Com o alvorecer de uma nova Conferência sobre Mudança do Clima, as pessoas voltam a se dividir entre a esperança de um acordo transformador e o ceticismo diante da inação crônica
*Artigo originalmente publicado no Le Monde Diplomatique Brasil
Com o alvorecer de uma nova Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), as pessoas voltam a se dividir entre aquelas que têm a esperança de um acordo transformador e o ceticismo diante da inação crônica.
Em um ano em que o gás carbônico (CO2) na atmosfera teve o maior salto já medido na história, a urgência científica colide com o esfacelamento geopolítico. E esse talvez seja o elemento de maior dor de cabeça para o multilateralismo climático desde 1992. Com eventos climáticos extremos se acelerando e a cooperação internacional sob pressão de guerras, genocídios e autoritarismo, o maior desafio é a crise de confiança.
Na Pré-COP de Brasília, a China criticou duramente o unilateralismo e o protecionismo, deixando claro que a desconfiança é agravada pela retração de grandes emissores. A situação é de "dinheiro travado em países ricos", agravada na COP passada, no Azerbaijão, por conta do acordo final sobre a nova meta de financiamento climático ter ficado aquém em 1 trilhão de dólares, legando à COP 30, no Brasil, a missão de provar que o multilateralismo ainda é possível.
Além disso, o pleito pelo afastamento dos combustíveis fósseis é ladeado não apenas pelo desinteresse do Norte global em se responsabilizar, mas também pela ambiguidade do anfitrião. O Brasil, que deveria capitanear a agenda de transição justa no Sul Global, evidencia o mesmo dilema fóssil dos grandes emissores ao liberar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e ao não pautar o abandono dos fósseis como prioridade em sua agenda doméstica. A esse quadro, somam-se o crescimento dos gastos mundiais com guerras, que drenam recursos que deveriam ser aplicados na ação climática. O Roteiro de Baku a Belém é a chance de reverter essa tendência, devendo ser ambicioso e crível ao priorizar financiamento público, novo, adicional, altamente concessional e previsível para nações do Sul Global.
Adaptação: o pilar central e inadiável para a COP 30
Se a mitigação é o esforço para conter a crise, a adaptação é a ação para salvar vidas agora. A realidade da inação é catastrófica. Inundações, secas e insegurança alimentar afetam as populações mais vulnerabilizadas como povos indígenas, territórios negros e quilombolas, comunidades locais e periferias urbanas. A urgência da adaptação exige que a resiliência se torne um pilar mensurável, justo e financiado do Acordo de Paris, fortalecendo as capacidades locais de implementação para que a segurança coletiva se sobreponha à vulnerabilidade.
A Presidência Brasileira elegeu a Adaptação como o tema central da COP 30, conforme estabelecido em sua Oitava Carta à comunidade internacional. Essa é uma resposta direta à realidade do Sul Global, que mais sofre os impactos da crise. A urgência ganhou um forte "momentum" na Pré-COP de Brasília, a partir de várias manifestações das Partes presentes sobre o abismo de financiamento para adaptação a partir de 2026, quando grande parte dos compromissos de duplicação de Glasgow expira.
As necessidades anuais de adaptação nos países em desenvolvimento são estimadas em centenas de bilhões de dólares, enquanto os fluxos públicos internacionais são dramaticamente insuficientes. Financiar a adaptação salva vidas, reduz custos futuros e cria oportunidades para as comunidades e as economias, construindo um desenvolvimento resiliente. É por isso que organizações de todo o mundo, entre elas o Instituto Socioambiental (ISA), pedem que a COP 30 entregue o que é inadiável: a decisão de ao menos triplicar o financiamento para adaptação até 2030, com base nos níveis de 2022. Esta ação é inteligente, pois cada 1 dólar investido pode gerar até 10 dólares em múltiplos benefícios econômicos e sociais.
Nesse sentido, um passo crucial para a COP de Belém é a conclusão do Marco Emirados Árabes Unidos–Belém para Resiliência Climática Global e a aprovação do conjunto completo de indicadores do Objetivo Global de Adaptação (GGA). O sucesso neste pilar é fundamental para o legado da COP da Adaptação, evitando o abismo financeiro previsto a partir de 2026.
O dilema fóssil e o contrassenso do anfitrião amazônico
Com meses de presidência e após oito cartas à comunidade internacional, o Brasil buscou fortalecer o clima de confiança, mas sua liderança global foi perseguida pelo reflexo de suas contradições domésticas. Enquanto ativistas se manifestam pelo fim dos fósseis, a decisão do IBAMA de liberar a licença de pesquisa para a Petrobras na Foz do Amazonas projeta uma sombra de contrassenso sobre a presidência da COP.
O avanço na exploração de petróleo em uma região ecologicamente sensível e crucial para o clima global fragiliza o discurso climático do país e coloca em xeque sua credibilidade. Organizações da sociedade civil já se mobilizam na justiça para anular esse aval, demonstrando o custo político e ambiental dessa aposta fóssil. Belém precisa ir além da retórica, estabelecendo um processo detalhado e um calendário para a transição para longe dos combustíveis fósseis, com a eliminação de subsídios econômicos e a taxação de atividades poluidoras.
Enquanto o Brasil abre uma nova fronteira de exploração na Amazônia, a transição energética não pode ser apenas técnica, deve ser Justa. A transição para fontes de energia limpa não deve agravar a pobreza energética, a exposição a contaminações e toxicidades, ou impactar negativamente os territórios tradicionais. O modelo deve ser construído com a participação das comunidades, promovendo o acesso à energia e o desenvolvimento de soluções locais e descentralizadas.
A ambição e o protagonismo dos povos tradicionais
A relevância das COPs e a eficácia das soluções climáticas estão intimamente ligadas ao protagonismo da sociedade civil e à valorização dos saberes e práticas de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais (PCTs) nos processos de tomada de decisão. Os PCTs demonstram na prática que o enfrentamento às mudanças climáticas depende de seus modos de vida e da proteção de seus territórios. O fortalecimento de suas culturas e saberes tradicionais, como o uso de muvuca de sementes, demonstram soluções que são mais eficientes, resilientes e economicamente viáveis do que os modelos convencionais.
Em contraste gritante com a invisibilização do papel e contribuição dos povos indígenas e quilombolas da NDC oficial brasileira, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) Indígena e Quilombola se apresentam como as verdadeiras propostas de revolução climática e lições éticas para o mundo.
O Brasil ignora as populações que são verdadeiras guardiãs da Amazônia e de outros biomas, cujos territórios titulados e protegidos são a política de mitigação mais eficaz e de baixo custo que o país pode oferecer. A ambição brasileira seria radicalmente alavancada com o compromisso de titulação plena e proteção de todos os territórios quilombolas e terras indígenas do país.
Para viabilizar essa revolução, essas populações exigem nas suas NDCs que a COP 30 trate o financiamento climático com justiça e autonomia e que haja a garantia do acesso direto, desburocratizado e não reembolsável a recursos nacionais e internacionais, respeitando suas estruturas de governança.
Ademais, reivindicam que o protagonismo dos PCTs nos processos de tomada de decisão deve ser o novo padrão para as COPs, reconhecendo que a proteção dos direitos territoriais é um esforço integral para uma solução global mais robusta, eficaz e duradoura para a crise climática.
Adaptação, fósseis e o teste de credibilidade na Amazônia
A urgência de Belém se resume a um imperativo ético e financeiro, salvar vidas agora, triplicando os recursos para Adaptação e garantindo a conclusão do Marco Emirados Árabes Unidos–Belém. O tema é o pilar que pode restaurar a relevância da COP, pois foca nos mais vulnerabilizados. Essa entrega tende a não ser apenas técnica, mas sim uma prova de vontade política global.
O legado da COP 30, no entanto, será inseparável da contradição do país anfitrião. Belém será o palco onde o Brasil, de um lado, promete ser um líder na floresta e na energia limpa, mas, de outro, sinaliza a abertura de uma nova e perigosa fronteira fóssil na Amazônia. A licença de pesquisa na Foz do Amazonas fragiliza a credibilidade brasileira no centro da crise global de confiança. Para provar que não está apenas replicando o modelo de inação do Norte Global, o Brasil precisa ir além da retórica. A ambição exige não apenas um "mapa do caminho" para a transição energética justa, mas um compromisso firme para superar o dilema fóssil doméstico e eliminar os subsídios que perpetuam a dependência de energias poluentes.
Em meio às crises de financiamento e credibilidade, os povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais oferecem uma ponte coerente entre mitigação e adaptação. Ao exigir acesso direto a recursos para proteger seus territórios, as NDCs Indígena e Quilombola injetam ambição ética que falta ao processo. Se Belém for lembrada como um ponto de virada, isso dependerá da capacidade dos negociadores de transcender a crise geopolítica e a hipocrisia fóssil, consolidando um pacote robusto de adaptação e elevando o protagonismo dos PCTs.
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