Numa audiência na Comissão de Meio Ambiente do Senado, nesta quarta (22), organizações da sociedade civil e movimentos sociais que integram o Observatório da Economia da Sociobiodiversidade (ÓSócioBio) denunciaram os impactos negativos para povos e comunidades tradicionais do desmonte ambiental do governo de Jair Bolsonaro e criticaram a falta de políticas públicas para ampliar a produção econômica dessas populações (saiba mais sobre sociobiodiversidade no quadro ao final da reportagem).
Integrado pelo ISA, o ÓSócioBio também apresentou uma lista de recomendações para o próximo presidente eleito para estimular a economia da sociobiodiversidade. Até agora, está confirmada a entrega do documento à coordenação de programa de governo de Luís Inácio Lula da Silva.
“A economia da sociobiodiversidade é um dos caminhos para encarar o recrudescimento dos cenários de mudanças climáticas, a perda da biodiversidade, a insegurança hídrica e alimentar, e o aumento das desigualdades sociais”, afirma o texto.
Imagem
Audiência discutiu políticas de estímulo para produção de povos e comunidades tradicionais | Oswaldo Braga de Souza / ISA
Proteção de territórios
“Infelizmente, o contexto em que estamos vivendo não demonstra [ser] um momento muito favorável para essa agenda socioambiental no país”, lamentou na audiência Dione do Nascimento Torquato, secretário-executivo do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
Ele frisou que a economia dos produtos da floresta e dos outros biomas depende da oficialização e proteção de Terras Indígenas e Reservas Extrativistas - o que não vem sendo feito na gestão Bolsonaro. “O maior reflexo dessa triste realidade são os inúmeros casos de conflitos territoriais e fundiários, a morte de lideranças ativistas no campo e a invasão massiva dos nossos territórios tradicionais”, continuou.
Torquato defendeu a retomada de políticas desmanteladas pela administração federal que apoiaram a produção de povos e comunidades tradicionais no passado, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e à Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio).
“As comunidades tradicionais, comunidades quilombolas, comunidades indígenas que são verdadeiros defensores do meio ambiente, eles estão fazendo o papel do Estado, mas estão sendo dizimados. Não tem outra palavra. Estão sendo dizimados com políticas antiambientalistas, antivida”, reforçou o senador Fabiano Contarato (PT-ES), que conduziu a audiência.
“[É preciso apoio para] tudo que envolve a parte de orientação para que as coisas aconteçam como tem que ser. Porque é muita legislação, é muita burocracia, são muitos entraves. Ter pessoas, ter equipe, ter política pública que permita que pessoas apoiem os empreendimentos é de suma importância”, defendeu Dionete Figueiredo, da Cooperativa de Agricultura Familiar Sustentável com Base em Economia Solidária (Copabase), de Arinos (MG), em entrevista ao ISA (veja vídeo abaixo).
“Não menos importante é o acesso ao crédito. Sem crédito não é possível desenvolver esses trabalhos”, continuou. “O mercado é cruel, não dá espaço para erro. Nos nossos empreendimentos não temos acesso a política pública de crédito. Entregamos tudo para o banco, que dá uma resposta não favorável. Assim é nossa realidade”, disse. Ela cobrou a retomada de iniciativas oficiais de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater).
Na audiência, o facilitador de Diversidade Socioambiental do ISA, Jeferson Camarão Straatmann, argumentou que os produtos da sociobiodiversidade não podem ser tratados apenas como insumos e matérias-primas, mas devem ser considerados em seu potencial de geração de conhecimento e inovação e demandam regulamentação e estímulos diferenciados e adaptados (veja vídeo abaixo).
“Precisamos sair dessa lógica de provedores de insumos para uma lógica de economias que inovam a partir do conhecimento tradicional, são desenvolvedoras de tecnologias e soluções para saúde, moda, alimentação, governança, modelos econômicos, manejo e são prestadoras de serviços que entregam benefícios ecossistêmicos para todo o planeta”, defendeu.
“Os arranjos locais e territoriais e sua gestão devem ter políticas e programas específicos de gestão e regulamentação, que enxerguem esses arranjos com um prisma diferente do prisma das regulamentações do setor privado”, comentou.
“O futuro que o Brasil deseja é um futuro de inovação que reconheça os valores das economias da sociobiodiversidade, com garantia de direitos, proteção e segurança de seus territórios e modos de vida", fala Jeferson Straatmann (ISA), no @SenadoFederal. #ÓSócioBiopic.twitter.com/rt1t2Zmocm
A professora e pesquisadora da Universidade de Brasília Mônica Nogueira chamou a atenção para a dificuldade provocada pela ausência de dados sistematizados sobre os povos e comunidades tradicionais.
“Nós temos uma fragmentação, uma dispersão das informações relativas a povos e comunidades tradicionais no Brasil, seus territórios, os conflitos a que estão submetidos. E, ainda mais, sobre o que produzem, como a sua produção circula, como ela dinamiza a economia local”, apontou.
“O apagão de informação naturalmente dificulta a elaboração de políticas públicas apropriadas que considerem as especificidades da economia da sociobiodiversidade. E pior, marginaliza essa economia e os seus sujeitos”, completou.
O pesquisador e professor da USP Ricardo Abramovay informou que, segundo algumas pesquisas, a bioeconomia corresponde a 5% do PIB dos EUA, algo em torno de US$ 1 trilhão. Por outro lado, reiterou que, no Brasil, não há informações consolidadas sobre o setor, em especial para a Amazônia e o Cerrado.
“O Brasil pratica, sobretudo na Amazônia, uma economia da destruição da natureza. Nós precisamos de uma economia do conhecimento da natureza”, ressaltou. “A economia da destruição da natureza não propiciou desenvolvimento na Amazônia. A Amazônia hoje é a parte do Brasil onde estão seus piores indicadores sociais, onde a lei é sistematicamente desrespeitada, as instituições não conseguem exercer o seu papel, sobretudo num governo de fanáticos fundamentalistas que estimula a violência e o desrespeito à lei e a invasão de áreas protegidas”, comentou.
Imagem
Representantes do ÒSócioBio na audiência no Senado | Oswaldo Braga de Souza / ISA
O que é sociobiodiversidade?
Biodiversidade
A diversidade biológica ou biodiversidade é a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos, outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte. Abarca, ainda, a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.
Povos e comunidades tradicionais
A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais conceitua essas populações como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
Além de índios e quilombolas, podem ser assim considerados seringueiros, ribeirinhos, caiçaras, ciganos, beradeiros, quebradeiras de coco babaçu, geraizeiros, sertanejos, comunidades de fundos e fechos de pasto, entre outros, parte fundamental da diversidade sociocultural da sociedade brasileira. Há, pelo menos, 27 segmentos diferentes reconhecidos pelo Estado, conforme o Decreto nº 8.750/2016, que institui o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Sociobiodiversidade
O conceito de sociobiodiversidade foi desenvolvido em linhas de pesquisa que confirmaram o papel dos pequenos agricultores, camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais na preservação e promoção da biodiversidade dos ecossistemas. Trata-se de uma noção que abarca as relações entre essa diversidade biológica e os conhecimentos, informações e práticas sobre seu uso e conservação desenvolvidos por essas populações, ao longo de séculos e até milênios.
Em geral, a economia da sociobiodiversidade refere-se a produtos não madeireiros gerados a partir da exploração sustentável dos biomas. Alguns exemplos mais conhecidos no Brasil são: açaí, castanha-do-pará, pequi, babaçu, carnaúba, andiroba, copaíba, piaçava e derivados (alimentos, medicamentos, cosméticos, essências, óleos etc).
Organizações socioambientalistas e movimentos sociais do campo, das florestas e das águas, reunidos no Observatório da Economia da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista, apresentam, nesta quarta-feira (22), a partir das 9h, em audiência da Comissão de Meio Ambiente do Senado, documento com recomendações ao próximo governo eleito.
O objetivo do evento é fortalecer a economia da sociobiodiversidade e estabelecer o desenvolvimento sustentável como eixo do modelo de desenvolvimento brasileiro em alternativa aos modos de produção da monocultura nociva. A construção das recomendações ateve-se a diretrizes que prezam simultaneamente pela conservação dos ecossistemas, geração de renda, respeito aos modos de vida tradicionais, garantia de direitos territoriais e segurança alimentar das populações.
Integrado pelo ISA, o ÓSócioBio pretende promover uma economia que se assenta no respeito à vida e na valorização do uso sustentável da biodiversidade, em particular aquelas praticadas por povos e comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas, extrativistas ribeirinhos e agricultores familiares.
“Fortalecer a economia da sociobiodiversidade é um dos caminhos para mitigar o
agravamento dos cenários mais críticos de mudanças climáticas, como a perda da
biodiversidade, a insegurança hídrica e alimentar, o aumento de doenças transmissíveis e não-transmissíveis, e das desigualdades sociais”, afirma o documento que será apresentado no Senado.
As recomendações abordam a organização socioprodutiva e a gestão de empreendimentos; o fortalecimento da produção e beneficiamento; a comercialização e o acesso a mercados. O ÓSocioBio chama atenção para a importância da integração dos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) no Sistema Nacional (SICAR), que não acontece atualmente e que ameaça territórios tradicionais. O coletivo ainda aponta a necessidade de assistência técnica e extensão rural às populações do campo, além do acesso a crédito diferenciado para povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares. Incentivos fiscais, capacitação e pesquisas na área da economia da sociobiodiversidade são reivindicados.
Políticas insuficientes e inadequadas
As organizações e movimentos sociais que compõem o observatório pedem políticas públicas que capacitem as lideranças locais, deem apoio às comunidades para concorrência em editais de fomento, desburocratizem impostos, garantam participação social e o pagamento por serviços ambientais.
“O que se viu no período recente foi exatamente o oposto. Não apenas cessaram as ações governamentais em prol do atendimento dessa demanda, como os conflitos territoriais se acentuaram demasiadamente. O desenvolvimento da economia da sociobiodiversidade depende crucialmente da garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares”, aponta o observatório no texto com recomendações aos presidenciáveis.
Estudos sobre a economia da sociobiodiversidade mostram que o mercado de produtos sustentáveis nativos é mais rentável do que o das commodities. Analisando apenas o cultivo do açaí, por exemplo, sua rentabilidade é estimada em aproximadamente US$ 1,5 mil por cada hectare manejado. Em comparação, a soja tem valor mais de sete vezes menor: US$ 200 por hectare. De acordo com resultados da Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS) divulgados pelo IBGE, só em 2020 o açaí movimentou R$ 694 milhões; a erva-mate, R$ 559 milhões; a castanha-do-pará, R$ 98 milhões; e o pequi, R$ 45 milhões.
Não é novidade na ciência o potencial econômico do meio ambiente conservado. O aproveitamento racional e sustentável da Amazônia, do Cerrado e dos demais biomas brasileiros vale, em sua totalidade, centenas de bilhões de dólares. Os números ainda são subquantificados, já que as cadeias da sociobiodiversidade são, na maioria das vezes, informais e não entram na conta oficial. O investimento em pesquisa, nesse sentido, recomendado aos presidenciáveis pelo ÓSocioBio, é necessário para que o país tenha concretude sobre os valores da sua própria diversidade natural.
Serviço
ÓSocioBio apresenta recomendações para novo governo federal
Audiência na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal
22 de junho, quarta-feira, a partir das 9h.
Transmissão: https://twitter.com/socioambiental
Sobre o ÓSocioBio
O Observatório da Economia da Sociobiodiversidade (ÓSócioBio) reúne ONGs ambientalistas, movimentos sociais do campo e populações indígenas e tradicionais no Brasil, como ISA, ISPN, WWF-Brasil, Contag, CNS, Memorial Chico Mendes, Articulação Pacari e outras (veja lista completa na carta de criação). Lançada no último 1º de junho, a iniciativa ancora-se sobre um tripé que alia Economia, Pessoas e Biodiversidade. O objetivo é influenciar projetos no Congresso e no Poder Executivo para garantir a sustentabilidade no desenvolvimento brasileiro, com valorização dos povos e comunidades tradicionais.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
PF confirma assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira no Vale do Javari (AM)
Polícia Federal informou que um dos suspeitos confessou ter participado de crimes. Corpos e pertences de vítimas ainda estão sendo periciados e barco será analisado nos próximos dias
A Superintendência da Polícia Federal (PF) no Amazonas confirmou, na noite desta quarta-feira (15/6), em entrevista coletiva em Manaus, que os corpos que seriam do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista e servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Araújo Pereira foram encontrados perto da comunidade ribeirinha de São Rafael, na região do município de Atalaia do Norte, no extremo oeste do estado do Amazonas. Os dois estavam desaparecidos desde domingo (5).
De acordo com a PF, Amarildo da Costa, conhecido como “Pelado”, confessou a participação nos assassinatos de ambos. Ainda na quarta, ele foi levado por policiais ao local onde estariam os restos mortais das vítimas.
Outro suspeito já preso é o irmão de Amarildo, Oseney da Costa Oliveira, conhecido como “Dos Santos”. Ele negou a participação nos crimes, mas há “provas em seu desfavor”, segundo o superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Alexandre Fontes. Fontes também confirmou que há um terceiro suspeito em investigação já preso.
O superintendente da PF reforçou que só será possível ter “100% de certeza” sobre a identidade dos cadáveres e sobre como as vítimas foram mortas após a conclusão da perícia. Apesar disso, informou que Amarildo contou que teria sido usada uma arma de fogo. O policial não deu mais detalhes, justificando que as investigações correm sob sigilo.
No início da semana, a PF tinha encontrado documentos de Pereira e objetos pessoais dele e de Dom. Os pertences foram enviados para perícia em Manaus. Os itens estavam próximos à casa de Amarildo, na comunidade de São Rafael, submersos e amarrados a uma árvore, para que não fossem encontrados. O barco em que estavam Phillips e Pereira também teria sido afundado com uso de sacos de terra para que não fosse encontrado. A embarcação ainda não foi encontrada.
Amarildo havia sido preso em flagrante, na terça-feira (7/6), por posse de drogas e de armas, uma delas de uso restrito. Também foram encontrados vestígios de sangue, que estão em análise, no barco do suspeito.
Imagem
Coletiva de imprensa com órgãos que trabalham nas investigações sobre as mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira. Ao centro, o superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Alexandre Fontes | Reprodução Youtube
Linha investigativa
Nos últimos dias, com base em vazamentos vindos da própria PF, veículos da imprensa divulgaram que Amarildo teria esquartejado e enterrado os corpos. Os assassinatos teriam sido cometidos por causa dos registros feitos por Phillips e Pereira sobre a pesca ilegal realizada por invasores na Terra Indígena (TI) Vale do Javari, a segunda maior do país, com 8,5 milhões de hectares. A polícia suspeita que a atividade era usada para lavar dinheiro do narcotráfico praticado na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.
Pouco antes de desaparecer, além da documentação da prática dos crimes, Pereira estava fazendo conversas com indígenas, ribeirinhos e autoridades locais para tentar conter a pesca ilegal na região e obrigar alguns dos invasores a aderirem a práticas legais de manejo pesqueiro. Recentemente, o servidor realizou um grande mapeamento das atividades ilícitas na TI Vale do Javari. O material foi entregue a órgãos como o Ministério Público Federal (MPF).
Já Dom Phillips era um experiente e reconhecido repórter que colaborou para jornais importantes, como os norte-americanos New York Times eWashington Post e, principalmente, para o britânico The Guardian. Morava há 15 anos no Brasil, tinha conhecimento da Amazônia e estava escrevendo um livro sobre os principais problemas ambientais da região e como solucioná-los.
Imagem
Perícia no barco do suspeito Amarildo da Costa | PF-AM
Univaja confirma crimes
Na coletiva em Manaus, chamou atenção a ausência de mais informações relevantes, de representantes dos povos indígenas da região e do reconhecimento do seu trabalho e dedicação nas buscas aos desaparecidos.
Pouco antes da entrevista com a PF e integrantes dos órgãos oficiais que auxiliam as investigações, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) divulgou uma nota, também confirmando as mortes.
“Hoje, 15/06/22, após 11 dias de buscas, obtivemos a notícia de que os corpos de Pereira e Phillips, nossos parceiros e defensores dos Direitos Humanos, foram encontrados pelos órgãos competentes envolvidos nas buscas”, diz o texto.
“A UNIVAJA compreende que o assassinato de Pereira e Phillips constitui um crime político, pois ambos eram defensores dos Direitos Humanos e morreram desempenhando atividades em benefício de nós, povos indígenas do Vale do Javari, pelo nosso direito ao bem-viver, pelo nosso direito ao território e aos recursos naturais que são nosso alimento e garantia de vida, não apenas da nossa vida, mas também da vida dos nossos parentes isolados”, continua a nota.
Exoneração na Funai
Pereira foi chefe da coordenação de Povos Isolados da Funai no Vale do Javari. No final de 2019, foi exonerado do cargo de coordenador geral de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato da sede da Funai, em Brasília, após ser responsável por uma ação de repressão ao garimpo ilegal também no Vale do Javari, com a destruição de dezenas de balsas de garimpo.
“Na conjuntura atual de desmonte da política indigenista e de ataques aos direitos indígenas, ele [Bruno] optou por se afastar do órgão [indigenista] e seguir esse trabalho lá no Vale do Javari, como assessor da Univaja, onde vinha participando de uma série de iniciativas voltadas a proteger o território, produzir informações, subsidiar a atuação do estado com informações qualificadas sobre o conjunto de pressões e ameaças que incidem sobre essa terra indígena”, conta Conrado Octávio, geógrafo associado ao Centro de Trabalho Indigenista (CTI).
“Era um profissional extremamente dedicado, competente e comprometido com os povos indígenas do Vale do Javari, onde começou a trabalhar em 2010, quando entrou na Funai”, complementa Octávio.
“No Vale do Javari, ele veio desempenhando um papel fundamental nas ações de proteção territorial, de proteção de povos isolados e de recente contato. Enquanto esteve à frente desse trabalho, estendeu essas ações para muitos outros povos e territórios indígenas”, conclui.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Pesar e revolta
Editorial do ISA sobre o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, que completa 10 dias nesta quarta-feira 15/6
O ISA expressa a sua mais profunda solidariedade aos familiares, amigos e parceiros do indigenista e servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, cujo desaparecimento no Vale do Javari (AM) completa 10 dias nesta quarta-feira 15/6.
Queremos manifestar a nossa indignação e revolta contra a violência e a impunidade que tomam conta da Amazônia, com a cumplicidade de autoridades e de órgãos oficiais que têm a obrigação de proteger os povos da floresta e os seus apoiadores.
Repudiamos as tentativas do presidente da República, Jair Bolsonaro, e do presidente da Funai, Marcelo Xavier, de transferir às próprias vítimas a responsabilidade pelos crimes hediondos que provavelmente sofreram
Ressaltamos que Bruno e Dom, quando desapareceram, trabalhavam pela proteção e pelo desenvolvimento sustentável da Terra Indígena Vale do Javari, território com a maior presença de povos indígenas isolados de toda a Amazônia e do mundo.
Enfatizamos que a violência que pode ter sido perpetrada contra Bruno e Dom soma-se a dezenas de outras praticadas contra lideranças indígenas, extrativistas, jornalistas e ambientalistas durante o atual mandato presidencial.
Lamentamos, profundamente, a omissão de instituições essenciais do Estado, como a Procuradoria-Geral da República e o Exército, diante de reiteradas evidências do avanço da atuação do crime organizado na Amazônia. Exigimos a continuidade das buscas e investigações quanto ao desaparecimento de Dom e Bruno. Nos colocamos ao lado das organizações e populações indígenas que não medem esforços no apoio aos familiares, na busca dos desaparecidos e das respostas para o caso.
Apelamos para todas as pessoas e organizações comprometidas com o futuro dos povos indígenas e das populações tradicionais, e com a proteção de nossos biomas, para unirmos as nossas forças e levarmos adiante o projeto por uma Amazônia que viva sob a proteção do Estado de Direito e seja verdadeiramente livre e sustentável.
Imagem
| Cris Vector
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Sobre o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips no Vale do Javari (AM)
Indigenista e jornalista desapareceram na região de Atalaia do Norte. Sociedade civil cobra intensificação das buscas. Nota da campanha 'Isolados ou Dizimados'
A campanha "Isolados ou dizimados" encabeçada pelas organizações Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e pelo OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) e que conta com o apoio do Instituto Socioambiental, da Survival, OPAN (Operação Amazônia Nativa), e Uma Gota no Oceano, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) manifesta publicamente sua indignação com o descaso e a lentidão do governo brasileiro nos esforços pela busca de Bruno Pereira e Dom Phillips, desaparecidos no último domingo, 5 de junho, na Terra Indígena Vale do Javari.
As invasões no Vale do Javari por garimpeiros, madeireiros, narcotraficantes, pescadores e caçadores são sistêmicas e, apesar de terem sido denunciadas pelas organizações indígenas locais, a negligência do governo em contê-los tem gerado um grave cenário de violência na região. A ausência e omissão do Estado, nesta e em inúmeras outras terras indígenas em todo o país, tem impulsionado e empoderado esses invasores pela certeza da impunidade por seus crimes.
Bruno Pereira, indigenista experiente e aliado da luta pelos direitos indígenas, atuou durante anos do Vale do Javari. Em 2018 assumiu a Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) e chefiou importante expedição de contato com os Korubo. Estava colaborando com a organização indígena Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) no planejamento de ações de proteção do território.
Junto ao Bruno estava Dom Phillips, jornalista britânico que escreve para diversos veículos internacionais, dentre eles o Guardian, que visitava a região para entrevistar indígenas como parte de sua pesquisa para a escrita de um livro.
Até o momento, as buscas para encontrá-los não tiveram resultados, o que traz muita apreensão e temor sobre o que possa ter acontecido com eles.
Manifestamos nossa solidariedade às famílias, amigos e colegas de trabalho de Bruno Pereira e de Dom Phillips e aos povos indígenas do Vale do Javari e de todo o país, que têm tido seus territórios e vidas sistematicamente e constantemente ameaçados.
Alertas de desmatamento no entorno da TI Pirititi, a menos de 2 km do limite da área. Fonte: ISA (2022) / Imagens Planet
Nesta quinta (9), vence mais uma vez a portaria de restrição de uso que garante a proteção dos isolados da Terra Indígena (TI) Pirititi (RR). Publicada há exatamente seis meses, a última portaria comprovou que esse tempo é insuficiente para garantir a proteção efetiva, uma vez que o avanço de madeireiros e grileiros continua a todo vapor rumo ao interior da área.
A situação é apresentada em relatório técnico do ISA, que confirma que as invasões e desmatamentos aumentaram nos momentos mais críticos da pandemia e seguem avançando exponencialmente. O problema coincide com o período que antecede o término da vigência das portarias, é fruto da ausência de operações de fiscalização e da expectativa e especulação dos invasores sobre a não renovação desse tipo de norma, mecanismo de proteção legal de grupos indígenas isolados emitido pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Dados oficiais de desmatamento na Amazônia divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, até julho de 2021, foram desmatados 502,4 hectares no interior da TI, o que equivale a cerca de 300 mil árvores derrubadas.
As imagens de alta resolução do satélite Planet mostram diversas áreas abertas ilegalmente, localizadas muito próximo aos limites do território indígena. O desmatamento detectado sugere a abertura de uma estrada vicinal ilegal que já destruiu aproximadamente 72 hectares de floresta e avança em direção ao interior da TI.
O sobrevoo realizado na área, em janeiro de 2022, pelo ISA comprova que clareiras podem ser vistos a olho nu e a destruição da floresta avança de forma avassaladora para o interior do território indígena rumo à região habitada pelos isolados.
O desmatamento acumulado no interior desse território já atingiu 2.240 hectares, mais de um milhão de árvores derrubadas. Essa soma toma como base a série histórica dos dados do sistema Prodes do Inpe (que computa a taxa oficial de desmatamento na Amazônia) complementados pelo sistema Sirad na TI Pirititi, a partir de abril de 2020.
Os registros de desmatamento coincidem com o período que antecede o vencimento da portaria de restrição de uso, que pode abrir caminho a uma invasão ainda mais ostensiva. Como explica Antonio Oviedo, coordenador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA:
"Quando o período de vigência da portaria está terminando, ocorre o aumento das invasões nesses territórios, como evidência da expectativa dos invasores de que a demarcação dessas terras não avance. Agregado a isso, a abertura de estradas, vicinais ilegais sem controle dos órgãos socioambientais, facilita o escoamento de madeira saqueada dentro da Terra Indígena."
Imagem
Portaria que protege o território venceu novamente. Enquanto isso, madeireiros e grileiros avançam rumo ao interior da terra indígena. Foto: Bruno Kelly / ISA
Invasores se sobrepõem à terra dos isolados
Outra pressão que a TI Pirititi sofre é com o registro irregular de imóveis por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Atualmente, há 40 cadastros inseridos de forma irregular no Sistema do Cadastro Ambiental Rural (SICAR). Estes registros estão classificados como “ativos” e cobrem uma área que representa 54 % do total da TI.
De acordo com Oviedo, a medida necessária para salvaguardar as vidas dos povos indígenas isolados é a intervenção urgente. Para isso, complementa, permanecem indispensáveis operações de fiscalização para combater a abertura de ramais ilegais e evitar a entrada de novos invasores na TI Pirititi, além de medidas emergenciais para a efetivação dos trabalhos do Grupo Técnico (Portaria 481/2022 de 24.02.2022), constituído para realizar os estudos necessários para a conclusão da demarcação do território. A ausência destas medidas podem provocar o genocídio dos indígenas isolados da TI Pirititi, finaliza o pesquisador.
Pirititi na mira do Linhão
Em Roraima, um estado que protagoniza diferentes conflitos fundiários relacionados à presença de garimpeiros e outros invasores em territórios indígenas, há outros vetores de pressão: a iminência da construção, no sul do estado, do Linhão de Tucuruí. A linha de transmissão pode ser implementada ao longo do eixo da BR-174, que corta a TI Waimiri-Atroari em 125 km e impacta a zona de amortecimento da TI Pirititi.
A obra consiste na construção de torres gigantescas a uma distância segura em relação à estrada, implicando novos desmatamentos ao longo de todo o trecho rodoviário e dificultando a conexão entre as partes do território separadas pela estrada e todos os processos ecológicos envolvidos.
A TI Pirititi faz limite e tem alta conectividade com a TI Waimiri-Atroari, localizada no município de Rorainópolis. Segundo a Funai, essa TI tem um registro “confirmado”, que comprova a existência de um povo indígena em isolamento e, desde 2012, a TI tem uma portaria de restrição, renovada seguidas vezes, que garante a proteção do território.
Contudo, esse mecanismo que protege a TI Pirititi caduca hoje (9) e, até o momento, a Funai não se pronunciou se vai garantir o direito ao território para esses indígenas. A omissão do órgão e o projeto do Linhão podem aumentar as tensões e invasões ao território.
Nas terras indígenas monitoradas pela "Campanha Isolados ou dizimados", a Funai tem demorado a publicar restrições de uso, aumentando a insegurança territorial e com isso proporcionado avanço das invasões, ou em alguns casos, só publicando a portaria de restrição mediante determinação judicial, como foi o caso com a TI Ituna Itatá (PA) (acesse a petição e saiba mais).
Em 2021, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) em que expediu recomendações para proteger o povo indígena isolado Pirititi, visando a demarcação da TI e a determinação de ações de combate às infrações ambientais.
Em fevereiro deste ano, a Funai publicou a portaria que instituiu o Grupo Técnico para elaboração de relatório de estudos para qualificar a identificação da TI Pirititi. Conforme a norma, o relatório deve ser entregue até julho de 2022 e garantir o início do processo demarcatório. A portaria também previa a realização de trabalhos de campo com período de 30 dias. Até agora, nenhuma viagem dos componentes que compõem o GT foi realizada.
A ação relata que a existência dos Pirititi é ameaçada pelo avanço de madeireiros e grileiros. Em 2018, o Ibama promoveu a maior apreensão de madeira ilegal da história de Roraima (7.387 toras, equivalentes a 15.000 m³), na região dos Pirititi. E nos últimos dois anos, o sistema de monitoramento independente do ISA, o Sirad, vem detectando invasões e pequenos desmatamentos na TI.
Apesar das evidências de invasões e desmatamentos, os procedimentos para formalização da demarcação jamais foram iniciados. Devido à demora em regularizar a área, a ACP pede a realização da demarcação num prazo de três anos.
Alertas de desmatamento registrados no entorno da TI Pirititi, localizados a menos de 2 km do limite da TI. Fonte: ISA (2022)/Imagens PLANET.
Portaria que protege o território venceu novamente. Enquanto isso, madeireiros e grileiros avançam rumo ao interior da terra indígena. Foto: Bruno Kelly/ISA
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Ruralistas e bolsonaristas correm para alterar Código Florestal em ano de eleições
Menos tempo de trabalho legislativo gera ofensiva em várias frentes no Congresso. Projetos podem ser votados em plena semana do Dia do Meio Ambiente (5)
Vegetação nativa é fundamental para manter mananciais de água e regulação climática, mas no Congresso segue a pressão para aprovar projetos que reduzem conservação. Seca afeta represa da Cantareira (SP), em 2014 | Adriano Fagundes
Em ano eleitoral, ruralistas e governo lançaram uma corrida para mudar o novo Código Florestal no Congresso, 10 anos após a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) impor uma reforma radical na legislação. A norma completou uma década em 25/5.
Alguns projetos que pretendem alterar a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (nº 12.651/2012) estão sendo votados nesta semana ‒ quando se comemorou o Dia do Meio Ambiente, no domingo (5). A expectativa é que as pressões aumentem até o recesso parlamentar, de 18 a 31/7, e após as eleições, no final do ano.
Em articulação com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a FPA pretende votar um pacote de propostas que alega ser favorável à conservação. Ambientalistas e oposição, porém, alertam tratar-se de uma inversão de narrativa, ao estilo bolsonarista. Na verdade, os projetos vão em direção contrária: pretendem anistiar desmatamentos ilegais, permitir intervenções em Áreas de Preservação Permanente (APPs), flexibilizar regras do reflorestamento e dos prazos da regularização ambiental.
Nesta quarta (8), na Comissão de Meio Ambiente (CMADS) da Câmara, foi aprovado o Projeto de Lei (PL) 6.017/2019, que desobriga o registro em cartório da Cota de Reserva Ambiental (CRA), título que atesta que uma área de um imóvel rural tem cobertura vegetal natural e pode ser usada para compensar a falta de vegetação em outra propriedade. O projeto segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, se for aprovado, vai à sanção presidencial, a não ser que um requerimento o leve ao plenário da Câmara, porque já passou pelo Senado e tramita em caráter terminativo. Nesse regime de tramitação, após passar por comissões, o projeto segue direto para a outra casa legislativa, sem ser analisado pelo plenário da casa onde está tramitando.
Nesta quinta de manhã (9), está na pauta da Comissão de Agricultura (CRA) do Senado o PL 1.282/2019, que permite desmatar APPs para viabilizar obras de reservatórios e irrigação. Nas últimas semanas, também aumentou a pressão para o colegiado apreciar o PL 2.374/2020, que anistia milhões de hectares desmatados ilegalmente em Reservas Legais (RLs) entre 2008 e 2012. Ambos tramitam em caráter terminativo.
Outros PLs podem ser incluídos na pauta de votações até o fim do ano, dependendo da pressão nos bastidores e da correlação de forças em cada instância. Considerando a gravidade do conteúdo, movimentações na tramitação nas últimas semanas e informações de bastidores, o ISA listou algumas propostas que merecem atenção (veja quadro ao final da reportagem).
Imagem
Alterações no Código Florestal estimulam descumprimento da lei e desmatamento, segundo pesquisadores e sociedade civil. Fazenda no Mato Grosso | Ricardo Abad / ISA
Eleições e tramitação acelerada
Após 2012, foram feitas mais alterações na Lei 12.651, mas as eleições de outubro, o término da legislatura e o possível fim da gestão Bolsonaro turbinaram uma ofensiva contra a norma no parlamento. Em ano eleitoral, o tempo de trabalho legislativo é reduzido porque os parlamentares mergulham nas campanhas. O Legislativo fica vazio no segundo semestre até o fim das eleições. Assim, há pressa para aprovar propostas que possam ser apresentadas como “trunfo” aos eleitores.
“O que percebemos é que existe um esforço concentrado da bancada ruralista para aproveitar o que podem ser os últimos meses do atual governo”, aponta a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). “No Senado, montamos trincheiras de resistência, mas não sei até quando vamos conseguir resistir, pois não param de chegar matérias novas aprovadas pela Câmara”, completa.
Com a pressão sobre as cúpulas e as comissões das duas casas legislativas, a tramitação dos projetos foi acelerada, muitas vezes levando-os diretamente ao plenário sem passar pelos colegiados especializados em cada tema ou em caráter terminativo. As manobras foram facilitadas pelo regime de votações remotas e trâmite mais rápido da pandemia.
PLs com conteúdo semelhante também vêm sendo pautados em diferentes instâncias e de última hora, sem nenhum debate ou publicidade, para driblar a resistência da oposição e da sociedade civil.
“Com a perspectiva do Lula ganhar as eleições, eles [ruralistas] querem avançar nos retrocessos para tornar um pouco mais difícil depois retomar [a legislação original]”, complementa o deputado Nilto Tatto (PT-SP). Ele avalia que alguns projetos certamente serão questionados na Justiça, se forem convertidos em lei. “O próprio Supremo já tomou uma decisão de que não pode haver retrocessos na política socioambiental. De qualquer forma, há, sim, risco muito grande [de PLs serem aprovados até o fim do ano]”, aposta.
Imagem
Alguns dos projetos que ameaçam o Código Florestal facilitam o desmatamento em áreas de preservação para obras de irrigação. Disputa pela água já chegou no Legislativo. Represa e reservatórios construídos em APP | Tom Koene
Pressão sobre projetos
Se Arthur Lira trabalha em sintonia fina com ruralistas e bolsonaristas, as pressões sobre Rodrigo Pacheco, que tem atuação um pouco mais independente, também parecem ter resultado. Atendendo a um requerimento, ele decidiu que o PL 1.282/2019 passaria nas comissões de Meio Ambiente e Agricultura do Senado. Dias depois, mudou de ideia e remeteu-o apenas ao segundo colegiado, dominado pela bancada da agropecuária. São os presidentes das duas casas que decidem em que instâncias um projeto será apreciado.
Pacheco também remeteu apenas à CRA o "PL do Veneno" (nº 1.459/2022), que desregulamenta o uso e a venda de agrotóxicos. Se for aprovado, segue para o plenário.
Em maio, a Climate Policy Initiative (CPI, Iniciativa de Política Climática), vinculada à PUC-RJ, lançou um “barômetro” para avaliar os projetos em tramitação sobre o Código Florestal. Do total de 115 propostas, 13 foram classificadas como nocivas ao meio ambiente em grau médio ou elevado. O restante teria grau mais baixo ou impacto insignificante. Em 2020, um levantamento preliminar havia identificado 56 propostas, chamando atenção para sete com retrocessos relevantes.
A gerente de pesquisa da CPI, Cristina Leme, ressalva que, considerando a metodologia da análise, não é possível dizer que houve um aumento do número de proposições nos últimos meses, mas reconhece que o esforço para mudar a legislação continua crescendo. “A pressão pela alteração só aumenta”, salienta.
Imagem
Fonte: Prodes / Inpe
Sinalização para desmatar
Pesquisadores e ambientalistas concordam que a reforma do antigo Código Florestal, de 1965, foi um dos fatores que fomentou a retomada do ritmo do desmatamento na Amazônia. O fato foi reconhecido até pelo ministro Luiz Fux, relator das ações sobre a nova legislação julgadas no Supremo Tribunal Federal (STF).
Entre 2004 e 2012, a destruição da floresta caiu de 27,8 mil km2 para 4,6 mil km2, uma redução de 83%. Depois da mudança da lei, as taxas voltaram a crescer gradualmente, até explodirem no governo Bolsonaro, chegando a 13 mil km2 no ano passado, o maior índice em 14 anos, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
As anistias a desmatamentos e a redução das restrições ambientais teriam sinalizado aos infratores que a lei poderia continuar sendo descumprida e mais benesses viriam no futuro. As novas propostas legislativas e o discurso em sua defesa agravaram o problema. Também é consenso que o desmonte das políticas ambientais promovido pela gestão Bolsonaro levou a situação ao paroxismo.
“É uma lógica que convida você a desmatar porque, amanhã, a lei vai mudar de novo e você vai ser anistiado. Então você cria uma leniência. A regra é a leniência. Muitas das propostas que tramitam hoje de mudança do Código Florestal tem a ver com isso”, avalia a especialista em Biodiversidade do ISA Nurit Bensusan. “A ideia é sempre essa: diminuir a quantidade de área que deve ser preservada”, lamenta.
“Tem um sentimento de impunidade que está no ar. Eu acho que impunidade, flexibilização e falta de fiscalização ‒ tudo isso faz com que cada um faça o que quer, tente tirar proveito individual, independentemente da lei, o quanto puder”, analisa Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociências e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
“A taxa de desmatamento está estourando. E vai continuar nesse compasso. Se a gente continuar com um governo com a mesma proposta, de constante flexibilização, isso vai potencializar enormemente [a taxa]. A gente vai bater recorde de desmatamento ano após ano”, adverte. Para o cientista, reverter a situação exige uma mudança política de 180º no sentido de reerguer as políticas e órgãos ambientais.
“Há 10 anos, a avaliação era que havia se inserido uma anistia dentro da lei florestal. Hoje, podemos dizer que, na verdade, a anistia é que virou regra e se sobrepôs à legislação. Então, estamos na iminência de não ter lei florestal no Brasil, por causa dessas diversas anistias e das novas propostas de mudança nas normas”, aposta Kenzo Jucá, assessor parlamentar do ISA.
'Lei ruim'
“Não acho que isso [as alterações na legislação] vai virar, vamos dizer assim, incentivo para não cumprir a lei agora. O pior é tu não poder fazer as coisas ou, às vezes, nem poder cumprir a própria lei, porque ela está muito ruim. Então, o meu papel como legislador é tentar corrigir isso”, contrapõe o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), integrante da FPA e o autor do PL 399/2022, que facilita intervenções em APPs.
Ele acredita que o aumento da demanda pela produção agrícola e a diversidade ambiental do país, que exigiria normas específicas por região, implicam uma “necessidade permanente de atualização” da legislação. “O ser humano, no meu ponto de vista, nesse aspecto, tem que ser sempre prioridade. Por isso que a gente vai ter que ir fazendo as adaptações devidas, para que isso tudo possa suprir a demanda do ser humano”, conclui.
A reportagem entrou em contato com o presidente da FPA, deputado Sérgio de Souza (MDB-PR), mas ele disse, por meio de sua assessoria, que não daria entrevista porque o ISA não pode ser considerado um meio de comunicação e tem “viés” ideológico. A assessoria do líder do governo no Senado informou que o cargo segue vago e nenhum vice-líder poderia falar. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), não retornou o pedido de entrevista. Os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente informaram que não se manifestariam.
Imagem
Destruição de APPs e crise climática podem agravar danos humanos e econômicos de inundações no país. Enchente em Manaus, em 2016 | Alberto César Araújo / Amazônia Real
APPs sob ataque
Um dos alvos principais das propostas ruralistas são as APPs. Conforme a lei, elas devem ser mantidas às margens de nascentes e demais corpos de água, em encostas, topos de morros e outras áreas sensíveis. São fundamentais para manter os mananciais de água, atenuar os efeitos das cheias e evitar deslizamentos, entre outros (leia mais no quadro ao final da reportagem).
“A tendência mesmo é aumentarem as consequências dos extremos climáticos, num cenário de intensificação das mudanças climáticas, quer dizer, enchentes, inundações, assoreamento de rios, deslizamentos”, aponta Metzger.
No final de 2021, governo e FPA já haviam conseguido aprovar a Lei 14.285, que transferiu aos municípios a competência para definir o tamanho das APPs às margens de cursos d’água nas zonas urbanas, permitindo dispensar as diretrizes do Código Florestal e até eliminar essa proteção.
A norma é alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.146 no STF, movida por partidos de oposição e apoiada por organizações da sociedade civil, como o ISA. Eles pedem que seja declarada inconstitucionalidade da lei e sua suspensão imediata até que o mérito seja julgado.
De acordo com reportagem da Agência Pública, a aprovação da nova legislação foi influenciada pelo lobby da construção civil e das imobiliárias para abrir novas áreas a desmatamentos e ocupações.
Principais ameaças ao Código Florestal no Congresso
Senado
Imagem
PL 1.282/2019
Autor: senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) (foto)
Relator: senador Esperidião Amin (PP-SC)
Em pauta na Comissão de Agricultura (CRA) do Senado, em regime terminativo; se aprovado vai à Câmara.
Permite desmatar APPs para a construção de reservatórios e obras de irrigação. A perda de vegetação nessas áreas pode colocar em risco outros usos da água, como o abastecimento humano e a pesca, provocar assoreamento e erosão etc. Heinze não respondeu ao pedido de entrevista. Foto: Geraldo Magela / Agência Senado
Imagem
PL 2.374/2020
Autor: senador Irajá Abreu (PSD-TO) (foto)
Relator: senador Telmário Mota (PROS-RR)
Aguarda votação na Comissão de Agricultura (CRA) do Senado, em regime terminativo; se aprovado vai à Câmara.
Anistia desmatamentos ilegais em Reserva Legal (RL) realizados entre 2008 e 2012, permitindo a regularização ambiental dessas áreas. Nesses quatro anos, foram desmatados 13,8 milhões de hectares em todo país, uma área maior que Pernambuco. Parte significativa disso seria anistiada, se o projeto for aprovado. Irajá não respondeu ao pedido de entrevista. Foto: Waldemir Barreto / Agência Senado
Câmara dos Deputados
Imagem
PL 6.017/2019
Autor: senador Wellington Fagundes (PR-MT) (foto)
Relator: deputado José Mário Schreiner (MDB-GO)
Em pauta na Comissão de Meio Ambiente (CMADS) da Câmara; depois segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em caráter terminativo; se aprovado, vai ao Senado.
Retira a obrigatoriedade de averbação (registro em cartório) da Cota de Reserva Ambiental (CRA), título que atesta que uma área de um imóvel rural tem cobertura vegetal natural e pode ser usada para compensar a falta de vegetação em outra propriedade. Enfraquece os controles sobre a CRA, dificultando averiguar sua localização, dimensão e condição ambiental e facilitando fraudes. Fagundes não retornou o pedido de entrevista. Foto: Pedro França / Agência Senado
Imagem
PL 399/2022
Autor: Deputado Jerônimo Goergen (foto)
Relator: indefinido
Aguarda designação de relator na Comissão de Agricultura da Câmara (CAPADR), depois segue para a CMA e a CCJ da Câmara, em caráter terminativo; se aprovado, vai ao Senado
Facilita intervenções e desmatamento nas APPs ao dar a obras e áreas destinadas à irrigação o caráter de “utilidade pública e interesse social”. A perda de vegetação nessas áreas pode colocar em risco outros usos da água, como o abastecimento humano e a pesca, provocar assoreamento e erosão etc. Goergen nega que a aprovação da proposta irá estimular o desmatamento e argumenta que a regulamentação da norma poderá adaptá-la a cada região do país, impedindo excessos e irregularidades. “Não estamos dizendo ‘faça de qualquer jeito’. O que estamos dizendo é o seguinte: se ali é uma área onde vai ter que atender a demanda do ser humano, para a produção de alimentos, aquilo é uma prioridade”, defende. “A nossa legislação atual é uma legislação que impõe uma série de barreiras que são inexplicáveis no meu ponto de vista, dada a importância econômica, social e alimentar que o agronegócio tem no país hoje. Armazenar água é uma extrema necessidade no Brasil”, argumenta. Foto: Cleia Viana / Agência Câmara
Imagem
PL 36/2021
Autor: deputado Zé Vitor (PL-MG) (foto)
Relator: deputado Neri Geller (PP-MT)
Foi aprovado na CAPADR, tramita na CMADS em regime de urgência e depois segue para a CCJ da Câmara, em caráter terminativo; se aprovado vai ao Senado.
Prevê que o prazo de inscrição do CAR, que permite a adesão ao PRA e que venceu em 31 de dezembro de 2020, seja estendido até 31 de dezembro de 2022 para a “pequena propriedade e a posse rural familiar”. A Lei Florestal tem dez anos de vigência, mas é baixíssimo o índice de sua implementação. Já houve diversas prorrogações dos prazos, o que estimula o descumprimento da lei. Zé Vitor alega que os pequenos produtores rurais não conseguiram fazer seu CAR a tempo por desinformação e falta de apoio do governo. Por causa disso, considera que o ideal era que o prazo para esses proprietários e posseiros fosse indeterminado. Ele considera que o prejuízo ambiental de exclui-los do CAR e do PRA é maior do que eventuais prejuízos da alteração de prazos. “Pelo perfil das pessoas que não se inscreveram [no CAR], são produtores aparentemente de menor grau de instrução ou com dificuldade de acesso à informação”, afirma. “Eles precisam participar desse programa para que a gente tenha uma noção exata de onde eles estão, o que estão fazendo, para que se possa garantir também e cobrar que eles se regularizem”, justifica. Foto: Pablo Valadares / Agência Câmara
Imagem
PL 311/2022
Autor: deputado Darci de Matos (PSD-SC) (foto)
Relator: deputado Nelson Barbudo (PL-MT)
Tramita na CMADS da Câmara; depois segue para a CCJ, em caráter terminativo; se aprovado, vai ao Senado.
Prevê que o Código Florestal prevaleça sobre a Lei da Mata Atlântica. Se o projeto for aprovado, as restrições ambientais em todo o bioma serão reduzidas, facilitando o desmatamento e a perda de biodiversidade. A Mata Atlântica é o bioma mais ameaçado do Brasil: restam apenas 12% de sua cobertura vegetal original. Cerca de 145 milhões de pessoas vivem na região abrangida pelo bioma em 17 estados. Esses mais de 70% da população brasileira e grande parte de nossas cidades dependem desses ecossistemas para seu abastecimento de água e regulação climática. A destruição da floresta coloca em risco esses e outros serviços ambientais já comprometidos. Matos não retornou o pedido de entrevista. Foto: Michel Jesus / Agência Câmara
O que é o Código Florestal?
A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012)
O antigo Código Florestal de 1965 foi reformado depois de mais de 10 anos de debates e pressões para sua alteração. Ele obrigava o reflorestamento integral das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) desmatadas ilegalmente (saiba mais abaixo). A nova lei isenta parte da recuperação dessas “áreas consolidadas” (desmatadas e em uso agropecuário) até 2008, enquanto as áreas conservadas até aí devem ser mantidas assim, conforme os parâmetros da antiga legislação.
No caso das APPs, ela determinava metragens específicas que deveriam ser mantidas em todos os casos. A nova lei prevê a manutenção ou recomposição de faixas significativamente reduzidas em relação às APPs desmatadas. Em relação à RL, o novo Código apresenta duas diferenças significativas: a primeira é que o cálculo dessa área deve incorporar as APPs; a segunda é que os imóveis menores que quatro módulos fiscais não terão obrigação de recompor os desmatamentos realizados até 2008.
Área de Preservação Permanente (APP)
De acordo com a lei, é a área cuja vegetação nativa deve ser protegida às margens de nascentes e outros corpos de água, em topos de morros, encostas e outras áreas sensíveis. Elas têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade e riqueza do solo, garantir a diversidade de fauna e flora e assegurar o bem-estar das populações humanas. São fundamentais para a manutenção e a qualidade dos mananciais de água, prevenir e atenuar a erosão, o assoreamento, inundações, enxurradas e deslizamentos de terra.
Reserva Legal (RL)
Segundo a legislação, é a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural que deve ser obrigatoriamente preservada. O percentual da RL em relação à extensão do imóvel varia de acordo com a região: 80% na Amazônia; 35% no Cerrado dentro da Amazônia; 20% no restante do país. Essas áreas têm a função de assegurar o uso econômico sustentável dos recursos naturais, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e preservar a biodiversidade, abrigar e proteger a fauna silvestre e a flora nativa.
Cadastro Ambiental Rural (CAR)
Criado pela nova lei, o CAR é um registro eletrônico obrigatório, gratuito e autodeclaratório que tem a finalidade de integrar as informações ambientais de todos os imóveis rurais: a situação das APPs, RLs, “áreas consolidadas” e remanescentes de vegetação nativa. Compõe uma base nacional de dados para o monitoramento, controle e combate ao desmatamento e planejamento da recuperação ambiental.
Cada estado é responsável por criar seu sistema de cadastro, promover seu funcionamento, analisar e validar seus dados. Alguns estados têm programas próprios, enquanto outros preferem usar o módulo disponibilizado pelo governo federal. A gestão federal também é responsável por orientar e apoiar a implementação dos sistemas de cada estado.
Programa de Regularização Ambiental (PRA)
Também previsto pelo novo Código Florestal, compreende o conjunto de regras e ações a serem cumpridas por proprietários e posseiros rurais com o objetivo de adequar e promover a regularização ambiental. A inscrição do imóvel rural no CAR é condição obrigatória para a adesão ao PRA. Cada estado precisa regulamentar, implementar e desenvolver seu PRA.
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Onde estão Bruno Pereira e Dom Phillips?
Até o momento não há vestígios de indigenista e jornalista desaparecidos na região da cidade de Atalaia do Norte (AM). Sociedade civil cobra mais empenho do governo nas buscas
O jornalista britânico Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian no Brasil, e o indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai), estão desaparecidos, desde domingo (5), na região do município de Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas. Segundo a União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), a última informação do paradeiro deles foi da comunidade São Gabriel, rio abaixo da comunidade São Rafael.
A dupla estava em campo para visitar a equipe de vigilância da Univaja na localidade Lago do Jaburu, a 15 minutos de São Rafael. O lago também está nas proximidades da Base de Vigilância da Funai no Rio Ituí, uma das quatro existentes na Terra Indígena Vale do Javari, a segunda maior do país, com 8,5 milhões de hectares. A região é alvo de conflitos e invasões provocados por madeireiros, garimpeiros, pescadores ilegais e pelo narcotráfico internacional.
Após pressão da Embaixada da Inglaterra e a comoção que tomou parte das redes sociais, a Marinha e a Polícia Federal iniciaram timidamente, na tarde da segunda-feira (6), as buscas, mas sem nenhum resultado concreto até agora. Apesar do governo federal ter divulgado uma nota, o presidente Jair Bolsonaro banalizou o caso, como em diversas outras situações, sugerindo tratar-se de uma “aventura não-recomendável”, como divulgou o canal R7.
A Univaja, o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) publicaram uma nota pública, denunciando a omissão do Estado e exigindo a rapidez nas buscas dos dois profissionais.
A UNIVAJA (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), o Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato), a COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) informam que o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips seguem desaparecidos desde a manhã deste domingo (dia 05 de junho de 2022), quando viajavam em uma embarcação de pequeno porte entre a comunidade ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, no rio Itaquaí (afluente do rio Javari), no estado do Amazonas.
Durante todo o dia de segunda-feira, 6 de junho, a equipe de vigilância da UNIVAJA continuou a estabelecer articulações e solicitar pedidos para que as instituições que operam na fronteira pudessem ampliar as buscas que a organização indígena já tinha iniciado no domingo (dia 5), realizando duas incursões na região sem obter resultado. Foram acionados o Comando de Fronteira Solimões/8° Batalhão de Infantaria de Selva (Cmdo Fron Solimões/8°BIS), a Capitania Fluvial de Tabatinga, o Departamento da Polícia Federal de Tabatinga, o 8° Batalhão da Polícia Militar e o Ministério Público Federal de Tabatinga.
Com exceção dos 06 Policiais Militares e de uma equipe da Funai, que iniciaram as buscas ainda ontem junto com a equipe da Univaja, as informações acerca do cenário das buscas revelam a omissão dos órgãos federais de proteção e segurança, assim como das Forças Armadas. Embora tenha sido instado a colaborar com um efetivo de 25 militares, o exército brasileiro até o presente momento não disponibilizou nenhum efetivo para a operação. A Polícia Federal, da mesma forma, deslocou um único delegado para Atalaia do Norte, junto com oficiais da Marinha que se deslocaram ainda ontem para Atalaia. Ressaltamos que não foi constituída uma Força-Tarefa para as operações de busca.
A Univaja e a Defensoria Pública da União - DPU recorreram à Justiça Federal (processo de número 1004249-82.2018.4.01.3200) pedindo: “a) Que a União viabilize o uso de helicópteros à Polícia Federal, sejam eles das Forças de Segurança ou das Forças Armadas, pois até o presente momento não existem helicópteros auxiliando as buscas, o que seria imprescindível; b) ampliação das equipes de buscas; c) ampliação do número de barcos”. A solicitação da UNIVAJA foi feita diante da necessidade de serem realizadas buscas tanto por meio fluvial como por meio aéreo. Ressaltamos que na região de Tabatinga se encontram efetivos e pelotões de fronteira das Forças Armadas. Até o momento, no entanto, o número de agentes disponibilizados é ínfimo diante da urgência em se encontrar o paradeiro do indigenista e do jornalista desaparecidos.
Durante todo o dia 6, as articulações da UNIVAJA tiveram apoio de parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado. A Frente Parlamentar Indígena oficiou o ministro da Justiça e Segurança Pública, a Diretoria da Polícia Federal e a Superintendência da Polícia Federal em Manaus. Os Gabinetes dos Senadores Randolfe Rodrigues (REDE) e Jaques Wagner (PT/BA), bem como o Ofício da liderança da minoria na Câmara, reiteraram as solicitações ao MJSP e Ministério da Defesa para emprego de maiores efetivos nas buscas.
Na tarde do dia 6, o Comando Militar da Amazônia (CMA) divulgou nota informando que tem condições para realizar “missão humanitária de busca salvamento” mas que as ações só “serão iniciadas mediante acionamento por parte do Escalão Superior”. Dadas as características de logística, infraestrutura, eficácia operativa e capacidade de intervenção imediata em ações humanitárias garantidas pela autoridade militar na Amazônia, assistimos com perplexidade à demora, hesitação e lentidão do “Escalão Superior” para implementar de forma imediata as ações de busca e salvamento. Apesar do que tem sido veiculado nos canais oficiais do Ministério da Justiça, por exemplo, e em alguns veículos de imprensa, não há força tarefa atuando na região de maneira efetiva.
Já na manhã de hoje (07/06), a Assessoria Especial de Imprensa do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) divulgou uma nota informando que o “Departamento de Polícia Federal (PF) está atuando naquela região e tomando todas as providências para localizá-los o mais rápido possível. A PF fez repetidas incursões e tem contado com o apoio da Marinha do Brasil, que se somou aos esforços nos trabalhos de buscas de ambos os cidadãos”. Tais informações divulgadas pelo Governo Brasileiro, no entanto, não são verdadeiras, considerando que na data de ontem a Marinha do Brasil ainda não havia iniciado as buscas e apenas 01 agente da Polícia Federal havia sido deslocado para a região.
A principal informação que temos até agora é a de que a Polícia Civil deteve dois dos principais suspeitos de estarem envolvidos com o desaparecimento (pescadores identificados apenas por "Churrasco" e "Jâneo") no início da noite da segunda-feira. Ambos foram levados para a cidade de Atalaia do Norte para prestar esclarecimentos. Segundo informações do movimento indígena, os dois suspeitos foram liberados depois de intervenção do poder público local de Atalaia do Norte. Há informações também de que um terceiro suspeito, conhecido por “Pelado”, está foragido na floresta, na região das comunidades ribeirinhas em questão.
Diante dessa situação desgovernada, a UNIVAJA convocou as instituições para uma Sala de Situação na manhã de hoje (7 de junho), na cidade de Atalaia do Norte-AM. No entanto, apenas o já mencionado efetivo de seis policiais militares participou da reunião.
Hoje as buscas prosseguem. As equipes formadas pela Equipe de Vigilância da UNIVAJA (EVU) e pela Polícia Militar seguem com o objetivo de encontrar tanto os desaparecidos quanto o suspeito foragido.
A região do desaparecimento condensa conflitos graves num clima de violência em que madeireiros, pescadores ilegais e o narcotráfico internacional exercem suas atividades no entorno e no interior da Terra Indígena Vale do Javari, diante da incapacidade e omissão dos órgãos responsáveis pela fiscalização e proteção dos territórios indígenas. Esse cenário exige uma intervenção organizada e bem articulada das forças de segurança pública, numa necessária interlocução e cooperação com as organizações indígenas locais, que têm assumido desde o primeiro momento a iniciativa pelas buscas e apuração dos fatos, uma vez percebido o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips.
Ressaltem-se os trágicos precedentes ocorridos na região em 2019, quando o colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos, da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari, foi brutalmente assassinado a tiros em sua residência em Tabatinga. A sensação de impunidade se consolidou diante da ausência de julgamento e punição do crime perpetrado contra Maxciel por invasores da Terra Indígena Vale do Javari. A Base de Proteção Etnoambiental Ituí, situada nas proximidades do local do desaparecimento, também foi atacada recentemente em oito episódios de violência armada contra indígenas e funcionários da Funai. Essas e outras situações vem sendo sistematicamente denunciadas às autoridades pelo movimento indígena, inclusive ao Supremo Tribunal Federal, no âmbito da ADPF nº 709, pela APIB.
Diante desse panorama, torna-se necessária de maneira urgente uma ação eficaz de apuração dos fatos e de busca imediata: cada hora que passa coloca em risco definitivo a possibilidade de sobrevivência dos dois desaparecidos, ao mesmo tempo em que faz crescer a consolidação de um território sem lei, nas mãos de criminosos confiantes nos seus plenos poderes perante a incapacidade de atuação dos representantes legítimos do Estado de direito.
Durante a jornada de ontem, circularam informações sobre as limitações das forças de segurança para obter, entre outros meios, helicópteros que dessem o necessário suporte às operações de busca, o que é imprescindível para complementar as ações fluviais e terrestres dadas as condições geográficas da região. As Forças Armadas e de segurança pública não deveriam poupar esforços para garantir direitos fundamentais colocados em xeque no atual cenário do vale do Javari.
Nesta região, avança de forma cada vez mais descontrolada a violência exercida mediante a invasão das terras indígenas e outras terras da União, a repressão contra a liberdade de imprensa e o exercício do jornalismo e a ameaça impune contra a vida e a atuação de servidores públicos engajados no cumprimento da Constituição Federal. Diante deste quadro de quebra drástica dos fundamentos da democracia, é urgente uma intervenção do Governo Brasileiro para uma efetiva busca e salvamento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.
Assistimos uma vez mais o atual Governo Brasileiro se omitir de suas responsabilidades diante da escalada de violência contra os povos indígenas e defensores de direitos humanos no Brasil. A UNIVAJA e o movimento indígenas e seus aliados, ao contrário, não estão medindo esforços, estando de forma permanente na área do ocorrido, realizando o trabalho de vigilância indígena para encontrar nossos amigos Bruno e Dom.
Atalaia do Norte, Amazonas, 07 de junho de 2022
União dos Povos Indígenas do Vale do Javari - UNIVAJA
Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato - Opi
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Editorial do ISA: 10 anos de retrocessos no Código Florestal
A reforma do antigo Código Florestal, de 1965, completa uma década de anistias a desmatamentos e enfraquecimento da proteção ambiental. Como se não bastasse, a nova lei sofre novas pressões e pode ser ainda mais desfigurada. Confira o Editorial do ISA
Nas últimas duas décadas, o Brasil reduziu de forma persistente o desmatamento na Amazônia, o que resultou na maior diminuição de emissões de gases de efeito estufa já realizada na história recente da humanidade - a maioria das emissões nacionais proveem da destruição das florestas e da agropecuária. Saímos de 27 mil km² desmatados, em 2004, para pouco mais de 4 mil km², em 2012, uma queda de 83%.
Entre outras medidas, a maior efetividade na aplicação da legislação florestal e o desenvolvimento de políticas públicas, como o plano de combate ao desmatamento na Amazônia (PPCDAm), foram determinantes para esse resultado.
A reação de parte dos proprietários rurais que cometeram crimes ambientais e da bancada ruralista no Congresso foi forte, levando o governo federal, em 2012, a pactuar uma reforma do antigo Código Florestal, de 1965. A consequência foi uma anistia gigantesca de passivos e punições e o enfraquecimento das exigências de proteção das florestas. Nesta quarta-feira (25), a nova Lei de Proteção da Vegetação Nativa completa dez anos.
A reforma da legislação trouxe, também, algumas novidades interessantes que, porém, não produziram os efeitos anunciados. Os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) deveriam ser implementados pelos estados para garantir a aplicação efetiva da lei, mas poucos saíram do papel. Apenas seis estados regulamentaram o instrumento e estão com os sistemas de validação dos Cadastros Ambientais Rurais (CARs) e adesão ao PRA funcionando.
A quase totalidade das informações autodeclaradas pelos proprietários rurais no CAR, também previsto na nova lei, não foi validada pelos órgãos ambientais. Sem essa validação não se pode proceder com a celebração dos PRAs, de modo que segue baixíssima a efetividade da legislação. Mais da metade (52%) dos imóveis rurais cadastrados já solicitou adesão ao PRA, mas apenas 0,017% deles assinou termos de referência para essa adesão. Apenas 0,4% dos 6,5 milhões de cadastros receberam um “diagnóstico final da regularidade ambiental”. As informações foram reunidas pelo Observatório do Clima (OC) a partir do último boletim do Serviço Florestal Brasileiro (SFB).
Imagem
Fonte: Prodes / Inpe
Das etapas de implementação da nova lei, o país ainda não saiu da primeira fase (inscrição no CAR), atolou na segunda e terceira (análise, validação e emissão dos cadastros) e mal começou a quarta (implementação dos PRAs).
Há muitos casos de usos indevidos do CAR na grilagem de terras, inclusive em áreas protegidas, principal motor do desmatamento nessas áreas. Até 2021, a maioria das Unidades de Conservação (UCs) de domínio público em todos os biomas tinha sobreposição com cadastros de propriedades e posses privadas. São quase 43 milhões de cadastros sobrepondo-se a 20% da extensão dessas UCs. Para as Terras Indígenas da Amazônia, existiam mais de 3,5 milhões de hectares sobrepostos.
Para os 435 quilombos registrados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), existiam 379 áreas com sobreposição com mais de 9 mil registros de imóveis privados, que cobrem 1,57 milhão de hectares ou 60% da área de território declarada dos quilombos.
Enquanto já foram cadastrados mais de 6,5 milhões de propriedades e posses privadas, apenas 3 mil registros foram feitos em benefício das populações indígenas e tradicionais.
As áreas protegidas possuem regras e instrumentos específicos de uso e ocupação do solo e seus habitantes têm direitos que devem ser considerados nas análises do CAR. As comunidades indígenas e tradicionais sequer têm acesso ao módulo de cadastramento, necessitam solicitar autorização de uso e muitos estados ainda não têm módulo específico para seus territórios. Os registros sobrepostos a eles continuam sendo validados, colocando em risco os direitos territoriais dessas populações. É urgente o cancelamento imediato desses cadastros sobrepostos e o avanço dos registros dessas áreas.
Nesses dez anos, o Código Florestal foi alterado seis vezes, ora para postergar prazos para a sua implementação, ora para fragilizar ainda mais a proteção ambiental. A última reforma da reforma ocorreu, no final de 2021, para permitir que municípios reduzam ou eliminem as faixas marginais de rios em áreas urbanas, viabilizando o seu desmatamento e novas ocupações. A bancada ruralista pretende aprovar, ainda este ano, mais alterações equivalentes. Mal iniciada sua implementação e a lei vem sendo bombardeada com novos retrocessos, apesar das promessas ruralistas de “pacificação” do campo e do tema.
Sinalizações de impunidade como essas já produziram e tendem a produzir resultados desastrosos nos índices de desmatamento. As taxas de destruição da floresta voltaram a crescer, justamente a partir de 2012, com uma ou outra oscilação, e vêm dando saltos sem precedentes nos últimos três anos, no governo Bolsonaro.
A extensão desmatada em 2012, de pouco mais de 4 mil km2, foi estimada em 13 mil km², em 2021, e tende a aumentar ainda mais em 2022. As metas de redução do desmatamento assumidas pelo Brasil nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas não são cumpridas, o que reduz o país, que já foi protagonista, à condição de pária mundial.
Para quem se preocupa com a proteção das florestas, o aniversário do “novo” Código Florestal não é motivo de comemoração, mas de frustração, pois elas precisam de mais proteção, e não de menos, para que possamos enfrentar os impactos das mudanças climáticas sobre o país.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Assassinatos amazônicos
O sócio fundador do ISA Márcio Santilli comenta a onda de mortes e ameaças a líderes de populações indígenas e tradicionais estimulada pelo discurso e o desmonte das políticas e órgãos ambientais promovido pelo governo
Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
Queimada em Altamira (PA), em 2019 | Marcelo Salazar / ISA
Assassinatos são frequentes na Amazônia, mas parece estar havendo, agora, uma explosão de violência. Um crime bárbaro foi registrado, em Jordão, interior do Acre. O indígena João Barbosa Marcelino Kaxinawá, de 25 anos, foi morto com mais de 30 facadas na madrugada de sábado (14), no centro da cidade. Quatro pessoas foram presas em flagrante e um menor foi apreendido, mas o motivo do crime não foi revelado. Dizem que os envolvidos têm vínculo com o tráfico de drogas.
Em Altamira, no Pará, em cinco dias foram executadas 10 pessoas. Uma mãe e a sua filha morreram no meio da rua, em plena luz do dia. João Marcelino de Souza, de 31 anos, jovem integrante do movimento extrativista, foi morto dentro de casa. A polícia afirma que a maior parte dos crimes está associada a disputas entre facções criminosas.
Mesmo que essas alegações procedam, não atenuam a gravidade da situação. Ao contrário, indicam o avanço do crime organizado sobre o território amazônico, apesar das promessas de bem-estar social usadas para justificar projetos de desenvolvimento de diferentes períodos históricos, como a rodovia Transamazônica e a hidrelétrica de Belo Monte (PA).
Ameaça contínua
Em Roraima, o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana, Júnior Hekurari Yanomami, que denunciou o estupro e o assassinato de uma menina yanomami de 12 anos, disse que está sofrendo ameaças de garimpeiros. “Tem áudios me ameaçando dizendo que perderam a paciência e que ‘não tem como’ ”, alertou, segundo o jornal Brasil de Fato.
Alessandra Korap é vice-presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa) e porta-voz do povo Munduruku. Ela e os seus familiares sofrem constantes ameaças de morte por combater a invasão do garimpo predatório nos territórios indígena na região do Tapajós. A sua casa, em Santarém (PA), já foi invadida duas vezes e a sede da Associação Wakonborum, que reúne as mulheres Munduruku, foi incendiada. A maior proteção à vida de Alessandra deve ser o grande reconhecimento público à sua atuação, dentro e fora do país.
A comunidade quilombola de Jacarezinho, de São José do Soter, no interior do Maranhão, sofre a ameaça de uma chacina desde o final de abril, quando Edvaldo Pereira da Rocha, que liderava o processo de regularização fundiária da área e se opunha à expansão do cultivo da soja sobre terras comunitárias, foi brutalmente assassinado por pistoleiros, a mando de grileiros de terra que agem na região.
Imagem
Alessandra Munduruku (C) participa de protesto contra mineração e garimpo em Terras Indígenas, no Acampamento Terra Livre (ATL) 2022, em Brasília | Cassandra Melo / Terra Floresta Filmes / ISA
Está crescendo assustadoramente a frequência com que grandes balsas de garimpo invadem, depredam e contaminam vasta extensão do Rio Negro e dos seus afluentes, no noroeste do Amazonas, uma das regiões mais remotas e preservadas da Amazônia brasileira. A Agência Nacional de Mineração (ANM) tem concedido, de forma irresponsável, autorizações de lavra garimpeira incidentes sobre o leito do Rio Negro, inclusive nos trechos em que ele faz divisa entre terras indígenas e é efetivamente habitado e utilizado por centenas de comunidades. O Exército tem feito operações de retirada de invasores e de apreensão de equipamentos, mas líderes indígenas estão sendo obrigados a se exporem, cada vez mais, na abordagem direta às balsas e aos focos de garimpagem predatória que se expandem na região. Marivelton Barroso, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), assim como outros membros da sua diretoria e seus familiares, também tem recebido ameaças de morte.
Na terça (17), foram confirmados bloqueios de estradas e incursões de invasores em duas aldeias da Terra Indígena Apyterewa, no sudeste do Pará. Grileiros estão expulsando famílias de posseiros e ameaçando comunidades indígenas Parakanã, que seguem isoladas e confinadas numa parte do seu próprio território, invadido. Na Terra Indígena Parakanã, pouco mais ao norte, os indígenas também estão sob ameaça de retaliação por causa da morte de três não indígenas que invadiram o território e foram mortos.
Imagem
Cratera aberta pelo garimpo na floresta na Terra Indígena Yanomami (RR/AM) | Bruno Kely / ISA
Promoção da violência
Embora as estatísticas apontem uma redução no número pornográfico de homicídios no Brasil em 2021, o conjunto de casos e de situações demonstra que o Brasil continua sendo um dos líderes mundiais de assassinatos nas cidades e no campo, na Amazônia em geral e dos socioambientalistas e líderes dos movimentos que defendem e dependem das florestas em pé. Está aumentando essa guerra civil de baixa intensidade, que transforma a Amazônia numa zona de risco e num deliberado vazio de Estado.
Deliberado, sim, porque o mesmo governo que desestrutura as políticas, os órgãos e os orçamentos públicos, não economiza esforços para promover a produção predatória de minérios e madeiras, a invasão e o grilo de terras públicas, a implantação de obras sem licenciamento, a poluição dos solos e das águas com agrotóxicos e mercúrio. O próprio presidente da República visita garimpos ilegais, edita decretos para dar à ilegalidade um manto de legalidade e, no conjunto da obra, as taxas de desmatamento dão sucessivos saltos, aproximando a predação da Amazônia do ponto de não retorno, quando a floresta tende a perder sua capacidade de regeneração, transformar-se num tipo de vegetação menos densa e de clima mais seco.
Estão em jogo, nas eleições gerais deste ano, a paz, a democracia, a erradicação da miséria, o futuro da Amazônia e os seus impactos sobre a crise climática global. Na improvável hipótese de reeleição de Jair Bolsonaro, a predação e a guerra civil na Amazônia vão se intensificar. Em qualquer outra hipótese, haverá um caminho longo para reverter o seu isolamento atual e conduzir o país num rumo mais sustentável e compatível com os desafios desse século.
Imagem
Protesto contra aumento da violência em Altamira (PA), em 2016 | MAB
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS