da floresta. Morreu por complicações pulmonares, no Pará, no último sábado (13).
A Amazônia, região de origem e atuação de Osvalinda, é o bioma que historicamente mais tem emitido gases de efeito estufa (GEE). Em 2022, os Estados de Mato Grosso (17,3% do total) e Pará (15,6%) – parte da Amazônia Oriental - aparecem como os principais emissores brutos, seguidos de Minas Gerais, Rondônia – estado também pertencente ao bioma amazônico - e São Paulo.
Vale lembrar que o perfil de emissões de gases de efeito estufa no Brasil tem, no topo do ranking, os setores de “mudança de uso da terra e floresta” e “agropecuária”, que em 2022 foram responsáveis por aproximadamente 75% do total das emissões de GEE (SEEG, 2023).
O principal fator de emissões do setor “mudança do uso da terra e floresta” é o desmatamento. E do total das emissões brutas oriundas do desmatamento em 2022, 75% são provenientes da Amazônia.
No setor de “agropecuária” são contabilizadas as emissões provenientes da digestão realizada pelos rebanhos de animais ruminantes - o popular “arroto” do boi -, do tratamento e da disposição que os dejetos desses animais recebem, entre outros. Do total de emissões do setor, a agricultura representou 20%, e a pecuária 80%. A principal causa do aumento nas emissões foi, assim como em 2021, o crescimento do rebanho bovino.
Estudos apontam que, apesar de já ocupar mais de 80% das áreas desmatadas na Amazônia com uma produtividade baixíssima, a pecuária ainda pode levar à derrubada de mais de 3 milhões de hectares entre 2023 e 2025, caso não sejam adotadas medidas mais efetivas de fiscalização, como a rastreabilidade de todos os animais desde o nascimento.
Entre 2021 e 2022, mais de 100 mil hectares de florestas da Amazônia foram explorados ilegalmente para a extração de madeira. Uma área maior que a de Belém, cidade sede da COP 30. Mais de 25% (25,6%) da ilegalidade se concentrou em Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
É cada vez mais evidente a correlação entre o papel de defensores ambientais, povos indígenas e comunidades tradicionais e a luta contra a emergência climática. Mais de 150 organizações nacionais e internacionais reforçaram essa correlação em carta enviada no final de março a ministros do Governo Federal e a membros do Poder Legislativo solicitando a aceleração da aprovação do Acordo de Escazú no Congresso Nacional. Esse é o primeiro acordo ambiental do mundo com obrigações específicas de proteção de defensores ambientais. Nele são incluídos direitos como os de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais, cuja efetivação é fundamental para a garantia de uma governança ambiental e climática transparente, participativa e inclusiva.
Em um trecho da referida carta, as organizações afirmam: "Considerando ainda o tamanho e influência do Brasil, o contexto de sua liderança no âmbito de diálogos do G-20, do BRICs, da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e de outros agrupamentos de países, bem como o papel-chave das florestas do país na mitigação das mudanças climáticas e a relevância do trabalho dos defensores ambientais em sua proteção, ratificar o acordo enviará uma mensagem contundente à comunidade internacional de que o governo está envidando os esforços necessários para responder à tripla crise planetária (crise climática, da perda da biodiversidade e da poluição) e poderia influenciar positivamente a agenda de transição para uma economia ambiental e socialmente sustentável e justa. A ratificação do Acordo de Escazú deveria ser prioridade do governo rumo à COP 30, em Belém, em 2025".
O objetivo da referida consulta é, fundamentalmente, esclarecer o alcance e o conteúdo das obrigações de efetivação e proteção de direitos humanos que os Estados têm diante da situação de emergência climática.
As audiências brasileiras serão promovidas na capital federal e na Amazônia, em Manaus. Desde fevereiro, contudo, já se conhece a posição oficial do Brasil a respeito do tema. Num documento de 42 páginas apresentado pelo país, verifica-se a construção de uma sofisticada relação entre direito internacional ambiental e climático e dois posicionamentos importantes.
Primeiro, o país pontuou a importância do princípio de não discriminação, especialmente para grupos vulneráveis afetados pela emergência climática, como defensores ambientais, povos indígenas e população negra das periferias. E, em segundo lugar, o governo brasileiro inovou ao defender que o direito humano ao clima equilibrado é um componente integrante do direito humano ao meio ambiente saudável.
Nesse contexto, há grandes desafios legais e operacionais pela frente. Atingir a meta de desmatamento zero em 2030, fundamental no combate às mudanças climáticas, deve considerar como prioridade garantir a integridade e segurança territorial dessas comunidades e de seus representantes, defensores de direitos ambientais como Osvalinda.
Esse é um fator imprescindível para a reprodução dos modos de vida de agricultores familiares e comunidades tradicionais. Afinal, são nessas áreas que essas populações desenvolvem seus conhecimentos, culturas, soberania alimentar, inovações e as economias da sociobiodiversidade - realizadas em sistemas de manejo de baixa escala, com baixo impacto ambiental e alta variedade de espécies nativas e conhecimentos sobre a biodiversidade local. Mais do que produtos, são economias do conhecimento, que produzem inovação e manutenção dos serviços ecossistêmicos.
Priorizar essas ações é operar uma real agenda de justiça climática, ou seja, de promoção da integração de direitos, da segurança territorial e das economias da sociobiodiversidade.
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Terra, Tempo e Luta: 20 anos de resistência no Acampamento Terra Livre
Apib encerra mobilização nacional com compromisso de Lula pela demarcação das Terras Indígenas; leia a carta final do ATL
ATL 2024: mais de 9 mil indígenas de diversas partes do País se manifestaram pela defesa de seus direitos em Brasília|Lucas Landau/ISA
No coração de Brasília, entre os dias 22 e 26 de abril, um chamado ecoou pelos quatro cantos do país: “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui!”. Assim, o Acampamento Terra Livre (ATL), que neste ano celebrou duas décadas de existência, amplificou as vozes, histórias e a resistência dos povos indígenas no Brasil.
“O ATL 2024 ficou na história, principalmente pela mensagem que nós enviamos e foi ouvida”, comemorou Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), na plenária de encerramento.
“Alcançamos o nosso objetivo, reafirmamos o nosso compromisso com o texto constitucional e com a democracia. Precisamos que o Congresso pare de criar uma agenda anti-indigena. Precisamos que as terras sejam demarcadas, que o Executivo cumpra com as suas funções institucionais. Mas, para que isso aconteça, nós precisamos nos manter mobilizados”, reforçou.
Organizada pela Apib, a mobilização histórica reuniu mais de 9 mil pessoas, representando mais de 200 povos pela defesa dos direitos indígenas. Entre uma ampla agenda de reuniões nos Três Poderes, o movimento articulou um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recebeu uma comitiva de 40 lideranças indígenas e se comprometeu a avançar na questão das demarcações.
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Da esquerda à direita, Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib, Dinamam Tuxá e Kleber Karipuna, coordenadores-executivos|Lucas Landau/ISA
Lula determinou a criação, em duas semanas, de uma força-tarefa governamental para sanar problemas “jurídicos e políticos” relacionados à demarcação das Terras Indígenas. Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib, demonstrou preocupação sobre a decisão do Executivo em dialogar com governadores antes da homologação de terras ocupadas por não-indígenas.
“Só avançaremos nessa pauta garantindo o direito constitucional e cumprindo o decreto 1775/96. O único ente federal responsável por demarcar Terras Indígenas é o governo federal, e é nesse sentido que nós estamos nos propondo a compor essa força-tarefa, sem nos comprometer a conversar com ninguém fora do que prevê o decreto 1775. O decreto é claro: tem um rito e este rito tem que ser seguido”.
Carta final
Nesta sexta-feira (26/04), a organização divulgou a carta final do ATL, uma declaração urgente do movimento indígena brasileiro sobre as ameaças contra a vida dos povos indígenas, especialmente relacionadas à política.
"Alertamos que essa ruptura intencional resultará no aumento das violências e das políticas e práticas de genocídio historicamente promovidas tanto pela sociedade quanto pelo próprio Estado contra os povos indígenas. Desde os períodos mais remotos da história até os dias atuais, incluindo o legado sombrio da ditadura militar, cujas consequências ainda ecoam em nossas vidas."
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Unidos e unidas pela defesa da vida e do planeta! Povos indígenas marcharam em Brasília exigindo a garantia de direitos e a preservação dos territórios|Lucas Landau/ISA
A referência é sobre a decisão do ministro Gilmar Mendes, que na segunda-feira determinou a instalação de um “processo de conciliação e mediação” sobre a Lei do Marco Temporal. “Alertamos que essa ruptura intencional resultará no aumento das violências e das políticas e práticas de genocídio historicamente promovidas tanto pela sociedade quanto pelo próprio Estado contra os povos indígenas”, diz o documento.
Além da pauta da demarcação de terras, os indígenas também se posicionam contra a abertura de seus territórios a empreendimentos que agravam a crise climática. “Tais empreendimentos representam uma ameaça direta à mãe natureza, às florestas, aos nossos rios, à biodiversidade, à fauna e à flora, assim como a todas as riquezas e formas de vida que preservamos ao longo de milênios”.
Na carta, o presidente Lula é chamado a cumprir o compromisso de instalar a força-tarefa para dialogar com os Três Poderes e demarcar definitivamente todas as Terras Indígenas do país, e que garanta a participação efetiva dos povos e organizações indígenas na força-tarefa.
“Não queremos viver em fazendas”
O documento também se manifestou contra a compra de terras para destinação aos povos indígenas, conforme declarou o presidente Lula sobre a compra de áreas para reparar indígenas Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul.
“Se houver necessidade de comprar terras, que seja para reassentar os invasores, e não deslocar nossos povos de suas terras originárias. PRESIDENTE LULA, NÃO QUEREMOS VIVER EM FAZENDAS! É preciso impedir que Rui Costa, Ministro Chefe da Casa Civil, siga “mandando” sobre as homologações de Terras Indígenas.”, enfatiza.
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