"Devastamos mais da metade do nosso País pensando que era preciso deixar a natureza para entrar na história: mas eis que esta última, com sua costumeira predileção pela ironia, exige-nos agora como passaporte justamente a natureza".
Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo, um dos motes da fundação do ISA em 1994.
O ISA trabalha em parceria com povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para elaborar soluções inovadoras para os desafios enfrentados por estas comunidades e povos. Nossas iniciativas apoiam e promovem a defesa de direitos, gestão e proteção territorial, economias do cuidado, processos formativos, restauração ecológica inclusiva e produtiva. Elas são baseadas em processos de experimentações e trocas de saberes transparentes, equitativas e de longo prazo com nossos parceiros, que tem como base a valorização dos modos de vida destas populações e a garantia de seus direitos.
Nossa abordagem de atuação coloca a potência dos saberes tradicionais em diálogo com práticas legais, acadêmicas e de mercado. A inovação, produzida a partir dessa interação entre diferentes mundos, pensamentos e linguagens, oferece caminhos para o reconhecimento pela sociedade brasileira - e mundial -, que são estes povos que cuidam e protegem as florestas que prestam os serviços socioambientais para a própria sobrevivência do planeta e cada um de nós.
Há diversas outras iniciativas que apontam para soluções originais para os desafios enfrentados pelas populações indígenas e tradicionais para garantir o direito à terra, o bem-viver, a preservação de suas florestas e modos de vida, intrinsecamente interdependentes. A formação de jovens comunicadores indígenas, por exemplo, capacita tecnicamente a juventude dos territórios do Xingu e do Rio Negro em dominar a tecnologia para contar suas próprias histórias, defender seus direitos e se conectar com a cultura de seus de seus antepassados. Conheça abaixo outros exemplos de soluções desenvolvidas pelo ISA e seus parceiros locais e nacionais:
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Primeira muvuca de sementes — e de gente — da Rede de Sementes da Serra da Lua (Ressel) foi celebrada com alegria em Roraima|Fabrício Marinho/ISA/Platô
Uma verdadeira muvuca de gente se reuniu na Serra da Lua, em Roraima, para celebrar o nascimento da Rede de Sementes da Serra da Lua (Ressel). Foi ali, no centro das três comunidades que integram a iniciativa, que aconteceu a primeira muvuca de sementes — um momento simbólico e coletivo que marcou o início de um novo ciclo de cuidado com a terra e com os saberes tradicionais da região. A rede reúne indígenas dos povos Macuxi e Wapichana, guardiões ancestrais desses territórios e conhecimentos.
Atualmente, a Ressel conta com 38 coletores distribuídos entre as Terras Indígenas Tabalascada, Canauanim e Malacacheta, localizadas na região da Serra da Lua, no município do Cantá.. “Desde que surgiu o projeto, estamos trabalhando para construir este momento de conexão com a natureza. É um ponto de partida para o projeto”, comemorou Alcineia Pinho Cadete, coletora e Elo da comunidade Canauanim.
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Alcineia Cadete é coletora da comunidade Canauanim|Fabrício Marinho/ISA/Platô
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Foram 20 kg de sementes na primeira muvuca da rede|Fabrício Marinho/ISA/Platô
Cerca de 270 kg de 32 espécies de sementes nativas de Roraima já foram coletadas pela Ressel. Para a primeira muvuca, foram usados 20 kg para semeadura em 0,5 hectares. A escolha foi semear as sementes próximo à Casa de Sementes, onde as coletas serão armazenadas.
“É um local simbólico, porque é o centro das três comunidades quando olhamos no mapa. É importante e representa muito para os coletores, porque foram eles que coletaram as sementes e também foram eles que plantaram aqui”, explicou Emerson Cadete, analista técnico do Instituto Socioambiental (ISA), responsável por apoiar os coletores da Ressel.
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Emerson Cadete, analista no ISA e no Redário, mistura as sementes da muvuca que marcou o nascimento da rede de Roraima|Fabrício Marinho/ISA/Platô
Em clima de comemoração, o evento começou com um café da manhã, seguido de falas de lideranças da comunidade, de um representante do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e de técnicos do ISA, organização que faz parte do Redário.
“Eu gostaria que toda a juventude e as pessoas da comunidade Canauanim conhecessem mais deste projeto e da importância de reflorestar. Tenho certeza que daqui a 10 anos veremos um resultado excelente de combate às queimadas e derrubadas no nosso território”, disse Helinilson Nicacio Cadete, tuxaua da comunidade Canauanim.
Também houve uma visita às instalações da Casa de Sementes. Logo depois, os participantes seguiram para a mistura das 32 sementes da primeira muvuca de Roraima. (Veja a lista de espécies no fim da reportagem)
Além da proposta de restauração, as sementes também foram escolhidas a partir dos serviços ambientais que suas árvores poderão prestar aos moradores da região. O Pau-rainha, cuja madeira é usada para construção de casas e artesanatos, foi a semente de grande destaque da ação ao lado de outras espécies que darão frutos, como caju e taperebá.
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Coletores indígenas reunidos para o momento de semeadura das sementes na Serra da Lua, em Roraima|Fabrício Marinho/ISA/Platô
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Sementes de pau-rainha, caju e taperebá na muvuca|Fabrício Marinho/ISA/Platô
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Trabalho coletivo na semeadura direta das sementes|Fabrício Marinho/ISA/Platô
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Da esquerda para a direita: as coletoras Alcinda Cadete, Geyce Silva e Alcineia Cadete, integrantes da Rede de Sementes da Serra da Lua|Fabrício Marinho/ISA/Platô
Coletores e Elos
A Ressel está em fase de estruturação para se integrar ao Redário, que já conta com 27 redes em diversos estados do Brasil. “Ser coletor já somos há muito, por sermos indígenas, pela vivência com a natureza e por desde a infância trabalharmos com as sementes para os nossos artesanatos e para medicina tradicional. E, agora, existe este projeto de coleta das sementes para fazer reflorestamento de áreas degradadas”, definiu Alcineia sobre a relação dos coletores indígenas de Roraima com as sementes nativas e seu papel na restauração ecológica.
Os Elos são coletores e representantes das comunidades que assumem a posição de liderança, articulação e coordenação dentro das redes às quais pertencem. Cada uma das comunidades da Ressel possui seu próprio Elo. “É esta pessoa que faz toda a ligação entre os coletores e a Casa de Semente. Toda semente que chega a esta casa é verificada pelo Elo”, complementou Juberlita Rocha, Elo da Tabalascada.
Redário
O Redário é uma articulação de redes de sementes cujo objetivo é apoiar as redes e grupos de coletores para a produção de sementes de qualidade, impulsionar mercado e viabilizar as melhores sementes para a recomposição de cada ecossistema.
“Nós estamos na década da restauração e a demanda por serviços de restauração ecológica no Brasil, assim como por insumos florestais, tem crescido. A restauração por semeadura direta de muvuca enriquece este mercado, pois permite atingir melhores resultados e serviços ambientais”, afirmou Luciano Langmantel Eichholz, técnico em restauração do ISA.
Luciano Langmantel Eichholz, técnico do ISA e Redário, conversou com os membros da Ressel sobre o Redário|Fabrício Marinho/ISA/Platô
São mais de 2.500 pessoas envolvidas na coleta de sementes, sendo mais da metade mulheres. Em 2024, o Redário comercializou diretamente mais de 18 toneladas de sementes de 186 espécies nativas. No mesmo ano, o total de sementes vendidas pelas redes da articulação ultrapassou 106 toneladas.
Sementes usadas na I Muvuca de RR
Adubação verde e agrícolas: Abóbora (Cucurbita pepo L.), Feijão de porco (Canavalia ensiformis), Gergelim (Sesamum indicum), Maxixe (Cucumis anguria);
Com a força de quem há anos transforma palavras em poesia, a multiartista e produtora cultural Socorro Lira apresenta, em parceria com o Redário e o Instituto Socioambiental (ISA), o videoclipe da música “Dar a terra à Terra”.
A canção, com melodia de Alisson Menezes, mistura elementos da música popular brasileira com uma batida envolvente de funk e traz uma mensagem clara sobre a necessidade de aprofundar a restauração ecológica no Brasil, e indica que é preciso devolver à natureza o que lhe pertence, sem barganha e sem exploração.
Parte do clipe foi gravada pela equipe de Comunicadores da Rede Xingu+ durante o 4º Encontro Nacional do Redário, realizado em Nova Xavantina (MT), e dá protagonismo a coletoras e coletores de sementes nativas de todo o Brasil. Mais de 150 pessoas de quase 30 redes participaram do encontro, marcado pela troca de saberes, defesa da biodiversidade e fortalecimento das lutas comunitárias pela conservação ambiental.
Assista ao clipe!
O clipe também apresenta ao público gravações no Estúdio 185 de Alldry Eloise, Fabricio Mascate, Jaque da Silva, João Maia e Socorro Lira nos vocais, da percussionista Valentina Facury e do saxofonista Chico Macedo, com arranjos de Cintia Zanco, que fez a direção musical. A mixagem é de Ricardo Vignini e a masterização de Homero Lotito, do Reference Mastering Studio. A identidade visual é do Estúdio Arado e a produção audiovisual da Cama Leão.
“Dar a terra à Terra” propõe outro ritmo para pensar o planeta. Mais leveza, mais dança, mais alegria e conexão com as novas gerações se mostram como estratégia de conscientização e resistência. Em um momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP30, em 2025, a música em ritmo de funk surge como uma ponte entre arte e política, convocando cada um, cada uma, a refletir sobre seu papel diante da emergência climática e da urgência de conservar o que ainda resta.
Com mais de 20 anos de carreira, Socorro Lira já percorreu o Brasil e o mundo com sua arte e foi vencedora do Prêmio da Música Brasileira em 2012, na categoria “Cantora Regional”, pelo CD “Lua Bonita – Zé do Norte, 100 Anos”. Seus álbuns dialogam com literatura, ancestralidade, justiça social e ativismo ambiental. Neste novo trabalho, ela continua em sua trajetória que une palavras e movimentos para semear ideias.
Sobre o Redário
O Redário é uma articulação entre redes e grupos de coletores de sementes nativas, para estruturação da base da cadeia de restauração em larga escala, através da oferta de sementes de qualidade adequadas a cada projeto.
Atualmente, com mais de 2500 coletoras e coletores reunidos em 27 redes, a maioria de base comunitária, está com ações concentradas em 4 biomas, 11 estados e Distrito Federal.
Sobre o Instituto Socioambiental (ISA)
O Instituto Socioambiental (ISA) é uma associação sem fins lucrativos, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), fundada em 22 de abril de 1994, por pessoas com formação e experiência marcante na luta por direitos socioambientais no Brasil.
Ouça a música no seu aplicativo de música favorito e compartilhe!
Ficha técnica
Dar a terra à Terra
Letra: Socorro Lira
Música: Álisson Menezes
Direção artística, produção fonográfica e voz: Socorro Lira
Arranjo e produção musical: Cíntia Zanco
Programação: Gigi Magno (Estúdio Eletrola Produções)
Produção executiva: Instituto Socioambiental (ISA) e Redário
Preparo da muvuca de sementes durante o IV Encontro do Redário|Fernanda Medeiros/ISA
Muvuca de sementes no IV Encontro das Redes do Redário|Yamony Yawalapiti/ISA
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Sesc Pompeia exibe documentário “Do Quilombo pra Favela”, seguido de roda de conversa
Bate-papo neste domingo (22/6) contará com a presença de quilombolas do Vale do Ribeira e trará temas como resistência negra e fartura de solidariedade, saberes, alimentos e economia dos povos e comunidades tradicionais
Distribuição de alimentos da Cooperquivale na comunidade de São Remo, São Paulo|Rodrigo Kees/ISA
Cerca de 130 quilômetros separam as cidades de Eldorado e Itaoca, no Vale do Ribeira (SP), em trecho onde estão pelo menos 15 quilombos. E é dessa região que vem a história de resistência, fartura de alimentos e solidariedade que inspirou o minidocumentário “Do quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra”.
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Cartaz do minidocumentário Do Quilombo pra Favela, ilustrado por Amanda Nainá e Deco Ribeiro
O filme será exibido neste domingo, dia 22 de junho, às 17h, no Sesc Pompeia, em São Paulo. Em seguida, haverá roda de conversa com Rosana de Almeida, coordenadora executiva da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale) e moradora do Quilombo Nhunguara; Carlos Ribeiro, do Instituto Socioambiental (ISA) e morador do Quilombo São Pedro; e Catarina Godoi, voluntária da Associação de Moradores do Jardim São Remo, Zona Oeste de São Paulo. A mediação é de Maíra Silva, do Quilombo Ivaporonduva, também no Vale do Ribeira.
O minidocumentário “Do Quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra” (Brasil, 2022, 22 min) mostra como a Cooperquivale conectou suas raízes negras a uma favela da zona oeste de São Paulo através do alimento e da solidariedade. Assim, quilombo e favela, que pareciam distantes, tornaram-se parceiros de lutas semelhantes.
As ações de distribuição de alimentos quilombolas aconteceram durante a pandemia da Covid-19, mas continuam reverberando em outras ações que buscam a adequação de políticas públicas para fortalecimento dos sistemas agrícolas e de saberes dos quilombolas do Vale do Ribeira.
Participantes
Carlos Lionan Ribeiro Furquim
É técnico em agropecuária e atua como analista em desenvolvimento de pesquisa socioambiental no Instituto Socioambiental (ISA), em Eldorado, Vale do Ribeira (SP). Mora no Quilombo São Pedro. Em seu trabalho, atua com as associações das comunidades quilombolas em apoio à promoção da sociobioeconomia, fortalecimento de territórios e direitos dos Quilombos do Vale do Ribeira, valorização do sistema agrícola tradicional quilombola, segurança alimentar e geração de renda. Um dos projetos que acompanha é o de políticas públicas de aquisição de alimentos: Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Rosana de Almeida
Rosana de Almeida assumiu a coordenação executiva da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale) em março de 2025. É agricultora e liderança, moradora do Quilombo Nhunguara. Vem atuando na defesa dos territórios quilombolas do Vale do Ribeira e na valorização das economias da sociobiodiversidade, que é a economia praticada pelos quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais.
Catarina Godoi
Cozinheira e voluntária da Associação de Moradores do Jardim São Remo, zona oeste de São Paulo. Tem 51 anos, é casada e tem dois filhos. Durante a Covid-19, ela e o marido trabalharam como voluntários da Central Única das Favelas com uma série de apoios comunitários. Está sempre ativa e envolvida em ações coletivas, buscando reforçar os laços de união e respeito entre os moradores.
Maíra Silva
Maíra Silva é bióloga, pesquisadora, consultora da pauta socioambiental e clima e quilombola. É uma ponte viva entre o conhecimento ancestral e a pesquisa acadêmica. Da vida no quilombo ao impacto de suas pesquisas, Maíra nos convida a repensar ciência, território e pertencimento.
Serviço:
Exibição do filme “Do quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra”
Roda de conversa: Do Quilombo pra Favela: Encontro com fartura de solidariedade, saberes, alimentos e economia dos povos e comunidades tradicionais.
Convidados: Carlos Furquim, ISA; Rosana de Almeida, Cooperquivale; Catarina Godoi, Jardim São Remo (SP).
Mediação: Maíra Silva, Quilombo Ivaporunduva.
Quando: Domingo, 22 de junho, das 17h às 19h
Onde: Sesc Pompeia - Rua Clélia, 93, Pompeia (SP)
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Protocolos de consulta das Resex da Terra do Meio, no Pará, serão lançados em seminário na UFPA
Documentos elaborados por ribeirinhos reivindicam o direito à consulta prévia e fortalecem a proteção territorial na região
Nos dias 1 e 2 de julho, em Belém, as associações de moradores das Reservas Extrativistas (Resex) da Terra do Meio, em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares da Universidade Federal do Pará (Ineaf-UFPA), farão o lançamento dos protocolos de consulta dos ribeirinhos das Resex do Rio Iriri, do Rio Xingu e do Riozinho do Anfrísio. O lançamento dos protocolos faz parte do seminário Consulta prévia, protocolos e garantia de direitos, promovido pela universidade.
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Os irmãos Marlon Sandro Araujo Rodrigues e José Andrade Araujo Rodrigues com sua coleta de castanhas na Reserva Extrativista do Rio Iriri (PA)📷Lilo Clareto/ISA
Os documentos foram elaborados pelos beiradeiros da Terra do Meio, região amazônica situada no interflúvio dos rios Xingu e Iriri, no Pará, e que abrange diversos tipos de áreas protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação de diversas categorias, como as próprias Resex.
Pelo cumprimento da Convenção 169
Os protocolos de consulta são elaborados pelos povos e comunidades tradicionais e buscam garantir o direito à consulta livre, prévia e informada em projetos que os impactam de forma direta ou indiretamente, como obras, pesquisas ou outras medidas que possam afetar a população local.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1989, prevê a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) e estabelece que os Estados devem consultar os povos indígenas e comunidades tradicionais sobre qualquer medida que possa afetar os seus direitos, territórios, recursos ou cultura.
“A consulta prévia, nos termos da Convenção nº 169, deve sempre contemplar a possibilidade de não execução do empreendimento, quando ele puder produzir impactos graves sobre os povos indígenas e tradicionais”, afirma Rodrigo de Oliveira, doutorando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Direitos Humanos pela UFPA. Oliveira irá ministrar uma oficina sobre a construção de protocolos de consulta, durante o seminário.
O seminário promovido na UFPA busca, assim, trazer um debate fundamental no cenário de violações de direitos territoriais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que o país vive atualmente, agravado com a aprovação pelo Senado Federal do PL do Licenciamento Ambiental (PL 2159/2021), ou PL da Devastação, como vem sendo chamado pela sociedade civil, que segue no sentido contrário à CLPI ao propor a criação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Essa lei visa uniformizar os procedimentos de licenciamento no país e simplificar as regras para determinados empreendimentos, o que pode impactar na consulta prévia e na participação das comunidades tradicionais no processo de licenciamento.
Serviço:
Evento: Seminário ‘Consulta prévia, protocolos e garantia de direitos’ e lançamento dos protocolos de consulta das comunidades beiradeiras das Resex da Terra do Meio.
Dias 1 e 2 de julho de 2025, das 14h às 18h.
Locais: No dia 01/07, Auditório Setorial Básico I da Universidade Federal do Pará (UFPA). No dia 02/07 no Auditório Dona Dijé do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf/UFPA).
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Escola indígena do Cantá constrói viveiro de mudas em parceria com Rede de Sementes de Roraima
Atividade alusiva ao Dia Internacional do Meio Ambiente contou com cerca de 350 estudantes envolvidos em seminários, construção de brinquedos e desfile de moda
A Escola Estadual Ednilson Lima Cavalcante, localizada na Terra Indígena Tabalascada, no município de Cantá, construiu o seu primeiro viveiro de mudas em uma atividade alusiva ao Dia Internacional do Meio Ambiente, 5 de junho.
Para inaugurar as novas instalações, os alunos semearam espécies estratégicas para a comunidade:
- Taperebá, que deve gerar frutos comumente usados para sucos;
- Pau-rainha, madeira nobre para construções;
- Ipê branco e tento para ornamentação, produção de artesanatos e utilizadas também em construções;
- Jenipapo e urucum, para as pinturas típicas dos indígenas;
- Piritó, usado na fabricação de arcos.
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Espécies como Taperebá, Pau-rainha, Ipê branco, Jenipapo, Urucum e Piritó foram semeadas na atividade|Fabrício Araújo/ISA
As sementes plantadas foram doadas pela Rede de Sementes da Serra da Lua, que trabalha em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) em Roraima. O objetivo é cuidar e transplantar as mudas em setembro, em atividade sobre o Dia da Árvore.
“Estamos cansados de ouvir que precisa ter desenvolvimento e progresso sem pensar no meio ambiente, na necessidade de plantar e reflorestar. É um dia importante para explicar isto a quem está crescendo aqui e pode observar como o meio ambiente melhora a nossa qualidade de vida”, disse Cesar da Silva, tuxaua da Tabalascada.
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Para Emerson Cadete, o evento estimula a reflexão dos alunos sobre seu entorno e os aproxima dos frutos que a biodiversidade pode dar|Fabrício Araújo/ISA
“Acredito que para os alunos essa atividade foi muito importante para refletirem sobre o meio ambiente, a sustentabilidade e a biodiversidade que está ao redor deles. Proporcionar a estruturação do viveiro e fazê-los entender que eles são os donos de algo que vai dar frutos para a escola e comunidade”, refletiu Emerson Cadete, analista do ISA responsável pela Rede de Sementes em Roraima.
Além dos estudantes da Escola Estadual Ednilson Lima Cavalcante, estiveram presentes alunos da Escola Estadual Indígena Antonio Domingos Malaquias, da Escola Municipal Indígena Vovó Maria Madalena Ambrósio e da Escola Municipal São Domingos.
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Cerca de 350 estudantes participaram das atividades. As mudas serão cuidadas e transplantadas em comemoração ao Dia da Árvore, em setembro|Fabrício Araújo/ISA
Cerca de 350 estudantes participaram das atividades que envolveram, ainda, a apresentação de seminários, brinquedos feitos a partir de materiais recicláveis, um desfile de moda com itens sustentáveis, dança parixara e apresentação teatral do grupo Malokombia.
Sobre a Rede de Sementes
Em fase de estruturação no lavrado de Roraima, a Rede de Sementes da Serra da Lua - RESSEL se programa para ter a sua primeira muvuca até o final do primeiro semestre de 2025. A rede de coletores é composta por indígenas da região da Serra da Lua.
O grupo integra o Redário, articulação que reúne 27 redes de coletores de sementes nativas para a restauração ecológica no Brasil.
O Cine Japu está de volta! Na noite desta terça-feira (03/06), a exibição do documentário Mensageiras da Amazônia, produção do coletivo de audiovisual Munduruku Daje Kapap Eypi, marcou a abertura da temporada 2025 do cineclube em São Gabriel da Cachoeira (AM), reunindo comunicadores, lideranças jovens e convidados.
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Documentário conta como jovens Munduruku usam drones e celulares para resistir às invasões no território|Vanessa Fernandes/ISA
O Cine Japu é uma iniciativa do Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com a Rede Wayuri, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), o Departamento de Mulheres (Dmirn) e o Departamento de Adolescentes e Jovens do Rio Negro (Dajrn).
O filme escolhido compõe o acervo Ecofalante Play, da Mostra Ecofalante, e conta como três jovens da Terra Indígena Sawré Muybu, no sudoeste do Pará, usam drones e celulares para denunciar invasões em seus territórios e fortalecer a luta em defesa da floresta.
Assista ao trailer:
Após a exibição, a roda de conversa, mediada pela comunicadora indígena do povo Baniwa, Nayra Sthefany, teve a participação de Claudia Ferraz, do povo Wanano, coordenadora da Rede Wayuri, e Jucimery Garcia, do povo Tariano, coordenadora do Dajrn. Elas refletiram sobre o papel da juventude na defesa dos territórios e a força da comunicação indígena como ferramenta de luta e resistência. Para Claudinha, o filme trouxe reflexões importantes sobre como a juventude tem atuado para proteger o território e a importância de mostrar, também pelas redes, o cuidado com as florestas e os rios, e a importância da demarcação das terras indígenas.
Ela destacou que produções como essa precisam circular nas escolas e nas comunidades, como forma de fortalecer a consciência dos mais jovens sobre o futuro dos territórios. “Isso demonstra a importância do papel da Rede Wayuri aqui no nosso território, de mostrar a realidade das nossas comunidades e de como nós mesmos somos os cuidadores do nosso Rio Negro”, afirmou.
Para Jucimery, a exibição do documentário vai de encontro ao trabalho que já vem sendo feito com a juventude no Rio Negro, com a realização de rodas de conversa e formações. Segundo ela, embora ainda não sofram diretamente os impactos do agronegócio e do mercúrio, como em outros territórios, é preciso preparar os jovens para que possam seguir com as lutas das lideranças mais velhas.
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Conversa após a exibição teve participação de Jucimery Garcia e Claudia Wanano e mediação de Nayra Sthefany|Vanessa Fernandes/ISA
“Por aqui, ainda estamos protegidos, porque também sempre tivemos nossas lideranças lutando pela gente. É preciso que os jovens continuem com esse trabalho, para garantir nossos territórios para nossos filhos, para os nossos netos”, disse ela, completando que o filme traz uma mensagem de “parente para parente”.
Circuito Tela Verde
O Cine Japu é um dos 615 espaços selecionados para a 14ª edição do Circuito Tela Verde (CTV), que contará com a exibição de obras que abordam temas relacionados aos povos e comunidades tradicionais, educação ambiental, biodiversidade, meio ambiente, direitos humanos, racismo ambiental, entre outros, no âmbito da Mostra Nacional de Produção Audiovisual Independente, promovido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Iniciado em 2023, o Cine Japu segue como um espaço de troca, formação e fortalecimento das narrativas indígenas por meio do cinema e da comunicação comunitária. As sessões são gratuitas e acontecem quinzenalmente na Sala Dagoberto Azevedo, no Telecentro do ISA, localizado na rua Projetada, nº 70 - Centro.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
4º Encontro do Redário conecta sementes, flores e frutos em Nova Xavantina (MT)
Com foco na qualidade e na diversidade das sementes nativas, evento fortaleceu trocas unindo ciência, tradição e restauração ecológica
4º Encontro do Redário reuniu representantes de redes de coletores, da ciência e técnicos do Redário|Kamatxi Ikpeng/Rede Xingu+
Com câmeras a postos e olhares atentos, comunicadores indígenas da Rede Xingu+, Anaya Suya, Are Yudja, Kujaesage Kaiabi, Yamony Yawalapiti e Kamatxi Ikpeng, estão prontos para registrar um momento histórico em Nova Xavantina, Mato Grosso, geo-centro do Brasil.
Durante o 4º Encontro do Redário — uma articulação composta por 27 redes e grupos coletores de sementes de todo o Brasil —, seus olhares registraram histórias e saberes que revelam o papel central de indígenas, quilombolas, ribeirinhos, assentados e agricultores familiares na conservação da biodiversidade e na restauração. Por meio de suas narrativas, traduziram a luta pela conservação das sementes nativas, a conexão profunda com a terra e o compromisso com um futuro sustentável para todas as gerações.
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Kamatxi Ikpeng, Are Yudja, Yamony Yawalapiti, Kujaesage Kaiabi e Anaya Suya, da Rede Xingu+|Silia Moan/ISA
A força coletiva que sustenta a restauração é também a que dá sentido e vigor para o Redário, criado em 2022. Apesar da pouca idade, a cada encontro a articulação se expande em diferentes biomas e mobiliza mais de 2.500 pessoas na produção de sementes de espécies nativas para a cadeia de restauração ecológica.
Durante quatro dias, 150 representantes de redes de coletores dos biomas Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Pantanal orbitaram em torno do tema “qualidade de sementes”, mas não só. Precificação, técnicas de beneficiamento, aspectos sociais e psicológicos da atividade também tiveram espaço nas conversas, assim como o compartilhamento de experiências pessoais e celebrações de conquistas a partir desse trabalho cheio de propósito.
De acordo com Eduardo Malta, biólogo e coordenador do Redário, a articulação surgiu da necessidade de reunir várias redes sob uma governança colaborativa que valorizasse o protagonismo e facilitasse os trâmites da restauração, com troca de conhecimentos e colaboração.
“Nesse quarto encontro, consigo sentir que existe um senso de pertencimento à iniciativa — que quem está em outra rede de sementes também está no meu time, sabe? E também está começando a funcionar em rede, no sentido de que um pode acessar diretamente o outro, sem precisar passar pela centralidade. Essas pontes diretas estão bem consolidadas, e temos essa rede de capacitação, com metodologias e materiais didáticos que funcionam para as realidades enfrentadas pelas redes”, celebrou.
“O maior desafio”, continua, “é conseguir organizar e acessar a demanda existente no mercado por sementes, e conectar essa demanda ao que as redes podem produzir. Isso exige um grande esforço para entender o que as empresas querem restaurar, quais são as obrigações dos fazendeiros e das ONGs, e transformar tudo isso em pedidos para as redes.”
Para Bruna Daiana Ferreira de Souza, bióloga natural de Nova Xavantina e atual coordenadora da Rede de Sementes do Xingu - que, com 18 anos de história, abriga hoje mais de 700 coletores -, foi gratificante receber os representantes no local de nascimento da primeira rede a compor o Redário.
“É sempre uma alegria ver as pessoas que a gente já conhecia, mais as que estão chegando, e pensar que a nossa turma está aumentando, que a gente tá ganhando voz, ecoando aí nos outros biomas”, disse.
A Rede Flor do Cerrado, do Mato Grosso do Sul, com atuação em quatro cidades e 86 coletores ativos em comunidades quilombolas e de assentamento, a maioria mulheres, foi uma das 7 redes de coletores em fase articulação presentes no encontro. Samanda Nakamura, bióloga e ponto focal da rede, exalta a integração ao Redário e explica que conseguiu esclarecer dúvidas ao longo do encontro, por exemplo, sobre o potencial de coleta e beneficiamento de sementes.
“Uma coisa que a gente perdia muito, e por isso parou de pedir para os coletores, era buriti, porque comprávamos, mas às vezes não tinha saída e acabava se perdendo. Aqui falaram que eles guardam o buriti dentro de uma rede, no rio, e que pode durar até um ano. Então, já estou aprendendo muito. São coisas que, saindo daqui, já vou levar para rodar dentro dos nossos grupos.”
Mato Grosso e as possibilidades de fazer diferente
Mato Grosso é o estado onde a visão do progresso pela destruição da biodiversidade se espalhou com sucesso. Sob altas temperaturas, Bruna explica que o local conta com cultivo intensivo de soja, milho, algodão e gergelim. Essa forma de ver a vida é muitas vezes justificada como geradora de renda para a população, o que Bruna não nega, mas reforça que o trabalho da Rede de Sementes mostra que é possível fazer diferente, com mais respeito pelo meio ambiente e pelas pessoas.
“A gente trabalha com um tema que é muito discrepante da monocultura, né? Quando vieram os primeiros colonos para a nossa região, a lei era chegar e derrubar tudo para poder ficar naquela terra. Trabalhar com a floresta em pé é, para a maioria da população, um retrocesso, como se a gente estivesse nadando contra o progresso. Mas mostramos que é, sim, uma alternativa forte de renda para as comunidades e que gera permanência na terra.”
Quem também vive uma realidade parecida é Sandra Vicentini, representante da Mutum Sementes e presidente da COOPPROJIRAU - Cooperativa dos Produtores Rurais do Observatório de Jirau -, no município de Porto Velho, Rondônia. O boom da soja no estado faz com que o trabalho dos 60 coletores pareça contraditório. Ela, que vem de uma família que chegou à região para explorar madeira, tem orgulho de dizer que reflorestou muito mais do que seu pai e tios devastaram. Estreante no encontro, voltou para casa feliz e reenergizada.
“A gente leva na bagagem muito conhecimento, tanto o que trocamos quanto o que ouvimos, né? Que isso se perpetue, que a gente consiga envolver mais pessoas nessa coisa do bem. Todos nós aqui estamos indo contra a maré. Então, estamos unidos”, ressaltou.
Antônio Borges Barreto, conhecido como Sinhozinho de Santarém, nordestino orgulhoso de Casa Nova, na Bahia, é coletor e criador de abelhas. Em suas falas, denuncia a atuação de grandes empresas que desmatam para plantar monoculturas de manga, uva e goiaba, fragilizando ainda mais a Caatinga, bioma que mobiliza sua paixão.
“A Caatinga tá indo embora. E depois que ela for, você não vai achar mais, porque só tem no Nordeste. Não adianta procurar no Sul, Sudeste, Centro-Oeste ou em outro lugar do planeta chamado Terra. Só tem no Brasil e só tem no Semiárido.”
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Sinhozinho Santarém defende a permanência e exaltação da Caatinga|Yamony Yawalapiti/Rede Xingu+
As consequências são visíveis a olho nu. “Tenho 75 anos e, de uns 10 anos para cá, vi muita coisa mudar. Ou o céu abaixou, ou a terra subiu, porque nunca vi tanto calor. E também a chuva… Antes, chovia controlado; agora, você vê o desvio, quando cai. E quem acabou com tudo isso foi o homem. Quer dizer, ele tá pagando pelo que fez”, lamentou.
Incentivo fiscais em falta
Os desafios também se estendem à esfera pública. A falta de incentivo e as regras que batem nos pequenos coletores não batem nos grandes fazendeiros. Mas Bruna ressalta que ver os relatórios do Redário e entender que o trabalho é recompensador não só para ela e sua família, mas para a humanidade, dá ânimo para continuar.
“É importante para mim, é importante para os meus filhos, vai ser importante para os meus netos, porque todos os dias você tem motivo para desistir. Todos os dias você tem uma notícia de um desmatamento gigantesco, maior do que tudo que a gente fez em quase 18 anos, né? Todos os dias, você vê notícias do avanço do agronegócio, de forma desenfreada, com uso indiscriminado de agrotóxicos. Isso é muito forte na nossa região. Politicamente, as redes de sementes do Brasil inteiro têm pouquíssimos incentivos fiscais, enquanto as grandes monoculturas têm”, desabafa. “Acho que encontros como este são fundamentais para vermos que há gente nessa luta em todo o Brasil.”
Um desses lugares é a Aldeia Laranjal, que fica na Terra Indígena Arara no Pará, onde vive Tjibetjan Arara. Lá, algumas famílias trabalham com a coleta de sementes, e ela compartilha que o evento foi importante para aprender como expandir o serviço. “Nunca imaginei que essa semente passasse por todo esse processo. Isso é muito importante para nós lá. Queremos mais conhecimento também. Eu vou para a aldeia e vou repassar para minha comunidade”, disse.
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Tjibetjan Arara esteve no Encontro do Redário pela primeira vez e diz que vai levar os resultados das trocas para sua aldeia|Fernanda Medeiros/ISA
A semente que restaura, cura e realiza sonhos
Além do aspecto financeiro, ao longo do encontro coletoras e coletores compartilharam como o trabalho com sementes promoveu mudanças de vida, inclusive com propriedades terapêuticas.
Edianilha Pereira Ribas, mais conhecida como Nina, é coletora de sementes nativas e agricultora familiar em Alto do Rio Pardo, no Norte de Minas Gerais, região de transição entre Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga. Ela compartilhou sua trajetória de retomada da identidade cultural e da consciência sobre a conservação do território a partir da coleta de sementes.
“Eu tinha ido para Belo Horizonte logo após o ensino médio e fiquei cinco anos. Quando voltei, minha mãe me recebeu, e eu já tinha perdido parte da minha essência. Foi uma maneira de me encontrar”, explicou.
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Nina compartilha como o trabalho com as sementes a ajudou no resgate de sua identidade cultural|Yamony Yawalapiti/Rede Xingu+
Sua mãe a levou para atividades de um coletivo, onde teve contato com comunicação popular e coleta de sementes. Para ela, além do aspecto pessoal, ser coletora impulsiona o respeito pelos mais velhos. Em seu território, ela e outros 54 cooperados, 40 deles são mulheres, dependem dos mateiros para aprender sobre a história da região, identificar espécies e localizar matrizes que fornecem sementes.
“A gente tinha que perguntar aos anciãos, os mais velhos, os mateiros da época. Perguntávamos onde havia determinada semente, em qual época. E assim fomos adquirindo conhecimento. Para muitos, aquilo era serviço de doido. Mas teve um resultado muito positivo na comunidade.”
Nina faz questão de reforçar que o trabalho vai além do retorno financeiro. “Ser coletora tem um objetivo, não é só coletar para vender. Você precisa entender o que está fazendo. É um papel muito importante, e você precisa respeitar a natureza. Não é só chegar numa matriz e pegar tudo. Tem que deixar uma parte para ela [natureza] também.”
Emilverto de Souza Fernandes, conhecido como Ni, é quilombola Kalunga do município de Cavalcante (GO), e trabalha com a Associação Cerrado de Pé. Ele contou que, antes, fazia trabalhos temporários, mas foi só com as sementes que conseguiu construir sua casa e inspirar outros. O grupo começou em 2018 com cinco pessoas, e hoje envolve 240 famílias e com lista de espera.
“Represento cerca de 60% desses coletores. Também sou responsável pela mobilização — vou até a casa do coletor, verifico se a semente está conforme o combinado. Antes eu não tinha esse olhar. Às vezes o coletor me diz: ‘Comprei isso, comprei uma geladeira, um freezer...’. Nossa região é distante da cidade, então isso já é uma conquista, a realização de um sonho”, comemora.
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Ni, da Associação Cerrado de Pé, que trabalha no território Kalunga, as trocas no Encontro fortalecem seu trabalho|Yamony Yawalapiti/Rede Xingu+
Segundo ele, essas trocas fortalecem o trabalho. “Estamos há sete anos, e a Rede de Sementes do Xingu tem 17. Não temos nem a metade. Mas digo a eles para não esmorecerem, que estamos no caminho certo também.”
Michele Anitta, da Rede de Coletores do Vale do Paraíba (Coopere), em São Paulo, coleta com outras 15 pessoas há três anos. Ela conta que, no início do ano, o Assentamento Olga Benário, onde vive, foi atacado. O foco agora é aumentar a disponibilidade de sementes no próprio assentamento, para que não precisem coletar em outras propriedades ou buscar trabalhos temporários fora.
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Michele Anitta, da Rede de Coletores do Vale do Paraíba (Coopere), busca alternativas para aumentar a coleta em seu território|Fernanda Medeiros/ISA
“A gente está mais focado na semente, porque consegue trabalhar lá dentro, com a família, e continuar a vida. Estamos buscando alternativas para amenizar tudo o que passamos, e ainda estamos passando. Pensamos em aumentar a coleta para não parar. Muitos achavam que não conseguiríamos fazer mais nada. Eu mesma pensei nisso. Mas, graças a Deus, estamos nos recuperando aos poucos.”
Thiago Ribeiro Coutinho, também da Rede de Coletores do Vale do Paraíba, reforça que a colaboração é o caminho. Conta que os movimentos coletivos de coleta e restauração também servem para criar e fortalecer vínculos.
“Uma das nossas propostas é fazer a restauração nas áreas das próprias comunidades, com plantios locais. Assim, futuramente, teremos mais oferta de espécies e volume dentro dos próprios territórios, sem precisar buscar em áreas de terceiros.”
A ciência e a valorização do conhecimento tradicional
A ciência é uma aliada fundamental na cadeia da restauração. Juliana Muller Freire, bióloga e pesquisadora da Embrapa Agrobiologia, afirmou que, para ela, estudar a qualidade da semente e disseminar informações sobre o manejo após a coleta é de extrema importância em tempos de mudanças climáticas tão acentuadas.
Juliana deu o exemplo das castanheiras, na Amazônia, que não produziram safras neste ano. “Está caríssimo o quilo da semente. Foi a seca que houve no ano passado. Então, na pesquisa, por exemplo, ao desenvolver um protocolo de armazenamento, você não fica dependendo só daquele período em que a semente está sendo coletada. Você pode coletar e armazená-la por três anos. De repente, no próximo ano vai haver um problema climático, mas você tem aquela semente ali. Você pode garantir que aquele lote vai estar viável e poderá ser comercializado ainda com qualidade. Então, acho que essa é uma forma da gente interferir, de alguma maneira”, explicou.
Para Freire, esse movimento do Redário de falar também sobre a metodologia, da padronização de protocolos de análise de sementes em laboratório e de explicar o que está por trás dessas análises é importante para fazer esse conhecimento chegar na ponta com sentido e incentivar os coletores a pensarem também nessa instância mais técnica.
“A gente pode desenvolver essa pesquisa, mas vamos, de repente, fazer um manual, uma orientação, e essas reuniões constantes que vocês fazem com eles, né? E o contrário também, né? Eles também induzem pesquisa e demandam para a gente pesquisar determinadas espécies que a gente não estava pensando. Porque, às vezes, a academia tem um vício de ficar pesquisando sempre a mesma coisa.”
Eduardo Malta concorda: “A gente fica muito nesse papel da tradução. Poder traduzir o que um artigo científico concluiu, o que é uma recomendação, uma dica para quem está lá coletando, é bem difícil. São duas linguagens e dois universos com valores muito diferentes, que têm sido difíceis de conectar. Mas esses eventos são uma oportunidade para isso. Os pesquisadores, quando se entendem, sentem a emoção, entendem o negócio, eles se sensibilizam. E aí podem ajudar a gente a se conectar com outros pesquisadores.”
“Você faz coisas e se depara com o fato de que é um cientista, um pesquisador. Que a cada ano que faz, a cada experiência que realiza sobre maneiras de coletar, de beneficiar, está fazendo o papel de pesquisador”, disse Nina.
Resultados
O Redário tem uma governança que estimula a participação coletiva. Por meio do Conselho das Redes e do Comitê Gestor, trabalha em prol do fortalecimento de redes e núcleos coletores, facilita o acesso ao mercado e a recursos e estimula a cooperação entre os atores do ecossistema, ou seja, a produção, a ciência, o poder público e iniciativas de financiamento.
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Durante o Encontro, técnicos do Redário fizeram uma muvuca de sementes|Yamony Yawalapiti/Rede Xingu+
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Durante a atividade, a função de cada semente durantes as fases da restauração foram expostas|Yamony Yawalapiti/Rede Xingu+
Com encontros online, intercâmbios, compartilhamento de guias e banco de dados, além de sessões para tirar dúvidas e vídeos informativos, as boas práticas são disseminadas com o objetivo de aumentar o impacto do trabalho dessas mais de 2.500 pessoas. Todo esse esforço resultou em R$7.980.035,02 em sementes vendidas em 2024 pelas redes, que, conforme estimativas, contribuíram para a restauração de mais de 4 mil hectares.
Malta celebra: “Eu fico contente também de ver muitos jovens participando, representando redes, e mulheres que são lideranças, presidentes e mobilizadoras das suas redes. Eu fico muito feliz e confiante no futuro por conta dessa composição.”
Ao final de quatro dias intensos, voltamos para nossas cidades mais atentos ao entorno, em busca de germinar a esperança numa eterna espiral, com a consciência de que o cenário é, sim, muito difícil e pode nos paralisar. Mas temos que entender que todos podemos e devemos ser agentes das soluções que todos precisamos. Sonhar com um futuro melhor, onde volte a existir vida em toda sua diversidade é semente de potência.
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Rede Wayuri promove debate sobre uso da internet em comunidades indígenas
Workshop no FIB 2025, em Salvador (BA), discutiu desafios e caminhos para garantir conectividade nos territórios indígenas a partir das vozes e experiências do Rio Negro
Nesta quinta-feira (29/05), a Rede Wayuri promoveu o workshop Teias de Conexão: Retrato da Conectividade nas Comunidades Indígenas durante a 15ª edição do Fórum da Internet no Brasil (FIB), realizado em Salvador (BA). Promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), o evento reuniu sociedade civil, governo, comunidade acadêmica e tecnológica e o setor empresarial para discutir a internet no Brasil.
A mesa foi composta por André Fernando Baniwa, escritor e assessor técnico de Medicinas da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI); Edson Gomes Baré, liderança do povo Baré e diretor da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn); Alberto Fernandes, técnico de informática e telecomunicações; e Nicole Grell, doutoranda em Relações Internacionais e pesquisadora do projeto ProIndL, do Center for Artificial Intelligence da USP. A mediação ficou por conta de Ray Baniwa, comunicador da Rede Wayuri e doutorando em Comunicação e Cultura pela UFRJ.
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A mesa discutiu os impactos da conectividade nas comunidades indígenas, tendo como recorte região do Médio e Alto Rio Negro|Arquivo pessoal/Nicole Grall
A proposta partiu do entendimento do acesso à internet como um direito humano fundamental e uma ferramenta estratégica para a promoção da autonomia, preservação cultural, segurança e gestão territorial. O evento proporcionou o diálogo sobre os impactos da conectividade nas comunidades indígenas, tendo como recorte região do Médio e Alto Rio Negro - que abrange os municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira - a partir das experiências com a implementação do projeto de inclusão digital promovido pela Foirn.
Os primeiros pontos de internet banda larga chegaram às comunidades da região há cerca de 10 anos, por meio do programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), do Governo Federal. Edson Baré relembrou que, antes disso, a radiofonia era a principal ferramenta de comunicação entre as mais de 750 comunidades distribuídas ao longo de mais de 13 milhões de hectares. A conexão à internet via satélite, segundo ele, trouxe avanços significativos nas áreas da saúde, educação e segurança.
“A gente percebeu que a chegada da internet colaborou muito com as escolas e com a saúde indígena. Na época, aproveitamos os pontos do Gesac para também fazer nossas atividades institucionais, reunir com lideranças, e vimos que facilitava. Foi um avanço bastante relevante, pois conseguimos dialogar para o controle de problemas que tínhamos nas comunidades. Antes, nossa comunicação era por recado, depois chegou a radiofonia. A remoção de pacientes muitas vezes levava dias. Com a internet, agilizou o processo. A comunicação nessa parte é bastante importante para nós, e estamos estudando como expandir e manter esses equipamentos em funcionamento”, destacou Edson.
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Da esquerda pra direita: Nicole Grell, Alberto Fernandes, Edson Baré, Ray Baniwa e André Baniwa na tela|Arquivo pessoal/Nicole Grall
O diretor da Foirn chamou atenção para a responsabilidade assumida pelo movimento indígena diante da ausência de políticas públicas efetivas do Estado para a região. Por falta de manutenção, a maioria dos pontos do Gesac deixou de funcionar, e a atuação da Foirn com a implementação das antenas Starlink, há cerca de três anos, foi a alternativa encontrada para preencher esse gargalo. “Na ausência do Estado, nós tomamos a frente. Não é nosso papel, nós somos controle social. Mas quando não há políticas, assumimos esse papel com o apoio dos nossos parceiros”.
Foram mais de 200 pontos de internet instalados na região, em um projeto marcado por inúmeros desafios, não apenas logísticos, mas também financeiros. O alto custo das antenas e das mensalidades está entre os obstáculos enfrentados em um território extenso e de difícil acesso, agravado tanto pela dependência de captação de recursos externos quanto pela ausência de políticas públicas que viabilizem o acesso a tecnologias de operadoras de satélite de baixa órbita nacionais, por exemplo, a custo menores.
“A questão dos dados e da nossa segurança com relação ao uso da Starlink também são preocupações que discutimos, mas fazemos o possível com as soluções que estão ao nosso alcance diante de uma necessidade urgente”, afirmou Edson.
O diretor finalizou sua fala reforçando que as políticas e implementações de inclusão digital, assim como seus benefícios, desafios e impactos, precisam ser discutidas pelos e com os povos indígenas, a partir de suas realidades e modos de vida. “É importante esse olhar para os povos tradicionais, especialmente para nós que estamos no Norte e sempre somos deixados de fora”.
Responsável pela instalação das antenas, Alberto apresentou uma perspectiva técnica do processo e os desafios logísticos em uma região sem estradas, onde a única forma de acesso às comunidades é pelos rios.
Nos trechos de cachoeira, explica o técnico, é necessário descarregar o bote e fazer a travessia carregando a embarcação por terra ou puxando pelas pedras, dependendo do nível do rio e da época do ano. O ritual de descarregar o bote, atravessar as corredeiras e recarregar novamente pode se repetir várias vezes, conforme a localidade de destino. “É uma logística que pode levar quatro, cinco dias, o que aumenta muito o custo”, disse ele.
O processo de instalação e testagem dos equipamentos, segundo Alberto, envolveu os membros das comunidades, como forma de capacitá-los não apenas para o uso, mas também para a manutenção básica dos aparelhos. “Sabemos que a internet pode trazer coisas boas e ruins, por isso é preciso mostrar os dois lados e capacitá-los para que se protejam. Então não é só chegar, instalar e voltar, como já foi feito no passado”.
Conectividade com protagonismo comunitário
Durante sua participação, André Baniwa destacou o papel estratégico da conectividade no fortalecimento dos saberes tradicionais e na promoção de uma educação intercultural e intercientífica no Rio Negro. Para ele, a internet pode ser aliada na valorização da medicina tradicional e no diálogo entre os conhecimentos indígenas e outras formas de ciência.
Ele contextualizou esse momento como parte de um processo de “reconstrução do bem viver indígena”, iniciado com a Constituição de 1988, que garantiu direitos fundamentais aos povos originários e abriu caminho para a retomada de suas línguas, crenças e práticas. “Depois de séculos de violações, é a partir desses direitos que os povos indígenas estão reconstruindo seus projetos de vida com autonomia”, afirmou.
André compartilhou a experiência da Escola Baniwa e Koripako, no Alto Rio Negro, onde estudantes realizam pesquisas na internet para aprofundar os conhecimentos sobre plantas medicinais mencionadas por pajés e sabedores da comunidade. Ao cruzarem os nomes tradicionais com os científicos, produzem materiais sistematizados que fortalecem a medicina tradicional com o apoio das tecnologias digitais. “Estamos construindo formas de ensinar e aprender que respeitam nosso jeito de viver e pensar o mundo”, completou.
Ele também defendeu a necessidade de políticas públicas que considerem as especificidades culturais dos povos e reforçou que a conectividade, para ser uma ferramenta de transformação, deve ser pensada a partir dos territórios e com a participação ativa das comunidades. Ao final, destacou que o desenvolvimento sustentável e inclusivo passa necessariamente pelo reconhecimento e protagonismo dos povos tradicionais.
Tecnologia e saberes tradicionais
A partir de uma perspectiva acadêmica, a pesquisadora Nicole Grell trouxe reflexões sobre os desafios e oportunidades no uso da tecnologia em contextos indígenas, com base em sua atuação no projeto de Fortalecimento das Línguas Indígenas Brasileiras com IA.
Nicole destacou que, mesmo em comunidades onde a língua indígena ainda é predominante no cotidiano, o contato com a internet tem gerado impactos importantes. “O que a gente percebeu em diversas aldeias foi que, mesmo onde a língua indígena ainda é a língua materna, na hora de escrever no WhatsApp ou nas redes sociais, a língua que prevalece é o português”. Para ela, isso pode representar um risco à continuidade da própria língua, especialmente entre os jovens.
Diante de uma demanda que já se apresentava para a tradução de documentos, como a tradução da Constituição Federal para o Nheengatu, realizada pela Academia Nheengatu de Letras, o projeto iniciou uma articulação com a Foirn, com base em uma consulta prévia, livre e informada, para entender se havia interesse das comunidades no desenvolvimento da tecnologia.
O projeto no Rio Negro está em desenvolvimento junto às comunidades Baré, cuja língua original foi extinta e absorveu o Nheengatu. O objetivo da Foirn é implementar a tecnologia de escrita em cerca de 200 escolas, nas três línguas cooficiais da região: Nheengatu, Baniwa e Tukano.
Ao encerrar, Nicole ressaltou que tratar de línguas indígenas no Brasil envolve também o reconhecimento de contextos sagrados e históricos de resistência.
Línguas indígenas e os desafios digitais
Ray Baniwa, integrante da Rede desde sua criação, reforçou a importância da comunicação feita “por nós e para nós” como instrumento de fortalecimento político, cultural e social. “Ao propor o workshop Teias de Conexão, nós buscamos promover um espaço de escuta, troca de experiências e construção coletiva de reflexões sobre os caminhos da conectividade nos territórios indígenas, a partir dos nossos próprios territórios”, disse.
Para ele, a mesa demonstrou, na prática, o valor de uma discussão conduzida a partir deste lugar. Tanto a iniciativa da Rede quanto a de tantos outros coletivos e organizações da sociedade civil que abordaram a temática de conectividade, territórios e meio ambiente no FIB15, servem como exemplo para o Estado de como o uso das tecnologias e o acesso à internet já vêm sendo debatidos com qualificação dentro dos territórios, com suas próprias demandas e soluções, conforme cada realidade.
O anúncio feito pelo Ministério das Comunicações no primeiro dia do evento, por exemplo, sobre o desenvolvimento do Plano Nacional de Inclusão Digital, foi alvo de críticas por setores da sociedade civil presentes exatamente por ser anunciado com desmobilização de sua estrutura inicial, com redução de seis para dois grupos de trabalho temáticos. Além disso, os dados que fundamentam a construção do plano são considerados defasados, levantando questionamentos sobre sua capacidade de contemplar a diversidade de contextos e as grandes extensões das várias Amazônias e dos vários Brasis dentro de um país com extensões continentais.
Como garantir a participação social de públicos historicamente invisibilizados em 90 dias, prorrogáveis por mais 90? Pisar nesses mesmos chãos, ouvir quem neles vive e garantir que a inclusão digital seja também inclusão política, cultural e social, com respeito, autonomia e soberania popular, deve ser o grande compromisso do Estado na construção de políticas públicas de conectividade efetivas.
Protesto
Ao encerrar a mesa, Edson Baré chamou atenção para os constantes projetos que atacam os direitos indígenas e o meio ambiente, como o PL da destruição, o marco temporal e a desestruturação do processo de demarcação de Terras Indígenas. “Nós vamos nos levantar, nós não vamos ver sentados o que eles estão fazendo. Dizemos a todos vocês: não ao marco temporal e demarcação já!”.
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Nota de pesar pelo falecimento de Sebastião Salgado
Fotógrafo faleceu aos 81 anos e deixa um legado de dedicação à luta socioambiental
O Instituto Socioambiental (ISA) lamenta profundamente o falecimento do fotógrafo, economista e ativista socioambiental Sebastião Salgado nesta sexta-feira (23/05), aos 81 anos.
Ao longo de sua trajetória, Salgado transformou a fotografia em um poderoso instrumento de denúncia e sensibilização.
Seu olhar revelou ao mundo questões urgentes, como a destruição ambiental, a desigualdade social e a importância da preservação da diversidade cultural e ecológica.
Entre seus principais projetos está a exposição “Amazônia”, que estreou em 2022 no Sesc Pompeia, em São Paulo. O Instituto Socioambiental (ISA) colaborou desde a execução dos mapas até a intermediação de contato com lideranças indígenas e de comunidades tradicionais.
Sebastião Salgado se posiciona contra o Marco Temporal, em vídeo gravado em 2020:
A relação entre Salgado e o ISA data do começo dos anos 2000, quando Beto Ricardo, sócio fundador do ISA, visitou a área restaurada pelo fotógrafo e a esposa, Lélia Wanick, no município de Aimorés, em Minas Gerais.
A iniciativa, que restaurou aproximadamente 600 hectares de floresta, foi o pontapé para a criação da ONG Instituto Terra, dedicada à recuperação da biodiversidade no Rio Doce.
Salgado sempre esteve próximo das causas que defendemos, utilizando sua arte para destacar a beleza e a fragilidade do nosso planeta. Seu legado inspira todos nós a continuarmos na luta por um mundo mais justo e sustentável.
Nossos sentimentos à família, amigos e admiradores.
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Sebastião Salgado conversa com Beto Ricardo durante atividade na sede do ISA em São Paulo, em 2017|Claudio Tavares/ISA
Leia abaixo homenagens a Sebastião Salgado (em atualização):
André Villas-Bôas, secretário executivo da Rede Xingu+:
“Ele foi um fotógrafo incrível, maravilhoso. A pegada socioambiental foi o que nos aproximou e, sobretudo, o Beto [Ricardo] dele. Ele tinha uma identidade com o ISA e foi uma pessoa que colocou o prestígio e a fama dele à disposição da causa. Sempre foi uma pessoa generosa com o ISA, procurou ajudar, disponibilizou o material dele. Enfim, tinha uma grande confiança no trabalho da gente e nas pessoas que trabalham no ISA.”
Claudio Tavares, fotógrafo e responsável pelo setor audiovisual do Instituto Socioambiental:
”Foi com muita tristeza que recebi a notícia da partida de um dos maiores fotógrafos do nosso tempo. A preocupação com os povos indígenas, as populações tradicionais e o meio ambiente aproximou Sebastião do antropólogo Beto Ricardo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental, com quem construiu uma grande amizade. Estar do mesmo lado fez com que as obras produzidas por Sebastião estivessem constantemente presentes nas principais publicações e exposições do ISA.
Sua voz calma já faz falta. Perdemos um grande defensor do planeta Terra. Foi um prazer e um privilégio ter tido acesso a algumas de suas obras — um legado que continuará a mostrar um planeta maravilhoso, que insiste em sobreviver, apesar de não ser bem cuidado.
Descanse em paz, Sebastião. Sua missão foi cumprida.”
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Da roça à sala de aula: povos do Xingu querem escolas que preservem cultura e alimentação tradicional
Realizado na Terra Indígena Wawi, o II Encontro de Educação Escolar Indígena reuniu cerca de 300 professores, estudantes e lideranças para fortalecer saberes, escolas, territórios e sistemas alimentares
Em maio, na Escola Estadual Indígena Central Kamadu, Aldeia Tuba-Tuba, Território Indígena do Xingu (TIX), as aulas acontecem no roçado. O calendário escolar segue o ritmo da vida comunitária: os alunos acompanham suas famílias nas atividades de plantio, pesca e coleta na floresta.
“A gente respeita o calendário tradicional indígena. Essa é uma aula prática, prevista no nosso currículo”, explica o professor Karin Juruna. Ao final das atividades, os alunos apresentam um relatório. “Tudo isso é aula. Tudo isso é saber, é prática cultural, porque estão aprendendo com a família. Assim entendemos o funcionamento da escola”, completa.
Assista ao vídeo do cineasta Kamikia Khisêtjê:
Na Aldeia Nyarazul, a professora Vilma José Sabino Kamayurá e seu marido, Wary Sabino Kamayurá, desenvolvem um projeto na sala anexa da Escola Estadual Indígena Central Leonardo Villas Bôas. Dentro da disciplina “Saberes e Ciências Indígenas”, a sala de aula se estende até as roças, onde os alunos aprendem na prática a preparar o solo e entender os ciclos do plantio a partir dos conhecimentos tradicionais do povo Aweti.
“O tempo certo de plantar, de colher. Essa ciência indígena a gente não acha no Google”, reflete Vilma. O resultado é fartura: os alimentos vão para os alunos e ainda são doados às aldeias próximas.
Esses e outros exemplos de como a cultura e os sistemas agrícolas indígenas podem estar nas escolas foram apresentados durante o II Encontro da Educação Escolar Indígena do TIX - Saberes para o Bem Viver, que aconteceu entre 9 e 12 maio no Terra Indígena Wawi, TIX, no município de Querência (MT).
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Os anfitriões do II Encontro da Educação Escolar Indígena do TIX foram os Khisêtjê da Aldeia Khikatxi, na Terra Indígena Wawi|Kamikia Khisêtjê/ISA
O evento foi organizado pela Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – por meio do Projeto Xingu –, do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI Xingu) e da Funai (Coordenação Regional do Xingu).Participaram das conversas a Secretaria de Estado da Educação do Mato Grosso (Diretoria Regional de Educação - DRE Barra do Garças), o Instituto Federal do Mato Grosso, a Eco Universidade, a Imaginable Futures, entre outros parceiros.
Recebidos pelo povo Khīsêtjê, na aldeia Khikatxi, representantes dos 16 povos do Xingu se reuniram para discutir os caminhos da educação indígena e construíram, de forma coletiva, a Carta do Encontro, que propõe a valorização dos saberes ancestrais e dos princípios do bem viver no contexto escolar.
O coordenador de Educação da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), Kussugi Bruce Kuikuro, explica que o encontro promoveu a escuta de professores, caciques e lideranças para a construção de Projetos Político Pedagógicos Indígenas (PPPIs) específicos para cada um dos povos do TIX. “O tema central é saberes para o bem viver, ou seja, a escola tem que andar junto com os nossos saberes tradicionais. A escola é para fortalecer a nossa cultura”, resume.
Na carta, a Coordenação da Educação da ATIX aponta que a política educacional deve unir escola, cultura, agroecologia, saúde e soberania. Entre outros pontos, o documento reivindica a implementação dos PPPIs e da política do Território Etnoeducacional do Xingu.
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Danças e cantos tradicionais foram apresentados durante o encontro|Kamikia Khisêtjê/ISA
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Manifestações culturais também fazem parte do cotidiano das escolas no TIX|Kamikia Khisêtjê/ISA
Além disso, a carta destaca a importância de incluir o alimento tradicional nas escolas como forma de fortalecer os sistemas agrícolas e os saberes milenares indígenas. Também denuncia os graves desafios enfrentados pela agricultura indígena diante das mudanças climáticas, da perda de sementes nativas e do uso intensivo de agrotóxicos nos monocultivos que cercam os territórios.
“É inaceitável que nossos alunos recebam alimentos industrializados enquanto os roçados tradicionais sofrem para produzir. Queremos políticas públicas específicas para apoiar a agroecologia indígena, fortalecer os sistemas alimentares próprios, adaptar os roçados às novas realidades climáticas e garantir que a alimentação escolar reflita e valorize a diversidade e a força dos nossos povos”, reforça o documento.
Os sistemas agrícolas indígenas são milenares e compostos por um conjunto de saberes sofisticados que possibilitam a produção de alimentos e, ao mesmo tempo, mantêm a floresta em pé. É esse sistema, ao mesmo tempo ancestral e inovador, que os indígenas querem que esteja na sala de aula.
Tradicionalmente, esses conhecimentos são transmitidos oralmente de geração em geração, enquanto as atividades estão em curso — nas trilhas até a roça, durante as coletas na floresta, a caça ou a pesca.
A perda de variedades, longos períodos de seca e ataques de animais são alguns dos impactos criados pelas pressões dos sistemas econômicos predatórios, como o agronegócio que avança nos limites do TIX, e as mudanças climáticas. Com isso, os saberes estão sendo ameaçados. A escola pode, neste contexto, ser espaço de fortalecimento desses conhecimentos e do território, apoiando no repasse de saberes indígenas aos mais jovens.
Na carta há demandas que serão encaminhadas para as Secretarias Municipais de Educação, Secretaria de Estado da Educação do Mato Grosso, Ministério da Educação - MEC e parceiros.
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Representantes dos 16 povos do TIX participam do encontro e aprovaram carta com demandas e denúncias|Kamikia Khisêtjê/ISA
Bruce Kuikuro explica que a educação escolar indígena diferenciada está assegurada na Constituição e também na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, mas não é colocada em prática pelo poder público. Exemplos como os citados não se repetem em todas as comunidades.
Sobre a alimentação, ele lembra que, quando era estudante, recebia na escola beiju, peixe, banana e abóbora. “Hoje em dia não está sendo assim. As crianças de hoje estão mais acostumadas a consumir, infelizmente, alimentos da cidade. Temos que decolonizar isso. Buscar solução. Oferecer a alimentação tradicional também é uma forma de educar as crianças”, diz.
Diretor da Escola Estadual Indígena Central de Educação Básica Khisêtjê, Yaconhongráti Suyá explica que, em boa parte do ano, a merenda escolar é formada por alimentos tradicionais como mandioca, polvilho, farinha, peixe, caça, batata, mel, pequi, murici, macaúba e cana, mas há períodos em que é necessária complementação de alimentos adquiridos nas cidades, como arroz, feijão, cebola, maçã, bolachas, entre outros. “Há épocas de colheita, que a escola recebe mais a alimentação tradicional. Em outras épocas, precisamos de complementação”, informa.
Oficina de merendeiros e merendeiras
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Oficina com merendeiros teve beiju colorido com cenoura e beterraba|Kamikia Khisêtjê/ISA
A atividade reuniu os merendeiros que atuam nas escolas do TIX e nutricionistas do DSEI em um espaço de troca entre os saberes indígenas e não indígenas, com foco na alimentação saudável. Foram ensinadas receitas como temperos naturais à base de alho e cebola e até beiju colorido, preparado com cenoura e beterraba.
Nas comunidades, a entrada de ultraprocessados têm sido um problema, conforme indica trabalho desenvolvido pela Unifesp - Projeto Xingu que, entre os anos de 2017 e 2019, realizou uma série de exames médicos que constatou o aumento de problemas como diabetes e pressão alta, doenças ligadas a pressões sobre o território, o que interfere em hábitos alimentares e modos de vida. Na apresentação desse estudo, a educadora Rosana Gasparini trouxe informações sobre alimentação saudável, explicando as classificações de alimentos in natura e minimamente processados, processados e ultraprocessados.
No encerramento do encontro, as cozinheiras e os merendeiros foram aplaudidos de pé. “Os merendeiros e as merendeiras são tão educadores quanto os professores. Principalmente quando se fala em cultura alimentar. Através das mãos deles é que vão resgatar e preservar essa cultura”, afirma a nutricionista Sônia Mendonça, do DSEI Xingu, que conduziu a oficina.
Adequação das políticas públicas às necessidades dos povos indígenas
A antropóloga no ISA, Luisa Tui explica que os povos do TIX vêm apontando os sistemas alimentares como centrais em seus modos de vida. Em visita às aldeias realizadas em 2022 e 2024, a consultora do ISA Angelise Nadal Pimenta e Luisa Tui promoveram um processo de escuta dos indígenas sobre as roças e a alimentação tradicional das escolas.
Um tema recorrente nas respostas foi o impacto das mudanças climáticas e das pressões do agronegócio sobre os territórios, afetando diretamente a produção de alimentos — com perdas significativas de sementes e variedades tradicionais.
“Esses sistemas são uma ferramenta para proteção do território e para fortalecer os modos de vida, valorizar os saberes tradicionais, e também são um caminho para apoiar na construção das escolas mais adequadas e respeitosas aos povos do TIX”, reflete a antropóloga.
Luisa Tui aponta que políticas públicas de aquisição de alimentos, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), são um caminho para o fortalecimento dos sistemas agrícolas tradicionais, possibilitando que os produtos das roças sejam entregues nas cantinas escolares, inclusive gerando renda para as comunidades.
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Sistemas alimentares são uma ferramenta para proteção do território e para fortalecer os modos de vida, diz Luisa Tui|Kamikia Khisêtjê/ISA
As conversas para a adequação dessas políticas à realidade dos povos indígenas, como os do TIX, e demais comunidades tradicionais vêm sendo conduzidas pela Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos (Catrapovos) do Mato Grosso, com amplo diálogo com o poder público e parceiros, entre eles o ISA e a ATIX.
Na abertura do encontro, o articulador territorial do ISA, Marcelo Martins, observou que esse é um movimento importante para o fortalecimento das roças, favorecendo a alimentação tradicional. “A gente sabe que alimentação tradicional é saúde e envolve também a cultura e os modos de vida”, disse.
Marcelo Martins também apontou a ampla participação de educadores, indicando o fortalecimento da pauta da educação indígena. “Há uma preocupação com os jovens que saem de suas aldeias para estudar. Primeiro tivemos a implantação do ensino médio, mas vê-se também a necessidade de implantação de universidade e ensino técnico e outras oportunidades dentro do território”, explica.
Angelise Pimenta traçou um histórico da educação e da alimentação escolar no TIX, apontando que o território é pioneiro em promover a entrega de alimentos das roças. Hoje o TIX tem aproximadamente 160 aldeias, sendo que 89 têm escolas que atendem cerca de 2.700 alunos.
Durante o encontro, aconteceram diversas manifestações culturais, como cantos e danças. O professor Makaulaka Mehinako, da Comunidade A´lo Kaupuna, propôs uma quebra de protocolo e chamou à frente todos os cantores presentes. Em seguida, observou que junto a mestres e doutores da educação formal, havia também cantores, lutadores e mães de família.
“Para nós, essas pessoas são como os doutores e pós-doutores. Precisamos fazer esse reconhecimento para que os não indígenas entendam”, disse.
O registro do evento foi feito pelos comunicadores indígenas Kamikia Khisêtjê e Renan Suyá e Crispim Khisêtjê, comunicadores da Rede Xingu+, com divulgação nas redes da Associação Indígena Kisedje (AIK) e da ATIX.
Durante o encontro foi exibido o filme Sukande Kasáká | Terra Doente, dirigido por Kamikia Khisêtjê e Fred Rahal e premiado como o melhor curta-metragem brasileiro no festival É Tudo Verdade 2025. O filme mostra a pressão sobre o TIX do agronegócio, com o agrotóxico contaminando o solo, a água e os alimentos, e trazendo sérias ameaças para a saúde das comunidades.
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