Papa ganha cocar feito em São Gabriel da Cachoeira (AM) e pede: "escutem os indígenas"
Adorno confeccionado por artesã indígena foi entregue pelo bispo da cidade, Dom Edson Damian, que integra comitiva de 17 religiosos da Amazônia brasileira no Vaticano
Um cocar multiétnico foi levado até o Vaticano pelo bispo Dom Edson Damian, de São Gabriel da Cachoeira (AM), cidade conhecida por ter a maior concentração de população indígena do país. Ele fez parte da comitiva de 17 bispos da Amazônia brasileira que participaram da reunião com o Papa.
A artesã e empreendedora indígena Gilda da Silva Barreto, do povo Baré, moradora de São Gabriel da Cachoeira, recebeu a encomenda para fazer o adorno. “Foi uma honra e pensei num cocar inspirado na Amazônia, com as cores, a beleza, mas também com os problemas do clima. As pessoas só pensam em enriquecer, mas não pensam em preservar. Coloquei penas na cor vermelha na parte de baixo por esse motivo”, explicou. “Vivo na cultura indígena e sou católica. Carrego as duas coisas juntas”, disse.
Ao receber o cocar, o Papa brincou perguntando se era uma mitra, a peça tradicionalmente usada pelo religioso para cobrir a cabeça durante cerimônias.
Participaram do encontro representantes do Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) dos estados do Amazonas e Roraima e do Noroeste (Acre, Sul do Amazonas e Rondônia). O arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Steiner, nomeado em 29 de maio como o primeiro cardeal da Amazônia brasileira, também fez parte do grupo.
A reunião já estava programada, mas coincidiu com o caso do assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo, no Vale do Javari, no Amazonas. O crime levou a mobilizações em várias partes do mundo com pedidos de Justiça e ainda gerou uma série de denúncias sobre o descaso do atual Governo Federal com a Amazônia e seus povos.
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Gilda Barreto, do povo Baré, idealizou o cocar levado de presente ao Papa|Divulgação
Conforme informações do site oficial do Vaticano, o Papa insistiu aos bispos para que “escutem os povos indígenas, escutem as comunidades de base". Após o encontro com o líder da Igreja Católica, Dom Edson Damian falou sobre a gravidade da situação do país e dos ataques à Amazônia. “O Brasil voltou outra vez ao mapa da fome. Há grande número de desempregados e os povos indígenas estão sendo ameaçados em seus territórios, no seu direito de viver, na sua cultura e tradições. As mineradoras, o agronegócio, o garimpo ilegal – tudo isso está acabando com a nossa Amazônia”, lamentou.
Dom Edson ainda agradeceu ao Papa Francisco pelo Sínodo para a Amazônia, realizado em 2019, mas também pela escuta dos povos indígenas que foi realizada antes desse encontro. “Em São Gabriel da Cachoeira, os moradores das comunidades mais distantes receberam questionários e foram ouvidos”, disse. “Essa é a igreja que vive a pluralidade, a diversidade de povos, línguas, cultura, religiosidades espalhadas pelo mundo inteiro”, completou.
O Papa também recebeu de presente um quadro produzido em 1989 por um artista indígena conhecido como Cardoso, com o título “SOS Yanomami” e que já denunciava as ameaças constantes aos povos dessa etnia. Esse presente foi entregue pelo monsenhor Lúcio Nicoletto, administrador apostólico de Roraima. Em abril, a Hutukara Associação Yanomami divulgou relatório sobre a crise humanitária gerada pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami.
Recentemente, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) denunciou graves problemas relativos à saúde e ao das crianças Yanomami que vivem no Estado do Amazonas, instaurando um Procedimento para Apuração de Dano Coletivo (Padac) com o intuito de investigar possíveis violações aos direitos fundamentais dos Yanomami nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.
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Em novo livro de receitas, 10 chefs celebram cogumelos coletados pelos Yanomami
‘Umami’ valoriza o conhecimento tradicional das comunidades e marca o aniversário de 30 anos da Terra Indígena Yanomami; baixe gratuitamente
Cogumelo comestível Kotopo amo(Polyporus tricholoma Mont.) coletado pelos Sanöma (subgrupo dos Yanomami) da região de Awaris| Foto: Moreno Saraiva-ISA
Durante os momentos mais difíceis da pandemia da Covid-19, um grupo de 10 cozinheiras e cozinheiros de nove diferentes Estados brasileiros encararam o desafio de transformar os cogumelos coletados por indígenas Yanomami em criações especiais.
O resultado é Umami - receitas para o dia a dia com Cogumelo Yanomami, um livro com 14 receitas que combinam o ingrediente à cultura alimentar das cinco regiões do país. Organizado pelo chef roraimense Beto Bellini e com prefácio de Alex Atala, co-fundador do Instituto ATÁ, a obra recebeu o apoio da Hutukara Associação Yanomami e do Instituto Socioambiental (ISA) e está disponível para download gratuito.
“A grande maioria dos brasileiros não faz ideia da quantidade milenar de conhecimento, história e cultura que as comunidades indígenas têm para nos ensinar e muito menos os sabores e aromas incríveis que estão escondidos pelos rincões da Amazônia”, afirma Bellini, que defende uma identidade indígena para a gastronomia de Roraima.
"Esta é uma das atitudes mais lindas que eu vi acontecer nos últimos anos na gastronomia brasileira”, escreve Atala no prefácio de Umami.
O momento é crítico para o povo Yanomami, que viu em 2021 avanço de 46% na invasão garimpeira, segundo o recém-lançado relatório Yanomami sob ataque, da Hutukara Associação Yanomami. Iniciativas como a do Cogumelo Yanomami mostram que uma outra economia é possível para o território.
Os 10 chefs participantes do livro fizeram pratos com o Cogumelo Yanomami em sua versão em pó, que concentra 15 espécies de cogumelos encontrados nas florestas de montanha de Awaris, porção noroeste da Terra Indígena Yanomami, em Roraima.
As receitas mostram a versatilidade do produto, adaptado a preparos com origens indígenas, japoneses, italianas, árabes, bem como sugestões salgadas ou doces. Umami, termo que dá nome ao livro, tem origem japonesa, significa “gosto delicioso” e faz referência ao quinto sabor do paladar humano - presente nos cogumelos.
Participam do livro profissionais das cinco regiões brasileiras: Débora Shornik, do Amazonas; Danillo Amaral, Bahia; Clóvis Lima, Ceará; Alcyr Viana, Goiás; Júnior Ayoub, Maranhão; Esther Weyl, Pará; Claudio Jr, Paraná; Jorge Cardoso, Roraima; Kalu Brasil, Roraima; e Angelita Gonzaga, São Paulo.
Da pesquisa ao prato
A iniciativa de estudar os cogumelos coletados pelos Yanomami começou em 2015, quando se iniciou uma pesquisa intercultural, realizada por indígenas em parceria com cientistas não-indígenas, e que resultou no livro Ana amopö: Cogumelos Yanomami, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Gastronomia em 2017.
O Cogumelo Yanomami é uma amostra do resultado desta pesquisa: são cogumelos nativos da Amazônia coletados e comercializados pelos Sanöma, subgrupo do povo Yanomami. As 15 espécies são o símbolo de um futuro possível, que promove o protagonismo dos povos indígenas e fomenta uma economia que gera vida e cuida das florestas.
“Nós Yanomami temos um grande conhecimento sobre a floresta. Nós somos os verdadeiros conhecedores da floresta. Nós queremos demonstrar para os não-indígenas e fazer respeitar o nosso conhecimento. Nós queremos fazê-los escutar. Assim os não-indígenas aprenderão, ganharão sabedoria”, escreve o xamã Davi Kopenawa no prefácio de Ana Amopö: Cogumelos.
Para adquirir o Cogumelo Yanomami, escreva para a Hutukara Associação Yanomami: cogumeloyanomami@gmail.com. *Produto com pedido mínimo de 48 pacotes, sujeito à sazonalidade e com disponibilidade restrita.
O Cogumelo Yanomami é uma iniciativa da Hutukara Associação Yanomami, que faz parte da rede Origens Brasil®, idealizada pelo Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). A rede Origens Brasil® conecta empresas e comunidades com garantia de origem, transparência, rastreabilidade da cadeia produtiva e promovendo o comércio ético.
As ações de coleta, processamento e comércio ético do Cogumelo Yanomami buscam dar visibilidade à luta do povo Yanomami em relação ao garimpo ilegal, e mostrar que o conhecimento tradicional do povo Yanomami em relação à floresta tem um valor inestimável para a humanidade.
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Cogumelo Yanomami em suas versões inteiro e em pó | Victoria Franco-ISA
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O futuro é indígena na terra-floresta Yanomami
Davi Kopenawa, xamã e grande liderança Yanomami, conduziu comemoração dos 30 anos da homologação da Terra Indígena Yanomami, que contou com 500 participantes, entre lideranças de outras regiões do território e aliados históricos
Segurando o céu: Davi Kopenawa Yanomami é levantado no centro da aldeia Xihopi, Terra Indígena Yanomami, no Estado do Amazonas|Christian Braga/ISA
É noite de cinema na aldeia Xihopi, Terra Indígena Yanomami – uma imensidão de vida e floresta na maior Terra Indígena do país, distribuída entre os estados de Roraima e Amazonas. Na tela, iluminando as dezenas de olhos atentos na escuridão, um jovem Davi Kopenawa celebra a assinatura da homologação do território, ocorrida em 25 de maio de 1992.
Depois de anos de luta dentro e fora do Brasil, o xamã e liderança histórica dos Yanomami apontava que a conquista do direito constitucional dos indígenas – assediados na época pela invasão de mais de 40 mil garimpeiros –, não acabava ali. Era o início de um novo ciclo da luta permanente pelo direito à existência.
“O Yanomami é gente. Yanomami tem família. Yanomami tem criança. Yanomami sente fome, chora, fica triste”, buscava sensibilizar o Davi de 30 anos atrás, desde então situando a defesa da humanidade como caminho e finalidade de suas ações. Três décadas depois, ele foi o anfitrião de um encontro de mundos na Urihi A, a terra-floresta yanomami, a mata que Omama, o criador, deu para os Yanomami viverem, de acordo com a cosmovisão deste povo.
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Cinema na floresta: projeção de filmes durante as comemorações dos 30 anos da Terra Yanomami, na aldeia Xihopi|Christian Braga/ISA
Abraçados pela floresta amazônica, 500 participantes, sendo cerca de 80 convidados de outros povos e nacionalidades, testemunharam o 3º Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana e também a consagração da luta de Davi nos 30 anos da Terra Yanomami.
Em uma cena carregada de força, ao final de um ritual de abertura da jornada, Davi foi alçado no ar por xamãs yanomami. No centro da maloca do Xihopi, Davi parecia segurar o céu.
Desembarcaram no Xihopi também diversos amigos e aliados históricos da luta dos Yanomami. "Os Yanomami são a terra. Vou levar comigo o cheiro daqui, a poesia que está expressa em tudo", reflete Ailton Krenak, ativista, pesquisador e escritor indígena.
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Reencontro: Ailton Krenak sorri para o amigo de longa data, Davi Kopenawa, no centro do Xihopi, Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Assim como há três décadas, a terra, a alma e a própria existência Yanomami estão gravemente ameaçadas. Os 30 anos da Terra Indígena Yanomami foram comemorados em meio a uma nova onda de invasão garimpeira, que avançou 46% em 2021, segundo o relatório Yanomami sob ataque, da Hutukara Associação Yanomami.
Dario Kopenawa, filho de Davi e vice-presidente da Hutukara, é atualmente um dos principais porta-vozes dos Yanomami na defesa dos direitos dos indígenas. “É muito importante denunciarmos o que está acontecendo”, afirma.
Jan Jarab, representante do Escritório da ONU de Direitos Humanos para a América do Sul, esteve no Xihopi durante toda a jornada e pôde escutar dos próprios indígenas denúncias de violências cometidas contra comunidades assediadas pelo garimpo.
"Depois de 30 anos da demarcação de suas terras, os Yanomamis estão enfrentando um novo desafio existencial. São inúmeros os testemunhos", observa Jarab. "O Estado tem que cumprir com suas obrigações – protegendo a legalidade, os Yanomami e outros povos indígenas, expulsando o garimpo das Terras Indígenas, como ocorrido em 1992", ressalta.
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Iluminados: mulher e criança Yanomami nas celebrações dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami, realizadas na aldeia Xihopi|Christian Braga/ISA
O sertanista Sydney Possuelo, também presente no evento, diz que se sente frustrado 30 anos após a homologação da Terra Indígena Yanomami. “É triste o momento, porque 30 anos depois, estamos vivendo uma situação tão ruim quanto”.
Na época, ele era o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e liderou a desintrusão do território, antes mesmo da demarcação. Provou na prática que é possível expulsar o garimpo ilegal e a megaestrutura milionária que está por trás dele. “É preciso, sobretudo, vontade política”, destaca.
No entanto, mesmo com as ameaças do garimpo, Davi responde com confiança e lança a flecha que determinaria o tom do evento. “Meu sentimento é mais forte, contente e feliz. Estou vendo o futuro, vejo a geração que vai cuidar dos próximos 30 anos”, diz o xamã.
O futuro é indígena
A juventude foi lembrada nos discursos e falas de boa parte dos presentes ao Xihopi. E também se expressou na grande participação dos jovens nas atividades ao longo do evento. Um grupo de jovens comunicadores indígenas Yanomami fez uma cobertura própria, usando telefones celulares para produzir um material audiovisual sobre o encontro.
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Conectando mundos: coletivo de jovens comunicadores Yanomami registra encontro na aldeia Xihopi, no Amazonas|Christian Braga/ISA
No último dia, Davi, Dario e diversas lideranças foram ao centro da maloca e formaram com letras pintadas em preto a frase “o futuro é indígena”, eternizando em imagens a esperança de renovação da luta. Correndo ao redor, dezenas de crianças da aldeia atendiam ao chamado do xamã.
“A terra é o direito primordial dos povos indígenas. As novas gerações precisam manter seus valores e seguir defendendo a terra”, lembra a deputada federal pela Rede-RR, Joenia Wapichana – primeira mulher indígena a ser eleita para o Parlamento –, presente na aldeia.
Ela chegou acompanhada da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), ambas integrantes de comissão de parlamentares que apura violações de direitos humanos na Terra Indígena Yanomami. “Garimpo é crime e assim deve ser tratado. É necessário que o Estado aja conforme a lei”, destaca Joenia.
O alvo primordial dos aliciadores do garimpo são os jovens, segundo Maurício Ye’kwana, diretor da Hutukara e originário da região de Auaris. Lá, os casos de malária explodiram 247% de 2019 para 2020, de acordo com o relatório Yanomami sob ataque. Além disso, a desnutrição infantil atinge 63% das crianças menores de cinco anos na região, localizada na fronteira com a Venezuela.
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Esperança na renovação: lideranças indígenas formam a frase “o futuro é indígena”, na aldeia Xihopi, Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Maurício conta que é um desafio para a sua geração convencer a juventude a não entrar para o garimpo, pois a promessa de dinheiro fácil é sedutora em um contexto de forte degradação social e abandono do Estado.
“Mas explico que a luta traz muito mais do que dinheiro. Traz a proteção da terra, que é o bem mais importante que temos. Sem a terra, não somos nada.”
Maurício é um dos porta-vozes da Aliança em Defesa dos Territórios, coletivo de lideranças indígenas Yanomami, Ye’kwana, Kayapó e Munduruku, formado em dezembro de 2021. As três Terras Indígenas onde vivem esses povos são as mais devastadas pelo garimpo ilegal no país.
Mulheres indígenas
“Precisamos mostrar aos jovens que nós sabemos produzir de um modo que não destrói a natureza”, diz Alessandra Munduruku durante debate entre membros da aliança.
A liderança, que sofre constantes ameaças por sua luta contra o garimpo no Rio Tapajós, no estado do Pará, reforça a importância de os povos indígenas se unirem frente a uma conjuntura política hostil. “Nossos inimigos estão fortes e articulados, mas nós temos a maior riqueza de todas, que é a nossa união.”
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Elas que lutam: Beka Munduruku, Alessandra Munduruku, Erica Vilela Yanomami, Maial Paiakan, Joenia Wapichana, Luiza Lima Góes Yanomami e Watatakalu Yawalapiti/Christian Braga/ISA
Alessandra e outras lideranças femininas promoveram uma reunião com as mulheres Yanomami para trocar experiências e fortalecer os laços. O encontro de mulheres indígenas de diferentes povos e estados rendeu frutos imediatos, como articulações para futuros intercâmbios.
“Estou há sete anos na luta e não estou nela à toa. Estou para fortalecer a voz das mulheres”, sublinhou Erica Vilela, Yanomami da região de Maturacá (AM) e presidente da Associação de Mulheres Yanomami Kumirãyõma (AMYK). “Quando encontrei mulheres de outros povos aqui, me emocionei muito. Nós vamos fortalecer nossa luta cada vez mais. Estou aqui para lutar junto com outras parentes guerreiras.”
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Participação feminina: mulheres indígenas na comemoração dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami na aldeia Xihopi, Amazonas|Christian Braga/ISA
O dia 25 de maio de 2022 terminou coroado com um arco-íris cruzando o céu do Xihopi. Naquela noite, os alertas e propostas dos dias de encontro deram origem a uma cartacom reivindicações de lideranças Yanomami, Ye'kwana e de outros povos para interromper a destruição da Terra Yanomami e do planeta.
Se no passado Davi levava praticamente sozinho o grito do povo Yanomami, 30 anos depois a resistência se multiplicou por muitos corpos, gerações e, em muitas vozes, que garantem: o futuro é Yanomami, o futuro é indígena, o futuro é sem garimpo!
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O futuro é sem garimpo: crianças Yanomami se divertem no centro da maloca do Xihopi, Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
As comemorações dos 30 anos da Terra Yanomami e o 3° Fórum de Lideranças Yanomami e Yek’wana aconteceram no final de maio na aldeia Xihopi, Estado do Amazonas e contaram com o apoio da Fundação Rainforest da Noruega, Embaixada da Noruega e Global Wildlife Conservation.
Ritual no Xihopi durante as comemorações dos 30 anos da Terra Yanomami|Christian Braga/ISA
Crianças Yanomami no centro da maloca do Xihopi na comemoração dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Ritual de abertura da celebração dos dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Registro na aldeia Xihopi, durante as celebrações dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Momentos das celebrações dos 30 anos da Terra Indígena Yanomami na aldeia Xihopi|Christian Braga/ISA
Jovem no xapono, casa-coletiva da aldeia Xihopi, na Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Mulheres indígenas na aldeia Xihopi, na Terra Indígena Yanomami, Estado do Amazonas|Christian Braga/ISA
Espaço de debates na aldeia Xihopi, na Terra Indígena Yanomami, durante comemorações pelos 30 anos|Christian Braga/ISA
Membros da Aliança em Defesa do Território nos 30 anos da Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Fernando Palimitheli Yanomami, liderança da região do Palimiu, denunciou as atrocidades cometidas por criminosos em sua aldeia|Christian Braga
Pajé Fabiano Munduruku, à esquerda, trocou experiências com xamãs Yanomami durante as comemorações dos 30 anos da Terra Yanomami|Christian Braga/ISA
Ailton Krenak compareceu à aldeia Xihopi para a comemoração do aniversário do território Yanomami|Christian Braga/ISA
Marcos Wesley, coordenador do programa Rio Negro do ISA, fala durante as celebrações no Xihopi|Christian Braga/ISA
Carlo Zacquini, missionário e aliado histórico do povo Yanomami, reencontrou amigos de longa data no Xihopi|Christian Braga
Vista área da aldeia Xihopi, no Estado Amazonas, Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
Arco-íris encerra o dia do aniversário de 30 anos da Terra Indígena Yanomami|Christian Braga/ISA
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Rede Wayuri é premiada em Haia por inovação e combate à desinformação
Comunicadores indígenas do Rio Negro receberam o Prêmio Estado de Direito 2022, do World Justice Project, pela produção de informações confiáveis e enfrentamento às notícias falsas. Diretor-presidente da Foirn Marivelton Baré viajou à Holanda
Claudia Wanano, jornalista da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, aparece na tela de premiação na Holanda|Diana Gandara/ISA
Acostumada a enfrentar o desafio das grandes distâncias na Amazônia, a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas foi ainda mais longe. Nesta terça-feira (31/5), o grupo que atua na região do Alto Rio Negro (AM) recebeu o Prêmio Estado de Direito 2022, do World Justice Project (WJP), na cidade de Haia, na Holanda, durante o Fórum Mundial de Justiça 2022. A rede foi reconhecida pela inovação e o combate à desinformação na Amazônia brasileira.
Conforme divulgado pela WJP, a Rede Wayuri foi selecionada em uma busca global. “Eles construíram conscientização e engajamento local em questões como a pandemia, a violência contra as mulheres e uma série de ameaças ambientais”, disse a organização.
Marivelton Barroso, do povo Baré e presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), recebeu a premiação pessoalmente em nome dos comunicadores. Em seu discurso, a liderança indígena reforçou que a atuação da Rede Wayuri ganha ainda mais relevância no atual cenário político do Brasil, com os povos indígenas convivendo diariamente com ameaças aos seus direitos, inclusive com ataques aos territórios.
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Marivelton Barroso, da Foirn (de casaco marrom) e Juliana Radler, assessora do ISA (de verde) recebem em Haia, na Holanda, reconhecimento à Rede Wayuri|Diana Gandara/ISA
“A Rede Wayuri exerce um papel fundamental através de comunicadores indígenas que fortalecem as comunidades ao distribuírem informações verdadeiras que fazem a contranarrativa às notícias falsas que promovem o medo e colaboram para o aumento da violência e da destruição na Amazônia”, afirmou.
Ainda durante seu discurso, Marivelton Baré ressaltou a importância das mulheres indígenas na comunicação, mencionando as comunicadoras Cláudia Ferraz, do povo Wanano, Edneia Teles, do povo Arapaso, Janete Alves, do povo Desana, e Elisângela da Silva, do povo Baré, pela imensa contribuição aos trabalhos da Rede Wayuri.
Jornalista e articuladora de políticas socioambientais do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana Radler, que atua com a Rede Wayuri desde a sua criação, em 2017, também esteve em Haia para a premiação e comemorou. “O reconhecimento internacional da Rede Wayuri mostra o quanto o combate à desinformação é importante no Brasil, assim como a situação de vulnerabilidade e ameaças que os povos indígenas e a Amazônia vêm enfrentando no atual contexto político brasileiro, onde o Estado de Direito também está sob ataque”, destacou durante entrevista em Haia.
Atualmente, a Rede Wayuri é composta por cerca de 55 comunicadores de 16 etnias. Cinco deles trabalham a partir do município de São Gabriel da Cachoeira (AM), realizando semanalmente o programa de rádio Papo da Maloca, que vai ao ar na FM 92,7, de alcance local, com as locutoras Cláudia Wanano e Juliana Albuquerque, do povo Baré.
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Rede Wayuri em ação: comunicadores indígenas registram histórias em São Gabriel da Cachoeira (AM)|Ana Amélia Hamdan/ISA
m seguida, Cláudia Wanano edita o programa, dando forma ao Podcast Wayuri, disponibilizado nas principais plataformas de áudio. Também compõem o grupo Adelson Ribeiro, do povo Tukano, Irinelson Piloto Freitas, Tukano, e Álvaro Socot, do povo Hup’dah. A rede se prepara agora para reforçar sua presença das redes sociais. Visite o instagram da Rede Wayuri.
Outros cerca de 50 comunicadores atuam diretamente do território indígena, encaminhando informações por WhatsApp e radiofonia. Mesmo com as dificuldades de comunicação em algumas áreas remotas da Amazônia, a rede leva as informações adiante e tem como uma de suas funções apurar as informações de forma a combater as notícias falsas.
Em janeiro, durante a IV Oficina da Rede Wayuri, o grupo chegou a traduzir para as línguas indígenas da região o termo fake news, o que facilita a compreensão sobre as notícias falsas na região.
Ligada à Foirn e com a parceria e apoio do Instituto Socioambiental (ISA), a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas foi criada em 2017. Começou com poucos comunicadores e vem ganhando força a partir da valorização das próprias comunidades indígenas da importância do trabalho dos comunicadores na defesa dos seus direitos e do acesso à informação.
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Cláudia Wanano, Juliana Albuquerque (Baré), Adelson Ribeiro (Tukano) e Irinelson Piloto (Tukano) apresentam o programa de rádio Papo da Maloca|Ana Amélia Hamdan/ISA
A rede atua em um território indígena onde estão localizadas cerca de 750 comunidades de povos de 23 etnias nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. Em São Gabriel da Cachoeira – considerada a cidade mais indígena do Brasil –, além do português há quatro línguas indígenas co-oficiais: Nheengatu, Baré, Baniwa e Yanomami.
Prêmio WJP
O WJP é uma organização independente e multidisciplinar que trabalha para gerar conhecimento e conscientização sobre a importância do devido processo legal no mundo.
O Prêmio WJP reconhece conquistas de indivíduos e organizações para fortalecer o Estado de Direito de forma exemplar. Já receberam a premiação o ex-presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter (2017), e a advogada iraniana de direitos humanos e Nobel da Paz, Shirin Ebadi (2013).
Participaram do Fórum de Justiça 2022 líderes como a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet; Vice-Presidente para Valores e Transparência na Comissão Europeia, Vera Jourová; o presidente da Microsoft, Brad Smith, entre outros.
Leia na íntegra o discurso do presidente da Foirn, Marivelton Barroso
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Arqueologia e narrativas indígenas se encontram na história do Rio Negro
Com participação de pesquisadores tradicionais, Programa Parinã realiza escavação arqueológica na cidade mais indígena do Brasil e encontra cerâmicas e terra preta que indicam ocupação de até 2.000 anos
Escavação arqueológica em espaço público e visitas realizadas por pesquisadores indígenas e não indígenas a paisagens que fazem parte, ao mesmo tempo, das narrativas de origem dos povos do Rio Negro, da história colonial e de seu presente. Essas atividades foram desenvolvidas em São Gabriel da Cachoeira (AM), na região do Alto Rio Negro, durante a primeira oficina presencial do Programa Arqueológico Intercultural do Noroeste Amazônico (Parinã), realizada na sede do Instituto Socioambiental (ISA) entre os dias 10 e 20 de maio.
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Encontro de saberes: história, arqueologia, cartografia e narrativas indígenas estão juntas no projeto Parinã|Ana Amélia Hamdan/ISA
Nas escavações, foram encontradas cerâmicas e artefatos que indicam ocupações indígenas de até 2.000 anos, sendo que pesquisas realizadas em 2019 mostram que o povoamento pode ser mais antigo, de até 2.700 anos.
“Essa área tem a história da nossa existência. Podemos ver no concreto as histórias que contamos na oralidade”, disse o conhecedor indígena Arlindo Maia, do povo Tukano, sobre a paisagem de São Gabriel. Ele foi um dos participantes da oficina do Parinã, que contou com a presença de pesquisadores não indígenas e indígenas de diversas etnias, como Baré, Baniwa, Piratapuya, Desana e Tukano.
“É um encontro de grande importância, que traz trocas de vários grupos étnicos, com esclarecimentos entre nós. É muita coisa a ser repassada para o futuro. Aumenta a esperança de preservarmos a identidade e a cultura dos povos”, completou Maia.
Mesmo com as diferentes linguagens e abordagens, é possível encontrar um ponto de convergência apontado pelos integrantes do Parinã: São Gabriel da Cachoeira – conhecido como o município mais indígena do Brasil – é um lugar que conecta narrativas dos povos indígenas à história colonial de séculos passados e vivências contemporâneas. Além disso, os povos indígenas que vivem hoje no Alto Rio Negro podem ser os descendentes das pessoas que deixaram os vestígios arqueológicos.
Essas características estão presentes na área urbana e em comunidades indígenas, sendo um motivo de atenção especial para políticas públicas que reconheçam, protejam e preservem o território e as narrativas em suas diferentes formas. Um dos pontos do programa é propor, junto com os indígenas, uma reconstrução intercultural do sentido do patrimônio cultural para além do que está definido na legislação.
O historiador, antropólogo e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Márcio Meira, integra a equipe do Parinã e reforça a importância da abordagem interdisciplinar. “Não viemos ensinar para os indígenas a história. Pelo contrário, estamos aqui mais para aprender do que para ensinar. Conhecedores indígenas têm um conhecimento que precisa ser valorizado. Por isso, o Parinã tem a proposta de pesquisa intercultural, misturando saberes e perspectivas indígenas e não indígenas”, explicou.
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Peça arqueológica retirada nas escavações feitas em São Gabriel da Cachoeira|Programa Parinã/Divulgação
Uma exposição arqueológica e patrimonial está prevista para acontecer em São Gabriel da Cachoeira, no próximo mês de setembro, no encerramento da primeira etapa do Programa Parinã.
A organização ficará a cargo do Museu da Amazônia (Musa), com curadoria colaborativa envolvendo os participantes e parceiros do programa.
Poderão ser vistos na exposição objetos, narrativas e documentos reunidos no âmbito do projeto. O cineasta e comunicador da Rede Wayuri, Moisés Baniwa, filmou narrativas de conhecedores indígenas para que essas histórias também façam parte da mostra.
O programa Parinã foi iniciado em 2018 e envolve diversos parceiros, como o ISA, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), o Museu da Amazônia (Musa), o Instituto de Arqueologia da University College London (UCL) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com participação do professor, pesquisador e antropólogo Geraldo Andrello. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) também apoia a iniciativa.
Descobertas arqueológicas
As escavações arqueológicas realizadas dentro do Programa Parinã aconteceram em uma área de 16m2 na praça em frente à Diocese e à catedral de São Gabriel. Durante os trabalhos, foram encontrados fragmentos de cerâmica de objetos como pratos e fogareiros, além de machados e instrumentos líticos que indicam povoações de até 2.000 anos.
Também foi encontrada a chamada "terra preta de índio", tipo de solo enriquecido pela atividade humana e presente em outros pontos da Amazônia. “É um legado dos povos antigos para a composição da floresta”, diz a arqueóloga e professora Helena Pinto Lima, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, que participa das escavações em São Gabriel.
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Helena Pinto Lima, do Museu Goeldi, indica e retira parte de peça de cerâmica do sítio arqueológico em São Gabriel da Cachoeira|Ana Amélia Hamdan/ISA
Ela explica que o local da escavação reúne características estratégicas para a localização de um povoamento indígena, como estar numa área de elevação natural, com vista ampla para o Rio Negro.
Também participaram das escavações o coordenador do Parinã, o arqueólogo Manuel Arroyo-Kalin, do Instituto de Arqueologia da University College London (UCL); o diretor-adjunto científico do Musa, o arqueólogo Filippo Stampanoni Bassi; a coordenadora do núcleo de Arqueologia e Etnografia do Musa, Meliam Gaspar, e o coordenador do Laboratório de Arqueologia do Musa, Iberê Martins.
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Aluno de arqueologia da UEA, Junildo de Rezende Costa, da etnia Tukano, encontra parte da história de seus antepassados no sítio arqueológico - Ana Amélia Hamdan/ISA
Os trabalhos de escavação no sítio arqueológico foram acompanhados por estudantes do curso de arqueologia da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) – Campus São Gabriel.
Um dos alunos é Junildo Rezende Costa, da etnia Tukano, que observou semelhanças entre objetos retirados da escavação arqueológica e narrativas que ele escuta em casa, contadas pelos seus pais e avós.
“A terra preta está em algumas roças. Machadinhas e cerâmicas são semelhantes às que meus avós contam que eram usadas por aqui”, lembrou o estudante.
Filippo informa que na área de São Gabriel há um extenso sítio arqueológico, com partes ocupadas por construções de órgãos públicos e outros.
Ele participou das escavações em frente à Diocese de São Gabriel e, em 2019, fez escavações em área do escritório local do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), onde foram encontradas terra preta e artefatos de até 2.700 anos.
“São pesquisas iniciais, em sítio arqueológico ainda pouco conhecido. Pode ser que as ocupações sejam mais antigas”.
Manuel explica que estudos indicam que em São Gabriel já houve um povoamento indígena, sendo que a cidade carrega a importante característica de, possivelmente, ter entre seus moradores os descendentes dos povos que viveram aqui em um passado remoto.
“Temos uma justificada esperança de que os povos indígenas atuais são descendentes das pessoas que foram responsáveis por criar os vestígios arqueológicos, os sítios antigos. É uma hipótese razoável”, sustentou o arqueólogo.
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Manuel Arroyo Kalin (em pé), coordenador do Parinã, arqueólogo do Instituto de Arqueologia da University College London (UCL)|Ana Amélia Hamdan/ISA
No município há cerca de 750 comunidades e sítios onde vivem indígenas de 23 etnias. Em São Gabriel da Cachoeira, há quatro línguas indígenas cooficiais além do português: Nheengatu, Tukano, Baniwa e Yanomami.
Manuel Arroyo considera que a Bacia do Rio Negro, onde está São Gabriel, é uma encruzilhada histórica etnográfica e arqueológica muito interessante. “Isso nos deixa várias perguntas sobre o que foi o passado dessa região, desde quando houve ocupação humana aqui, se foi uma ocupação humana densa, se alteraram a paisagem, se os povos que moravam aqui tinham relação com povos de outras regiões da Amazônia.”
As descobertas feitas até agora na região conversam com outras pesquisas que indicam que, na Bacia do Rio Negro, houve povoamentos antigos – de até 9.000 anos atrás – com intensas trocas entre os povos. Alguns desses estudos foram conduzidos pelo arqueólogo Eduardo Neves, que já realizou pesquisas na região de Iauareté.
Plataforma digital
Outra proposta do Parinã é o desenvolvimento e atualização de um banco de dados digital georreferenciado reunindo material de pesquisa já produzido na região do Rio Negro pelo ISA e colaboradores há pelo menos 20 anos. Esse trabalho está em andamento e é conduzido pela ecóloga e analista de geoprocessamento Renata Alves, do ISA, e pela antropóloga Aline Scolfaro, consultora do programa.
“Estamos trabalhando numa plataforma digital que mostre as várias camadas das teorias históricas indígenas, do período pré-colonial e pós-colonial, livros, fotos, localização, toponímia, mapas e narrativas. Algumas das histórias indígenas não acontecem nesse plano, sendo que a marca não está na paisagem, mas faz parte da história deles e precisam estar registradas tanto quanto os outros conhecimentos”, afirmou Renata Alves.
Exemplo do que poderá ser encontrado nessa plataforma é referente à Cachoeira de Ipanoré, localizada no Rio Uaupés, onde os primeiros ancestrais emergiram para este mundo, depois de longa viagem subaquática a bordo da cobra-canoa. Fotos, vídeos, narrativas e outras informações sobre a cachoeira estarão disponíveis na plataforma.
Uma das narrativas míticas conta que uma cobra-canoa saiu do Baía de Guanabara, subiu pelo litoral brasileiro, chegou ao Rio Amazonas e adentrou até o Negro e outros rios importantes da região, como o Uaupés. Esse caminho é marcado por lugares que são recordados na narrativa. Parte dessa história é contada no filme “Pelas Águas do Rio de Leite”, dirigido pela antropóloga Aline Scolfaro.
Outra proposta discutida durante a oficina Parinã foi a criação de um museu virtual com o acervo do Museu Goeldi de peças recolhidas no Noroeste Amazônico durante a viagem de Theodor Koch-Grünberg nos primeiros anos do século XX. Imagens com algumas dessas peças foram mostradas aos pesquisadores indígenas durante a oficina da antropóloga e pesquisadora do Goeldi, Lúcia van Velthem, conduzida com André Baniwa.
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O historiador e antropólogo Márcio Meira (de vermelho), pesquisadores indígenas e não indígenas em visita à Pedra da Fortaleza|Ana Amélia Hamdan/ISA
Durante a oficina, grupos de pesquisadores indígenas e não indígenas visitaram alguns pontos da paisagem de São Gabriel da Cachoeira.
Uma dessas caminhadas foi proposta por Márcio Meira, que conduziu o grupo até a Pedra da Fortaleza – hoje um ponto turístico da cidade, com vista para o pôr do sol e para a serra do Cabari e onde já esteve localizado um forte instalado por colonizadores portugueses.
O cenário da história colonial está registrado em aquarela de 1785 que foi reproduzida em um banner para ser levado até o local pelo grupo.
No caminho até a Pedra da Fortaleza, os indígenas encontraram pontos importantes de suas narrativas históricas. Um deles, uma rocha na rua da beira rio que, segundo a história indígena, é parte de uma cobra que foi morta ali durante uma batalha.
Meira explica que o diálogo entre os diversos saberes é primordial para o entendimento da região. “Essa possibilidade de diálogo entre história, arqueologia e conhecimentos tradicionais é a forma que temos para a gente entender melhor essa realidade social da região. Não há como entender se não houver esse diálogo entre os saberes”, salientou.
Segundo ele, a história colonial na região foi marcada por violência contra os indígenas, muitas vezes utilizados como mão de obra escrava para o extrativismo de produtos da floresta. “Foi um processo violento e duradouro, mas não foi suficientemente forte para apagar o modo de vida dos povos que vivem no Rio Negro”, refletiu.
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Juka Sarmento Fernandes, da etnia Desana, é um dos bolsistas do Parinã e vem recuperando as narrativas de seu clã|Ana Amélia Hamdan/ISA
De pai para filho
Também estão integrados à equipe do Parinã pesquisadores indígenas bolsistas que atuam de formas diversas, como em atividades em laboratório de arqueologia e tradução.
O objetivo é que as pesquisas sejam realizadas também em comunidades indígenas, atividade que foi limitada devido à pandemia.
Um dos bolsistas é o estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Juka Sarmento Fernandes, nome desana Diakuru, que vem resgatando as narrativas tradicionais contadas por seu pai, o conhecedor tradicional Durvalino Moura Fernandes, nome desana Kisibi.
Eles são Desana do clã Wari Dihpotiro Porã. As narrativas podem variar de acordo com o povo e até com o clã.
Durante a oficina em São Gabriel, Durvalino Moura ponderou que alguns objetos e documentos vão aparecer durante os trabalhos dos pesquisadores, mas outros não são visíveis, pois existem apenas em narrativas sagradas que atingem outras esferas.
“Essa é uma reunião para resgatarmos alguns conhecimentos. Mas há saberes que não revelamos, que só são passados entre familiares”, explicou o conhecedor.
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Liderança indígena registra em vídeo inundação das roças na Amazônia
Dzoodzo Baniwa estava na hora e no lugar certos para documentar um evento climático extremo. Em vídeo-reportagem, ele denuncia a segunda cheia recorde em menos de um ano no Rio Ayari (AM)
O cenário de roças tradicionais inundadas, com prejuízos às populações ribeirinhas e indígenas, está se repetindo no Amazonas. Em 2021, o estado atravessou cheias e inundações recordes. Neste ano, o chamado inverno amazônico, que se acentua a partir de junho com a intensificação de chuvas, ainda nem bem começou, mas as cheias já estão causando danos.
Essa realidade vem sendo acompanhada de dentro do território indígena pelo olhar atento da liderança indígena Baniwa Juvêncio Cardoso, também conhecido pelo nome de benzimento Dzoodzo Aawadzoro. Ele divulgou em sua página nas redes sociais um vídeo mostrando roças inundadas pela cheia do Rio Ayari, afluente do Rio Içana, na Terra Indígena Rio Negro, município de São Gabriel da Cachoeira (AM). Segundo o relato do pesquisador baniwa, o rio já atingiu 50 cm a mais no comparativo com 2021.
A inundação das roças compromete a segurança alimentar das comunidades indígenas. Para garantir que parte da plantação não se perdesse, mulheres chegaram a mergulhar para colher a mandioca, que é a base alimentar da região e dá origem a uma série de produtos como farinha, beiju, tapioca e tucupi.
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Juvêncio Cardoso Baniwa registrou efeito das cheias no Alto Rio Negro|Natalia C. Pimenta / ISA
Segundo Dzoodzo Baniwa, a cheia volta a se repetir antes mesmo do período de um ano. “Em 2021, as famílias também foram impactadas. Faltavam 10 dias para completar um ano e a água do Rio Ayari voltou a tomar conta das roças”, descreveu. Ano passado, as cheias causaram prejuízos a 18 famílias em seis comunidades, com a perda de 30 roças. Em 2022, os levantamentos ainda estão sendo realizados, já que o período de cheias está apenas começando.
“Estamos numa das áreas mais preservadas da Amazônia, mas ainda assim ficamos com o prejuízo das mudanças climáticas. Queremos que o poder público e a sociedade civil organizada tomem medidas para nos ajudar”, disse.
Coordenador da Organização Baniwa e Koripako Nadzoeri, uma das cinco coordenadorias da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Dzoodzo também é professor licenciado em física intercultural e mestre em ciências ambientais.
Ele vive na comunidade de Canadá e acompanha a situação na Bacia do Rio Içana, território tradicional dos povos Baniwa e Koripako, como liderança e colaborar de projeto de Monitoramento Ambiental e Climático na Bacia do Rio Negro. Ele ainda compõe a Rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (Aimas) e monitora os ciclos ambientais e socioeconômicos indígenas a partir das constelações.
Agora dá um passo adiante, denunciando praticamente em tempo real, com vídeos registrados por celular, eventos climáticos extremos e seus impactos na Amazônia.
Dzoodzo vem mobilizando parceiros para receber apoio em doações que serão direcionadas às famílias atingidas e, ainda, realizar oficinas sobre o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, de forma a garantir a segurança alimentar dos povos que vivem nessa região. As oficinas serão realizadas no Centro de Formação e Monitoramento da Biodiversidade Enopana, vinculado à Escola Eeno Hiepole, que reúne alunos de todas as comunidades da calha do Rio Ayari e que recebem a merenda regionalizada com produtos da agricultura familiar, que conta com o incentivo do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Veja abaixo como contribuir:
Associação do Conselho de Gestão da Escola Eeno Hiepole (ACGEH) CNPJ: 20.878.325/0001-18 Banco do Brasil Agência: 1136-3 Conta Corrente: 29.308-3 Contato ou envio de comprovante: eenohiepole@gmail.com Conheça a escola: https://eenohiepole.wordpress.com/quem-somos/
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Wai Wai criam departamentos de mulheres indígenas
Iniciativa busca fortalecer autonomia e sustentabilidade das mulheres – protagonistas na fabricação de diversos produtos da sociobiodiversidade
Evilene Paixão
- Jornalista da Hutukara Associação Yanomami
Mulheres Wai Wai fundaram departamentos próprios em diversas associações indígenas|Evilene Paixão/ISA
Pela primeira vez as mulheres Wai Wai terão espaços somente delas. Foram criados os Departamentos de Mulheres Indígenas Wai Wai (DMIW), em cada associação indígena: Associação dos Povos Indígenas Wai Wai (APIW), Associação do Povo Indígena Wai Wai Xaary (APIWX) e Associação Indígena Wai Wai da Amazônia (AIWA).
A mobilização para a criação dos departamentos aconteceu no III Encontro Anual do Instituto Socioambiental (ISA) com os Wai Wai do Estado de Roraima, que aconteceu na comunidade Soma, na Terra Indígena Trombetas Mapuera, município de Caroebe, divisa com os estados do Amazonas e Pará.
Era antigo o desejo de criar espaços exclusivos de mulheres indígenas, como conta Geneide Wai Wai, responsável geral pelos departamentos. “Sempre foi do interesse das mulheres ter alguma representação, associação ou departamento. Isso já era discutido entre os homens e as mulheres”, conta.
Segundo ela, a criação dos departamentos é um passo importante para o fortalecimento e valorização do trabalho das mulheres indígenas dos produtos vendidos. Um deles é o mawkîn, um tipo de paçoca torradinha de castanha-do-Pará com beiju, produzido pelas mulheres Wai Wai. “Agora vamos nos organizar melhor para trabalhar bem com as vendas e produzir mais”, aposta Geneide.
O encontro reuniu cerca de 150 indígenas entre lideranças, jovens e mulheres, das 10 comunidades das Terras indígenas Trombetas Mapuera e Wai Wai, localizadas entre os municípios de Caracaraí, São João da Baliza e Caroebe, nas calhas dos rios Anauá e Jatapu.
Há quase cinco anos, o ISA constrói projetos com esses povos no desenvolvimento da cadeia produtiva da castanha, com assessoria na parte de boas práticas de manejo e promoção de comércio ético das castanhas e na formalização e o funcionamento das associações Wai Wai, com assessoria técnica de Felipe Reis.
Agora, os Departamentos de Mulheres Indígenas Wai Wai serão assessorados pela cientista ambiental Stephany Caroline Rodrigues, que chegou recentemente para fortalecer a equipe. Para ela, os DMIW são o início de um trabalho que vai garantir mais autonomia e sustentabilidade às mulheres indígenas.
“Começamos muito bem! Além de estabelecermos em conjunto os principais eixos temáticos de trabalho, com artesanato e mawkîn, conseguimos encaminhar a criação do departamento de mulheres Wai Wai dentro de cada associação, APIW, APIWX e AIWA, com a aprovação dos respectivos presidentes, e uma mulher representante por comunidade, além de uma coordenadora geral, para ajudar na interlocução”, explica.
III Encontro do ISA com os Wai Wai em Roraima, realizado de 04 a 07 de abril, na comunidade Soma, Terra Indígena Trombetas Mapuera, em Caroebe|Evilene Paixão/ISA
III Encontro do ISA com os Wai Wai em Roraima, realizado de 04 a 07 de abril, na comunidade Soma, Terra Indígena Trombetas Mapuera, em Caroebe|Evilene Paixão/ISA
III Encontro do ISA com os Wai Wai em Roraima, realizado de 04 a 07 de abril, na comunidade Soma, Terra Indígena Trombetas Mapuera, em Caroebe|Evilene Paixão/ISA
III Encontro do ISA com os Wai Wai em Roraima, realizado de 04 a 07 de abril, na comunidade Soma, Terra Indígena Trombetas Mapuera, em Caroebe|Evilene Paixão/ISA
III Encontro do ISA com os Wai Wai em Roraima, realizado de 04 a 07 de abril, na comunidade Soma, Terra Indígena Trombetas Mapuera, em Caroebe|Evilene Paixão/ISA
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Socioambiental se escreve junto! Conheça o novo site do ISA
Mais rápido, moderno e interativo, além de 100% adaptado a dispositivos móveis, o novo espaço virtual do ISA te conecta às lutas de indígenas, quilombolas e ribeirinhos no Brasil
São tempos de luto e luta, quando a palavra ‘resistência’ ganha ainda mais significado e força. Para sobreviver, indígenas, quilombolas e povos tradicionais resistem há séculos por seus direitos e territórios, atuando em defesa do futuro de todos nós, como os maiores guardiões das florestas e da sociobiodiversidade no Brasil.
Hoje, frente aos imensos retrocessos que vivemos, o chamado é somar à resistência, seja nos territórios indígenas na Amazônia, nas reservas extrativistas do Pará, nos quilombos do Vale do Ribeira (SP) ou nas ondas da internet.
Buscando amplificar a caminhada, aprendizados e conquistas ao lado dos nossos parceiros históricos, o Instituto Socioambiental (ISA) lança seu novo site, um espaço que propõe um jeito mais rápido, moderno e interativo de acompanhar e se engajar no nosso trabalho.
Por meio de etiquetas (tags), os conteúdos são organizados e categorizados, proporcionando agilidade e clareza à experiência do usuário. O novo site do ISA oferece uma experiência visual diferente ao visitante, aliando design limpo e contemporâneo à ênfase nas belas imagens e vídeos dos temas e territórios onde atuamos. Pela primeira vez, o layout está 100% adaptado para dispositivos móveis, como celulares e tablets, oferecendo responsividade total.
A navegação por tags também facilita a exploração das notícias e reportagens de comunicadores do ISA, além de tornar a ferramenta de busca muito mais rápida e eficiente. Outras novidades são o destaque aos conteúdos especiais desenvolvidos pelas equipes, como o podcast Copiô, Parente!, agora reunidos em um só ambiente, e a Sala de Imprensa, com acesso direto de jornalistas aos comunicados e canais de contato com a assessoria.
Finalmente, o ISA apresenta em uma linha do tempo sua trajetória de 28 anos de atuação na seção “O ISA”, com detalhes sobre onde e como trabalhamos, nossos valores e os pontos mais importantes das atividades desenvolvidas junto a indígenas, quilombolas e ribeirinhos nas bacias do Rio Negro, Xingu e Ribeira e nos escritórios em Brasília (DF), São Paulo (SP), Eldorado (SP), Manaus (AM), São Gabriel da Cachoeira (AM), Boa Vista (RR), Altamira (PA) e Canarana (MT).
Acesse o novo site, conheça o nosso trabalho e se torne um apoiador. Socioambiental se escreve junto!
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Livros de bolso apresentam a arte indígena, feminina e ancestral das cerâmicas Tukano e Baniwa
Práticas e saberes para produção das peças são parte do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, reconhecido em 2010 como patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Iphan
Polimento de cerâmica com semente de inajá em São Joaquim do Ayari, Terra Indígena Alto Rio Negro (AM). Foto: Natália Pimenta/ISA
As cerâmicas produzidas pelos povos indígenas Tukano e Baniwa, da Terra Indígena Alto Rio Negro (AM), são uma arte feminina milenar. Da escolha da argila à modelagem, polimento, secagem, queima e acabamento, o caminho realizado das artesãs é de uma relação profunda com o sagrado e a floresta.
O leitor agora pode se sentir mais próximo a essa experiência com o lançamento dos livros de bolso Cerâmica Tukano e Cerâmica Baniwa, realizados em parceria entre a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e o Instituto Socioambiental (ISA), e com apoio de União Europeia e Nia Tero.
Organizados por Thiago Oliveira (Cerâmica Baniwa) e Juliana Lins (Cerâmica Tukano), as obras fazem parte de uma coleção mais ampla e se juntam aos também livros de bolso Arte Baniwa, Pimenta Jiquitaia Baniwa e Banco Tukano, lançados pelo ISA nos últimos anos.
O conjunto apresenta de forma condensada e plena de informações as riquezas do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, reconhecido como patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Para Dadá Baniwa, uma das coordenadoras do departamento de mulheres da Foirn, é um “sonho” compartilhar os conhecimentos para que outros povos e culturas valorizem a produção das peças. “Não é um trabalho fácil. Dar visibilidade ao trabalho das mulheres a nível estadual, nacional e internacional é integrar essa cultura material e preservá-la pela via da educação”, disse.
“Esse conhecimento para mim, como neta e filha, é um patrimônio, uma herança da minha avó”, afirmou Larissa Duarte, ceramista do povo Tukano. “É um conhecimento que fica para nossa comunidade e para a região toda. Isso vai ficar comigo e pretendo passar meu conhecimento para minhas filhas também.”
“Para nós, mulheres indígenas, essa cerâmica não é um simples objeto. É uma parte de nós”, resumiu ela, que é também uma das coordenadoras do departamento de mulheres da Foirn. “Esse é nosso modo de lutar, nosso modo de viver. A mulher é muito mais resistente e pensa no bem-estar coletivo, da comunidade, do território.”
Os povos indígenas do Rio Negro têm, ao todo, 11 cadeias produtivas em diferentes graus de amadurecimento na região, com gestão indígena, para desenvolvimento e proteção dos territórios.
Para Luciane Lima, do departamento de negócios da Foirn, a comercialização das cerâmicas “é uma forma de sustentação para as famílias”. “É geração de renda e valorização da cultura”, disse. “Estamos investindo em processos que tenham resultados a longo prazo”, afirmou.
Respeito e limite
As cerâmicas Tukano e Baniwa sempre tiveram uma inserção na vida ritual nas comunidades indígenas do Rio Negro. A produção das peças, no entanto, foi levada ao limite do desaparecimento e, por isso, as publicações retomam saberes que estavam restritos a poucas artesãs.
“As mulheres não tinham mais o conhecimento completo sobre as cerâmicas, sabiam apenas parte do processo”, relembrou Oliveira, antropólogo e organizador de Cerâmica Baniwa. A pesquisa constatou, por exemplo, que existem no território apenas cinco jazidas de argila ideais. “Os locais de ocorrência são de conhecimento tradicional ligados às comunidades”, afirma.
Segundo Juliana Lins, bióloga e organizadora de Cerâmica Tukano, impressiona a complexidade do trabalho das artesãs para confecção das peças. “A história e o processo envolvem tempo e conhecimento. Uma peça pode levar até 10 dias para ficar pronta, e ver o resultado é como ver o mundo através de um olhar feminino”, disse.
“Uma coisa que chama muito a atenção nos povos indígenas é a noção de limite. Você não lida com a natureza sem limites. Você tem relações sociais com a floresta, com o barro e a cerâmica. É o respeito. É, por exemplo, o pedido de licença para pegar a ‘vovó’ argila para então produzir as peças”, observou.
É o que contou Larissa Duarte, ceramista Tukano. “Nós, povos indígenas, temos nosso ritmo, tempo de produção. As pessoas de fora têm que entender isso, conhecer nossa realidade aqui. As mulheres não trabalham 24 horas só no artesanato. Ela vai pra roça, faz comida para as crianças, cuida da casa e depois faz o artesanato. E faz uma peça.”
O que é o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro?
O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, conjunto de práticas e saberes milenares dos povos do Rio Negro, agricultores por excelência, foi reconhecido em 2010 anos como patrimônio imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Estão catalogadas, ao todo, mais de 300 variedades de plantas cultivadas pelos 23 povos indígenas que vivem na região há milênios, além de 32 espécies de peixes comestíveis.
Fazem parte do sistema as técnicas de manejo dos espaços de cultivo (roça e quintais); do sistema alimentar; dos utensílios de processamento e armazenamento como a cerâmica e a cestaria; e, por fim, da conformação de redes sociais de troca de sementes e plantas que se estende de Manaus, no Amazonas, a Mitu, na Amazônia Colombiana.
O cultivo da mandioca brava, por meio da técnica de queima, plantio e manejo de capoeiras (conhecido como coivara), é a base desse sistema, compartilhado pelos povos indígenas da região.
Oficina de produção de cerâmicas, região alto rio Ayari, afluente principal do Içana, Terra Indígena Alto Rio Negro, Amazonas. Foto: Thiago Oliveira
Cerâmicas Baniwa (esq), Pimenta Baniwa e cerâmicas Tukano são patrimônio imaterial cultural do Brasil. Foto: Jean Yoshi/Tucum Brasil
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Comunidade Aracaçá vive tragédia humanitária, alerta organização Yanomami
Em nota, a Hutukara Associação Yanomami apresentou levantamento que evidencia rotina de terror imposta aos indígenas e cobrou a expulsão dos invasores da Terra Indígena Yanomami
Em comunicado divulgado nesta sexta-feira (06/05), a Hutukara Associação Yanomami reforçou que segue acompanhando as investigações em torno da denúncia de estupro seguido de morte de uma menina de 12 anos na comunidade de Aracaçá, na região de Waikás, em Roraima, e apresentou informações “que revelam um grave histórico de tragédias associadas ao garimpo na comunidade”.
Comunidade de Aracaçá convive há anos com invasão garimpeira|Marcos Wesley/ISA (20.11.2014)
O levantamento cruzou relatos coletados junto a dois Yanomami esta semana com dados oficiais do distrito de saúde (censos populacionais de 2017 e 2022 e registros de óbitos), tornando possível identificar a cronologia dos episódios narrados.
“Até o momento, foi possível levantar que o histórico de tragédias na comunidade teve início em 2017, com o assassinato de um homem conhecido como C. Sanumá”, durante uma briga com garimpeiros. Segundo a Hutukara, o indígena tinha duas esposas e, depois de sua morte, as mulheres ficaram em uma situação de “extrema vulnerabilidade”, sendo prostituídas nos acampamentos de garimpo.
Uma delas teria morrido logo em seguida ao falecimento do esposo. “Há diferentes versões sobre sua morte, mas foi possível confirmar no registro de óbitos o falecimento de uma pessoa da mesma faixa etária, em 2018, tendo por causa de óbito envenenamento auto provocado”, afirma o comunicado.
De acordo com relatos colhidos pela Hutukara, uma das filhas dos indígenas, de 16 anos na época, teria sido vítima de seguidos abusos após ser levada para se prostituir em um acampamento localizado próximo a Aracaçá, onde teve uma criança que veio a falecer com poucos meses de vida. No registro de óbitos oficiais consta o falecimento de uma criança por traumatismo intracraniano em 2019.
A adolescente também teria ficado com uma deficiência física permanente após seguidos abusos. Ela então teria engravidado de um garimpeiro conhecido como “Pastor” e seu filho teria sido levado à cidade. “Desesperada, tirou a própria vida se enforcando”. A morte por suicídio possui lastro no registro de óbitos de 2021.
“A sequência de tragédias que marcaram a família de C. apresenta um cenário na aldeia de Aracaçá de casos generalizados de abusos e violência”, afirma a organização no comunicado. “A vulnerabilidade das pessoas da comunidade é tamanha que é bastante provável que episódios assim se repitam cotidianamente. Os fatos narrados corroboram a percepção dos Yanomami da região de Palimiu que, em 2021, relataram o receio de que vivessem uma tragédia similar à de Aracaçá, que estava levando ao desaparecimento desta comunidade”.
A região de Waikás, onde fica Aracaçá, foi a que teve o maior avanço de exploração de garimpeiros, de acordo com o relatório "Yanomami Sob Ataque", divulgado pela Hutukara em abril. Com quase metade da área degradada concentrada ali, a região registrou uma devastação de 296,18 hectares – 25% em um ano. Em 2016, estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) detectou que 92,3% da população de Aracaçá estava contaminada com níveis altos de mercúrio – metal líquido extremamente tóxico usado por garimpeiros para extrair ouro.
Já existem decisões judiciais nacionais e internacionais que orientam as autoridades brasileiras a protegerem a Terra Indígena Yanomami dos invasores. Conforme salientou o advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Eloy Terena, em 2020 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu medidas cautelares de proteção aos indígenas e, desde maio do ano passado, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determina a proteção integral desses povos. Também há decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de 2020, determinando a extrusão dos garimpeiros ilegais.
Segundo Eloy, um dos advogados da ação no STF, o “governo brasileiro, de forma reiterada, vem descumprindo preceitos fundamentais dos povos indígenas”. A Apib protocolou nesta quinta-feira (05/05) uma peça com vários pedidos emergenciais e a denúncia de que a cautelar deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso, em 2021, não está sendo cumprida.
Metade das aldeias sob assédio
No documento, a Hutukara reforça os dados alarmantes que constam no relatório “Yanomami Sob Ataque” e que revelam crescimento de 46% das áreas destruídas em 2021, com um incremento anual de 1.038 hectares, atingindo um total acumulado de 3.272 hectares. “As denúncias sobre Aracaçá só podem ser compreendidas dentro desse cenário, no qual praticamente metade das aldeias da Terra Indígena Yanomami está sujeita ao assédio dos invasores”, afirma a nota da Hutukara.
A organização Yanomami defende a condução de uma apuração mais ampla e aprofundada do histórico de violências vivido pelos indígenas em Aracaçá por consequência do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
“Por se tratar de um povo indígena que vive conforme seus costumes tradicionais e falante de sua língua ancestral, esse trabalho exige a participação continuada de especialistas com formação técnica em antropologia e com domínio da língua, e durante tempo suficiente para que os fatos sejam analisados com a profundidade que merecem”, sublinha o comunicado.
No documento, a Hutukara reforça a urgência da retirada dos garimpeiros do território para o restabelecimento do bem estar dos indígenas. “Precisamos impedir a tragédia humanitária que está se passando com os Yanomami. Queremos ver nossas famílias novamente saudáveis e em segurança. (...) Precisamos do comprometimento do poder público e do apoio da sociedade para a proteção das Terras Indígenas, da terra-floresta, e das vidas indígenas.”
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