Encontro na UFMT reuniu professores e lideranças indígenas, órgãos públicos e sociedade civil para debater ampliação do acesso a políticas públicas
O Danhõ´re - dança e canto tradicional do povo Xavante - deu início ao 3º Encontro Amnhô Tebré - Segurança e Soberania Alimentar do Território Xavante, na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em Pontal do Araguaia. Assim como o ritual busca o fortalecimento da cultura por meio da passagem de conhecimento e formação dos guerreiros, o encontro também promoveu no repasse de informações uma forma de assegurar direitos ao povo Xavante por meio da alimentação tradicional.
Durante dois dias - entre 2 e 3 de dezembro de 2025 - foram realizadas conversas sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e acesso ao mercado institucional de compras públicas.
A Secretaria Executiva da Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Mato Grosso (Catrapovos-MT), representada pelo Instituto Socioambiental (ISA) e Instituto Centro de Vida (ICV), apresentou o PNAE e fez o relato das experiências de escolas indígenas no estado que têm cardápios tradicionais e compram alimentos de produtores indígenas. Também foi feito o repasse sobre o passo a passo das chamadas públicas específicas (processo que possibilita a aquisição de produtos das aldeias).
“A ideia do evento foi também colocar diferentes atores em diálogos para pensar estratégias de melhoria da segurança alimentar do povo Xavante, que se reflete também na venda de produtos para suas escolas, onde as crianças podem ter acesso a preparos tradicionais”, explica a antropóloga Luísa Tui, do ISA.
Estiveram presentes professores, diretores escolares, produtores e lideranças Xavante das TIs Marechal Rondon, Parabubure, Ubawawe, Chão Preto, São Marcos e Sangradouro.
Os relatos indicam a importância e a riqueza da alimentação tradicional dos Xavante e, em paralelo, os desafios que surgem com a presença contínua de produtos ultraprocessados nas aldeias, como a desnutrição e a diabetes.
As mudanças climáticas e pressões no entorno das TIs foram apontadas como fatores que dificultam a produção de alimentos e impõem a necessidade de adaptação, experimentação e incorporação de técnicas aos modos tradicionais de produção. “Antes, meus pais plantadores não precisavam pedir nada, hoje é diferente, hoje precisamos de insumos, de ajuda”, relata o cacique Raimundo, da Aldeia São Brás.
A experiência das escolas dos Xerente, no Tocantins, com a realização de chamadas públicas específicas, foi compartilhada durante o encontro e inspirou os próximos passos dos Xavante. Selma Xerente conta como participou da mobilização dos seus parentes para produção e venda para as escolas do território.
“No começo, as mulheres ficaram com medo de vender produto da roça para a escola, achavam que iam perder o Bolsa Família. Fomos [junto com a Funai] conversando com elas, eu mesma fiz venda para a escola. Quando comecei, as outras começaram a ver e também quiseram participar”, relata.
“Estamos ficando doentes de comida”, completa Selma, explicando que a comida na escola pode ser igual à tradicional consumida pelos pais, avós e mais antigos, garantindo cultura e saúde para os estudantes. Ela e outros produtores Xerente entregam para suas escolas produtos como buriti, bacaba, caju, polvilho, banana e melancia.
Duas iniciativas que já estão em execução no território Xavante também foram tema de debates. Um deles é o projeto desenvolvido em parceria com a UFMT e Funai, com recursos do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), buscando o fortalecimento da produção de alimentos em 35 aldeias, por meio de assessoria técnica e distribuição de materiais e insumos. Outra é a experiência da Escola Estadual Luiz Rudzane êdi Orebewe, localizada na aldeia Ro'odzaredza ódze (TI Parabubure), que já realiza compra de produtos tradicionais.
No primeiro dia, foram repassadas informações sobre o PNAE, a Catrapovos e a Nota Técnica 03/2020 (que permite a compra de produtos locais e tradicionais por escolas indígenas e de comunidades locais). No segundo dia, os grupos de trabalho, liderados pela Catrapovos-MT, puderam ter conversas mais detalhadas sobre as chamadas públicas específicas e traçar articulações e estratégias para a efetivação delas nas escolas Xavante.
O encontro foi realizado pela Funai (CR-Xavante) e pela Catrapovos-MT. Além de representantes de ambas as instituições, estiveram presentes CR- Tocantins Araguaia, professores do Campus Universitário Araguaia - Universidade Federal de Mato Grosso; Distrito Sanitário Especial Indígena - Dsei Xavante; Companhia Nacional de Abastecimento - Conab; Diretoria Regional de Educação de Barra do Garças - Secretaria Estadual de Educação. Também compareceram profissionais da Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (Seaf) e Secretaria de Educação dos municípios de Barra do Garças, General Carneiro e Campinápolis, onde ficam localizadas as 6 Terras Indígenas (TIs) Xavante envolvidas no evento.
O PNAE vem se mostrando uma política pública para a segurança alimentar, mas que também fortalece a cultura e protege o meio ambiente. Com a entrega de alimentos tradicionais nas escolas, há o fortalecimento da cultura por meio do incentivo às roças tradicionais e por meio da comida ancestral consumida por alunos. E também promove o sistema agrícola desse povo, que produz alimentos e protege o Cerrado ao mesmo tempo, sendo essencial para a regulação climática.
Mas, para isso acontecer, é necessário o ajuste de políticas públicas à realidade dos territórios, o que vem sendo promovido pela Catrapovos, uma iniciativa do Ministério Público Federal (MPF) em parceria com a sociedade civil organizada e órgãos públicos.
Um exemplo que vem de Mato Grosso é uma norma específica do estado que facilita a emissão de notas fiscais para produtores indígenas e quilombolas e foi articulada pela Catrapovos-MT. A alteração da norma foi publicada em setembro deste ano e cria um capítulo específico que regulamenta a Inscrição Estadual por esses povos, condição para obtenção da nota fiscal, garantindo a isenção dos impostos aos produtores familiares nas vendas públicas. Com isso, foi corrigida uma lacuna que dificultava a participação desses povos em programas desse tipo.
Consea
O encontro para o fortalecimento do povo Xavante por meio da alimentação tradicional é especialmente importante pois, neste ano, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) veio a público demonstrar consternação e indignação pela morte de 11 indígenas desse povo, da Terra Indígena Marãiwatsédé (MT), conforme consta da Recomendação conjunta nº01/2025 da Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF) de 23/06/2025. “O falecimento de crianças por desnutrição é inaceitável, tendo em vista que tais mortes são decorrentes de causas evitáveis”, diz o documento do Consea.
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