Lideranças indígenas, quilombolas e extrativistas e representantes do ISA avaliam resultados e falam sobre participação popular na primeira COP realizada no Brasil
O boletim de áudio “Vozes do Clima” fecha o ano de 2025 trazendo um balanço político da Conferência sobre Mudanças do Clima da ONU, a COP30, realizada em Belém (PA), em novembro deste ano. O novo episódio,lançado nesta quinta-feira (18/12), traz as vozes de lideranças indígenas, quilombolas e extrativistas sobre a primeira COP realizada no Brasil, que contou com forte presença de ativistas socioambientais, de organizações de povos e comunidades tradicionais e de juventudes e periferias. Ao longo dos onze dias de evento, foram realizadas diversas atividades paralelas às negociações oficiais, permitindo a participação expressiva da sociedade do lado de fora da Zona Azul.
O programa tem a apresentação de Leonor Costa, jornalista do ISA, e conta com as participações de Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); de Biko Rodrigues, coordenador nacional e articulador político da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); de Letícia Moraes, vice-presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), de Adriana Ramos, secretária executiva do ISA; e de Ciro Brito, analista de políticas climáticas do ISA.
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A maior em participação indígena
Na avaliação das lideranças ouvidas pelo “Vozes do Clima", povos e comunidades tradicionais conquistaram avanços importantes, como o anúncio de demarcação de Terras Indígenas, reconhecimento de territórios quilombolas e maior representatividade nos documentos e espaços oficiais da COP. Além disso, destacaram a ampla participação dos movimentos sociais em espaços paralelos, como a Aldeia COP, a Cúpula dos Povos e a Zona Verde, e também nos espaços oficiais onde ocorrem as negociações.
Segundo a Apib, a COP30 também registrou a maior participação indígena na Zona Azul, espaço com acesso restrito, que reúne os negociadores oficiais e as delegações dos países. Foram mais de 900 credenciais para lideranças indígenas de todo o mundo. E quase 400 só do Brasil.
“Desde quando o Brasil tava lá atrás, ainda em 2023, anunciado como o possível país sede da COP30, nós começamos a fazer toda uma articulação para termos as nossas pautas, as nossas demandas no centro dos debates. É a COP com a maior presença, com a maior participação histórica dos povos indígenas, não só do Brasil, do mundo inteiro, numa COP de clima", explicou o coordenador executivo da Apib em entrevista ao "Vozes do Clima”.
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Reconhecimento de afrodescendentes
A COP de Belém também foi histórica para as populações quilombolas. Os documentos finais da Conferência mencionam, pela primeira vez, o termo “afrodescendentes”, reconhecendo o papel essencial das populações negras nas ações de enfrentamento à crise do clima.
Organizações quilombolas, que vinham lutando nas conferências passadas para que suas ações de adaptação nos territórios fossem consideradas formalmente como estratégias para a contenção da crise climática, chamam atenção para este avanço.
“Esta menção no documento final da COP sobre os afrodescendentes, para nós é uma vitória histórica. Nós somos o país com mais número de afrodescendentes fora do continente africano", lembrou Biko Rodrigues.
Ele também comentou a importância do painel Amazônia Quilombola, estudo promovido pelo ISA, em parceria com a Conaq, e lançado durante a COP30. O levantamento identificou 632 territórios quilombolas no bioma Amazônia, número 280% maior do que o registrado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
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“Essa COP para nós teve um gosto muito especial. Conseguimos produzir uma NDC, conseguimos produzir um painel sobre a Amazônia Quilombola, trazendo os dados da Amazônia, e dados muito importantes que nos colocam no outro patamar. E esses dados servem para reforçar nossa demanda, e mais do que nunca o Estado brasileiro deve reconhecer a titulação dos territórios quilombolas como uma política de clima”, destacou o coordenador nacional da Conaq.
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Comunidades locais reivindicam mais espaço
Também durante a COP30 ocorreu o lançamento do Fórum Global de Comunidades Locais sobre Mudança Climática, o Caucus de Comunidades Locais. A articulação internacional, que já vinha de outras conferências sobre mudanças do clima, é composta por representantes de comunidades locais da África, da Ásia e da América Latina e Caribe.
Letícia Moraes, vice-presidente do CNS, explicou ao "Vozes do Clima" que o objetivo é alcançar participação mais ativa das comunidades tradicionais nos processos de negociação da Conferência.
“Nossa expectativa em torno dessa criação era muito grande, porque se não tem o reconhecimento, você não é lembrado dentro da construção de políticas públicas e nós consideramos, dentro do nosso aprendizado, que as políticas públicas se fazem muito pelo que tá escrito no papel. Ela firma para os segmentos que existem no Brasil também a necessidade que é essa construção conjunta, a construção de alianças para que as nossas pautas sejam envolvidas nas pautas internacionais que existem em torno da crise climática, dos Caucus de Comunidades Locais e espaços efetivos de governança também dessas discussões", ressaltou a liderança.
O mapa do caminho e outras ações
Apesar da ampla participação popular, o documento final da COP30 não trouxe uma das resoluções mais esperadas: o mapa do caminho para o fim do uso de combustíveis fósseis, conforme o governo brasileiro havia se comprometido. A pressão dos países mais poluidores não permitiu que a Conferência de Belém avançasse em políticas para reduzir a emissão de CO2, um dos principais responsáveis pelo aquecimento global.
Mas, segundo Adriana Ramos, secretária executiva do ISA, alguns passos nesta direção foram dados.
“É claro que é ruim a gente não ter chegado ao fim da COP com uma sinalização clara desse mapa do caminho. Ao mesmo tempo, considerando que isso nunca esteve durante o tempo todo de preparação como uma pauta prioritária da COP, eu acho que foi sim um ganho que o Brasil tenha conseguido colocar isso na mesa e juntado mais de 80 países a seu favor. Agora tem uma proposta de uma discussão e quem é contra tem que se manifestar contra e as forças que são favoráveis vão poder formular propostas e participar desse debate. O fato de que a Colômbia vai organizar uma conferência específica sobre isso, também é uma sinalização muito positiva de que a agenda é agora e não tem como escapar. Vai ter que pelo menos ser discutida", disse.
Ciro Brito, analista de políticas climáticas do ISA, chamou atenção para outras pautas que saíram no conjunto de 29 documentos aprovados na COP30 – conhecido como Pacote de Belém. Entre os avanços, ele destacou o tema da adaptação.
“Você teve a aprovação dos indicadores, dos objetivos globais de adaptação, que são indicadores voluntários, mas que são fundamentais para dar um parâmetro, um guia para os países avançaram em adaptação. A grande pedra no sapato, digamos assim, das COPs é justamente a triplicação dos recursos de financiamento para adaptação e isso foi conquistado. Se pedia que o prazo fosse até 2030, mas o resultado final foi até 2035, e saiu no documento do Mutirão Global, que é o principal documento político dessa COP 30. Então, algumas perguntas ainda ficam: como e quando essa essa triplicação vai efetivamente avançar? Isso vai ser um objeto de discussão também nos próximos ciclos”, pontuou Ciro.
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O que é o “Vozes do Clima”?
O boletim de áudio “Vozes do Clima” é uma realização do ISA, com produção da produtora de podcasts Bamm Mídia e apoio da Environmental Defense Fund (EDF) e propõe levar informações a povos e comunidades tradicionais sobre os temas relacionados à pauta climática. A identidade visual foi concebida pelas designers e ilustradoras indígenas Kath Matos e Wanessa Ribeiro. Além de ser distribuído via Whatsapp e Telegram, o programa também poderá ser ouvido nas plataformas de áudio Spotify, iHeartRadio, Amazon Music, Podcast Addict, Castbox e Deezer.
Este é o sexto episódio da segunda temporada de “Vozes do Clima”, que contará com um total de 12 edições e abordará os diversos debates sobre clima e a pauta socioambiental.
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