No Congresso e nas ruas de Brasília, movimento indígena grita: não ao Marco Temporal!
Milhares de indígenas saíram em marcha do Acampamento Terra Livre (ATL) até o Congresso Nacional, onde sessão solene condenou ameaça aos direitos dos povos originários
Milhares de indígenas de diversos povos acampados no ATL 2024 marcharam até o Congresso Nacional exigindo a demarcação de seus territórios|Lucas Landau/ISA
“Hoje, aqui, é um momento de registrar mais um marco. São 20 anos de história. O acampamento Terra Livre [ATL] não é mais a maior mobilização indígena do Brasil. O Acampamento Terra Livre já se tornou a maior mobilização indígena do mundo! E eu tenho muito orgulho de estar aqui hoje falando como ministra indígena do Estado Brasileiro”.
Milhares de indígenas mobilizados no Acampamento caminham agora até o Congresso Nacional durante a “Marcha #EmergênciaIndígena: Nossos Direitos não se negociam”.@walela15, liderança e ativista climática, fala sobre as expectativas com o ato. pic.twitter.com/V4pzV58v6D
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, comemorou o aniversário de 20 anos do ATL durante sessão solene no Congresso, que reuniu, nesta terça-feira (23/4), centenas de lideranças indígenas e parlamentares aliados da causa indígena.
Homenagem aos 20 anos do Acampamento Terra Livre, na Câmara dos Deputados! Uma honra participar da Sessão Solene convocada pela deputada @celiaxakriaba, que reuniu mais de 500 indígenas, além de parlamentares que estão ao lado dos povos indígenas. pic.twitter.com/XzD4AG0bCX
A cerimônia, liderada pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), aconteceu logo após uma marcha, que saiu do acampamento, no Eixo Cultural Ibero-americano (Complexo Cultural Funarte), e terminou na sede do legislativo.
Dentro e fora do Congresso, o movimento indígena reforçou as principais demandas do acampamento, expressas na Carta Manifesto divulgada um dia antes: as demarcações de Terras Indígenas e o fim da tese do Marco Temporal e da agenda anti-indígena no Congresso.
Chegada ao Congresso Nacional: participantes do ATL 2024 de diversos territórios se uniram para repudiar a tese ruralista do Marco Temporal|Lucas Landau/ISA
“A tese do Marco Temporal não se sustenta em pé, mas mesmo assim segue sendo sustentada pelos interesses de quem não tem comprometimento algum que não seja com o próprio lucro às custas da destruição do planeta. O que estamos vivenciando é uma profunda guerra nos territórios”, denunciou a deputada Célia Xakriabá em coletiva de imprensa antes da sessão.
“Nunca mais um Brasil sem nós!”, demarcou em sua fala no plenário a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, que saudou os 20 anos do ATL e relembrou que, no primeiro acampamento em 2004, a primeira demanda que os povos indígenas trouxeram a Brasília foi também a demarcação das Terras Indígenas.
“Nós somos brasileiros e brasileiras, detentores de direitos sociais, cidadania. Mas, principalmente, que merecem respeito. Hoje, nós viemos dizer não à negociação de direitos. A prioridade é derrubar cada barreira que impede a demarcação de Terras Indígenas. Que a gente nunca esqueça o motivo de estar aqui”, afirmou.
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Demarcação já! Indígenas e parlamentares presentes à sessão solene no Congresso Nacional que celebrou os 20 anos do ATL|Ester Cezar/ISA
Na parte da tarde, a plenária “Os desafios enfrentados pelos povos indígenas frente à aprovação da Lei do Marco Temporal” trouxe o posicionamento de integrantes do movimento indígena e de organizações indigenistas sobre a tese ruralista. Estiveram presentes também representantes do poder público.
Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib, comemorou a presença dos advogados indígenas no ATL, “que hoje estão dedicando suas trajetórias profissionais para a defesa e fortalecimento das organizações”. Ele ressaltou que o momento é delicado para a luta indígena: “temos que comemorar, mas eu acho que o Acampamento Terra Livre deste ano é pra gente repensar as nossas estratégias de luta”.
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Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib, disse em plenária que o ATL 2024 é o momento do movimento indígena "repensar as estratégias de luta"/Lucas Landau/ISA
Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal se tornou uma arena de disputa dos direitos indígenas. “O texto constitucional de 1988 está sendo descaracterizado, está sendo descaracterizado o direito originário dos povos indígenas”, afirmou.
Diego Bruno Martins, defensor regional de Direitos Humanos em Alagoas, reforçou em sua fala que o Marco Temporal é inconstitucional e prometeu estar lado a lado dos povos indígenas “para derrubar mais essa tentativa de enfraquecimento dos direitos dos povos indígenas".
A advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana de Paula Batista disse que existe uma crise entre o Judiciário e o Legislativo que vem sendo gestada e causada pela bancada ruralista. “Espero que não seja a pauta indígena a saciar a fome dos cupins [...] É um momento importante de união pra gente dizer que esses direitos são inegociáveis”, avaliou.
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Carta Manifesto cobra ações do governo federal durante o Acampamento Terra Livre
Apresentado no primeiro dia do evento, documento pede urgência nas demarcações de Terras Indígenas e combate à agenda anti-indígena no Congresso Nacional
Acampamento Terra Livre 2024 começou com dia de apresentações, plenárias e leitura de Carta Manifesto com demandas ao governo|Lucas Landau/ISA
Compromisso com a demarcação de Terras Indígenas, declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023 do Marco Temporal e combate à agenda anti-indígena no Congresso Nacional. Estas foram as principais demandas trazidas na carta “Vinte anos de Acampamento Terra Livre e a Urgência da Ação”, lida ao fim do primeiro dia (22/4) de atividades do Acampamento Terra Livre (ATL) 2024.
O documento é um registro histórico da leitura do movimento indígena em relação ao momento político do país e traz 25 demandas endereçadas aos Três Poderes, especialmente ao Executivo. “Já estamos no segundo ano de governo, e as suas promessas sobre demarcações continuam pendentes”, afirma a carta.
Povo Xucuru assiste à plenária de comemoração dos 20 anos de Acampamento Terra Livre, em Brasília|Ester Cezar/ISA
Além delas, o documento também exige a volta das declarações de Terras Indígenas, etapa anterior à portaria homologatória. A Declaração, uma atribuição do Ministério da Justiça, segue estacionada desde 2018. No atual governo, dois ministros já passaram pelo cargo: Flávio Dino, que deixou a função sem declarar nenhuma Terra Indígena; e Ricardo Lewandowski, que assumiu a pasta em fevereiro e mantém o saldo de seu antecessor.
Outro ponto da carta cobra que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue inconstitucional a Lei 14.701/2023. Aprovada em dezembro de 2023, ela ressuscita a tese do “marco temporal”, já derrubada anteriormente pelo STF; limita o usufruto exclusivo de Terras Indígenas aos povos indígenas; coloca entraves no processo de demarcação; entre outros retrocessos.
O manifesto também cobra um maior empenho do governo federal em combater a pauta anti-indígena que continua ganhando força no Congresso Nacional na forma de projetos de Lei e emendas constitucionais.
“Nós não estamos vendo essa mobilização, exceto do Ministério dos Povos Indígenas, que tem feito muitas vezes de forma isolada e, em alguns momentos, outros ministérios se somam. Mas quando nós cobramos, é o todo, são todos os ministros envolvidos, é a Casa Civil, é o presidente da república se colocar e, de fato, abraçar as causas indígenas e não ficar só na narrativa nas entrevistas ou dos momentos onde há visibilidade pública”, criticou Kretã Kaingang, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), durante a primeira coletiva de imprensa do ATL.
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Mulheres indígenas da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) se preparam para apresentação no ATL 2024|Yamony Yawalapiti
Neste ano, pela primeira vez na história da mobilização, a apresentação da carta foi feita logo na abertura do evento, com a expectativa de que as reivindicações do movimento indígena recebam respostas dos Três Poderes ainda esta semana, de acordo com Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib.
“Em retribuição às duas vindas dele [do presidente Lula] ao nosso acampamento nos últimos dois anos, neste ano nós decidimos nos receber no Planalto”, brincou Kleber. De acordo com ele, a marcha prevista para quinta-feira (25/04) deve levar o público do ATL à Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto, para fazer cobranças em relação à atuação do governo frente aos direitos dos povos indígenas, especialmente sobre a questão da demarcação.
Entre os pontos de maior destaque na carta, estão:
- STF julgar a inconstitucionalidade da Lei nº 14.701/2023;
- Homologação das Terras Indígenas Morro dos Cavalos, (SC); Toldo Imbu, em (SC), Xucuru Kariri, em (AL) e Potiguara de Monte-Mor, em (PB);
- Declaração pelo Ministério da Justiça de 23 Terras Indígenas;
- Homologação de todas as Terras Indígenas que ainda não tiveram seu processo finalizado;
- Combate à agenda anti-indígena no Congresso Nacional.
Primeiro dia de ATL
Além da divulgação da carta-manifesto com as principais reivindicações do movimento indígena nacional, o primeiro dia de ATL foi marcado pela recepção às diversas delegações de povos indígenas de todo o Brasil e por plenárias e rodas de conversa promovidas pela Apib e suas organizações de base
Veja como foi a apresentação das delegações na tenda principal do ATL:
Kleber Karipuna trouxe o histórico da maior mobilização dos povos indígenas do Brasil durante a mesa "ATL 20 Anos: ferramentas da luta política do Movimento Indígena", que contou com outras lideranças da Apib.
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Linha do tempo montada no acampamento em Brasília registra momentos importantes dos 20 anos de ATL|Lucas Landau/ISA
Para ele, ao longo desses 20 anos, a luta dos povos e do movimento indígena demonstra quais têm sido os caminhos da resistência indígena desde a invasão europeia. "Mesmo com altos e baixos, a gente iniciou um acampamento há 20 anos atrás com 200 pessoas e hoje temos quase oito mil", comemorou.
Dinaman Tuxá, coordenador-executivo da Apib, fez um balanço da conjuntura: " Nós vivenciamos um momento tenebroso. Todos nós aqui, todos os povos indígenas, outros movimentos sociais também. E nesses 20 anos nós estamos aqui, fazendo esse marco histórico que se inicia em 2004 e que não vai acabar em 2024. Nós reforçamos essa data para ficar cada vez mais marcado que propostas e demandas realizadas há 20 anos atrás ainda não foram cumpridas".
Juliana Kerexu Guarani, coordenadora-executiva da Apib, finalizou o painel que comemorou os 20 anos do ATL demarcando a presença indígena em Brasília. “Esse território tem dono, esse território tem dona. Nesta capital, em que muitas e muitas vezes tentaram nos matar, mas não conseguiram, estamos aqui mais uma vez”.
Crise no Vale do Javari
Em atividade na tenda da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) aconteceu uma roda de conversa entre lideranças do Vale do Javari (AM) – território indígena do país com maior registro de grupos em isolamento voluntário, segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) – e jornalistas e indigenistas.
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Indígenas do Vale do Javari, território indígena do país com maior registro de grupos em isolamento voluntário, presentes no ATL 2024|Lucas Landau/ISA
Falaram na atividade Beto Marubo, do povo Marubo, e Waki Mayoruna, do povo Mayoruna, e jornalistas que cobrem a pauta indígena – Rubens Valente, Sonia Bridi e Miriam Leitão – e o sertanista Sydney Possuelo, que há quatro décadas se dedica à proteção dos povos indígenas isolados.
Bruno Pereira, indigenista assassinado em junho de 2022 junto com o jornalista inglês Dom Phillips, foi recordado por todos os presentes, sobretudo pelo esforço que o servidor licenciado da Funai empreendia para fomentar alternativas econômicas aos beiradeiros da região – no sentido de conter as invasões frequentes aos territórios indígenas por pescadores e caçadores.
“As coisas não estão fáceis. Quando a gente quer fiscalizar nossa terra, nós mesmos fazemos. A polícia não prende, qual o papel da polícia ali? O Estado deveria se responsabilizar por isso e hoje não tem ninguém da Funai”, lamentou Waki Mayoruna. Segundo ele, caçadores estão retirando grandes quantidades de tracajás para venda e prejudicando o sustento das populações indígenas.
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ATL 2024: maior mobilização indígena do País completa 20 anos de resistência
Acampamento, que acontece de 22 a 26 de abril, em Brasília, tem como pauta central o direito à terra
Indígenas protestam em Brasília durante o ATL 2023. Um ano depois, a maior mobilização indígena do País completa 20 anos|Valter Campanato/Agência Brasil
De 22 a 26 de abril, povos indígenas de todas as regiões vão ocupar Brasília (DF) nos 20 anos do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do país, coordenada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
No centro das discussões, está a defesa do direito à terra, expressa na exigência por demarcações e pelo fim da tese anti-indígena do Marco Temporal.
Há quatro dias, o governo federal anunciou a demarcação de duas Terras Indígenas – Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT). No entanto, apesar das comemorações, o número de demarcações abaixo do esperado - outras quatro eram esperadas, de um total de 251 Terras Indígenas com processos ainda pendentes - gerou frustração no movimento indígena e indigenista. Em abril de 2023, no ATL, o presidente Lula anunciou a demarcação de seis áreas e chegou a prometer acabar com as pendências de reconhecimento desses territórios.
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Presidente Lula assina demarcação de seis Terras Indígenas no ATL 2023. Somente outras 2 foram demarcadas desde então|Marcelo Camargo/Agência Brasil
No ritmo atual, seriam necessários mais de 30 anos para concluir os processos. A demarcação das Terras Indígenas é fundamental para garantir a proteção dos povos e de seus territórios, e para conter o desmatamento e as mudanças climáticas.
A bancada ruralista pressiona para que não aconteçam mais demarcações. Um dos instrumentos usados para barrar o direito indígena à terra é a tese do Marco Temporal, derrubada no Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2023, mas que, pouco depois, tornou-se lei, após votação no Senado.
Em janeiro, o Instituto Socioambiental (ISA) entrou com um pedido de amicus curiae (amigo da corte, figura jurídica que apresenta informações e subsídios para o julgamento) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que contesta o Marco Temporal. No processo, o ISA sustenta que, além das inconstitucionalidades formais e materiais, a lei põe em risco as Terras e Reservas Indígenas.
O julgamento da tese do Marco temporal no STF teve como base um processo judicial envolvendo o povo Xokleng, vítima da violência estatal desde o século XIX, na busca pela demarcação da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ (SC).
Ao permitir que a demarcação das Terras Indígenas seja contestada em todas as fases do processo, inviabilizando sua conclusão, e autorizar a instalação de empreendimentos predatórios sem consulta livre, prévia e informada às comunidades, a lei ameaça os direitos indígenas em todo o país.
Neste ATL, a luta política que percorre as ruas de Brasília também vai ocupar as telas na forma de uma grande serpente, pintada em jenipapo e urucum. Na identidade visual da mobilização, a “Cobra do tempo”, ilustração produzida com o apoio do artista indígena Denilson Baniwa, do Alto Rio Negro (AM), conecta representações de uma resistência ancestral, que atravessou e sobreviveu a conjunturas políticas e governos diversos.
Comunicadores indígenas devem comparecer em peso ao ATL para a cobertura colaborativa de suas associações e organizações. É o caso dos comunicadores da Rede Xingu+ e da Rede Wayuri, do Rio Negro.
Anita Juruna, comunicadora da Rede Xingu+, da Terra Indígena Paquiçamba, no Pará, diz que a “expectativa é ganhar respeito, é ganhar reconhecimento, é que as pessoas não indígenas, principalmente, vejam que estamos aqui há mais de 500 anos, que estamos aqui resistindo e lutando e vamos continuar nessa luta”.
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Anita Juruna, da Terra Indígena Paquiçamba, no Pará, é também comunicadora da Rede Xingu+|Lucas Landau/ISA
As histórias e memórias da resistência indígena no ATL serão transmitidas pela Rede Wayuri nas vozes de José Paulo, do povo Piratapuya, Juliana Albuquerque, do povo Baré, e João Arimar, do povo Tariano.
“Será um evento muito importante, onde terá muitas reivindicações, várias lutas… são 20 anos de luta! E por dentro de toda a história, vamos buscar nomes de pessoas que ainda existem e resistem nessa luta. Então, a minha expectativa está a mil para chegar lá e fazer essa colaboração na área da comunicação. É a primeira vez que eu estou indo, estou muito ansioso para conhecer de perto esse grande movimento, em que vamos estar fazendo uma transmissão ao vivo da nossa rádio online”, compartilha José Paulo.
A programação completa para os para os próximos dias está disponível no site da APIB e no instagram da @coiabamazonia. Confira alguns destaques:
Plenárias do ATL
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Plenária sobre a PNGATI e Retomada do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas no ATL de 2023|Priscila Ramos/ISA
Distribuídas em cinco dias de atividades, as plenárias do ATL 2024 abordarão algumas temáticas como saúde mental, emergência climática, educação escolar indígena, comunicação indígena e políticas afirmativas.
Na sexta-feira (26/04), a plenária do ATL também dará lugar à discussão sobre a reparação histórica e não repetição dos crimes cometidos pela ditadura militar contra os povos indígenas.
Exibição do Filme “Amazônia, a nova Minamata?”
Documentário acompanha a luta do povo Munduruku para conter o avanço do garimpo ilegal em seu território ancestral, enquanto revela como a doença de Minamata, decorrente da contaminação por mercúrio, ameaça os habitantes da Amazônia. Exibição acontece na segunda-feira (22/04), às 20h, na tenda da Coiab.
Mapeamento das Organizações de Mulheres Indígenas no Brasil
Parceria entre o ISA e a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), a checagem e validação coletiva dos dados referentes à 2ª edição do Mapa das Organizações de Mulheres Indígenas no Brasil acontece na terça-feira (23/4), às 16h, na tenda da Anmiga.
A ação visa dar continuidade à primeira edição do Mapa, de 2020, que registrou 92 organizações de mulheres indígenas em 21 Estados brasileiros.
Marchas do ATL
Previstas para terça-feira (23/04) às 9h e quinta-feira (25/04) às 15h, respectivamente, as marchas “#EmergênciaIndígena: Nossos Direitos não se negociam” e “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui!” conduzirão milhares de pessoas pelas ruas de Brasília (DF), entre indígenas, membros de organizações do terceiro setor e apoiadores da causa socioambiental.
Ato em homenagem a Nega Pataxó
Em janeiro, a pajé Nega Pataxó, do povo Pataxó Hã-Hã-Hã, foi assassinada durante um conflito com a polícia militar e fazendeiros do grupo autointitulado “invasão zero”, na retomada do território Caramuru, em Potiraguá (BA).
A liderança foi mais uma das inúmeras vítimas da violência contra os povos indígenas, que tende a se intensificar com a aprovação do PL do Marco Temporal. Por isso, a homenagem a Nega Pataxó é também um ato de resistência e defesa do futuro dos povos originários.
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Governo Federal anuncia a demarcação de duas Terras Indígenas; saiba quais são
Apesar das comemorações, número de homologações abaixo do esperado frustra movimento indígena
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala durante reunião do Conselho Nacional de Políticas Indigenistas (CNPI), ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, no Palácio da Justiça, em Brasília|Ricardo Stuckert/PR
Reportagem atualizada às 14h47
Nesta quinta-feira (18/04), o governo Lula deu sequência a processos de demarcação de Terras Indígenas (TIs) com a homologação de duas áreas pela Presidência. As TIs homologadas são: Aldeia Velha, do povo Pataxó, em Porto Seguro (BA); e Cacique Fontoura, do povo Iny Karajá, em Lagoa da Confusão (TO), Luciara (MT) e São Félix do Araguaia (MT). Somadas, as áreas representam 34.070 hectares.
Com os atos, que foram publicados nesta sexta-feira (19/04) no Diário Oficial da União (DOU), o Brasil passa a contar com 528 Terras Indígenas homologadas e reservadas, chegando a um total de 108.075.186 de hectares.
As demarcações foram oficializadas pelo presidente Lula durante o encerramento da Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), órgão colegiado e consultivo que tem por objetivo articular, fornecer apoio e propor a política indigenista oficial.
O evento em Brasília marcou a retomada do Conselho, composto por 64 conselheiros titulares, sendo 30 representantes do Poder Executivo, 30 integrantes dos povos e organizações indígenas e quatro representantes de entidades indigenistas. O Instituto Socioambiental (ISA) foi uma das organizações indicadas para compor o órgão.
Em 2015, o CNPI foi instaurado via decreto (nº 8.593) pela ex-presidenta Dilma Rousseff. No entanto, o Conselho foi extinto em 2019, durante o primeiro ano da gestão passada.
Segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a decisão de homologar apenas duas Terras Indígenas, das seis que estavam sendo divulgadas, veio para evitar problemas futuros, como judicialização dos processos, e de um pedido de governadores para atrasar a assinatura, com objetivo de realizar sem conflitos a desocupação das áreas. “A gente não quer briga, nem prejudicar o indígena e também não quer prejudicar um trabalhador rural”, justificou.
As outras quatro Terras Indígenas que estavam cotadas para homologação eram: Xukuru-Kariri, do povo Xukuru-Kariri, em Palmeira dos Índios (AL); Morro dos Cavalos, dos povos Guarani Mbya e Guarani Nhandeva, em Palhoça (SC); Toldo Imbu, do povo Kaingang, em Abelardo Luz (SC); e Potiguara de Monte-Mor , do povo Potiguara, em Marcação (PB) e Rio Tinto (PB). Além dessas, outras 247 áreas estão em diferentes etapas de demarcação, aguardando sua finalização, somando 251 Terras Indígenas com processos ainda pendentes.
“Quero que vocês saibam que essas Terras já estão prontas. O que nós não queremos é prometer para vocês uma coisa hoje e amanhã você ler no jornal que a Justiça tomou uma decisão contrária. A frustração seria maior”, completou Lula.
“Nós vamos conversar com as pessoas que estão nessas Terras e eu prometo a vocês que nós vamos assinar essas Terras, para que a gente possa dar um passo ainda mais importante”, prometeu.
Na ocasião, também estiveram presentes Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; Cida Gonçalves, ministra da Mulher; Dinaman Tuxá, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática; Jorge Messias, ministro da Advocacia-Geral da União (AGU); Rui Costa, ministro da Casa Civil; Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil; e Braulina Baniwa, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
Às 20h30 de Brasília, a ministra Sonia Guajajara fez o primeiro pronunciamento em rede nacional pela ocasião do Dia dos Povos Indígenas, neste 19 de abril.
Demarcações são comemoradas, mas ainda há muito a ser feito
Os atos desta quinta vêm sete meses após as últimas homologações e depois de o presidente Lula sinalizar, em sua “Mensagem ao Congresso Nacional”, que avançaria nas demarcações de terras. No entanto, na avaliação de organizações indígenas e indigenistas, ainda há muito a ser feito.
Durante a cerimônia, Sonia Guajajara ressaltou a importância dos anúncios, mas ponderou: “Temos ainda um passivo muito grande enquanto Estado brasileiro para que a seja cumprido o direito constitucional do território tradicional aos povos indígenas”.
"Pra gente, é uma vitória imensa. É uma vitória para nós, enquanto povo Pataxó, mas é uma vitória também para todos os povos indígenas, que vêm lutando pela demarcação de suas terras. Foi [homologada] a nossa terra, [mas] agora a gente também tem que estar junto para que aconteça a luta com a demarcação de [terras de] outros parentes", comemorou Angelo Pataxó, liderança da Terra Indígena Aldeia Velha, na Bahia.
Segundo a liderança Pataxó, agora se inicia uma etapa desafiadora, que é a desintrusão e posterior gestão do território. "Mas temos muito o que agradecer ao nosso povo, a cada pessoa da comunidade, que desde que iniciou a retomada, vem lutando. A luta continua", finalizou.
Em entrevista ao ISA, Vanessa Fe Ha, coordenadora de comunicação da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul), destacou que a decisão é importante, pois não há futuro dos povos indígenas sem a demarcação. Felicitando os povos das TIs homologadas, ela ressalta que a expectativa era ver o mesmo desfecho para as terras da região Sul.
“A gente sabe a luta que é para nós, povos indígenas, termos o nosso território demarcado, mas a gente também pede a demarcação das Terras Indígenas que ficam na nossa região, como é o caso da Terra Indígena Morro dos Cavalos, que só está esperando a assinatura do presidente Lula”, afirmou.
A TI Morro dos Cavalos foi uma das terras incluídas na campanha #DemarcaYvyrupa, relançada essa semana pelas lideranças do povo Guarani para reivindicar a homologação de quatro TIs e a declaração de outras oito terras sem pendências que, segundo a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), precisariam apenas de uma assinatura para avançar no processo demarcatório.
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Indígenas Karajá durante ato em Frente ao Congresso Nacional na 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL 2023)|Joédson Alves/Agência Brasil
Vera Rodrigo Mariano, assessor jurídico da CGY, vê o anúncio com muita frustração, uma vez que lideranças dessas terras chegaram a ser convidadas para a cerimônia de anúncio. “A gente fica sempre com expectativas boas de ver a regularização dos nossos territórios se encaminharem. E quando chega perto de concretizar, não sai como o esperado”, apontou.
“A gente percebe que o presidente Lula cede muitas vezes a pressões políticas do Congresso e do próprio Judiciário”, complementou. “O direito dos povos indígenas, o direito fundamental ao território se coloca em cheque, como uma moeda de negociações e uma pauta política de medir forças no cenário político Nacional”, criticou o assessor.
A Apib, em suas redes sociais, também cobrou o cumprimento dos compromissos firmados pelo presidente Lula durante sua campanha ao Planalto.
Para Tiago Moreira dos Santos, antropólogo no ISA, as medidas devem ser comemoradas, mas lembra que há ainda 251 processos de demarcação não finalizados, em diversas etapas. “As homologações do governo Lula estão na média das duas últimas décadas, contudo, devido ao grande passivo que existe no reconhecimento de TIs, principalmente fora da Amazônia Legal, nesse ritmo seria necessário cerca de 30 anos para termos um avanço satisfatório”, avaliou.
Apesar do flagrante histórico de conflitos envolvendo demarcações, nenhuma TI do povo Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul foi incluída na lista. Num discurso recente,o chefe do Executivo, em visita ao Estado na última sexta-feira (12/4), propôs ao governador Eduardo Riedel (PSDB) a compra de uma terra para “salvar” os Guarani Kaiowá – declaração que gerou protestos de organizações indígenas e indigenistas.
Conheça mais sobre as Terras Indígenas demarcadas:
Tradicionalmente ocupada pelo povo Pataxó, a Terra Indígena Aldeia Velha está localizada em Porto Seguro, ao sul do Estado da Bahia, com parte da área contígua ao núcleo urbano do distrito de Arraial d'Ajuda. Atualmente, 1465 pessoas vivem na Terra Indígena, segundo o Censo 2022.
Em 2008, os estudos de identificação foram aprovados, delimitando uma área de cerca de 2000 hectares, em sobreposição com o Museu Aberto do Descobrimento (Made). A declaração da Terra Indígena pelo MJ veio em 2010. Há mais de duas décadas o povo Pataxó espera pelo desfecho do processo de homologação.
Além do contínuo esbulho sofrido pelo povo Pataxó, conforme apontam registros, atualmente a região segue sendo alvo de disputas fundiárias.
Terra Indígena Cacique Fontoura, em Lagoa da Confusão (TO), Luciara (MT) e São Félix do Araguaia (MT)
A Terra Indigena Cacique Fontoura está localizada entre os municípios de Luciara e São Félix do Araguaia (MT), bioma Cerrado, na Amazônia Legal. Declarada com 32 mil hectares, a área é ocupada pelo povo Iny Karajá, com uma população de 489 habitantes.
Os Iny Karajá em Cacique Fontoura têm o Rio Araguaia como um eixo de referência mitológica e social. O território é marcado por uma extensa faixa do Vale do Rio Araguaia, a Ilha do Bananal, que é a maior ilha fluvial do mundo, com cerca de dois milhões de hectares.
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
“Mulher indígena, sua organização está no mapa?”: Anmiga e ISA fazem mapeamento no ATL 2024
Dados prévios da nova edição do Mapa das Organizações de Mulheres Indígenas serão apresentados para checagem coletiva durante o Acampamento Terra Livre, em Brasília
Mulheres indígenas da Delegação do Rio Negro se manifestam na III Marcha das Mulheres Indígenas, em setembro de 2023, em Brasília|Webert da Cruz Elias/ISA
Com o objetivo de colocar as organizações de mulheres indígenas no mapa, a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) realiza, entre os dias 22 e 26 de abril, uma checagem e validação coletiva dos dados prévios da 2ª edição do Mapa das Organizações de Mulheres Indígenas no Brasil, durante o Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília.
A ação acontece na tenda da Anmiga e durante a plenária "Mulheres Biomas na construção de agendas rumo a COP 30", na terça-feira (23/04), às 16h.
Os dados apresentados são uma continuação da primeira edição do Mapa, de 2020, que registrou 92 organizações em 21 Estados. Por meio de uma nova metodologia, a segunda edição parte de um levantamento colaborativo inédito realizado junto à Anmiga. “A estimativa é que o número de organizações cresça três vezes, demonstrando a força do movimento das mulheres indígenas no país”, aponta Luma Ribeiro Prado, analista no Programa Povos Indígenas no Brasil do ISA.
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Mulheres do povo Kayapó durante a III Marcha das Mulheres Indígenas, que aconteceu em Brasília, em setembro de 2023|Webert da Cruz Elias/ISA
A ação compõe uma das fases essenciais para consolidação da nova edição do Mapa, que tem previsão de ser lançado em setembro e tem como objetivo ampliar a visibilidade dessas associações e seus territórios de atuação.
O ATL, onde a ação será sediada, chega em sua 20ª edição em 2024. Desde 2016, o evento conta com uma plenária de mulheres, onde indígenas de diferentes povos se articulam para fortalecer a atuação nos territórios. Foi a partir desses encontros que, em 2019, nasceu a I Marcha das Mulheres Indígenas. A Marcha, atualmente, é considerada a maior mobilização de mulheres indígenas do país, e levou mais de oito mil pessoas às ruas de Brasília em 2023.
Articuladora da Marcha das Mulheres Indígenas e parceira na produção do mapa, a Anmiga é uma organização de mulheres originárias dos seis biomas do País – Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal. Por meio de uma construção coletiva, elas buscam fortalecer a luta pelo bem viver e por seus territórios, a partir do protagonismo das mulheres e da valorização de seus saberes tradicionais.
O novo mapeamento torna evidente o crescimento e fortalecimento de organizações, associações, coletivos, movimentos, departamentos e secretarias de mulheres indígenas. Em 2023, essas mobilizações foram tema de destaque no livro Povos Indígenas no Brasil 2017-2022, do ISA, que, além do encarte temático, também abarcou os resultados encontrados no levantamento realizado para a primeira edição do Mapa, em 2020.
Serviço
O quê? Mapeamento de Organizações de Mulheres Indígenas no ATL 2024
Onde? Tenda da Anmiga no ATL (Complexo Cultural da Funarte, em Brasília)
Kaue Ferreira, do ISA, com a camiseta da Pimenta do Rio Negro|Claudio Tavares/ISA
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Clara de Assis, do ISA, com a camiseta do Babaçu do Xingu|Claudio Tavares/ISA
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Patrícia Ribeiro, da Rede Xingu+, com a camiseta de Muvuca de Sementes|Claudio Tavares/ISA
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Veronice Cardoso, do ISA, com a camiseta da Roça Quilombola|Claudio Tavares/ISA
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma”, lançadas pelo Instituto Socioambiental (ISA) como parte da celebração dos 30 anos da organização, apresenta exemplos da biodiversidade que são fruto dos saberes e modos de vida de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. As ilustrações são de Catarina Bessell.
Estudo publicado pelo ISA mostrou que esses povos e suas economias são responsáveis, juntos, pela proteção de um terço das florestas no Brasil. O impacto positivo é fundamental para nossos tempos: mitigar os efeitos da emergência climática.
Dar visibilidade aos conhecimentos e culturas dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais fortalece seus modos de vida e sua conexão com os territórios.
Essas culturas são patrimônios vivos da cultura brasileira e a relação com a natureza garantiu, continua garantindo e vai garantir a conservação de florestas, rios, mares e os diferentes biomas do país.
Com isso, as associações se fortalecem nos processos de organização e comercialização dos produtos, e se tornam agentes de articulação de suas culturas e da defesa de seus direitos.
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Patrícia Ribeiro, da Rede Xingu+, com a camiseta do Pequi do Xingu|Claudio Tavares/ISA
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Kaue Ferreira, do ISA, com a camiseta da Roça Quilombola|Claudio Tavares/ISA
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Francisco de Sousa, do ISA, com a camiseta do Babaçu do Xingu|Claudio Tavares/ISA
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Clara de Assis, do ISA, com a camiseta da Pimenta do Rio Negro|Claudio Tavares/ISA
Para quem compra, cada camiseta traz os saberes de povos e comunidades, bem como suas lutas e resistência para manter suas culturas e territórios, fundamentais para a regulação do clima.
Com as economias da sociobiodiversidade, o futuro pode ser outro. Vista essa camisa!
Camiseta Pequi do Xingu
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta o Pequi do Xingu, fruto que simboliza a economia do cuidado com as florestas do povo Kisêdjê, em Mato Grosso. A iniciativa de produção de óleo a partir do pequi do Xingu recebeu o Prêmio Equatorial, da ONU, em 2019.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta a Muvuca de Sementes, técnica que mistura saberes e sementes para o processo de restauração florestal. As sementes são coletadas por povos e comunidades tradicionais para, em seguida, serem semeadas em áreas degradadas e beiras de rio e gerar as florestas do futuro.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta o Babaçu do Xingu, fruto que movimenta as organizações indígenas e ribeirinhas da região da Terra do Meio, em Altamira, no Pará. A farinha do coco babaçu, produzida a partir de sua entrecasca, é rica em nutrientes e tem começado a fazer parte da merenda escolar na região.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta a Roça Quilombola, parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, reconhecido pelo Iphan como patrimônio cultural imaterial do Brasil. A roça quilombola é símbolo da diversidade agrícola das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, no sudeste de São Paulo, retratada no filme “Do Quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra”.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta as Pimentas do Rio Negro, um dos símbolos da diversidade agrícola dos povos indígenas da região, no noroeste do Amazonas. São ao menos 78 variedades de pimentas, que desidratadas e piladas com sal produzem a jiquitaia.
Clara de Assis Andrade, assessora da secretaria executiva do ISA Francisco Cleunilton Moreira de Souza, técnico em administração da loja Floresta no Centro, do ISA Kauê Fillip Ferreira Silva, assistente administrativo do ISA Patrícia Ribeiro Castanha, assistente administrativa da Rede Xingu+ Veronice Cardoso Matos, assistente administrativa da loja Floresta no Centro, do ISA
Fotografia: Claudio Tavares, documentalista do ISA
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Anistiados políticos, povos Guarani Kaiowá e Krenak seguem à espera da demarcação de suas terras
Indígenas querem que medidas garantam o direito às Terras Indígenas Krenak de Sete Salões (MG) e Guyraroká (MS)
“Um povo foi expulso do território. Um povo foi aprisionado, feito de cobaia como macabro experimento da ditadura. Atacaram nossa cultura em seu íntimo que é a nossa língua. Proibiram nossos ancestrais de se comunicarem, de realizarem rituais, de dançarem e de festejarem conforme a nossa tradição”. Assim, Geovani Krenak rememorou as intensas violências cometidas contra seu povo no período da ditadura.
O depoimento de Geovani Krenak ocorreu durante a sessão da Comissão de Anistia no dia 2 de abril, que reconheceu e pediu perdão pelas graves violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro contra o povo Guarani Kaiowá da Terra Indígena Guyraroká e o povo Krenak, vítimas de perseguição, tortura, trabalho forçado, prisões e deslocamentos compulsórios.
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Presidenta da Comissão, Enéa de Stutz e Almeida, pede desculpas de joelhos à liderança e matriarca do povo Krenak, Djanira Krenak|Frame/MDHC/Youtube
A Comissão de Anistia foi criada em 2002. Vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, tem o objetivo de reconhecer e reparar os danos causados pela ditadura militar. Desde sua fundação, esta foi a primeira vez que foram admitidos pedidos de reparação coletiva, graças a uma mudança regimental de 2023. As ações, propostas pelo Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, haviam sido indeferidas pelo governo Bolsonaro.
Agora esses dois povos indígenas adquiriram o status de anistiados políticos e, entre outras recomendações da Comissão, viram a demarcação de suas terras ser reconhecida como uma forma efetiva de reparação.
Krenak
Dentre as violações aos direitos humanos do povo Krenak durante a ditadura estão a criação da Guarda Rural Indígena (Grin) e o Reformatório Krenak, criado dentro do território indígena para operar como um campo de concentração, submetendo ao menos 94 indígenas de 23 povos a todo tipo de violações, arbitrariedades e torturas, como a prisão no “cubículo”, uma espécie de solitária onde eram mantidos com água escorrendo do encanamento dia e noite.
Depois da extinção do Reformatório, em 1972, o povo foi retirado à força de sua terra – que tinha sido demarcada oficialmente desde 1920 – e levado para a fazenda Guarani, no município de Carmésia (MG), onde também funcionava um local de detenção indígena. A expulsão dos Krenak pelo Estado tinha o objetivo de disponibilizar a Terra Indígena Krenak para a instalação de empreendimentos econômicos e para doação a fazendeiros.
Guarani Kaiowá
No caso da TI Guyraroká, o Estado removeu as famílias guarani kaiowá de seu território como parte de uma política de colonização, que exterminou e desagregou comunidades inteiras com a introdução de doenças e com violência física, exercida pelos fazendeiros com a conivência do Estado, além de violências simbólicas com o objetivo de promover apagamento étnico, expondo os indígenas às mais diversas formas de preconceito e exploração, desconhecendo e desrespeitando seus modos de existência.
A partir da década de 1940 até ao fim década de 1980, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), e depois a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) trabalharam sistematicamente para expulsar, remover e confinar os indígenas Guarani Kaiowa das vastas áreas que tradicionalmente ocupavam para pequenas reservas determinadas pelo governo. As terras, antes habitadas por eles, foram vendidas e alienadas como propriedades privadas para fazendeiros e colonos, cuja posse foi legitimada por títulos de propriedade emitidos pelo próprio Estado.
A expulsão violenta dos indígenas de seus territórios impossibilitou a continuidade de suas atividades econômicas, principalmente agrícolas, culturais e espirituais. Hoje, os indígenas de Guyraroká vivem à espera da demarcação de suas terras.
“Se um prédio de Copacabana fosse desocupado e as pessoas colocadas num caminhão de gado e levadas a 400 km dali, nós teríamos filmes, nós teríamos memoriais, toda uma série de lembranças para que um fato tão terrível como esse nunca mais ocorresse na nossa sociedade. Nós fizemos isso sistematicamente com os povos [indígenas] aqui e nada, nem do ponto de vista jurídico, foi considerado importante”, afirmou o procurador Marco Antonio Delfino de Almeida, responsável pelo pedido de anistia ao povo Guarani Kaiowá.
O procurador ressaltou a importância de que o Estado avance na implementação da Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV). “Essas remoções forçadas são uma demonstração desse racismo estrutural que nós até hoje temos em relação às populações indígenas, então uma comissão indígena da verdade tem o papel de fazer com que essas memórias mais dolorosas tenham o devido endereçamento e a devida reparação”.
O julgamento aconteceu um dia após o marco de 60 anos do golpe cívico-militar e dez anos após o lançamento do Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que revelou crimes brutais e o assassinato de ao menos 8.350 indígenas pela ditadura.
“De 1979 até 2014, esta foi a primeira vez que o Estado Brasileiro criou um documento que reconhece a perseguição e morte em relação aos povos indígenas”, diz Maíra Pankararu, advogada e conselheira da Comissão responsável pelo caso de Guyraroká. Ainda que o capítulo temático sobre indígenas na CNV tenha sido um marco, Maíra afirma que o Estado brasileiro levou muito tempo para reconhecer e incluir os povos indígenas na chamada Justiça de Transição.
Recomendações à União e seus órgãos em relação ao povo Krenak
- Demarcação da Terra Indígena Sete Salões, território dos Krenak;
- Criação de programas de assistência psicológica continuada;
- Iniciativas voltadas à cultura e o incentivo das práticas tradicionais no território;
- Criação de um Grupo de Trabalho para discussão e formulação de proposta de lei que inclua os povos indígenas como destinatários de reparações econômicas, sociais e culturais;
- Implementação de um Centro de Memória para que não sejam esquecidas as violações aos direitos dos povos indígenas no país e no Estado de Minas Gerais.
Recomendações à União e seus órgãos em relação ao povo Guarani Kaiowá
- Assistência médica semanal, por equipes multidisciplinares de saúde indígena;
- Efetivação de estudo epidemiológico para verificação de agravos à saúde em decorrência à exposição de resíduos agrotóxicos;
- Assistência médica na área de saúde mental, especialmente para redução de traumas decorrentes dos processos de remoção forçada;
- Construção de posto de saúde, com disponibilização de remédios pelo Sistema Único de Saúde (SUS);
- Reconhecimento das Terras Indígenas;
- Acesso à energia elétrica;
- Construção de casas comunitárias, tendo em vista que a maioria vive em barracas de lona; áreas de lazer e de estudo, entre outros.
“Queremos é apenas ter direito ao nosso território sagrado”
“Por que esses homens ficam vigiando a gente? Por que não pode falar a língua? Por que não pode dançar e cantar?”. Era por meio desses questionamentos que Dona Djanira, liderança krenak, tentava compreender o confinamento do seu povo a partir da criação do Reformatório Krenak em seu território.
Vivendo atualmente à espera da demarcação da Terra Indígena Krenak de Sete Salões, foi a reza de Dona Djanira que deu início ao julgamento que trouxe a anistia política para o povo Krenak. Na sessão, ela narrou as diversas violações de direitos humanos que testemunhou ao longo de sua vida. "Nosso povo sofreu muito, muito. Até hoje nós sofremos”, lamentou.
Geovani Krenak, liderança vereador na cidade de Resplendor (MG), cresceu ouvindo na voz de anciões como seu avô as histórias do período definido por ele como de muito sofrimento. Geovani conta que o dito reformatório era na realidade uma experimentação criada pelos militares, onde se aprisionavam indígenas de diferentes povos de forma arbitrária e ilegal. “Esses mesmos parentes, deslocados dos seus territórios sagrados, foram também disciplinados e empregados no trabalho forçado na Guarda Rural Indígena (Grin), onde se treinavam indígenas para funcionar como repressores e carrasco dos próprios indígenas”, complementou.
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Fac-símile de matéria do Jornal do Brasil (1972) sobre descoberta da Guarda Rural Indígena (Grin), disponível no acervo do ISA
Foram justamente imagens da formatura da Grin, a milícia criada pelos militares e integrada por indígenas de diversos povos, que comprovaram o ensino de tortura na ditadura.
O registro captado em 1970 pelo indigenista Jesco Von Puttkamer foi encontrado em 2012 por Rodrigo Piquet, do Museu do Índio e transformado em um premiado curta-metragem. Outro documentário, dos cineastas indígenas Isael e Suely Maxakali, também recuperou o histórico da Grin e as entrevistas subsidiaram as investigações do MPF.
Antes das imagens recuperadas, foram relatos como os de Dona Djanira que ajudaram a preencher as lacunas deixadas pelas violências cometidas contra os povos indígenas durante a ditadura.
No período, Djanira recorda que nem mesmo as crianças eram poupadas, como no caso em que um garoto de apenas 9 anos decidiu ir pescar sem a permissão dos militares.
“A polícia foi lá, achou o menino e levou ele preso. Amarraram ele no cavalo e o cavalo foi atrás. Mas a gente não podia fazer nada. Se a gente socorresse a criança, iam prender a gente”, denunciou.
Em 1972, com o fim do Reformatório, os Krenak foram novamente expulsos de seu território e levados à Fazenda Guarani, no município de Carmésia (MG).
“O povo Krenak foi vítima da ganância dos tiranos e dos coronéis que dominavam os poderes regionais e locais, expulsando nosso povo para um segundo exílio. Fomos levados à força em paus de arara para a fazenda Guarani em Carmésia.
Ali, território longínquo, frio e distante do nosso rio Watu, nossos parentes foram novamente aprisionados, torturados e feitos de trabalhadores amplamente explorados”, rememorou Geovani.
As repetidas violências contra o povo Krenak foram reunidas e levadas ao Tribunal Russel II, em 1974. Sediado em Roma, o Tribunal tinha o objetivo de analisar e congregar as denúncias sobre os crimes ocorridos nas ditaduras instauradas na América Latina.
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Fac-símile de reportagem do Jornal de Brasília (1981), sobre a remoção forçada dos Krenak de sua terra, disponível no acervo do ISA
Os depoimentos dos Krenak e de outros povos levados ao tribunal foram sistematizados em um relatório, que se tornou uma peça essencial tanto para a construção do capítulo sobre povos indígenas da CNV, quanto para fortalecer os pedidos de anistia.
“Os indícios levantados relacionam esse reformatório aos centros de tortura, e portanto, as investigações deverão ser aprofundadas pelo Estado brasileiro”, apontou texto da CNV sobre o relatório.
O procurador da República Edmundo Antonio Dias Netto Jr., do MPF em Minas Gerais, foi o responsável por levar a demanda dos Krenak à Comissão, mas explica que a anistia política é apenas uma das três ações movidas pelo órgão pela reparação das graves violações de direitos desse povo.
Além dela, foram propostas uma ação civil pública em face da União e uma ação penal por genocídio contra Manoel dos Santos Pinheiro, o chamado Capitão Pinheiro – denunciado pelas violações de direitos humanos ocorridas no Reformatório Krenak, na Guarda Rural Indígena e na transferência forçada de indígenas para a Fazenda Guarani.
“Hoje se espera que possa haver também uma atuação preventiva como essa para que esses casos não voltem a acontecer. Essas ações têm um significado, cumprem uma função nesse sentido e tração, para que a gente possa superar esse passado de autoritarismo”, avalia o Procurador.
O fim da ditadura, no entanto, não significou o fim das opressões ao povo Krenak. A lama trazida pelo rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em novembro de 2015, matou o sagrado Rio Watu (Rio Doce, na língua portuguesa), impedindo os Krenak a perpetuarem seu modo de vida.
Além disso, pós-ditadura, os interesses minerários e agropecuários na região, já fortalecidos, passaram a constituir a forte pressão contrária à demarcação da Terra Indígena Krenak de Sete Salões. Identificada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2023, a TI possui ao menos 18 processos minerários.
Em 2017, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), via assessoria jurídica, reuniu mais de 200 pessoas para falar sobre as consequências da demarcação do território para os produtores rurais da região.
“O que queremos é apenas ter direito ao nosso território sagrado, o Sete Salões, e o direito humano de vivermos a nossa vida conforme as nossas tradições”, defendeu Geovani.
“Guyraroka é Terra Indígena”
A jovem liderança Erileide Domingues não era nascida nos anos 1940, quando seus avós e bisavós viram os primeiros não indígenas chegarem a Guyraroka, mas conhece em detalhes a história de desterros vivida por sua comunidade. “O que o Estado fez, realmente, não tem um preço que nos livre de uma dor tão inabalável. Do tanto que já foi, o tanto que já morreu, o tanto que já foi sequestrado…”, lamenta.
Foi Erileide quem acompanhou os avós Tito e Miguela Vilhalva na sessão que conferiu o status de anistiado político coletivo para o povo Guarani Kaiowá. Habitando atualmente apenas 55 hectares dos mais de 11 mil identificados, delimitados e declarados pelo Estado como de ocupação tradicional indígena, os Guarani Kaiowá de Guyraroká ainda hoje lutam pelo direito de viver em seu tekoha – lugar em que se é. “Nós estamos aqui e o que pedimos realmente é que o Estado brasileiro reconheça que Guyraroka é Terra Indígena. É só isso que esperamos”, afirma Erileide.
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Visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) na Terra Indígena Guyraroká, do povo Guarani Kaiowá, localizada no município de Caarapó (MS), em novembro de 2018|Christian Braga/Farpa/CIDH
“Quando você não considera juridicamente uma remoção forçada e essa remoção forçada um crime contra humanidade, você está dizendo que essas pessoas não são humanas”, afirma o procurador Marco Antonio Delfino de Almeida sobre a apreciação do pedido de anistia. “Então é muito simbólico, é muito importante que pessoas que sempre foram consideradas inferiores sejam tratadas finalmente como iguais. É simbólico ainda e a gente espera que isso se concretize, mas tem um valor extraordinário”, comemora.
Em 2014, o processo de demarcação da TI Guyraroká sofreu um grave revés, com a anulação de sua portaria declaratória pela 2ª Turma do STF, com base na tese do “Marco Temporal” – ignorando o longo processo de esbulho sofrido pelos indígenas. Segundo a advogada Carolina Santanna, que relatou o caso no livro Povos Indígenas no Brasil 2017-2022, essa anulação inédita pelo Judiciário é uma desconstituição dos direitos territoriais indígenas: “Seu Tito nunca foi ouvido no processo judicial que anulou sua terra”, denuncia.
“O primeiro aqui quem comprou foi Wilson Galvão, do tempo da guerra do Getúlio Vargas. E o Getúlio Vargas, então, ele deu pra poder tomar todo esse Mato Grosso, toda a terra do índio”, relembra Tito Vilhalva, em entrevista ao documentário “Tempo de Guavira”, em 2018.
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Seu Tito Vilhalva (centro), liderança da Terra Indígena Guyraroká (MS), durante visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em novembro de 2018|Christian Braga/Farpa/CIDH
As violações de direitos humanos não cessaram e, ainda hoje, a comunidade Guyraroká sofre com a falta de direitos básicos, como alimentação adequada e saneamento. Os ataques e ameaças à comunidade são recorrentes. Em 2019, toda a aldeia foi coberta por uma nuvem de agrotóxicos e cal, despejada por uma das onze fazendas que incidem sobre o território. O pó venenoso permaneceu na aldeia por quase uma semana, causando nos indígenas sintomas de intoxicação como dificuldade respiratória, diarreia, dores de cabeça e irritação da pele.
A exposição à aplicação de agrotóxicos é frequente. Cercados por plantações de cana, soja e milho, o veneno é pulverizado sem constrangimento por aviões e tratores a mando dos fazendeiros locais.
“Se na década de 1940 você tinha as armas e as balas de chumbo, que matam instantaneamente, hoje você tem as balas químicas, que matam da mesma forma só que demora mais tempo, né?”, alerta o procurador Marco Antonio Delfino de Almeida, autor do requerimento do MPF à Comissão.
O procurador argumenta que é preciso assegurar aos indígenas o direito à diferença e reconhecer seus modelos econômicos e de produção. “Isso também é importante ser reconhecido sob pena da gente repetir a história. Daqui a pouco o ambiente fica absolutamente inviável e a comunidade pode sofrer um processo de remoção silenciosa”, alerta Delfino de Almeida.
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Fac-símile de reportagem da Folha de S.Paulo (1979) sobre remoções forçadas do povo Guarani Kaiowa, disponível no acervo do ISA
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Por que a demarcação de Terras Indígenas não avança? Entenda
Mesmo com o compromisso do governo Lula para demarcar todas as Terras Indígenas, pouco se avançou no primeiro ano de mandato do presidente
Oito Terras Indígenas homologadas, três identificadas e nenhuma declarada. Este é o saldo do primeiro ano de gestão do Governo Lula em relação à demarcação de Terras Indígenas (TIs). Assim, o Brasil sai de um jejum de cinco anos sem demarcações, chegando ao total de 511 TIs com processos de demarcação finalizados. Mas, ainda faltam 255 Terras Indígenas com seu processo de demarcação já iniciado e não finalizado.
No último dia 5 de fevereiro, o governo voltou a se comprometer com a demarcação de TIs em sua “Mensagem ao Congresso Nacional”, sustentando que vai avançar na identificação e delimitação de terras, emitindo portarias declaratórias e homologações. Mas, mesmo com esses compromissos, ainda há muito a ser feito na pauta pela gestão Lula.
Para entender por que o avanço nas demarcações segue tão lento, o ISA ouviu lideranças indígenas e não indígenas de diferentes organizações, para traçar os diferentes elementos desse complexo quadro. “O destaque negativo deve ficar com o ministro Flávio Dino, que deixa o ministério sem delimitar qualquer Terra”, avalia Márcio Santilli, presidente do Instituto Socioambiental (ISA).
“A gente tinha uma expectativa muito positiva e imaginava que nos primeiros 100 dias aconteceria todo aquele planejamento que foi trabalhado na época da transição de governo com uma proposta. Mas chega o final de 2023 e a sensação é de dever não cumprido e, talvez, de desânimo”, pontua Timóteo Vera Popygua, coordenador da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), organização do povo Guarani que articula aldeias no Sul e Sudeste. “Tivemos uma vitória no STF com o ‘Marco Temporal’, mas ali, no apagar das luzes, acontece a aprovação do PL do Marco Temporal”, problematiza a liderança do povo Guarani, em entrevista ao ISA.
Jonathan Kaingang, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul), compartilhava das mesmas expectativas. Em entrevista ao ISA, ele avaliou que os interesses políticos envolvidos travaram o andamento dos processos no último ano. “Isso já vem ocorrendo há mais de 500 anos, quando foi invadido o Brasil. Nada mudou”, pontuou. “A gente não quer mais que o presidente Lula apenas use o discurso de que vai demarcar os territórios quando é favorável. Ele tem que colocar em prática tudo aquilo que ele está discursando”, declarou.
Entrevistado pelo Brasil de Fato, Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ponderou que o cenário será de maior cobrança em 2024. "O ex-ministro Flávio Dino saiu [do Ministério da Justiça] sem homologar nenhuma Portaria Declaratória de Terra Indígena, mesmo com a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas encaminhando mais de 30 processos para o Ministério da Justiça", denunciou. "Apoiamos esse governo [Lula], mas temos plena consciência de que é um governo de composição e não é 100% alinhado às nossas bandeiras. Há ministros que se opõem a determinadas pautas indígenas", avaliou.
Disputas brecam as demarcações
Após quatro anos do governo que prometeu “não demarcar um centímetro quadrado a mais de Terra Indígena”, a retomada de prumo da política indigenista oficial e dos processos de demarcação no governo Lula se dá em terreno infértil – já que as ofensivas aos direitos indígenas se fortaleceram no Legislativo e Judiciário, onde se multiplicam propostas legislativas anti-indígenas e teses jurídicas como a do "Marco Temporal".
Uma série de pressões do Congresso sobre o Executivo impactaram esse cenário, a começar pela pasta que ficaria responsável pela declaração das Terras Indígenas. Abrigada inicialmente no recém-criado Ministério dos Povos Indígenas (MPI), essa atribuição voltou ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJ), então sob a batuta de Flávio Dino, após queda de braço com o Legislativo – que converteu em lei a Medida Provisória 1154/2023.
Dino, que assumiu em fevereiro de 2024 uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), atravessou seu mandato sem reconhecer a posse permanente indígena de nenhuma Terra Indígena e deixou a Ricardo Lewandowski, seu sucessor, ao menos 23 portarias prontas para assinatura, conforme apurou a reportagem da Folha de S.Paulo.
Além disso, disputas internas no governo têm impedido que avanços significativos se concretizem, conforme apontou Márcio Santilli em artigo publicado na Folha de S.Paulo, em agosto de 2023. Segundo ele, a Casa Civil, sob comando do ministro Rui Costa, estaria bloqueando a homologação de TIs já aprovadas pelas áreas técnicas do Ministério da Justiça.
Procurado pelo ISA, o Ministério da Justiça, via assessoria de imprensa, informou que deve aguardar a chegada do novo ministro para prestar explicações sobre as demarcações. O novo ministro assumiu a pasta no fim de janeiro.
Como acontece a demarcação
A demarcação de uma Terra Indígena é o processo que reconhece o direito constitucional dos povos à terra, estabelecendo sua extensão territorial, a proteção dos limites e a segurança da área contra a ocupação por terceiros. Para ser regularizada, qualquer TI depende das etapas sequenciais de identificação, declaração e homologação sob responsabilidade da Funai, Ministério da Justiça e Presidência da República, respectivamente.
Apesar do rito demarcatório ter um número máximo de dias entre cada etapa, como aponta o infográfico acima, a realidade ainda está distante do previsto em lei.
Existem registros de entraves internos nas diferentes fases da demarcação, como apurou o ISA em 2013. O maior entrave, atualmente, segue na etapa da declaração, que está estagnada desde o início do governo Bolsonaro. Um caso que ilustra bem esse cenário é o da TI Tumbalalá, do povo Tumbalalá, que há 15 anos aguarda a assinatura da sua declaração, e também da TI Manoki, do povo Iranxe Manoki, que está desde 2008 esperando pela homologação.
Avanços nas demarcações em 2023
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Presidente Lula durante o encerramento do Acampamento Terra Livre, em abril de 2023|Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em 2023, os povos de oito Terras Indígenas viram seus processos finalmente ganharem um desfecho com a assinatura da homologação pelo presidente. Seis durante o Acampamento Terra Livre (ATL), em abril, e dois durante as celebrações do Dia da Amazônia, em setembro. Para esses povos, os anúncios vieram cercados de uma grande emoção e, em sua maioria, após décadas de espera, conforme mostra o gráfico abaixo.
Esse foi o caso dos Kariri-Xokó, da TI Kariri-Xokó, que aguardavam mais de 40 anos. Apesar da comemoração, o lento progresso nos processos de demarcação pode afetar a garantia e segurança territorial para outros povos que seguem aguardando pelo mesmo desfecho. Seguindo o ritmo de demarcação de 2023, estima-se que o governo levaria 14 anos para cumprir a promessa de não deixar nenhuma Terra Indígena sem demarcação. Isso apenas considerando as 112 que já foram identificadas e declaradas. Outras 143 ainda estão na etapa de estudos de identificação, somando um total de 255 Terras Indígenas com demarcação já iniciada e ainda não concluída.
Somado a isso, a promessa era de que as assinaturas de portarias declaratórias e de homologação viriam ainda nos primeiros cem dias de Governo e que a lista seria mais extensa do que a anunciada, como lembra Timóteo Vera Popygua, da CGY.
Em fevereiro de 2023, a Comissão lançou a campanha #DemarcaYvyrupa pela demarcação de 12 territórios – a partir de um levantamento jurídico que apontou que essas Terras, mesmo sem pendências administrativas, tiveram seu processo paralisado pelo governo de Jair Bolsonaro.
“Oito territórios foram encaminhados para serem declarados pelo Ministério da Justiça e quatro territórios para homologação. E não obtivemos êxito. Nenhuma dessas Terras que nós colocamos como prioritárias foram atendidas como deveriam ser”, explicou a liderança do povo Guarani. No período, apesar de alguns encaminhamentos internos, nenhum território guarani avançou para as etapas de declaração e homologação.
Para os territórios que sofrem com intensa violência perpetrada por grileiros, posseiros e fazendeiros, no entanto, uma década a mais de espera pode fazer muita diferença.
“Os povos indígenas da região sul e extremo sul da Bahia vivem em um constante clima de terror, com assassinatos de lideranças indígenas que simplesmente lutavam pela garantia constitucional das demarcações das terras ancestrais desses povos”, afirmou o departamento jurídico da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), em nota.
O departamento também lembrou a intensa atuação de pistoleiros contratados por latifundiários e grupos de extermínio, como o último caso, no dia 21 de janeiro, quando policiais militares e fazendeiros balearam lideranças indígenas Pataxó Hã-hã-hãe, na TI Caramuru/Paraguassu, em Potiraguá, extremo sul da Bahia, deixando o Cacique Nailton com um ferimento a bala na barriga e sua irmã, Nega Pataxó, assassinada. “A demarcação das Terras Indígenas desses povos é a única solução para acabar com a violência constante contra os povos indígenas do sul e extremo sul da Bahia”, declarou a organização regional.
A identificação de Terras Indígenas volta à agenda do governo
A Funai, responsável pelos estudos de identificação, reconheceu três Terras Indígenas. No entanto, quase metade das 46 TIs já delimitadas pela Funai aguarda há mais de dez anos pela edição de suas portarias declaratórias pelo Ministério da Justiça. Há casos em que a espera chega a 30 anos.
Em outros, como o da TI Ibirama-La Klãnõ, o andamento no processo ainda pode sofrer interferências. Um dos territórios do povo Xokleng, a TI foi centro das discussões sobre a tese do “Marco Temporal” na ação julgada em setembro pelo STF, em razão de um requerimento de reintegração de posse feito pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma), atual Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA).
Apenas com a vitória por nove votos que, em outubro, a Funai regularizou e cumpriu o acordo firmado em 2015 entre os Governos Federal e Estadual de Santa Catarina e a comunidade indígena, e destinou uma área equivalente a 860 hectares para a criação da Reserva Indígena Barragem Norte. Saiba mais aqui.
Para Lucimara Patté, cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), em fala durante evento em São Paulo, o que aconteceu com o seu povo, é o que tem se repetido com outros povos indígenas no Brasil, como é o caso dos que vivem no Mato Grosso do Sul.
“A gente fala sobre território, mas não tem território, educação, saúde, não tem uma perspectiva de vida para os nossos jovens, não tem perspectiva para os nossos territórios não demarcados. Fora a insegurança, afinal, são nossos corpos os primeiros a serem violentados e assassinados”, denuncia.
Como afirmou Lucimara, o mesmo aconteceu com uma das poucas TIs identificadas durante o Governo de Michel Temer. A Terra Indígena Tekohá Guasu Guavira teve seu processo paralisado por quatro anos e, só em 16 de janeiro o ministro do STF, Edson Fachin, suspendeu as decisões judiciais que impediam a continuidade do rito demarcatório. Enquanto o Supremo não decidia sobre o tema, as famílias do povo Avá-Guarani que habitam o território sofreram diversos ataques – como o do dia 10 de janeiro, quando foram vítimas de uma ofensiva a tiros durante uma sessão de cantos-rezas.
Além disso, em janeiro de 2024, a Funai destinou cerca de 22,4 mil hectares para regularização de outras TIs, sendo 19,9 mil hectares para a regularização da TI Valparaíso e 2,4 mil hectares para a TI Kanela do Araguaia. Porém, o anúncio dessas destinações ocorreu em setembro de 2023, durante as celebrações do Dia da Amazônia.
Lei do Marco Temporal já impacta demarcações
A aprovação da Lei 14.701/2023, chamada Lei do Marco Temporal, é mais um entrave que, além de impactar o processo de demarcação, também resulta em mais assédio e violência nos territórios. “Vários áudios que circulam ali nos grupos dos ruralistas questionam por que os parlamentares ali da região, estaduais ou federais, não se deslocam para as terras, já que a Lei do Marco Temporal foi aprovada. Ou seja, a lei já está sendo utilizada como uma ferramenta para legitimar ataques como nessas últimas semanas no caso dos Avá Guarani”, denunciou Vera Rodrigo Mariano, assessor jurídico da CGY.
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Em julgamento no STF em setembro de 2023, tese do Marco Temporal foi derrubada com 7 votos contra e 2 à favor|Carlos Moura/SCO/STF
A aprovação da Lei em dezembro de 2023 já está impactando o andamento dos processos de demarcação, como afirmou Joenia Wapichana durante a 43ª Assembleia Geral da Região das Serras, em Roraima. “Eu já iria assinar duas Terras, mas aí veio o ‘Marco Temporal’ e agora precisamos avaliar o impacto da nova legislação, vamos esperar derrubar essa lei. Se continuarmos, podemos prejudicar os parentes”, afirmou no evento, conforme apontou reportagem do Infoamazonia.
O marco temporal já havia sido julgado como inconstitucional pelo STF, mas o Congresso Nacional aprovou uma nova Lei reinserindo o tema na legislação, além das alterações no rito dos processos de demarcação. Lula vetou trechos do Projeto de Lei, mas o Legislativo derrubou a maioria dos vetos, no fim de 2023, inclusive com apoio de aliados do governo como o próprio Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Carlos Fávaro, que se licenciou do cargo para ir contra o veto presidencial.
Outro exemplo disso, foram os pronunciamentos feitos por deputados da própria base do governo no Congresso Nacional. Segundo o deputado Evair de Melo (PP - ES), o presidente Lula seria “[...] insano, irresponsável e inconsequente” por vetar o “Marco Temporal”. Já para o deputado ruralista Alceu Moreira (MDB - RS), o veto “é de profunda irresponsabilidade e não está à altura de um Chefe de Estado, que tem que decidir o que é melhor para o País, para a sua população, e não para os seus caprichos ideológicos, para os seus amiguinhos de ocasião”, afirmou.
Diante dos diversos retrocessos contidos na Lei, no dia 15 de janeiro o Instituto Socioambiental (ISA), junto a APIB e partidos políticos da base do governo apresentou um pedido de amicus curiae (amigo da corte, figura jurídica que apresenta informações e subsídios para o julgamento) nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que contesta a nova Lei e o "Marco Temporal".
Em relação às perspectivas para a relação com o movimento indígena e com as demarcações de TIs, Timóteo Vera Popygua, avalia que o cenário atual é constituído por várias frentes de oposição, como os deputados que são contra os direitos dos povos originários. “Já se passaram 524 anos e a gente não vai retroceder mais. Nós queremos apenas que sejamos ouvidos, que seja realmente feita a nossa reivindicação de ter as nossas terras demarcadas. Então a gente vai ter que lutar perante a conjuntura atual”, defende.
Maurício Terena, por sua vez, pontua que existe uma expectativa de que a política de demarcação de Terras Indígenas melhore, porém, à frente do movimento e acompanhando com proximidade as discussões, ele enxerga um 2024 de muita disputa e pressão, principalmente nas relações interministeriais – fator essencial para a demarcação de Terras Indígenas. “O que a gente espera é que o comando presidencial, no que diz respeito à política indigenista, seja cumprido por todos os Ministérios, não apenas um”, justifica.
A Apoinme, em nota, afirma que espera que a Funai e o Ministério da Justiça deem seguimento aos processos de identificar, declarar e retirar posseiros dos territórios. “A expectativa é que sejam anunciadas as demarcações de mais Terras Indígenas na região Nordeste, pois existem territórios sem nenhuma pendência jurídica que se encontram há anos esperando a homologação presidencial, a vontade política”, declararam.
Braulina Baniwa, por sua vez, vê com esperança o cenário para o próximo período, principalmente com a chegada das eleições municipais. “A gente está com uma expectativa muito positiva para que as mulheres que vão ocupar esses espaços sejam nossas aliadas na defesa dos nossos direitos enquanto povos indígenas, e, principalmente, que possam construir políticas municipais voltadas também para o respeito às mulheres indígenas na sua diversidade”, completou.
Para Jonathan Kaingang, a expectativa é de que os processos sigam com mais celeridade os ritos demarcatórios, principalmente aqueles que já estão em mãos da presidência e do Ministério da Justiça. Segundo ele, só assim será possível garantir a segurança daqueles que garantem o futuro da humanidade. “Até porque, os verdadeiros guardiões da floresta são os povos indígenas. Quem ainda está segurando as pontas das mudanças climáticas, somos nós, que fazemos esse enfrentamento direto”, explicou.
Para Moreno Martins, antropólogo do ISA, o governo Lula foi eleito com a promessa de cumprir os direitos constitucionais indígenas, assim como de reconstruir as políticas positivas para o meio ambiente, reinserindo o Brasil nas arenas de discussões globais, considerando o contexto da concretização das mudanças climáticas. “Agora, não só os povos indígenas, mas o mundo todo aguarda para ver se o compromisso firmado será efetivado a partir do segundo ano de mandato do presidente, ou se serão meras promessas de campanha”, avalia.
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A luta das mulheres indígenas para “reflorestar mentes”
Representantes da maior articulação de mulheres indígenas no Brasil falam em roda de conversa sobre trajetória e parceria com o ISA para segunda edição do Mapa das Organizações de Mulheres Indígenas
Foi entoando a mensagem “nunca mais um Brasil sem nós” que, no dia 30 de janeiro, seis integrantes da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) se reuniram no espaço Floresta no Centro, em São Paulo (SP), para uma roda de conversa em que dividiram, com mais de 50 pessoas, a importância do apoio à luta das mulheres indígenas para avançar na proteção das florestas e dos direitos dos povos indígenas.
“Nós precisamos reflorestar as mentes para a cura da terra, nós precisamos aldear todos os espaços possíveis com nossos corpos-territórios e nós precisamos estar cada vez mais juntas com a sociedade”, enfatizou a diretora-executiva da Anmiga, Braulina Baniwa, sobre a importância da roda de conversa, que contou ainda com a participação das cofundadoras Joziléia Kaingang, Shirley Krenak, Jaqueline Kuña Aranduha, Lucimara Patté, além de Keila Guajajara, responsável pela comunicação da Anmiga.
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Da esquerda para a direita: Braulina Baniwa, Keila Guajajara, Joziléia Kaingang, Jaqueline Kuña Aranduha, Shirley Krenak, e Lucimara Patté durante "Roda de conversa 'Mulheres Indígenas em Luta'|Tatiane Klein/ISA
Com mediação da jornalista Bianca Santana, o evento integrou a agenda das representantes da Anmiga no escritório do Instituto Socioambiental (ISA) para a produção conjunta da segunda edição do Mapa das Organizações de Mulheres Indígenas – que, em sua primeira edição, em 2020, registrou a existência de 85 organizações de mulheres indígenas, em 21 estados do país.
Prevista para ser lançada ainda em 2024, a nova edição reunirá informações atualizadas do mapeamento de organizações, departamentos, institutos, associações e grupos do movimento indígena de mulheres. As inscrições de organizações podem ser feitas até o dia 15 de fevereiro neste link.
Protagonismo feminino
Iniciando a conversa, Joziléia Kaingang trouxe uma reflexão sobre o fortalecimento da rede das mulheres indígenas a partir de sua tese de doutorado, Articulação das Mulheres Indígenas no Brasil: em movimento e movimentando redes. Ela revelou que as mulheres indígenas têm um longo histórico de articulação, mas que só em 2021 é que a Anmiga foi formalizada, por mulheres dos seis biomas brasileiros – Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal –, buscando fortalecer a luta pelo bem viver e pelos territórios indígenas, a partir do protagonismo das mulheres e da valorização de seu conhecimento tradicional.
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Mulheres indígenas da Delegação do Rio Negro durante III Marcha das Mulheres Indígenas|Webert da Cruz Elias/ISA
Joziléia explicou que, na Anmiga, todas partem de um local, uma comunidade, uma família, para então integrar essa rede ampliada. “A gente se expande, mas a gente retorna e é importante retornar para que a gente possa se conectar novamente e se potencializar espiritualmente”, acrescenta. Adentrando mais em sua pesquisa e vivência, ela também pondera os desafios enfrentados pelas suas integrantes, que precisam de uma dedicação contínua e diária, deixando suas famílias para fazer parte desse movimento e articular coletivamente com diversas mulheres indígenas para que a rede chegue cada vez mais nos territórios.
A exemplo disso, ela lembrou a construção da Marcha das Mulheres Indígenas. Organizada pela Anmiga, a Marcha chegou a sua terceira edição em 2023, reunindo mais de oito mil pessoas nas ruas de Brasília. Joziléia Kaingang contou também que esse momento, ao reunir todas essas mulheres-biomas na capital política do Brasil, ajudou também a suscitar debates urgentes. “A Anmiga hoje está em vários espaços, dentro do Poder Executivo, do Legislativo, mas ela está também no chão do território, batendo o pé no chão, balançando o maracá, cantando e mantendo a nossa espiritualidade”, finalizou.
Braulina Baniwa trouxe ao público um pouco mais sobre o processo de construção da mobilização de mulheres, que culminou na formalização da organização. “É um desafio muito grande trazer essa força de todas as mulheres que caminham conosco e, ao mesmo tempo, fortalece essa caminhada de demarcar espaços com os nossos corpos-territórios, indo ao encontro da humanidade e pedindo respeito a nossa diversidade de corpos que está presente em diversos lugares”, declarou.
Sobre a organização interna da Anmiga, Braulina explicou que ela é feita por meio das categorias: mulheres-terra; mulheres-sementes; mulheres-raízes; e mulheres-água. Juntas, elas formam um conselho consultivo e deliberativo, num formato que, em suas palavras, se caracteriza como uma árvore que cria sementes e gera outras sementes, trazendo frutos.
Assim, ela define as mulheres-raízes como as que estão nos territórios, que articulam e protegem os seus a partir de suas vozes ou da participação em uma organização coletiva. As mulheres-sementes, por sua vez, são as que se mobilizam nos espaços de articulação estaduais e são as escolhidas pelas mulheres como referência local. Já as mulheres-terra são as cofundadoras e as que fazem uma representação no cenário da política nacional e internacional, enquanto as mulheres-água que são as que atuam e defendem os direitos das mulheres indígenas internacionalmente.
“A Anmiga vem com esse processo de forma inédita e revolucionária, em que todas mulheres indígenas são e precisam ser respeitadas a partir da sua diversidade. Não importa se eu não falo bem o português, eu tenho a ciência, eu carrego esse saber comigo, esse corpo-território que se movimenta e transita entre os espaços também pede socorro pela demarcação de suas terras, pela soberania alimentar e luta pelo bem viver sem violência para as mulheres”, concluiu Braulina.
Keila Guajajara lembrou da Caravana das Originárias, uma jornada feita pela Anmiga em 2022 por todo o país, e trouxe ao debate a importância de garantir a presença das mulheres indígenas na mídia e a responsabilidade de contar essas histórias, amplificar suas vozes e mostrar que a luta delas também é importante. “Se vocês adentrassem os territórios, se vocês pudessem ouvir metade do que a gente ouve quando realiza a caravana, metade do que as nossas mulheres passam pra gente. É um saber que nenhuma escola, nenhuma universidade, e que nenhum lugar vai passar porque é uma sabedoria de vida, uma sabedoria ancestral”, complementou.
Lucimara Patté, do povo Xokleng, falou sobre a tese do “Marco Temporal” que teve sua Terra, Ibirama-La Klãnõ, como centro das discussões. Para ela, a tese tem como objetivo roubar e destruir territórios. “O território que nós protegemos com os nossos corpos. Nós lutamos porque o nosso território é o nosso corpo e quando essa tese se torna lei, a gente tem que repensar, recalcular, mas a gente continua nessa luta, porque antes mesmo da própria tese, nós temos a constituição a nosso favor”, defende. Ela ainda destaca a importância de trazer o debate sobre a tese em diversos espaços. “Precisamos ecoar nossas vozes para que elas sejam ouvidas.”
Jaqueline Kuña Aranduha, do povo Guarani Kaiowá, por sua vez, trouxe ao debate a importância da união com outros movimentos sociais, principalmente em um momento de colapso climático no Brasil e no mundo. “As questões climáticas não são somente responsabilidade dos povos indígenas, não é somente responsabilidade dos governos, mas de cada um. Então, as uniões são fundamentais, porque se a gente não estiver conectado, se as lutas forem isoladas, a gente não consegue avançar”, justificou.
Na mesma direção, Shirley Krenak destacou o papel das mulheres indígenas no combate às questões climáticas. “Nós somos a cura da terra, mas essa responsabilidade de curar a Terra não é só nossa, porque não somos só nós povos indígenas que bebemos água, que comemos terra. Então a luta para preservar a Terra, preservar a biodiversidade e preservar os biomas é de todos nós”, defendeu.
Acompanhe a luta das mulheres indígenas em @anmigaorg!
Floresta no Centro é o espaço do ISA no centro da cidade de São Paulo. Visite!
Endereço:
Loja Floresta no Centro, na Galeria Metrópole 2º Mezanino
Av. São Luís, nº 187 - República, São Paulo, CEP 01046-001
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ISA e Anmiga promovem roda de conversa sobre lutas de mulheres indígenas
Encontro no espaço Floresta no Centro, na capital paulista, reúne seis mulheres-biomas da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga)
No próximo dia 30 de janeiro, terça-feira, às 19h, seis integrantes da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) se reúnem em São Paulo (SP) para uma roda de conversa sobre o movimento de mulheres indígenas, as lutas que protagonizaram nos últimos anos e suas perspectivas para o próximo período.
Braulina Baniwa, mestra em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB), cofundadora da Articulação Brasileira de Indígenas Antropóloges (ABIA) e cofundadora da Anmiga; Joziléia Kaingang, doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), cofundadora e coordenadora da Anmiga; Shirley Krenak, coordenadora do Instituto Shirley Djukurnã Krenak e cofundadora da Anmiga; Keila Guajajara, jornalista e coordenadora de comunicação na Anmiga; Jaqueline Kuña Aranduha, povo Guarani Kaiowá, cofundadora da Anmiga; e Lucimara Patté, do povo Xokleng, bacharel em Direito e cofundadora da Anmiga, compartilharão suas experiências no bate-papo, que contará com a mediação da jornalista Bianca Santana.
O encontro acontecerá na loja Floresta no Centro, do Instituto Socioambiental (ISA), em São Paulo (SP), e a participação será gratuita.
Organizada pelo Programa Povos Indígenas no Brasil, do ISA, a mesa “Mulheres indígenas em luta” explorará ainda as possíveis alianças entre as lutas das mulheres indígenas e de outros movimentos de mulheres, além dos caminhos para a valorização e visibilidade de pautas prioritárias para mulheres indígenas – como participação política, combate à violência de gênero, saúde e educação diferenciadas.
Articuladora da Marcha das Mulheres Indígenas, a Anmiga é uma organização de mulheres originárias dos seis biomas do País – Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal. Por meio de uma construção coletiva, elas buscam fortalecer a luta pelo bem viver e por seus territórios, a partir do protagonismo das mulheres e da valorização de seus saberes tradicionais.
A Marcha, criada em 2020, chega em sua quarta edição em 2024 já consolidada como a maior mobilização de mulheres indígenas do País, levando mais de oito mil pessoas às ruas de Brasília por mais representatividade política e pelo fim da violência de gênero.
Essas e outras mobilizações de mulheres indígenas foram tema de destaque no livro Povos Indígenas no Brasil 2017-2022, do ISA, que, além de um encarte temático, também traz dados sistematizados sobre as organizações de mulheres indígenas – resultado de um mapeamento feito pelo ISA em 2020.
Sobre as participantes
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|Keila Guajajara
Braulina Baniwa
Mestra em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB), Braulina Baniwa é co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), cofundadora da Articulação Brasileira de Indígenas Antropóloges (ABIA).
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|Maria Carolina Botinhon
Joziléia Kaingang
Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Joziléia Daniza Jagso é indígena mulher do Povo Kaingang. Cofundadora e coordenadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga). Enquanto liderança indígena do Povo Kaingang, fez parte da equipe de construção do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) no Gabinete da Ministra e enquanto Secretária Nacional de Articulação e Promoção dos Direitos Indígenas.
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|Tepó Krenak
Shirley Krenak
Coordenadora do Instituto Shirley Djukurnã Krenak, Shirley, do povo Borum Krenak do leste de Minas Gerais, desenvolve diversos projetos educacionais e de fomento à cultura indígena. Shirley Krenak também é cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
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|Raíssa Azeredo
Keila Gadelha Guajajara
Mulher Indígena do Povo Guajajara, Mãe, Jornalista por formação, Mulher Semente e Coordenadora de Comunicação da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
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|Arquivo pessoal
Jaqueline Kuña Aranduhá
Jaqueline Kuña Aranduhá, do povo Guarani Kaiowá, é cientista social pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Ela também é cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e integrante da Kuñangue Aty Guasu.
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|Arquivo pessoal
Lucimara Patté
Mulher indígena do Povo Laklãnõ/Xokleng, do Bioma Mata Atlântica. Lucimara Patté é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
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|Arquivo pessoal
Bianca Santana
Doutora em ciência da informação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), Bianca Santana é jornalista e autora de “Continuo preta: a vida de Sueli Carneiro (Companhia das Letras, 2021)” e “Quando me descobri negra (SESI-SP, 2015. Fósforo, 2022)”.
Mediação: Bianca Santana
Doutora em ciência da informação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), Bianca Santana é jornalista e autora de “Continuo preta: a vida de Sueli Carneiro (Companhia das Letras, 2021)” e “Quando me descobri negra (SESI-SP, 2015. Fósforo, 2022)”.
Serviço
Evento: Roda de conversa: Mulheres Indígenas em Luta
Data: Terça-feira, 30 de janeiro de 2024
Horário: 19h
Local: Loja Floresta no Centro, no 2º piso da Galeria Metrópole - Av. São Luiz,187 - Centro, São Paulo - SP
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