Com debates sobre saúde, cultura e enfrentamento à violência de gênero, a ATIX-Mulher reafirmou sua força na governança do território
O Movimento Mulheres do Território Indígena do Xingu (MMTIX) realizou, entre os dias 1 e 4 de novembro de 2024, a sua VII Assembleia Geral, no polo Pavuru, região do Médio Xingu, Mato Grosso, para eleger a nova coordenadora executiva que representará as mulheres indígenas de 16 povos instalados em cerca de 200 aldeias situadas no Território Indígena do Xingu (TIX).
O MMTIX, ou ATIX-Mulher, foi fundado em 2019 e busca articular e unir as mulheres indígenas para a emancipação e participação nas decisões políticas, tanto dentro como fora de suas aldeias.
O encontro reuniu mais de 300 pessoas, entre homens e mulheres, representando diversas etnias, como os povos Yawalapiti, Kalapalo, Kaiabi, Matipu, Yudja, Ikpeng, Trumai, Kuikuro, Suiá, Kamaiurá, Mehinako, dentre outros.
Também participaram mulheres que fazem parte da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt Mulher), da Takiná - Organização das Mulheres Indígenas do Mato Grosso, da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB), da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e da Rede de Cooperação Amazônica (RCA), composta por 14 organizações indígenas e indigenistas, possibilitando o intercâmbio entre os povos e etnias.
Nos quatro dias de reunião, além das apresentações culturais, foram debatidos temas sobre a gestão e governança da ATIX-Mulher, como a prestação de contas, avaliações e a eleição da nova coordenadora, além de assuntos que afetam a vida dos indígenas no território nas áreas da saúde, da cultura e a violência contra a mulher.
Na abertura da assembleia, a mesa foi composta por mais de dez cacicas e lideranças femininas do Xingu. Alguns caciques também participaram da abertura e demonstraram apoio ao movimento das mulheres indígenas.
Durante o debate sobre a estratégia de incidência política, algumas mulheres solicitaram a melhoria na qualidade do atendimento nas Casas de Saúde Indígena (CASAI), especialmente em Canarana (MT), alegando que o tratamento tem sido inadequado com os pacientes, sobretudo os idosos, além da falta de infraestrutura no local.
O tema da cultura, que abordou diversos aspectos como a natureza e as manifestações culturais através das danças, cantos, grafismos e rituais, também foi amplamente debatido pelas participantes.
Para a prestação de contas, a coordenadora executiva da MMTIX, Watatakalu Yawalapiti, listou os projetos realizados e em execução na região do Xingu e os recursos adquiridos através das parcerias com a Fundação Rainforest da Noruega, a Embaixada da Noruega no Brasil, o Instituto Socioambiental (ISA), a Rewild Brasil e, mais recentemente, com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), a ONU Mulheres e o governo da França.
De acordo com Watatakalu Yawalapiti, que está na coordenação da ATIX-Mulher desde 2019, a iniciativa que resultou na criação de um departamento voltado para as mulheres na Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX) surgiu pela falta de representatividade e visibilidade das mulheres indígenas dentro e fora do território.
“O MMTIX possibilitou que ocupássemos os espaços de tomada de decisão sobre os nossos direitos e modo de vida, por exemplo”, contou a coordenadora. “Também havia um conflito entre as lideranças na região e as mulheres ajudaram a mudar este quadro, pois, através da captação de recursos, beneficiamos todo o Xingu com projetos que buscavam a geração de renda nas comunidades e mantivessem a floresta em pé”, constatou Yawalapiti.
“Agora, após seis anos de coordenação, vejo que criamos uma rede gigante de multiplicadoras para a garantia dos nossos direitos e a construção de um futuro diferente para as nossas filhas”, finalizou.
Violência contra as mulheres indígenas
A pauta específica sobre violência contra a mulher contou com a facilitação da psicóloga Iterniza Pereira, do povo Macuxi, que faz parte do Conselho Indígena de Roraima e atua profissionalmente no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) como ponto focal da Saúde Mental.
Pereira explicou para a plenária os tipos de violência praticados contra as mulheres, salientando que não se resumem à agressão física, mas incluem também a psicológica, a sexual, a moral, a patrimonial e a institucional.
Após a explicação da psicóloga, as mulheres se dividiram em grupos e realizaram uma dinâmica para análise e identificação das violências às quais poderiam estar submetidas. Em seguida, fizeram proposições para o enfrentamento às violências.
No final do exercício, algumas mulheres relataram violências sofridas nas aldeias ou fora delas. Uma das formas de violência relatada se referia ao costume indígena de casamentos forçados e/ou arranjados, na maioria das vezes quando a mulher ainda está na fase da adolescência. A situação foi narrada por algumas mulheres como algo violento e que pode resultar em doenças mentais graves.
Para concluir a dinâmica, várias participantes dos grupos apresentaram soluções, sobretudo a partir da educação e dos diálogos intrafamiliares e nas aldeias, assim como palestras com especialistas sobre direitos indígenas e o acompanhamento psicológico disponível nos Polos Base do Xingu.
O tema foi debatido pela primeira vez na assembleia da ATIX-Mulher, mas, em 2023, foi abordado amplamente na 3ª Marcha das Mulheres Indígenas, que resultou, inclusive, num manifesto contra a violência de gênero, proposto pela ANMIGA.
Outra forma de violência debatida no encontro foi a virtual, já que este ambiente tem criado novos meios de violência contra as mulheres. Com a facilidade dos acessos aos smartphones e à internet, a divulgação de imagens de forma inadequada e relacionadas à cultura indígena se transformou em um grande problema em diversas aldeias, sendo necessária uma conscientização constante, principalmente para os jovens, sobre os benefícios e malefícios do uso da internet para a cultura dos povos indígenas.
Eleição da nova coordenadora da ATIX-Mulher
No último dia da assembleia, foi realizada a eleição da nova coordenadora executiva da ATIX-Mulher. As duas candidatas indicadas foram Amairé Kaiabi Suaiá e Alawero Meynako.
Na votação por delegadas, divididas entre mulheres do Leste, Médio, Baixo e Alto Xingu, ocorreu um empate e a vencedora foi escolhida após a consulta direta na plenária. Assim, a nova coordenadora executiva eleita foi Alawero Meynako, que atua como vice-coordenadora executiva da ATIX-Mulher, atualmente.
“Eu dedicaria a minha vida para a ATIX-Mulher. Eu dedicaria a minha vida por cada uma de vocês, porque a gente está aqui por causa de vocês. Quem vai me dar força são vocês, mulheres”, declarou a nova coordenadora executiva.
Os encaminhamentos e o resultado da eleição foram apresentados durante a reunião das lideranças da ATIX, no dia 12 de novembro, que reconheceram o resultado das eleições da ATIX-Mulher.
A realização da 29ª Assembleia Geral Ordinária da ATIX, que aconteceria nesta data, foi adiada para 2025, por causa do falecimento de uma liderança do povo Kawaiwete, que morava no local de realização da assembleia, no Polo Diauarum.
Para o coordenador adjunto do Programa Xingu do ISA, Ivã Bocchini, a crescente participação das mulheres indígenas xinguanas nos últimos anos tornou a sua atuação imprescindível nas decisões sociais e políticas do território.
“A Assembleia da ATIX encerrou este ano um ciclo dos dois mandatos da liderança de Watatakalu Yawalapiti e consolidou um espaço de articulação e formação política das mulheres xinguanas. Com isso, elas ocupam, de forma definitiva, um espaço de participação na governança do Território Indígena do Xingu com a relevância e legitimidade que merecem”, afirmou Bocchini. “Atualmente, é impossível pensar qualquer política ou projeto para o território sem ouvir de forma paritária, homens e mulheres.”
Resultados da última gestão do MMTIX
Na primeira edição do Encontro das Mulheres do Território Indígena do Xingu, foram eleitas Watatakalu Yawalapiti e Amairé Kaiabi Suaiá como coordenadora executiva e coordenadora de campo, respectivamente. Em 2021, as duas foram reeleitas.
Neste período, foram desenvolvidos projetos como o PPP-ECOS, que visa gerar renda com foco na gestão participativa, na formação de produtores e na paisagem produtiva ecossocial. As aldeias atendidas foram equipadas com utensílios domésticos para produção e comercialização de produtos como farinha, polvilho, sal de aguapé e mel.
Em 2020 e 2021, a ATIX-Mulher enfrentou a pandemia com ações emergenciais e campanhas de arrecadação de fundos para a aquisição de alimentos e distribuição nas aldeias isoladas por causa da doença.
Desde 2022, o movimento conta com o REM (REDD Early Movers) Projetos Estruturantes, uma iniciativa da cooperação bilateral Brasil-Alemanha com apoio do governo do Reino Unido, que apoia ações voltadas para a redução do desmatamento e a manutenção do clima.
A partir de 2025, a nova coordenadora executiva da ATIX-Mulher, Alawero Meynako, será a responsável por captar e conduzir projetos e ações voltadas para o fortalecimento das mulheres e a sustentabilidade dentro do território.