ISA participa do 18º Salão do Artesanato, em São Paulo
Espaço Floresta no Centro vai expor diversos itens produzidos por povos indígenas do Xingu e Rio Negro, como cestarias e cerâmicas, além de publicações
De 28 de agosto a 1º de setembro, o espaço Floresta no Centro, do Instituto Socioambiental (ISA), irá levar pela primeira vez parte da diversidade da produção artística e cultural de povos indígenas do Brasil para o 18º Salão do Artesanato, que acontece no Pavilhão da Bienal, em São Paulo.
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Artesanatos indígenas expostos na loja Floresta no Centro, inaugurada em agosto de 2022, no centro de São Paulo|Claudio Tavares/ISA
São cestarias, balaios, luminárias, cerâmicas, jarros, bancos de madeira e livros de povos indígenas das bacias do Rio Xingu e Rio Negro, como a edição de bolso Cerâmica Baniwa, que conta o processo de elaboração da cerâmica branca, rica em ornamentos e resultado de um conjunto de técnicas milenares das mulheres Baniwa do Rio Ayari.
Fundado há dois anos, o espaço Floresta no Centro fica na Galeria Metrópole, no centro de São Paulo e apresenta itens de comunidades do Xingu, Rio Negro e também dos quilombolas do Vale do Ribeira, além de publicações da organização e de parceiros. Parte dos objetos pode ser adquirida também pelo site.
Os produtos presentes no espaço Floresta no Centro e levados ao 18º Salão do Artesanato são uma amostra dos saberes profundos que as comunidades têm sobre a floresta. Os preços são definidos pelas próprias organizações comunitárias, artesãs e artesãos.
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Panelas artesanais xinguanas expostas na loja Floresta no Centro e que poderão ser adquiridas no Salão do Artesanato|Claudio Tavares/ISA
Fortaleça a luta e a resistência
Comprar produtos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais é valorizar culturas, promover modos de vida e contribuir para a conservação dos ecossistemas. O impacto positivo é fundamental para nossos tempos: mitigar os efeitos da emergência climática.
A renda gerada a partir dos conhecimentos e culturas dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais fortalece seus modos de vida e sua conexão com os territórios. Essas culturas são patrimônios vivos da cultura brasileira e a relação com a natureza garantiu, continua garantindo e garantirá a conservação de florestas, rios, mares e os diferentes biomas nacionais.
Com isso, as associações se fortalecem nos processos de organização e comercialização dos produtos, e se tornam agentes de articulação de suas culturas e da defesa de seus direitos.
Para quem compra, cada peça traz os saberes de povos e comunidades, bem como suas lutas e resistência para manter suas culturas e territórios, fundamentais para a regulação do clima.
Salão do Artesanato
Após 15 edições realizadas em Brasília e duas em São Paulo, o Salão do Artesanato traz neste ano o tema “A Arte Fora de Série”, que pretende demonstrar a capacidade criativa e o talento de artistas de todas as regiões do Brasil.
É esperada a presença de 500 mestres-artesãos e artesãos, incluindo ceramistas, rendeiras, bordadeiras e artistas plásticos, representando mais de 1500 trabalhos.
Com entrada franca e livre para todas as idades, o Salão conta também com a participação de duas Confederações de Artesãos: a Confederação Brasileira de Artesãos (Conart) e a Confederação Nacional do Artesãos do Brasil (Cnarts).
Além da exposição e venda de peças artesanais, o evento vai oferecer uma programação cultural com apresentações de grupos musicais e danças folclóricas. A gastronomia também será destaque, com o espaço "Brasil na Panela" e pratos típicos das cinco regiões do país.
Serviço:
18º Salão do Artesanato
Estande 139 - Instituto Socioambiental (ISA)
Dias 28 de agosto a 1º de setembro – das 11 às 21h
Galeria Metrópole, segunda sobreloja, Praça Dom José Gaspar (Metrô República)
De segunda a sexta, das 09h às 17h30
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'Nosso modo de lutar' apresenta mobilização nacional indígena pelo olhar de cineastas mulheres indígenas
Realizado pelas cineastas Francy Baniwa, Kerexu Martim e Vanuzia Pataxó, documentário filmado durante o 20º Acampamento Terra Livre (ATL) enfoca os muitos modos indígenas de existir e de resistir aos ataques a seus direitos
Da esquerda para a direita, Vanuzia Pataxó, Francy Baniwa e Kerexu Martim durante as filmagens no 20º ATL|Luiza de Souza Barros/ISA
Para celebrar a diversidade e a comunicação indígena, neste Dia Internacional dos Povos Indígenas (09/08), o Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Rede Katahirine lança o documentário Nosso modo de lutar, que traz a perspectiva de três cineastas mulheres indígenas sobre um dos principais espaços de mobilização indígena do país na atualidade, o Acampamento Terra Livre (ATL).
Assista ao filme:
Realizado por Francy Baniwa, Kerexu Martim e Vanuzia Pataxó, da Katahirine – Rede Audiovisual das Mulheres Indígenas, em colaboração com o Programa Povos Indígenas no Brasil do ISA, o vídeo foi filmado em abril de 2024, durante a 20ª edição do Acampamento, e dá atenção à pluralidade de formas dos movimentos indígenas. “Nós mulheres podemos perceber muitas coisas que ninguém percebe”, destaca Vanuzia.
Para compor este retrato, as cineastas abordaram cerca de 50 representantes de povos distintos, em sua maioria mulheres, explorando os saberes e fazeres que cada uma delas traz, ano a ano, para a mobilização. São cantadoras, cozinheiras, artistas, estudantes, anciãs e jovens lideranças – personagens como Cleide da Silva Pedro, do povo Guarani Kaiowá, que, na última edição, se dividia entre a equipe de segurança geral e atuava como cozinheira na delegação de seu povo no contraturno. “A gente vê aqui que a mobilização é coletiva, não é separado, não é juventude, homens, mulheres. É uma luta coletiva entre crianças ao ancião”, avalia Francy Baniwa.
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Vanuzia Pataxó, cineasta indígena da Rede Katahirine, durante as gravações de "Nosso modo de lutar", no ATL 2024|Tatiane Klein/ISA
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Francy Baniwa entrevista Janete Desana, liderança do Rio Negro e vice-presidente da FOIRN|Moreno Saraiva/ISA
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Kerexu Martim entrevista Vanuzia Pataxó e o filho Txoeki Turymatã Pataxoop|Tauani Lima/ISA
Transitando pelo cenário de lonas pretas e cordas amarelas que marcam o cotidiano do acampamento, as imagens transportam o público desde os acampamentos das delegações até as barracas de artesanato, passando, é claro, pelas reuniões, plenárias e marchas em defesa dos direitos indígenas. Tudo isso a partir das câmeras e das vozes das cineastas, que são também personagens do vídeo e iniciaram a pesquisa audiovisual pelas contribuições de seus próprios povos.
Entre os Guarani, por exemplo, um dos temas geradores foram os cantos mborai, muitos dos quais tratam da luta pela terra, como revela a cineasta Kerexu Martim, lembrando os versos de um deles: “Pemeē jevy, pemeē jevy ore yvy / Devolvam nossas terras, devolvam nossas terras”. Já entre os povos do Rio Negro, Francy Baniwa inicia enfocando as pinturas faciais das mulheres desana, feitas não só para embelezar, mas para proteger e preparar os corpos para a mobilização.
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Dona Coruja, liderança histórica do povo Pataxó|Mariana Soares/ISA
É relembrando ensinamentos dos anciãos do seu povo, que Vanuzia Pataxó nos introduz a uma das linhas de força do vídeo: a ideia de que entre os povos indígenas, as danças e cantos são armas fundamentais da ação política, tão importantes ou mais nestes contexto quanto discursos ou documentos. É ela quem nos apresenta os cantos e histórias de Dona Coruja, uma das grandes cantadoras e lideranças do povo Pataxó, que, nas palavras da cineasta “dá uma aula de história inteirinha por meio de um canto”.
“Adeus adeus a Brasília, até o ano que vem
Adeus adeus a Brasília, até o ano que vem
Se eu não morrer eu volto
Se deus quiser eu venho” – Dona Coruja
Ao longo do documentário, o público é convidado a entender por que enfeites corporais, alimentos tradicionais, instrumentos musicais, cantos e danças coletivas, entre outros, não são apenas elementos para mostrar as culturas de cada povo, mas têm usos e potências próprias, capacidades de comunicação e transformação da realidade. É o que ensina, por exemplo, a liderança do povo Rikbaktsa ao explicar que seu cocar é usado especificamente para ir à guerra ou a liderança do povo Maxakali, ao contar que os desenhos que enfeitam seu vestido estão conectados aos rituais feitos junto dos espíritos yamīyxop.
Para além dos cantos e danças, palavras de ordem como “Diga ao povo que avance!”, também ganham destaque, em especial nas cenas das duas grandes marchas feitas durante o 20° ATL contra os retrocessos aos direitos indígenas.
Pelas palavras e cantos dos personagens, também entendemos por que reivindicar direitos indo a Brasília, com grandes manifestações coletivas, é, há mais de vinte anos, um movimento central para inúmeros coletivos indígenas – e por que, certamente, eles seguirão repetindo esse movimento nos anos por vir.
Sobre “Nosso modo de lutar”
Sinopse
A maior mobilização indígena do país é também lugar de encontro entre os multidiversos saberes e fazeres dos povos indígenas no Brasil. Pelo olhar de três cineastas mulheres indígenas, o público é convidado a conhecer o cotidiano do 20° Acampamento Terra Livre (ATL) e a descobrir como os diferentes modos indígenas de existir se expressam também como modos singulares de lutar.
Ficha técnica
Direção e imagens: Francy Baniwa, Kerexu Martim e Vanuzia Pataxó / Rede Katahirine
Produção executiva: Tatiane Klein, Luiza de Souza Barros, Mariana Soares, Moreno Saraiva Martins e Luma Prado / ISA; Sophia Pinheiro, Mari Corrêa, Victoria Moawad / Instituto Catitu
Montagem: Manoela Rabinovitch / Instituto Catitu
Finalização: Cama Leão
Realização: Instituto Socioambiental (ISA), Katahirine – Rede Audiovisual das Mulheres Indígenas e Instituto Catitu
Ano: 2024
País: Brasil
Duração: 15 min
Apoio: Fundação Moore, União Europeia e Catholic Agency for Overseas Development (CAFOD)
Sobre o Dia Internacional dos Povos Indígenas
Instituído pelas Nações Unidas em 1995, o dia 9 de agosto tem como objetivo chamar atenção para a importância dos povos indígenas e das garantias previstas a eles na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos Indígenas. Entre outros direitos, a declaração assegura o direito desses povos à autodeterminação, à comunicação e à diferença: “Os povos indígenas são iguais a todos os demais povos e reconhecendo ao mesmo tempo o direito de todos os povos a ser diferentes, a considerar-se a si mesmos diferentes e a ser respeitados como tais”. Saiba mais
Sobre a Rede Katahirine
A Katahirine – Rede Audiovisual das Mulheres Indígenas surge com o objetivo de criar um espaço coletivo para fortalecer e visibilizar a produção audiovisual das mulheres indígenas do Brasil e América Latina. Como primeira iniciativa de mapeamento do cinema indígena feminino no Brasil, desejamos que esta seja uma importante ferramenta de conhecimento e divulgação sobre o cinema realizado por nós, mulheres indígenas, além de uma fonte de dados para pesquisas e acessos públicos. Um espaço com foco no protagonismo das mulheres indígenas, na agência e no papel político em nossos contextos, dentro e fora das aldeias: agimos nas tomadas de decisões e gestão de recursos de realizações audiovisuais e criamos de acordo com nossas concepções de mundo e de vida. Katahirine é uma palavra da etnia Manchineri que significa constelação. Assim como o próprio nome sugere, Katahirine é a pluralidade, conexão e a união de mulheres diversas que se apoiam e promovem mulheres indígenas no audiovisual brasileiro. Trata-se de uma articulação coletiva, onde podemos discutir e construir um espaço seguro de narrativas, levando em conta não só o corpo coletivo da rede, mas a subjetividade de cada participante, como uma pessoa pensante e atuante em todos os espaços.
As cineastas se apresentam
Vanuzia Bonfim Vieira
Sou indígena pataxó. Trabalho como cineasta e professora. Dirigi e gravei o longa-metragem Força das Mulheres Pataxó da Aldeia Mãe (2019). Na comunidade, além de professora, sou mãe, artesã e participante de vários eventos culturais. Me formei em Ciências Sociais e Humanas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e fiz meu mestrado em Ensino e Relações Étnico-Raciais pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Atualmente trabalho com direção e produção de vídeos relacionados aos movimentos indígenas e à aldeia Barra Velha, Porto Seguro (BA).
Kerexu Martim
Tenho 20 anos, moro na aldeia Kalipety na Terra Indígena Tenondé Porã, em São Paulo – SP. Participei de dois cursos de audiovisual. Um deles foi na minha aldeia e teve duas semanas de duração. O segundo foi no Acre. Fui para lá com mais duas amigas Guarani da comunidade e fizemos a edição dos nossos filmes. Em 2023, lancei meu primeiro filme “Aguyjevete Avaxi’i”, produzido pelo Instituto Catitu. O filme recebeu menção honrosa no Festival É Tudo Verdade 2024 e o prêmio Helena Ignez na 27ª Mostra de Cinema Tiradentes.
Francy Baniwa
Sou Francineia Bitencourt Fontes, também conhecida como Francy Baniwa. Mulher indígena, antropóloga, fotógrafa, cineasta e pesquisadora do povo Baniwa, nasci na comunidade de Assunção, no Baixo Rio Içana, Terra Indígena Alto Rio Negro, município de São Gabriel da Cachoeira (AM). Engajada nas organizações e no movimento indígena do Rio Negro há uma década, atuo, trabalho e pesquiso nas áreas de etnologia indígena, gênero, organizações indígenas, memória, narrativa, fotografia e audiovisual. Fiz minha Licenciatura em Sociologia em 2016 pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Sou mestra (2019) e doutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS-MN/UFRJ). Em 2008, fiz o curso técnico em Etnodesenvolvimento pelo Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e, em 2009, em Gestão Ambiental pelo Centro Amazônico de Formação Indígena da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (CAFI/COIAB). Entre 2010 e 2013, atuei como professora do Ensino Fundamental na Escola Estadual Indígena Kariamã, em minha comunidade. Fui presidente da Associação de Mulheres do Baixo Içana (AMIBI) em 2013, e coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (DMIRN/FOIRN) entre 2014 e 2016. Coordeno o Projeto de Cooperação Técnica Internacional “Salvaguarda de Línguas Indígenas Transfronteiriças”, produzido por uma parceria entre a UNESCO e o Museu do Índio, intitulado “Vida e Arte das Mulheres Baniwa: Um olhar de dentro para fora”, fazendo a qualificação das peças de cerâmica do primeiro acervo de pesquisadora indígena, editando vídeos sobre cerâmica, roça e seus derivados e tucum, além de produzir catálogo de fotografias e fazer uma exposição virtual. Sou pesquisadora do Laboratório de Antropologia da Arte, Ritual e Memória (LARMe) e do Núcleo de Antropologia Simétrica (NAnSi) da UFRJ, e do Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (NEAI) da UFAM. No audiovisual, atuei na direção da obra Kupixá asui peé itá – A roça e seus caminhos (2020). Atualmente, coordeno o projeto ecológico, sustentável e pioneiro de produção de absorventes de pano Amaronai Itá – Kunhaitá Kitiwara, financiado pelo Fundo Indígena do Rio Negro (FIRN/FOIRN), junto à Organização da Comunidade Indígena do Distrito de Assunção do Içana (OCIDAI), cujo propósito é o empoderamento e a autonomia das mulheres no território indígena alto-rio-negrino.
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Violações e ameaças aos direitos indígenas marcam a primeira audiência de conciliação sobre o Marco Temporal
Juiz condutor da mediação ignorou pedidos de indígenas e abandonou sessão antes do fim
Marcada por uma série de violações aos povos indígenas, aconteceu nesta segunda-feira (05/08), no Supremo Tribunal Federal (STF), a primeira audiência pública de conciliação sobre a Lei 14.701/2023, aprovada em dezembro do ano passado. Participaram representantes do Congresso Nacional, dos partidos políticos que questionam a Lei no STF, do governo, dos povos indígenas, dos estados e dos municípios. O ministro Luís Roberto Barroso, e o relator, ministro Gilmar Mendes, estiveram na abertura da sessão, que depois passou a ser conduzida pelos juízes auxiliares do gabinete de Mendes, Diego Viegas Vera e Lucas Faber.
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Primeira audiência da conciliação sobre o marco temporal no STF foi marcada por violações aos direitos indígenas|Adriano Machado/Greenpeace
A proposta de conciliação vem após a proposição de cinco ações que questionam a constitucionalidade da “lei do genocídio dos povos originários”, conforme definição do movimento indígena. Em abril, Gilmar proferiu uma decisão instituindo o grupo de trabalho para a conciliação. Além disso, suspendeu todos os processos de instâncias inferiores relacionados à Lei 14.701/2023 – durante o Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do país.
Aprovada em setembro de 2023, com 43 votos a favor e 21 contra, a lei determina que só têm direito ao território tradicional os indígenas que comprovem sua presença no local na data da promulgação da Constituição Federal, em 1988. Além disso, a lei dificulta os processos de demarcação; possibilita a realização de obras em Terras Indígenas sem consulta livre, prévia e informada e admite a abertura das terras indígenas para o arrendamento. A matéria já havia sido julgada inconstitucional pelo STF em setembro de 2023 e a lei recebeu diversos vetos do presidente da república.
O prazo para finalização das sessões de conciliação está previsto para 18 de dezembro de 2024, mas pode ser prorrogado. Na abertura, o ministro Barroso disse que é importante “esperar algumas semanas para vermos se há avanço ou perspectiva real de se chegar a um acordo. Se não houver essa possibilidade, nós vamos retomar a votação pura e simplesmente.”.
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Os ministros do STF, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, na primeira audiência de conciliação sobre o marco temporal|Adriano Machado/Greenpeace
Violações aos direitos indígenas
Alguns representantes indígenas, como o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Maurício Terena, antes mesmo do início da audiência, foram impedidos pela segurança do STF de entrar no local. Em vídeo publicado nas redes sociais, Terena pede para que Barroso abra a porta da Corte para os povos indígenas.
“A presidência acaba de dar a ordem de liberação e seguimos sendo barrados. Esse é o cenário conciliatório da Suprema Corte brasileira. Estamos sendo obrigados a estar aqui hoje e essa é a situação”.
Assista ao vídeo:
Olha, pra gnt começar uma mesa de conciliação com igualdade material, inclusive com letramento dos principais condutores, talvez falte mais 500 anos.
Aqui está quase encerrando. Mas a imagem que traduz o dia de hoje é essa: os indígenas e seus advogados sendo barrados no STF. pic.twitter.com/yid0RPIetn
— Juliana de Paula Batista 🌳 (@jusuindara) August 5, 2024
Na abertura da sessão, o ministro Barroso fez um pedido de desculpas público para o grupo. “Eu queria pedir desculpas às pessoas que foram indevidamente barradas na porta, representantes das comunidades indígenas. Foi um erro grave da segurança, com as pessoas já devidamente repreendidas e peço desculpas porque é o que a gente pode fazer quando existe um erro”.
Era apenas o começo de uma série de outras violações pelas quais passaram os representantes indígenas naquele dia.
Maurício Terena solicitou, ainda no início da sessão, a suspensão da Lei 14.701/2023. “A gente entende que a não suspensão da lei tem trazido uma situação de grave violência de direitos humanos dos povos indígenas. Eu cito aqui o caso do Mato Grosso do Sul*, que tá uma situação de extremo confronto, dada a vigência da lei.”
Confira o box ao final da matéria
Para o coordenador executivo da Apib Kleber Karipuna, a suspensão da lei seria uma garantia mínima de continuação do diálogo. “A gente entende que a lei precisa ser suspensa sim para poder, em pé de igualdade, conseguir seguir minimamente nesse processo. Não havendo a suspensão da lei, a gente continua com a insegurança jurídica nos territórios, os povos indígenas continuam sendo atacados”.
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Judite Guajajara, advogada da Coiab, Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib e Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib|Adriano Machado/Greenpeace
Tutela e barganha
Presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana reiterou que o momento era uma oportunidade para propostas e soluções, mas que elas “não venham colocar como retrocessos direitos já reafirmados na nossa Constituição, direitos que são fundamentais, direitos indisponíveis que dão a garantia que os povos indígenas tenham sua vida pro futuro também. É justamente nesse espírito de não retroceder no que o Supremo já avançou, que é importante que esses princípios e esse espírito estejam presentes nessas discussões sem precisar invisibilizar ou negar a existência dos povos indígenas.”
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Joênia Wapichana: “não venham colocar como retrocessos direitos já reafirmados na nossa Constituição"|Adriano Machado/Apib
A advogada da Apib, Eloísa Machado, questionou Diego Viegas, juiz auxiliar que conduziu a sessão depois da ausência de Gilmar Mendes, sobre o que aconteceria caso a entidade decidisse se retirar do processo. “Não há problema algum, só que a mesa de negociação continuará”, respondeu. O juiz explicou que, na falta de uma representação dos povos indígenas, a Funai estaria apta para suprir esse espaço.
“Se aqui os povos indígenas se manifestarem contrariamente a qualquer tipo de solução, evidentemente creio que a representação da Funai, do poder executivo, que também representa os interesses dos indígenas, saberá acolher esse intento. Afinal de contas, a Funai, nesse sentido, está para assistir os interesses dos representantes indígenas.”, falou Diego Viegas.
Emocionado, Alberto Terena, liderança do povo Terena e coordenador executivo da Apib, criticou o posicionamento. “Nós estamos aqui como representantes indígenas do nosso povo. Sou considerado perigoso pelo estado brasileiro por ir em busca do meu direito. Aí estar aqui diante do Supremo Tribunal [Federal] como uma representação e dizer que ainda somos representados por um órgão indigenista? O órgão indigenista está em busca de efetuar os direitos nossos dentro do nosso país, não tutelar novamente, não o Supremo dizer que nós somos tutelados. O nosso direito constitucional originário nós não vamos negociar e não é o órgão indigenista que vai nos representar diante disso. Jamais. Jamais. Mais uma vez o estado brasileiro vai estar negando o direito ao nosso povo”, desabafou.
De acordo com Viegas, houve um entendimento errado de sua fala, que não insinuava tutela dos indígenas por parte da Funai, mas que o órgão indigenista estaria apto para colher impressões do movimento na ausência da Apib. A fala foi novamente questionada.
“Nos sentimos muito violados em relação à questão da tutela do estado. Entendendo que pode ter sido um posicionamento errôneo do juiz que estava ajudando a conduzir a conciliação, mas afirmar que qualquer posicionamento do movimento indígena, retirando-se do processo da câmara de conciliação, a Funai estaria colhendo a posição do movimento. Pra gente é um posicionamento que remete novamente ao processo da tutela que os povos indígenas passaram por algum tempo e que foi superado pela Constituição de 88, principalmente. Mas isso só revela o quanto o preconceito e o racismo institucional estão enraizados nas esferas de poder”, afirmou Karipuna.
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"Apib é a representação máxima e legítima dos povos indígenas", disse Eloy Terena, do MPI|Adriano Machado/Greenpeace
Secretário executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Eloy Terena destacou a importância da presença das lideranças indígenas na mesa de conciliação. “A Apib é a representação máxima e legítima dos povos indígenas. Não tem como a gente discutir aqui o direito dos povos indígenas sem levar em consideração essa autodeterminação que os povos indígenas têm”.
Em meio à audiência, o Juiz auxiliar Diego Viegas apresentou um áudio do senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso Nacional, afirmando que “existe um acordo entre poderes de que enquanto vocês estiverem aqui, não haverá andamento da PEC 48 no Congresso”.
A PEC 48 é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende incluir a tese do marco temporal na Constituição Federal. O senador Hiran Gonçalves (PP-RO) apresentou a PEC no Senado uma semana após o STF decidir que a tese do marco temporal é inconstitucional.
Sem concessões para indígenas
Investido em definir as datas das próximas audiências, o juiz Diego Viegas fez uma rápida consulta aos membros da comissão especial e ignorou o pedido dos representantes indígenas de um prazo de 48 horas para informar se teriam disponibilidade e se pretendem permanecer no processo de conciliação.
Eloy Terena fez um apelo para que o juiz desse “um passo atrás" e juntos pensassem uma metodologia para atender aos indígenas. “Imagina, são 305 povos, falantes de 274 línguas. Imagina a dificuldade dessas 5 lideranças explicarem tudo isso que a gente tá debatendo aqui, lá na base. Então pedir pro Supremo ser mais plural, no sentido de compreender essa angústia que os povos indígenas estão trazendo aqui. Nós temos aqui lideranças que viajaram para estarem aqui, nem dormiram inclusive. Tem lideranças que ontem à noite, há menos de 24 horas, nesse exato momento estavam sendo atacadas. Para a gente começar a falar em conciliação é necessário criar um ambiente jurídico seguro e saudável”.
Diego Viegas só cedeu após muitos argumentos de que esse tempo era necessário para que os representantes consultassem suas bases e após uma representante não indígena do MPI também fazer o pedido. Mesmo assim, as datas ficaram pré-determinadas para os dias 28 de agosto, 9 e 23 de setembro.
Próximo às 19h, Diego Viegas informou que precisaria se ausentar da sessão para comparecer à uma audiência de custódia. Advogada da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Judite Guajajara pediu várias vezes para que o juiz permanecesse e a escutasse, mas isso não aconteceu.
“A sensação que eu tenho aqui há cinco horas que eu tô aqui é a sensação de que toda vez que nós indígenas falamos alguma coisa é refutada. Qual o valor da voz indígena nessa mesa? Eu acho que um dos propósitos da mediação da conciliação é você ouvir e a sensação que eu tenho é que desde o início que nós chegamos aqui ninguém ouve o que os povos indígenas estão dizendo. Nós pedimos 48 horas, mas precisou ouvir uma não indígena reforçar isso para poder ser aceito. Nós queremos diálogo. Eu acho que os povos indígenas têm muita experiência sobre estratégia de diálogo. Há muito tempo nós ensinamos como é que se faz diálogo e estar sentado nessa mesa é uma demonstração dessa disposição, mesmo nossos parentes sendo atacados, mesmo a maioria dos povos indígenas já dizendo ‘não queremos conciliação’. Nós abrimos o coração, nós estamos aqui e nós temos tudo a perder. Por isso que a gente tá resistindo aqui até o último segundo. Mas mais uma vez o que demonstra esse cenário é que não é um debate jurídico, mas um debate político, a partir do momento que nós povos indígenas não somos respeitados. Isso aqui tem sim a potencialidade de ser um experimento extremamente novo e que tem a potencialidade de ser muito positivo. Mas se nós continuarmos nesse atropelamento, isso aqui vai ser marcado na história como uma das maiores violências aos povos indígenas do Brasil. É difícil você pensar em pacificar o país, porque não fomos nós que criamos conflitos, pelo contrário, nós estávamos aqui e quem chegou foi que criou conflitos e agora querem que os povos indígenas paguem a conta sem nos dar o mínimo de condições de dialogar”.
Durante coletiva de imprensa ao final da sessão, Kleber Karipuna avaliou o primeiro dia de audiência e reforçou que o movimento ainda dará sua resposta se está de acordo com as datas apresentadas e se permanecerá no processo de conciliação até o final.
“Trazemos uma impressão muito ruim desse processo como um todo. As regras que não estavam ainda postas, que foram colocadas agora, não são regras muito favoráveis aos povos indígenas. Apesar de se ter relatado que vão buscar ter a decisão pelo consenso da maioria, há um processo também de votação e que os povos indígenas, nesses processos de disputa, nesse sentido, saem perdedores. Tivemos longas horas de debates desgastantes, até mesmo desentendimentos por parte da condução da conciliação. O que a gente quer trazer aqui nesse momento pros povos indígenas, pro movimento indígena brasileiro, é que a Apib e as nossas organizações regionais, as lideranças que estão nesse processo só iremos dar continuidade se o movimento indígena definir que é pra estarmos dando continuidade nesse processo de diálogo e que não iremos em momento algum negociar nenhum direito dos povos indígenas”.
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A ministra do MPI, Sonia Guajajara e a deputada Célia Xacriabá em visita à Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, do povo Guarani Kaiowá|Mariana Soares/ISA
Situação no Mato Grosso do Sul
Em meio à situação de violência de fazendeiros contra indígenas Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, uma comitiva com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, a presidente da Funai, Joenia Wapichana, a deputada federal Célia Xakriabá, o secretário-executivo do MPI, Eloy Terena e outros representantes do governo, partiu de Brasília na manhã do dia 6 de agosto.
O grupo foi visitar uma das retomadas da Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, em Douradina (MS), onde dez indígenas ficaram feridos depois de um ataque a tiros.
De acordo com relatos dos indígenas, mesmo com a presença da Força Nacional no local, na noite de 5 de agosto, novos ataques a tiros de borracha e rojões foram feitos contra a retomada.
A ministra Sonia Guajajara falou que a Lei do Marco Temporal não afeta a retomada e que, junto às outras autoridades, vai levar a situação para o governo federal e para o judiciário dar celeridade aos processos “porque não dá mais pra manter essa situação de insegurança permanente”.
Segundo dados publicados pelo último Relatório de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Mato Grosso do Sul é o segundo estado mais violento para indígenas no Brasil. Foram 43 casos de assassinatos contra indígenas registrados em 2023; 93 casos de violência contra a pessoa; 37 casos de suicídio e 190 casos de violência contra o patrimônio.
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Garimpo detectado em 2023 em Terra Indígena com isolados segue em atividade
Dados do boletim anual de 2023 do Sirad-I e do primeiro trimestre de 2024 apontam a retomada e permanência de invasores em terras com povos indígenas isolados
Apesar da celebrada desaceleração no desmatamento na Amazônia, Terras Indígenas com presença de povos isolados seguiram sendo invadidas por garimpeiros em 2023.
Na Terra Indígena (TI) Zoró, houve um aumento de 88% nos registros de desmatamento em 2023 em relação ao ano anterior, trazendo indícios de mineração ilegal no território. Já nos primeiros meses de 2024, a hipótese foi confirmada a partir da derrubada de mais de 5 mil árvores na área.
Na TI Mundurucu, em 2023, 90% do desmatamento registrado foi causado diretamente pelo garimpo ilegal. Em 2024, apesar de uma redução expressiva na atividade garimpeira, a expansão de áreas degradadas em períodos anteriores indica a persistência de invasores na TI.
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Garimpo ilegal na Terra Indígena Mundurucu, município de Jacareacanga, em imagem de setembro de 2020|Marizilda Cruppe/Amazônia Real
Os retratos dessas e outras Terras Indígenas estão presentes nos dois relatórios mais recentes do Sistema de Alerta de Desmatamento em Terras Indígenas com Registros de Povos Isolados (Sirad-I), o Sirad-I: Anual de 2023 e o Sirad-I: Janeiro – Março de 2024, lançados conjuntamente nesta quarta-feira (07/08) pelo Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi).
Com aproximadamente 187 mil km² monitorados, a publicação acompanha, desde 2020, por meio de radar e imagens ópticas de alta resolução, os alertas de desmatamento em 23 áreas com povos indígenas isolados, sendo 21 Terras Indígenas, em sua maioria com registros confirmados de povos isolados, e duas Unidades de Conservação (UC). Em 2024, o monitoramento foi ampliado para 26 áreas e, a partir deste ano, a publicação passou a monitorar a Ilha do Bananal, na TI Inãwébohona, Tocantins; fora de TIs, foram incorporadas as regiões dos registros Baixo Jatapu/Oriente, Pará; e Mamoriá Grande, sul do Amazonas.
Acesse as Terras Indígenas:
Os dados trazidos pelo boletim anual apontam, que apesar da redução de 58% na taxa de desmatamento nas Terras Indígenas na Amazônia Legal em relação a 2022, medido pelas taxas do Prodes/Inpe, as áreas com presença de isolados monitoradas tiveram uma queda menos expressiva, de menos de 20%. No total, o sistema de alertas detectou 825,46 hectares de desmatamento, ou o equivalente à derrubada de aproximadamente 475 mil árvores.
“Essa performance pior das Terras Indígenas com povos isolados mostra que elas são as áreas mais frágeis. Para os invasores, elas são terras de ninguém, prontas para serem invadidas. A TI Piripkura é um exemplo disso. Uma área com Restrição de Uso e, infelizmente, com poucos avanços em seu processo de demarcação definitiva. O atraso na demarcação das áreas com portaria de restrição de uso coloca o destino desses povos à prova”, explica Tiago Moreira, antropólogo e pesquisador do ISA.
“O ano de 2023 foi de grande expectativa quanto à diminuição das taxas de desmatamento na Amazônia Legal”, rememorou o relatório anual. Os primeiros meses do monitoramento de 2023 foram marcados pela chegada do novo governo, eleito com a promessa de combate aos crimes ambientais e fim do desmatamento – e após Bolsonaro deixar a presidência com recorde histórico no desmatamento em Áreas Protegidas, conforme análise do ISA.
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No primeiro quadrimestre de 2023, o Sirad-I revelou um desmatamento 28% maior que no mesmo período de 2022, quando foram registrados 319,6 hectares desflorestados nas Terras Indígenas monitoradas. Março foi o mês responsável por quase metade dos alertas deste período.
Já nos meses seguintes, novembro foi o segundo mês a liderar o ranking de alertas em 2023. Somados, os meses de março e abril representam 42% do total de desmatamento no ano passado, com a TI Piripkura representando um quarto dessa porcentagem.
Na Piripkura, o histórico de invasões não é recente, como explicou o indigenista Elias Bigio, ex-Coordenador Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e atual integrante do Opi.
“Na Piripkura, existem fazendas instaladas, existe uma pressão de grileiros, existe uma disputa pelo território Piripkura que já foi denunciada diversas vezes à Polícia Federal, ao Ministério Público. Quando houve a primeira portaria de restrição de uso em 2008, por exemplo, uma ação do MP embargou as madeireiras que funcionavam ali, mas ainda existe essa pressão no centro-norte da TI que culminou agora em uma decisão do Juiz que determinou a extrusão desses invasores”.
A decisão citada pelo especialista se trata de uma Ação Civil Pública cuja decisão final da Vara de Juína (MT), publicada em julho de 2024, determinou a retirada dos ocupantes ilegais da TI, assim como a remoção do gado das propriedades e o fim dos desmatamentos no território.
Em 2023, as TIs Araribóia, Alto Turiaçu e Caru, no Maranhão, foram responsáveis por cerca de 30% de todo o desmatamento registrado nas áreas monitoradas pelo boletim.
A situação na TI Araribóia chegou a ser denunciada ainda em 2023 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela Coiab, pela Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima) e pelos Guardiões da Floresta.
A região tem sofrido grande pressão no entorno e dentro do território, com invasões por caçadores e madeireiros ilegais, além de posseiros e arrendatários.
De janeiro a março de 2024
Já no primeiro trimestre de 2024, o Sirad-I registrou uma redução de 75,14% no desmatamento das áreas monitoradas em relação ao mesmo período do ano anterior. Segundo o relatório, a redução evidencia a retomada da proteção destes territórios, com diversas operações para retirada de invasores, como foi o caso da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau.
A Terra Indígena Zoró, localizada no limite entre os estados do Mato Grosso e de Rondônia, junto às TIs Sete de Setembro, Roosevelt e Parque Indígena do Aripuanã, compõe o chamado Corredor Etnoambiental Tupi Mondé, uma das últimas áreas de floresta remanescentes entre ambos os estados em que está situada.
Com o aumento nos alertas em 2023, os três primeiros meses de 2024 confirmaram os indícios de invasão no território. Foram aproximadamente 13 mil árvores derrubadas apenas nos primeiros três meses do ano, sendo mais de 40% em consequência do garimpo ilegal.
A atuação de garimpeiros já vinha sendo denunciada pela Associação do Povo Indígena Zoró (Apiz) desde dezembro de 2023. Em abril de 2024, houve novas denúncias de ataques aos indígenas por madeireiros.
Segundo o indigenista Elis Bigio, são recorrentes os relatos da presença de isolados na Terra Indígenas Zoró. “Neste ano, tivemos mais notícias de isolados na região norte, que coincide com a maior pressão de garimpo e de exploração na Terra Indígena”, afirmou o indigenista. “É a vida dos indígenas que está em risco”, denunciou.
Sobrevôo sobre a Terra Indígena Piripikura, que sofre invasão ilegal de grileiros, madeireiros e criadores de gado|Rogério Assis/ISA
A Terra Indígena Piripkura, área com registro confirmado de indígenas isolados no oeste do Mato Grosso, aguarda há quase 40 anos pela regularização.
Enquanto não é definitivamente assegurada, a terra habitada pelo povo Piripkura aprofunda seu trágico histórico de invasões e desmatamentos ilegais, como aponta o indigenista Elias Bigio, “isso implica nesse esbulho do patrimônio indígena, implica nessa ilegalidade da exploração lá, principalmente minério e madeira, tem também fazendas de gado instaladas. No entanto, o risco maior é para os povos indígenas, para os Piripkura que já foram quase exterminados”, afirma.
No último ano, após pressão das organizações indígenas e instituições da sociedade civil, a Portaria de Restrição de Uso foi reestabelecida pela presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, até a homologação da TI. A medida visa proteger a área e sua população enquanto o processo de regularização não chega ao fim.
Nem mesmo a operação realizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 2021, foi suficiente para barrar a ação dos invasores. Em 2023, a Terra Indígena Piripkura seguiu sendo invadida e se tornou também alvo de queimadas, utilizadas para limpeza do solo. Segundo o boletim anual, mais de 60% do total da área queimada em 2023 corresponde a um desmatamento registrado em 2021.
Entre 2020 e 2021, as ocupações ilegais causaram o desflorestamento de quase 2,5 mil hectares, tornando a TI responsável por 30% de todo o desmatamento registrado no histórico completo de alertas do Sirad-I, que abrange de 2020 a 2024.
A Terra Indígena Araribóia, localizada no Maranhão, registrou 147,12 hectares de desmatamento ilegal em 2023, com 68% dos registros situados apenas no último quadrimestre do ano. Além disso, as queimadas aumentaram quase quatro vezes em 2023.
Já em 2024, a Terra Indígena registrou, apenas nos três primeiros meses do ano, um total de 10,78 hectares de desmatamento, o que representa um aumento de quase 100% em relação ao mesmo período do ano anterior. Apesar dos registros terem sido feitos em oito áreas contíguas às aldeias, apenas 3,20 hectares puderam ser caracterizados como área de uso tradicional.
Na Terra Indígena Alto Turiaçu, a maior terra do Maranhão e parte da Amazônia Legal, o monitoramento identificou a derrubada de mais de 20 mil árvores, sendo mais de 50% do desmatamento associado a queimadas. Além disso, o boletim anual também apontou no último quadrimestre do ano um aumento de 200% na incidência de focos de calor, que resultaram na queimada de uma área total de 4.329,62 hectares. Em 2022, não houve registros de queimadas.
Diante deste cenário, em dezembro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) autorizou o emprego da Força Nacional de Segurança na TI como forma de barrar as constantes invasões ao território. Após a ação, em 2024, a região apresentou um baixo desmatamento, em sua maior parte associado ao uso tradicional do território.
Na Terra Indígena Mundurucu, área com um longo histórico de invasões e de garimpo ilegal , em 2023 foram registrados 138 hectares de desmatamento. O número equivale a quase 80 mil árvores derrubadas, sendo 90% deste total ligado diretamente aos garimpos ilegais que recortam o nordeste da TI.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
‘Mapear Mundos’ tem estreia na Mostra Ecofalante de Cinema 2024
Filme une imagens históricas e depoimentos de figuras-chave da luta pela garantia de direitos dos povos indígenas no Brasil; lançamento acontece no dia 3 de agosto
As comemorações dos 30 anos do Instituto Socioambiental (ISA) não param. Com a programação especial “ISA 30 anos: Por um Brasil Socioambiental”, o ISA leva suas produções audiovisuais para a 13ª edição da Mostra Ecofalante de Cinema, que acontece entre os dias 1º e 14 de agosto de 2024 na capital paulista.
Para celebrar esse marco, além da exibição de oito obras produzidas pela organização, acontece a estreia de Mapear Mundos, filme com Beto Ricardo e Fany Ricardo, dirigido por Mariana Lacerda. Após a sessão, no dia 3 de agosto, no cinema Reserva Cultura de São Paulo, acontece um bate-papo com a liderança do Rio Negro, André Baniwa, a vice-presidente do ISA, Marina Kahn, e a diretora.
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André Baniwa (à esquerda) e Beto Ricardo (à direita) em outubro de 1997, na Terra Indígena Alto Rio Negro, no Alto Rio Içana, Amazonas|Pedro Martinelli/ISA
O longa-metragem articula imagens e vídeos do arquivo histórico do ISA com testemunhos atuais para rememorar os passos dados por organizações da sociedade civil na luta pela garantia dos direitos indígenas no Brasil, no contexto da ditadura cívico-militar, apoiando as condições para a articulação do “capítulo dos índios” na Constituição Brasileira de 1988.
O regime ditatorial propagou a falsa ideia de que os indígenas estavam em decrescimento populacional e que a Amazônia era um imenso “vazio demográfico”, argumento utilizado para efetuar a retirada forçada de povos indígenas de seus territórios e exploração de seus recursos. No começo dos anos 1980, Beto Ricardo, antropólogo, ativista, sociólogo e um dos fundadores do ISA, decidiu questionar essa ideia, inventando um método que comprovasse justamente o contrário, de forma científica.
Assista ao trailer:
Beto, ao lado de um grupo de pesquisadores, desenvolveram um sistema próprio para analisar a população indígena nessa e em outras regiões do Brasil , comprovando, por meio de dados, que os indígenas não só não estavam desaparecendo, como suas populações cresciam. Assim, seus direitos deveriam ser permanentes.
“Aos poucos, a imagem dos índios extintos foi substituída por uma imagem da presença importante dos índios como sujeitos políticos promissores”, afirma Beto Ricardo, em depoimento durante o filme.
“Isso foi uma revolução. Entre você ter certeza absoluta de que [os povos indígenas] iam desaparecer e de repente você descobrir que eles não só não vão desaparecer, como serão uma minoria cada vez menos minoria, porque a população indígena estava crescendo mais do que a população nacional. Os índios eram, para todos nós, um resquício do passado. De repente, nós constatamos objetivamente que eles iam ser parte do futuro”, relembra em cena Márcio Santilli, presidente e sócio fundador do ISA.
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"Mapear Mundos" traz registro fotográfico de março de 1988 que mostra mapa elaborado pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), uma das organizações que deu origem ao ISA, que revelou o assédio de mineradoras às Terras Indígenas na Amazônia|André Dusek/AGIL
O filme conta com outros depoimentos de protagonistas desta luta, como Fany Ricardo, sócia-fundadora do ISA e assessora do Programa Povos Indígenas no Brasil (PIB), Marta Azevedo, demógrafa e antropóloga, André Baniwa, liderança indígena do Rio Negro, Bráz França, liderança do povo Baré e ex-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), e Dagoberto Lima Azevedo Suegu, antropólogo e liderança do povo Tukano. Bráz França e Dagoberto Suegu infelizmente vieram a falecer antes da estreia, em 31 de julho de 2023 e 11 de abril de 2023, respectivamente.
O longa-metragem refaz os caminhos percorridos para o reconhecimento dos povos indígenas como sujeitos políticos detentores de direitos, destacando a mobilização durante a Assembleia Constituinte de 1987 para incluir no texto constitucional os artigos que versam sobre essa parcela da população.
A obra retrata ainda o processo realizado para a demarcação das Terras Indígenas na região do Alto e Médio Rio Negro, uma conquista do movimento indígena local e que contou com apoio do ISA – sobretudo na propagação de informações que explicavam o que a medida significava para a proteção e preservação dos territórios.
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André Baniwa visita comunidades em parceria ISA/FOIRN para explicar processo de demarcação de Terras Indígenas no Rio Negro, em 1997|Pedro Martinelli/ISA
Sobre o período, Fany Ricardo ressalta a formação de uma rede de informação entre todos os grupos envolvidos, indígenas e não-indígenas, que se transformou em uma parceria duradoura: “Todos tinham o mesmo objetivo, que era o de fortalecer essas populações que estavam em risco”, destaca.
Para o grupo de pesquisadores, colocar os povos indígenas no mapa significava salvaguardar o futuro não só do Brasil, mas do mundo. Garantir a preservação dos conhecimentos ancestrais fundamentais para manter a floresta de pé.
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Beto Ricardo, um dos fundadores do ISA, faz apontamentos em mapa no Rio Negro em 1997|Pedro Martinelli/ISA
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Atuação de Beto Ricardo contribuiu para a garantia de direitos dos povos do Rio Negro|Pedro Martinelli/ISA
Além da exibição na Mostra Ecofalante nos dias 3 e 8 de agosto, Mapear Mundos será apresentado no dia 10 de agosto como parte da programação da Exposição ISA 30 anos no Museu A CASA do Objeto Brasileiro, com a participação da diretora Mariana Lacerda, André Baniwa, Geraldo Andrello, antropólogo e sócio-fundador do ISA, e Silvia Futada, ecóloga e associada do ISA.
Uma parte da trajetória documentada ao longo do filme também foi retratada em “Uma Enciclopédia nos Trópicos”, livro escrito por Beto Ricardo em parceria com o jornalista Ricardo Arnt e lançado em abril deste ano. A publicação traz prefácio do escritor e ativista indígena Ailton Krenak, posfácio do jornalista Leão Serva e conta os bastidores de momentos marcantes da trajetória do antropólogo Beto Ricardo durante o período entre 1970 e 2022, em uma narrativa bem humorada e envolvente.
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Fany Ricardo e Beto Ricardo durante a exibição de "Mapear Mundos" para convidados, em dezembro de 2023, em São Paulo|Claudio Tavares/ISA
Sobre a diretora
Mariana Lacerda é cineasta e documentarista natural de Recife (PE), formada em Jornalismo e mestre em História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Dirigiu Gyuri, filme feito ao lado de Claudia Andujar e Davi Kopenawa, lançado em 2020. Mais recentemente, dirigiu a série infantil para Tv Histórias de Fantasmas Verdadeiros para Crianças (2024) e o filme Eu sou uma arara (2023), ao lado de Rivane Neuenschwander, exibidos em festivais e mostras do Brasil, Alemanha, França, México e Colômbia.
Mostra Ecofalante de Cinema 2024
Reconhecida como o mais importante evento sul-americano para a produção audiovisual ligada às temáticas socioambientais, a Mostra chega à sua 13ª edição com cardápio composto por 122 filmes, representando 24 países. Ao longo do segundo semestre do ano, serão feitas itinerâncias em cidades do estado de São Paulo e em todo o país, com o objetivo de democratizar o acesso às obras excepcionais que incentivem o desenvolvimento sustentável do planeta por meio da educação e da cultura.
Reserva Cultural – Avenida Paulista n° 900, Bela Vista, São Paulo - SP
Centro Cultural de São Paulo (CCSP) – Rua Vergueiro nº 1000, Paraíso, São Paulo - SP
Entrada gratuita
Quinta-feira, 1 de agosto, às 17h15 – Sala 3 do Reserva Cultural
Programação 1
O Brasil Grande e os Índios Gigantes
Panará, A Volta por cima dos Índios Gigantes
Terra Yanomami celebra 30 anos da homologação
Rionegrinas
Sexta, 2 de agosto, às 17h – Sala 3 do Reserva Cultural
Programação 2
Volta Grande
Antes da Chuva
Rio Pardo, o retorno dos beiradeiros ao seu território
Sistema Agrícola Quilombola
Sábado, 3 de agosto, às 16h e às 17h30 – Sala 2 do Reserva Cultural
16h: Estreia de Mapear Mundos
17h30: Bate-papo sobre a atuação do ISA ao longo dos seus 30 anos, avanços e retrocessos em relação à garantia dos direitos dos povos originários, com a liderança do Rio Negro, André Baniwa, a vice-presidente do ISA, Marina Kahn, e a diretora Mariana Lacerda
Terça, 13 de agosto, às 20h – Sala 2 do Reserva Cultural
Exibição de Mapear Mundos
Terça, 13 de agosto, às 14h30 – Sala 2 do Reserva Cultural
Programação 1
O Brasil Grande e os Índios Gigantes
Panará, A Volta por cima dos Índios Gigantes
Terra Yanomami celebra 30 anos da homologação
Rionegrinas
Quarta, 14 de agosto,às 14h15 – Sala 2 do Reserva Cultural
Programação 2
Volta Grande
Antes da Chuva
Rio Pardo, o retorno dos beiradeiros ao seu território
Sistema Agrícola Quilombola
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Kerexu Mirim e Luiz Ketu levam saberes indígenas e quilombolas ao palco principal d’A Feira do Livro
Mesa debateu contribuições para a educação antirracista e contou com tarde de autógrafos com os autores de ‘Roça é Vida’ e ‘Na companhia de Dona Fartura’
Tatiane Klein, pesquisadora do ISA, Luiz Ketu, liderança do Quilombo São Pedro e Kerexu Mirim, liderança da Terra Indígena Tenondé Porã, conversaram sobre educação antirracista e saberes ancestrais em mesa n'A Feira do Livro| Júlio César Almeida/ISA
Na tarde de terça-feira (02/07), os autores Kerexu Mirim, liderança da Terra Indígena Tenondé Porã, em São Paulo, e Luiz Ketu, liderança do Quilombo São Pedro, em Eldorado (SP), levaram saberes indígenas e quilombolas para o palco principal d’A Feira do Livro. A mesa “Saberes ancestrais na sala de aula” teve mediação de Tatiane Klein, pesquisadora do Instituto Socioambiental (ISA) e trouxe reflexões importantes sobre o direito à educação diferenciada e das experiências nas escolas indígenas e quilombolas como caminhos para uma educação antirracista.
Foi reverenciando seus ancestrais que Luiz Ketu, tataraneto de Bernardo Furquim – fundador da comunidade onde vive – deu início à roda de conversa. "Falar do lugar de atuação, de vivência, é falar primeiramente desse lugar de ancestralidade, desse lugar de território de onde eu venho, de onde que eu conto as minhas histórias e conto um pouco da minha experiência", afirmou.
O Quilombo São Pedro, localizado entre as cidades de Eldorado e Iporanga, no Vale do Ribeira, foi fundado entre 1825 e 1830, mas apenas em 2022, quase 200 anos após sua fundação e mais de 130 anos após a abolição formal da escravidão, os moradores conquistaram o título definitivo do território coletivo.
Kerexu Mirim, por sua vez, destacou o processo de retomada que seu povo, Guarani Mbya, vive. Ela explica que, atualmente, na Terra Indígena Tenondé Porã, das 14 aldeias, 12 são áreas retomadas e que o caminho para assegurar e recuperar o acesso ao território e ao modo de vida guarani ainda está sendo percorrido. “Além de retomar o território, também foram retomadas as práticas do cotidiano guarani e a revitalização da casa de reza, dos cantos, dessa conversa das crianças com os mais velhos que foi perdida por causa do espaço pequeno”, explicou.
“Para a gente foi e está sendo muito importante essas retomadas, e a gente também está conquistando, de pouquinho em pouquinho, antes da demarcação, para poder assegurar um pouco da mata que resta aqui em São Paulo e que está segurando esse calor também que faz”, afirmou.
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Kerexu Mirim mostra livros sobre seu povo e família à venda na tenda do ISA n'A Feira do Livro, que acontece em São Paulo|Júlio César Almeida/ISA
Educação diferenciada
Sobre a educação escolar quilombola, Luiz Ketu destacou a morosidade e os entraves que existem na criação de normativas específicas para garantir a educação diferenciada. “O racismo rege essa base estrutural, então ele também vai estar presente nos espaços de poder justamente para a manutenção de uma certa hegemonia. E isso também acontece na educação”, pontuou.
Ketu, que é doutorando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), também trouxe a importância da presença quilombola nos espaços de produção de conhecimento, como as universidades, para que haja provocações às estruturas vigentes.
Citando a pedagoga Nilma Lino Gomes, a liderança quilombola também lembrou do papel educador do movimento quilombola – seja por meio das associações locais em territórios quilombolas ou de organizações nacionais –, como a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), que cumprem o papel de demandar do Estado a garantia dos direitos da população quilombola, principalmente no âmbito da educação.
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O futuro é quilombola! Luiz Ketu, liderança do Quilombo São Pedro (SP) e autor quilombola, assina painel n'A Feira do Livro| Júlio César Almeida/ISA
“O movimento traz essa proposta: se a escola é esse modelo que a gente tem hoje de sentar-se na cadeira, ficar ali, se ele não se deslocar para olhar para fora da janela, a gente não vai ter avanço. Então, se o aluno ou aluna tem uma série de conhecimentos que estão ali todos os dias no espaço no território e isso não está em sala de aula, a gente tem um problema sério: ou temos uma falta de informação ou temos um projeto que começou lá antes de 1500 e que ainda está pautado em vigor com isso”, argumentou.
Na mesma direção, Kerexu Mirim, em sua experiência como professora, compartilhou algumas das questões que têm norteado as discussões sobre educação diferenciada em seu território, como qual tipo de pessoa se deseja formar: “Uma frase que a gente sempre ouve é: ‘você tem que ir para escola para ser alguém na vida’, mas a gente já é alguém”, assinalou.
“É tudo voltado para dinheiro. A gente não quer isso, então a gente usa a disciplina da matemática plantando milho, plantando mandioca, colhendo, então para isso que vai servir a matemática. Não é só para contar dinheiro. Para a gente é assim, o que é levado para a nossa escola Guarani é voltado para nossa realidade”, completou.
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Kerexu Mirim: “Uma frase que a gente sempre ouve é: ‘você tem que ir para escola para ser alguém na vida’, mas a gente já é alguém”| Júlio César Almeida/ISA
Escrever, sem abandonar a tradição oral
Outro aspecto destacado por Kerexu Mirim foi a desvalorização do conhecimento dos anciãos de seu povo, geralmente transmitidos aos mais novos por meio da oralidade e da memória. “A escola veio com essa ideia bem fechada de um lugar de conhecimento, como se os nossos e as nossas antepassadas, nossas mães e nossos pais, não tivessem conhecimento”, criticou.
Para ela, que é filha de um dos pioneiros da literatura nativa no país, o escritor guarani Olívio Jekupé, a escrita se tornou um poderoso instrumento para registrar e valorizar os conhecimentos tradicionais, sem substituí-los. “Hoje [a escrita] é nossa ferramenta de luta. Que a gente e a escola precisam ter, esses livros, esses registros, em português e em Guarani também”, defendeu.
É o que também ressaltou Luiz Ketu, falando da importância da oralidade na transmissão desses conhecimentos agregados ao longo de tanto tempo. Ele, que é um dos autores dos livros Na companhia de Dona Fartura, uma história sobre cultura alimentar quilombola e Roça é vida, destacou que o registro desses saberes por meio da escrita foi assumido como uma missão coletiva, por ele e por outros pesquisadores quilombolas, como Márcia Cristina Américo, Viviane Marinho Luiz, Laudessandro Marinho da Silva, que compartilham a autoria com ele e acompanharam o evento.
As duas obras, disponibilizadas ao grande público pela primeira vez n’A Feira do Livro, trazem informações sobre o Sistema Agrícola Tradicional Quilombola (SATQ) e suas contribuições. Reconhecido em 2018 como patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o SATQ consiste em uma série de conhecimentos e práticas tradicionais, que engloba a roça de coivara – um sistema baseado no uso intermitente de pequenas áreas de floresta, com uso para plantação por três anos e períodos de repouso para que o solo e a vegetação se regenerem.
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Da esquerda à direita: Viviane Marinho Luiz, Laudessandro Marinho da Silva, Márcia Cristina Américo e Luiz Ketu| Júlio César Almeida/ISA
Nesse sistema, os quilombolas do Vale do Ribeira desenvolveram o manejo de cerca de 83 espécies florestais e mais de 70 variedades agrícolas, ajudando a conservar parte dos remanescentes de Mata Atlântica no país. Para isso, todos os anos realizam a Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas.
Organizada pelo Grupo de Trabalho da Roça (GT da Roça), composto por 19 Associações das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira e parceiros, o evento previsto para agosto chega em sua 15ª edição neste ano, valorizando os saberes tradicionais quilombolas.
Finalizando a conversa, Tatiane Klein destacou a relevância dos autores quilombolas e indígenas compartilharem em seus livros temas tão complexos, mas tão pouco conhecidos e valorizados, como forma de combate de um racismo epistêmico que coloca os saberes de uns em posições diferentes dos saberes de outros.
“Como o Davi Kopenawa sempre fala em seus livros, ele teve que colocar o pensamento dele em ‘peles de papel’ para que chegasse aos não indígenas. E esse não é um movimento que só o Davi vem fazendo. Inúmeras comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas estão fazendo esse esforço para transmitir o que são os modos de vida, para garantir a existência desses modos de vida, a persistência desses modos de vida e acho que a gente só tem a agradecer por estarem fazendo isso“, concluiu.
Na sexta-feira (05/07), o tema volta À Feira do Livro em um bate-papo sobre a obra Diários yanomami: testemunhos da devastação da floresta no Auditório Armando Nogueira. A mesa terá a participação de Darysa Yanomami, Mozarildo Yanomami, Corrado Dalmonego e Hanna Limulja para discutir a obra bilíngue, que é resultado de uma pesquisa intercultural e reúne relatos dos próprios Yanomami sobre os impactos da invasão garimpeira na maior Terra Indígena do Brasil, durante o governo Bolsonaro.
“Brasil indígena, passado e presente”
No domingo (30/06), às 17h30, aconteceu o bate-papo “Brasil indígena, passado e presente”, com a historiadora Luma Prado, do ISA, e a educadora Poty Poran T. Carlos, da Terra Indígena Jaraguá. Na conversa, a educadora do povo Guarani trouxe a importância dos não-indígenas entenderem a sociodiversidade de povos indígenas. “Cada etnia tem um jeito de viver e de ser”, defendeu.
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Poty Poran, educadora Guarani, com a historiadora Luma Prado, do ISA, em conversa n'A Feira do Livro| Júlio César Almeida/ISA
Poty Poran ainda destacou a necessidade de combater as visões estereotipadas dos indígenas. “Se os portugueses não usam mais caravelas, por que indígenas não podem ter acesso à tecnologia, sem deixar de ser indígenas para isso? “, questionou.
Luma Prado, por sua vez, também apontou a problemática de discutir a temática indígena apenas na efeméride do Dia dos Povos Indígenas, em abril. “Precisamos preencher a história do Brasil com a história dos povos indígenas também na sala de aula”, concluiu.
Feira do Livro acontece há três anos na Praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, na cidade de São Paulo|Guarany/Divulgação
Conteúdo atualizado dia 4 de julho às 12h38
A terceira edição d’A Feira do Livro chega à capital paulista no próximo sábado (29/06), com mais de 70 autores e 150 convidados. Nos nove dias de evento, cinco a mais do que nas edições anteriores, o Instituto Socioambiental (ISA) levará ao público mais de 100 títulos, entre edições próprias e co-edições, além de uma seleção especial de literatura indígena e quilombola.
Dentre as obras disponibilizadas estarão títulos como A terra dá, a terra quer (Antônio Bispo dos Santos), O espírito da floresta (Bruce Albert e Davi Kopenawa Yanomami), Uma enciclopédia dos trópicos (Beto Ricardo e Ricardo Arnt), Ideias para adiar o fim do mundo (Ailton Krenak) e Do Quilombo que Eu Vim (Betânia Rita dos Anjos Fernandes).
Organizada pela Associação Quatro Cinco Um e pela Maré Produções, a feira, que nesta edição terá uma programação voltada a professores, acontece na Praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, com entrada gratuita.
No domingo (30/06), às 17h30, o Tablado Literário receberá o bate-papo “Brasil indígena, passado e presente”, entre a historiadora Luma Prado, do ISA, e a educadora Poty Poran T. Carlos, da Terra Indígena Jaraguá, que oferecerão uma formação a partir do livroPovos Indígenas no Brasil Mirim(ISA, 2020).
Já no dia 2 de julho, no Palco da Praça, às 15h, a jornalista e antropóloga do ISA, Tatiane Maíra Klein, mediará a mesa “Saberes ancestrais na sala de aula”, com a participação dos autores Kerexu Mirim, liderança da Terra Indígena Tenondé Porã, em São Paulo, e Luiz Ketu, liderança do Quilombo São Pedro, em Eldorado (SP).
O debate pretende tecer caminhos para o fortalecimento de uma educação antirracista a partir de experiências de educadores indígenas e quilombolas, em diálogo com obras de sua autoria.
Na sexta-feira (05/07), às 17h30, o ISA traz ao público literário um bate-papo sobre a obra Diários yanomami: testemunhos da devastação da floresta, que reúne relatos de indígenas Yanomami sobre os impactos da invasão garimpeira na maior Terra Indígena do Brasil durante o governo Bolsonaro.
A mesa, que acontece no Auditório Armando Nogueira, contará com a participação de dois dos autores, Darysa Koyorina Yanomami e Mozarildo Yanomami, e de um dos organizadores do livro, o pesquisador Corrado Dalmonego, além da mediação da escritora Hanna Limulja.
Em 2024, o festival literário paulistano promove debates sobre temas como antirracismo, acessibilidade, literatura negra, crise climática, 60 anos do golpe militar e literatura LGBTQIA+. Dentre as 11 atrações internacionais d’A Feira do Livro, cinco são de escritoras argentinas: Camila Sosa Villada, Claudia Piñero, Camila Fabbri, Betina González e Michel Nieva.
Local: Praça Charles Miller, Pacaembu – São Paulo/SP
Dia: 29 de junho a 7 de julho
Entrada gratuita
30/06, às 17h30 – Tablado Literário
Bate-papo entre Poty Poran T. Carlos e Luma Prado: “Brasil indígena, passado e presente”
02/07, às 15h – Palco da Praça
Mesa com Luiz Ketu, Kerexu Mirim e Tatiane Klein: “Saberes ancestrais na sala de aula”
05/07, às 17h30 – Auditório Armando Nogueira
Mesa com Darysa Yanomami, Mozarildo Yanomami, Corrado Dalmonego e Hanna Limulja sobre o livro Diários yanomami: testemunhos da devastação da floresta
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Povos indígenas lideram retomada de investigações sobre graves violações de direitos humanos
Projeto de pesquisa e mobilização realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) foi lançado em seminário nacional sobre o tema
Ao longo dos próximos três anos, pesquisadores indígenas integrantes do Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas (Obind) da Universidade de Brasília (Unb), em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Instituto de Políticas Relacionais (IPR), conduzirão e darão sequência às investigações sobre as graves violações de direitos humanos contra povos indígenas iniciadas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).
“É um processo grande, mas estamos nos propondo a trazer isso para o seio do movimento indígena para liderarmos esse processo”, afirmou Kleber Karipuna, coordenador da Apib.
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Kleber Karipuna, coordenador da Apib, fala durante o Seminário Nacional de Justiça de Transição para Povos Indígenas, realizado em São Paulo|Mariana Soares/ISA
O anúncio foi feito durante o Seminário Nacional de Justiça de Transição para Povos Indígenas, realizado nos dias 4 e 5 de junho, no Centro Cultural São Paulo, em São Paulo (SP). Promovido pela Apib, IPR e Obind-UnB, o evento discutiu temas como a justiça de transição no Brasil, casos emblemáticos de graves violações de direitos humanos contra povos indígenas e desafios para a implementação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV).
Na ocasião, estiveram presentes 48 representantes das organizações regionais de base que compõem a Apib: a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme); Comissão Guarani Yvyrupa (CGY); a Aty Guasu; o Conselho Terena; a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul); e a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ArpinSudeste).
Além deles, também marcaram presença no evento representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Embaixada da Noruega, de organizações da sociedade civil parceiras dos povos indígenas, como o Instituto Socioambiental (ISA), Armazém Memória, Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP); dos Ministérios dos Povos Indígenas (MPI) e dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC); além de pesquisadores de diferentes universidades.
“Vamos continuar firmes e fortes nesse debate da garantia do direito dos povos indígenas”, asseverou Kleber Karipuna durante o evento. “Por uma justiça de transição que de fato reconheça não somente na legislação e no discurso, mas na prática, a efetivação do direito de demarcação das nossas terras, de combate ao racismo institucionalizado que está nas estruturas do Estado brasileiro e todos os tipos de atrocidades que possam ser cometidas contra os povos indígenas”, complementou.
Assista ao seminário do dia 04/06:
Marco Temporal e a continuidade das violações
Durante o Seminário, Eliel Benites, representante do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), destacou que o aprofundamento nas investigações ajuda a trazer também uma compreensão sobre a conjuntura atual, em que as violações não cessaram. “A Lei do Marco Temporal (Lei nº 14.701/2023) é uma situação concreta desse processo da continuidade da violência, da legitimação da violência”, afirmou.
A Lei do Marco Temporal, aprovada pelo Congresso no fim de 2023, além de introduzir mudanças substanciais na demarcação das Terras Indígenas no Brasil, condiciona o direito territorial indígena a um marco temporal, fincado na data da promulgação da Constituição Federal.
Atualmente, a lei é alvo de questionamentos no Supremo Tribuna Federal (STF) em Ações Diretas de Inconstitucionalidade, nas quais partidos políticos e entidades da sociedade civil questionam a Lei do Marco Temporal.
Para o procurador regional da república, Marlon Weichert, o caminho para o combate à tese anti-indígena do Marco Temporal é justamente na produção de memória e verdade sobre essas graves violações. “Vamos poder demonstrar que em 1988, quem não estava no seu território, é porque tinha sido vítima de graves violações de direitos humanos e precisa ser reparado”, ressaltou.
Eliana Torelly, subprocuradora-geral da República e coordenadora da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, lembra que o Procurador Geral da República já se manifestou sobre os inúmeros pontos de inconstitucionalidade dessa lei. “Fomos chamados pelo STF para nos manifestar sobre um possível acordo em torno dessa lei, mas no entendimento da 6ª camara, não há acordo possível diante dos pontos tão graves dessa lei”, afirmou.
À espera da Comissão Nacional Indígena da Verdade?
Maíra Pankararu, mestra em direito e integrante da Comissão de Anistia|Mariana Soares/ISA
Maíra Pankararu, mestra em direito e integrante da Comissão de Anistia, também resgatou o momento em que o primeiro relatório foi publicado e a conjuntura política dos anos seguintes. Assim, ela ponderou que não há um momento perfeito, dentro de uma conjuntura ideal e um governo plenamente progressista, para dar sequência às investigações diante de um Estado que nasce da invasão e da escravização de seus povos. "Isso precisa ser feito independentemente disso", defende. Ela destacou também a importância e o desafio de sensibilizar pessoas não-indígenas para tê-las como aliadas na pauta.
“Como a gente prova para vocês que estamos lutando por um futuro bom para todo mundo? Como a gente prova para vocês que se a gente implementar a Comissão Nacional Indígena da Verdade isso será bom para a sociedade como um todo, porque estaremos revelando verdades ocultas não só sobre os povos indígenas, mas sobre a história brasileira?”, questionou.
Paulo Abraão, ex-presidente da Comissão de Anistia, destacou também a importância das investigações não estarem centralizadas no Estado. Para ele, as discussões são um caminho para o surgimento de instituições de justiça de transição a partir dos povos indígenas e das comunidades. “Não são os povos indígenas que não estão preparados para a justiça de transição, mas são as nossas instituições”, ressalta.
Para Paulino Montejo, que é do povo Maia da América Central e assessor político da Apib, algumas das principais ponderações acerca da metodologia para a instauração da CNIV dizem respeito à estruturação das informações para mapeamento dos casos emblemáticos; ao registro das provas que valorizem a tradição oral; e ao que deve ser feito com as informações obtidas para que não haja repetição dos crimes cometidos pelo Estado e setores da sociedade contra os povos indígenas. “O que nós propomos para ir a fundo nesse processo de transição para uma justiça necessária, de quitação da dívida que o Estado e a sociedade brasileira têm com os nossos povos?”, questionou.
Elisa Pankararu, coordenadora da Apoinme, ressaltou também a importância de que a pesquisa não fique apenas restrita aos documentos oficiais, mas que possibilite a instituição de uma política de reparação que chegue nas aldeias.
Não obstante, Kleber Karipuna também criticou a morosidade do governo federal em construir a CNIV, apontando que, uma vez que essa não é uma prioridade, será preciso criar um espaço ampliado para debater o tema, com a participação da Apib, das organizações da base e com outros atores da sociedade civil e as universidades.
Manuela Tuyuka, uma das pesquisadoras do projeto, apontou ainda um desafio diante do tema, que é o de “traduzir essas palavras [justiça de transição e reparação] para os povos indígenas, porque mesmo traduzindo para cada povo vai ser diferente”, considerou.
Eliel Benites, por sua vez, falou sobre a importância não só de identificar as violências, mas de levar a sério as conceitualizações indígenas sobre memória, verdade e territorialidade para nortear a reparação de acordo com as necessidades de cada povo. “É fundamental hoje fazer com que os conceitos, os pensamentos dos povos sejam cada vez mais evidentes, de uma forma diferenciada, para que o poder público promova a justiça.
Segundo Daniela Greeb, do Instituto Relacionais, alguns encontros estão previstos para acontecer ainda neste ano. O calendário de atividades, entretanto, segue em construção junto às organizações envolvidas.
Movimento indígena e sociedade civil provocaram investigações
A iniciativa anunciada na última semana parte de uma das recomendações trazidas no Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que estabeleceu como próximos passos o aprofundamento nas investigações, com o objetivo de delinear um cenário mais completo sobre o violento histórico e também a apontar caminhos para a reparação dos diversos povos afetados.
Anteriormente encabeçada pelo pesquisador e ativista Marcelo Zelic, falecido em 2023, a pesquisa atual será conduzida por seis pesquisadores indígenas de diferentes povos sob coordenação da professora Elaine Moreira (OBIND-UnB), e tutoria da doutoranda Braulina Baniwa. São eles: Fêtxawewe Fulni-ô Guajajara; Manuele Tuyuka; Iuri Tikuna; Ayla Tapajós; Danilo Tupiniquim; Rafaela Kambeba; e Luiza Tuxá.
Segundo o antropólogo e pesquisador Rafael Pacheco, o protagonismo indígena na pauta não é uma novidade, porque ele sempre esteve presente: “O Estado é que demorou a se dar conta”, pontuou. A exemplo disso, o antropólogo rememorou o começo das pesquisas e investigações, no início de 2012, quando a recém-criada CNV foi questionada por indígenas sobre a falta de informações sobre as violências sofridas pelos indígenas no período investigado.
A inclusão dos povos indígenas nas investigações da CNV também foi fruto do intenso acompanhamento do processo por organizações da sociedade civil, como Apib, Armazém Memória, ISA, Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Centro de Trabalho Indigenista (CTI), que chegaram a lançar uma Comissão Indígena da Verdade e Justiça em 2013, para subsidiar a comissão nacional com documentos e informações.
Assista ao seminário do dia 05/06:
Foi a partir dessas provocações que a CNV inseriu pela primeira os povos indígenas na pauta oficial sobre Justiça de Transição. Em 2014, o relatório final foi publicado, reconhecendo a responsabilidade do Estado brasileiro por graves violações de direitos humanos contra os povos indígenas, que incluem o esbulho de suas terras e a morte de pelo menos 8.350 indígenas.
Entre casos emblemáticos citados no capítulo sobre povos indígenas do relatório final estão: Ava-Guarani; Guarani Kaiowá; Nambikwara (MT); Xetá (PR), Tapayuna (MT); Avá-Canoeiro (TO); Panará (MT); Parakanã (PA); Akrãtikatejê (PA); Yanomami (RR); Waimiri-Atroari (AM); Krenak (MG); e Aikewara (PA). Segundo o relatório, esses povos foram vítima de diversas violações como esbulho territorial, desagregação social, tortura, encarceramento, tortura e extermínio em massa.
Em abril de 2024, dois desses casos (Krenak e Guarani Kaiowa) foram levados à Comissão de Anistia, reinstaurada pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDCH), e resultaram no reconhecimento dos povos Guarani Kaiowa e Krenak como anistiados políticos coletivos, pelas graves violações sofridas. Relembre: Anistiados políticos, povos Guarani Kaiowá e Krenak seguem à espera da demarcação de suas terras.
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ISA e Museu das Culturas Indígenas lançam Mapa Interativo Povos e Terras Indígenas no Brasil
Evento conta com roda de conversa “Povos Indígenas no mapa”, com Sonia Ara Mirim e Maru Huni Kuin, do Conselho Aty Mirim do museu, Suzy Kaingang, do Museu Worikg, e Luma Prado, do ISA
Totem na exposição ISA 30 anos exibe o Mapa Interativo Povos e Terras Indígenas no Brasil|Claudio Tavares/ISA
Neste sábado (29/06), às 10h, estudantes, professores, pesquisadores e visitantes do Museu das Culturas Indígenas (MCI), em São Paulo, poderão acessar uma nova ferramenta para conhecer mais sobre o Brasil Indígena.
O Mapa Interativo Povos e Terras Indígenas no Brasil é fruto de uma parceria entre o Instituto Socioambiental (ISA) e o MCI, e reúne informações atualizadas sobre a sociodiversidade indígena no Brasil.
O mapa será lançado durante a roda de conversa “Povos Indígenas no mapa”, em meio à programação de aniversário de dois anos do Museu das Culturas Indígenas.
O bate-papo vai discutir a presença, as lutas e as guerras enfrentadas pelos povos indígenas no país hoje, e contará com a participação dos mestres de saberes Sonia Ara Mirim e Maru Huni Kuin, integrantes do Conselho Aty Mirim do MCI, Suzy Kaingang, do Museu Worikg, além de Luma Prado, historiadora e pesquisadora do Programa Povos Indígenas no Brasil, do ISA.
Sobre o Mapa Interativo
As informações apresentadas no Mapa Interativo Povos e Terras Indígenas no Brasil são resultado de um movimento iniciado na década de 1980, quando os antropólogos Beto Ricardo e Fany Ricardo passaram a reunir informações sobre os povos e as Terras Indígenas no Brasil a partir da construção de uma extensa rede de colaboradores com o objetivo de colocar os indígenas definitivamente no mapa.
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Fachada do Museu das Culturas Indígenas, inaugurado em junho de 2022|Divulgação
Iniciado no Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) e continuado pelo ISA, o trabalho tornou-se referência e seus resultados foram um contraponto à tese vigente à época de que os povos indígenas estavam fadados a desaparecer.
O resultado deste trabalho, congregado no Mapa Interativo, também poderá ser acessado pelos visitantes do estande de A Feira do Livro, festival literário gratuito, na Praça Charles Miller, em São Paulo; na exposição ISA 30 Anos, no Museu A Casa do Objeto Brasileiro e também na loja do ISA, Floresta no Centro, localizada na Galeria Metrópole, na Avenida São Luís, 187, centro da capital paulista.
Para além do lançamento do mapa, as comemorações do aniversário do MCI em 29 de junho de 2024 preveem também outras atividades, como a Feira de Artes Manuais, o Coral Kalipety da Terra Indígena Tenondé Porã (SP), entre outros.
Serviço
Roda de conversa “Povos Indígenas no mapa” e lançamento do Mapa Interativo Povos e Terras Indígenas no Brasil
Data: 29/06/2024, das 10h às 12h
Local: Museu das Culturas Indígenas
Endereço: R. Dona Germaine Burchard, 451 - Água Branca - São Paulo/SP
Entrada: gratuita, mediante inscrição antecipada no link: https://isa.to/4bk6128
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No Congresso e nas ruas de Brasília, movimento indígena grita: não ao Marco Temporal!
Milhares de indígenas saíram em marcha do Acampamento Terra Livre (ATL) até o Congresso Nacional, onde sessão solene condenou ameaça aos direitos dos povos originários
Milhares de indígenas de diversos povos acampados no ATL 2024 marcharam até o Congresso Nacional exigindo a demarcação de seus territórios|Lucas Landau/ISA
“Hoje, aqui, é um momento de registrar mais um marco. São 20 anos de história. O acampamento Terra Livre [ATL] não é mais a maior mobilização indígena do Brasil. O Acampamento Terra Livre já se tornou a maior mobilização indígena do mundo! E eu tenho muito orgulho de estar aqui hoje falando como ministra indígena do Estado Brasileiro”.
Milhares de indígenas mobilizados no Acampamento caminham agora até o Congresso Nacional durante a “Marcha #EmergênciaIndígena: Nossos Direitos não se negociam”.@walela15, liderança e ativista climática, fala sobre as expectativas com o ato. pic.twitter.com/V4pzV58v6D
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, comemorou o aniversário de 20 anos do ATL durante sessão solene no Congresso, que reuniu, nesta terça-feira (23/4), centenas de lideranças indígenas e parlamentares aliados da causa indígena.
Homenagem aos 20 anos do Acampamento Terra Livre, na Câmara dos Deputados! Uma honra participar da Sessão Solene convocada pela deputada @celiaxakriaba, que reuniu mais de 500 indígenas, além de parlamentares que estão ao lado dos povos indígenas. pic.twitter.com/XzD4AG0bCX
A cerimônia, liderada pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), aconteceu logo após uma marcha, que saiu do acampamento, no Eixo Cultural Ibero-americano (Complexo Cultural Funarte), e terminou na sede do legislativo.
Dentro e fora do Congresso, o movimento indígena reforçou as principais demandas do acampamento, expressas na Carta Manifesto divulgada um dia antes: as demarcações de Terras Indígenas e o fim da tese do Marco Temporal e da agenda anti-indígena no Congresso.
Chegada ao Congresso Nacional: participantes do ATL 2024 de diversos territórios se uniram para repudiar a tese ruralista do Marco Temporal|Lucas Landau/ISA
“A tese do Marco Temporal não se sustenta em pé, mas mesmo assim segue sendo sustentada pelos interesses de quem não tem comprometimento algum que não seja com o próprio lucro às custas da destruição do planeta. O que estamos vivenciando é uma profunda guerra nos territórios”, denunciou a deputada Célia Xakriabá em coletiva de imprensa antes da sessão.
“Nunca mais um Brasil sem nós!”, demarcou em sua fala no plenário a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, que saudou os 20 anos do ATL e relembrou que, no primeiro acampamento em 2004, a primeira demanda que os povos indígenas trouxeram a Brasília foi também a demarcação das Terras Indígenas.
“Nós somos brasileiros e brasileiras, detentores de direitos sociais, cidadania. Mas, principalmente, que merecem respeito. Hoje, nós viemos dizer não à negociação de direitos. A prioridade é derrubar cada barreira que impede a demarcação de Terras Indígenas. Que a gente nunca esqueça o motivo de estar aqui”, afirmou.
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Demarcação já! Indígenas e parlamentares presentes à sessão solene no Congresso Nacional que celebrou os 20 anos do ATL|Ester Cezar/ISA
Na parte da tarde, a plenária “Os desafios enfrentados pelos povos indígenas frente à aprovação da Lei do Marco Temporal” trouxe o posicionamento de integrantes do movimento indígena e de organizações indigenistas sobre a tese ruralista. Estiveram presentes também representantes do poder público.
Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib, comemorou a presença dos advogados indígenas no ATL, “que hoje estão dedicando suas trajetórias profissionais para a defesa e fortalecimento das organizações”. Ele ressaltou que o momento é delicado para a luta indígena: “temos que comemorar, mas eu acho que o Acampamento Terra Livre deste ano é pra gente repensar as nossas estratégias de luta”.
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Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib, disse em plenária que o ATL 2024 é o momento do movimento indígena "repensar as estratégias de luta"/Lucas Landau/ISA
Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal se tornou uma arena de disputa dos direitos indígenas. “O texto constitucional de 1988 está sendo descaracterizado, está sendo descaracterizado o direito originário dos povos indígenas”, afirmou.
Diego Bruno Martins, defensor regional de Direitos Humanos em Alagoas, reforçou em sua fala que o Marco Temporal é inconstitucional e prometeu estar lado a lado dos povos indígenas “para derrubar mais essa tentativa de enfraquecimento dos direitos dos povos indígenas".
A advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana de Paula Batista disse que existe uma crise entre o Judiciário e o Legislativo que vem sendo gestada e causada pela bancada ruralista. “Espero que não seja a pauta indígena a saciar a fome dos cupins [...] É um momento importante de união pra gente dizer que esses direitos são inegociáveis”, avaliou.