Coletores de sementes nativas pedem licenciamento com responsabilidade
Articulação que reúne 27 organizações por todo país une forças a movimentos sociais e coletivos pela NÃO aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021
O Redário — uma articulação que reúne 27 redes e grupos coletores de sementes de todo o Brasil — une forças a movimentos sociais, coletivos e organizações que se posicionam contra o Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021.
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Membros da articulação durante II Encontro do Redário que aconteceu na Aldeia Multiétnica em Alto Paraíso – GO em 2023|Are Yudja / Rede Xingu+
Esse projeto, que cria a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental, foi aprovado no Senado no dia 21 de maio de 2025 e encontra-se agora em análise na Câmara dos Deputados, podendo ser colocado em votação a qualquer momento.
Como articulação composta por povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, assentados e agricultores familiares — comunidades sustentadas pelas florestas não apenas com sementes, mas também com saberes, alimentos, água e recursos vitais para sua existência física, cultural e espiritual — defendemos, como princípio, a conservação da biodiversidade, a restauração ecológica e a preservação dos modos de vida sustentáveis.
Apoiamos práticas ambientais e coletivas que respeitam a Terra e que promovem um futuro sustentável para todas as gerações, comprometendo-nos com a integridade dos ecossistemas e, por consequência, com a preservação das sementes nativas.
Segundo Nota Técnica do Instituto Socioambiental (ISA), publicada em 19 de maio de 2025, as alterações propostas pelo PL nº 2.159/2021 representam riscos socioambientais de proporções catastróficas. A nova legislação poderá deixar 175 áreas atualmente protegidas sem qualquer exigência de avaliação de impactos ambientais ou medidas preventivas, mitigatórias ou compensatórias.
Ainda conforme o ISA, apenas considerando obras previstas no PAC 2023, cerca de 18 milhões de hectares de Terras Indígenas (TIs), Territórios Quilombolas (TQs) e Unidades de Conservação (UCs) poderão ser excluídos de licenciamento ambiental.
O PL aprovado no Senado favorece o aumento das taxas de desmatamento e de degradação ambiental no país, sem falar que reforça uma esfera de insegurança e desrespeito aos povos e comunidades tradicionais, que tiveram excluído o seu direito à consulta prévia, livre e informada, como previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Apenas mencionamos algumas das graves ameaças que o referido PL representa, sendo um golpe fatal à biodiversidade do Brasil, fazendo cair por terra todos os compromissos com as metas climáticas, de conservação da biodiversidade e de restauração assumidas no âmbito do Acordo de Paris, afastando o Brasil de uma liderança estratégica na agenda climática mundial.
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4º Encontro do Redário conecta sementes, flores e frutos em Nova Xavantina (MT)
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4º Encontro do Redário reuniu representantes de redes de coletores, da ciência e técnicos do Redário|Kamatxi Ikpeng/Rede Xingu+
Com câmeras a postos e olhares atentos, comunicadores indígenas da Rede Xingu+, Anaya Suya, Are Yudja, Kujaesage Kaiabi, Yamony Yawalapiti e Kamatxi Ikpeng, estão prontos para registrar um momento histórico em Nova Xavantina, Mato Grosso, geo-centro do Brasil.
Durante o 4º Encontro do Redário — uma articulação composta por 27 redes e grupos coletores de sementes de todo o Brasil —, seus olhares registraram histórias e saberes que revelam o papel central de indígenas, quilombolas, ribeirinhos, assentados e agricultores familiares na conservação da biodiversidade e na restauração. Por meio de suas narrativas, traduziram a luta pela conservação das sementes nativas, a conexão profunda com a terra e o compromisso com um futuro sustentável para todas as gerações.
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Kamatxi Ikpeng, Are Yudja, Yamony Yawalapiti, Kujaesage Kaiabi e Anaya Suya, da Rede Xingu+|Silia Moan/ISA
A força coletiva que sustenta a restauração é também a que dá sentido e vigor para o Redário, criado em 2022. Apesar da pouca idade, a cada encontro a articulação se expande em diferentes biomas e mobiliza mais de 2.500 pessoas na produção de sementes de espécies nativas para a cadeia de restauração ecológica.
Durante quatro dias, 150 representantes de redes de coletores dos biomas Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Pantanal orbitaram em torno do tema “qualidade de sementes”, mas não só. Precificação, técnicas de beneficiamento, aspectos sociais e psicológicos da atividade também tiveram espaço nas conversas, assim como o compartilhamento de experiências pessoais e celebrações de conquistas a partir desse trabalho cheio de propósito.
De acordo com Eduardo Malta, biólogo e coordenador do Redário, a articulação surgiu da necessidade de reunir várias redes sob uma governança colaborativa que valorizasse o protagonismo e facilitasse os trâmites da restauração, com troca de conhecimentos e colaboração.
“Nesse quarto encontro, consigo sentir que existe um senso de pertencimento à iniciativa — que quem está em outra rede de sementes também está no meu time, sabe? E também está começando a funcionar em rede, no sentido de que um pode acessar diretamente o outro, sem precisar passar pela centralidade. Essas pontes diretas estão bem consolidadas, e temos essa rede de capacitação, com metodologias e materiais didáticos que funcionam para as realidades enfrentadas pelas redes”, celebrou.
“O maior desafio”, continua, “é conseguir organizar e acessar a demanda existente no mercado por sementes, e conectar essa demanda ao que as redes podem produzir. Isso exige um grande esforço para entender o que as empresas querem restaurar, quais são as obrigações dos fazendeiros e das ONGs, e transformar tudo isso em pedidos para as redes.”
Para Bruna Daiana Ferreira de Souza, bióloga natural de Nova Xavantina e atual coordenadora da Rede de Sementes do Xingu - que, com 18 anos de história, abriga hoje mais de 700 coletores -, foi gratificante receber os representantes no local de nascimento da primeira rede a compor o Redário.
“É sempre uma alegria ver as pessoas que a gente já conhecia, mais as que estão chegando, e pensar que a nossa turma está aumentando, que a gente tá ganhando voz, ecoando aí nos outros biomas”, disse.
A Rede Flor do Cerrado, do Mato Grosso do Sul, com atuação em quatro cidades e 86 coletores ativos em comunidades quilombolas e de assentamento, a maioria mulheres, foi uma das 7 redes de coletores em fase articulação presentes no encontro. Samanda Nakamura, bióloga e ponto focal da rede, exalta a integração ao Redário e explica que conseguiu esclarecer dúvidas ao longo do encontro, por exemplo, sobre o potencial de coleta e beneficiamento de sementes.
“Uma coisa que a gente perdia muito, e por isso parou de pedir para os coletores, era buriti, porque comprávamos, mas às vezes não tinha saída e acabava se perdendo. Aqui falaram que eles guardam o buriti dentro de uma rede, no rio, e que pode durar até um ano. Então, já estou aprendendo muito. São coisas que, saindo daqui, já vou levar para rodar dentro dos nossos grupos.”
Mato Grosso e as possibilidades de fazer diferente
Mato Grosso é o estado onde a visão do progresso pela destruição da biodiversidade se espalhou com sucesso. Sob altas temperaturas, Bruna explica que o local conta com cultivo intensivo de soja, milho, algodão e gergelim. Essa forma de ver a vida é muitas vezes justificada como geradora de renda para a população, o que Bruna não nega, mas reforça que o trabalho da Rede de Sementes mostra que é possível fazer diferente, com mais respeito pelo meio ambiente e pelas pessoas.
“A gente trabalha com um tema que é muito discrepante da monocultura, né? Quando vieram os primeiros colonos para a nossa região, a lei era chegar e derrubar tudo para poder ficar naquela terra. Trabalhar com a floresta em pé é, para a maioria da população, um retrocesso, como se a gente estivesse nadando contra o progresso. Mas mostramos que é, sim, uma alternativa forte de renda para as comunidades e que gera permanência na terra.”
Quem também vive uma realidade parecida é Sandra Vicentini, representante da Mutum Sementes e presidente da COOPPROJIRAU - Cooperativa dos Produtores Rurais do Observatório de Jirau -, no município de Porto Velho, Rondônia. O boom da soja no estado faz com que o trabalho dos 60 coletores pareça contraditório. Ela, que vem de uma família que chegou à região para explorar madeira, tem orgulho de dizer que reflorestou muito mais do que seu pai e tios devastaram. Estreante no encontro, voltou para casa feliz e reenergizada.
“A gente leva na bagagem muito conhecimento, tanto o que trocamos quanto o que ouvimos, né? Que isso se perpetue, que a gente consiga envolver mais pessoas nessa coisa do bem. Todos nós aqui estamos indo contra a maré. Então, estamos unidos”, ressaltou.
Antônio Borges Barreto, conhecido como Sinhozinho de Santarém, nordestino orgulhoso de Casa Nova, na Bahia, é coletor e criador de abelhas. Em suas falas, denuncia a atuação de grandes empresas que desmatam para plantar monoculturas de manga, uva e goiaba, fragilizando ainda mais a Caatinga, bioma que mobiliza sua paixão.
“A Caatinga tá indo embora. E depois que ela for, você não vai achar mais, porque só tem no Nordeste. Não adianta procurar no Sul, Sudeste, Centro-Oeste ou em outro lugar do planeta chamado Terra. Só tem no Brasil e só tem no Semiárido.”
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Sinhozinho Santarém defende a permanência e exaltação da Caatinga|Yamony Yawalapiti/Rede Xingu+
As consequências são visíveis a olho nu. “Tenho 75 anos e, de uns 10 anos para cá, vi muita coisa mudar. Ou o céu abaixou, ou a terra subiu, porque nunca vi tanto calor. E também a chuva… Antes, chovia controlado; agora, você vê o desvio, quando cai. E quem acabou com tudo isso foi o homem. Quer dizer, ele tá pagando pelo que fez”, lamentou.
Incentivo fiscais em falta
Os desafios também se estendem à esfera pública. A falta de incentivo e as regras que batem nos pequenos coletores não batem nos grandes fazendeiros. Mas Bruna ressalta que ver os relatórios do Redário e entender que o trabalho é recompensador não só para ela e sua família, mas para a humanidade, dá ânimo para continuar.
“É importante para mim, é importante para os meus filhos, vai ser importante para os meus netos, porque todos os dias você tem motivo para desistir. Todos os dias você tem uma notícia de um desmatamento gigantesco, maior do que tudo que a gente fez em quase 18 anos, né? Todos os dias, você vê notícias do avanço do agronegócio, de forma desenfreada, com uso indiscriminado de agrotóxicos. Isso é muito forte na nossa região. Politicamente, as redes de sementes do Brasil inteiro têm pouquíssimos incentivos fiscais, enquanto as grandes monoculturas têm”, desabafa. “Acho que encontros como este são fundamentais para vermos que há gente nessa luta em todo o Brasil.”
Um desses lugares é a Aldeia Laranjal, que fica na Terra Indígena Arara no Pará, onde vive Tjibetjan Arara. Lá, algumas famílias trabalham com a coleta de sementes, e ela compartilha que o evento foi importante para aprender como expandir o serviço. “Nunca imaginei que essa semente passasse por todo esse processo. Isso é muito importante para nós lá. Queremos mais conhecimento também. Eu vou para a aldeia e vou repassar para minha comunidade”, disse.
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Tjibetjan Arara esteve no Encontro do Redário pela primeira vez e diz que vai levar os resultados das trocas para sua aldeia|Fernanda Medeiros/ISA
A semente que restaura, cura e realiza sonhos
Além do aspecto financeiro, ao longo do encontro coletoras e coletores compartilharam como o trabalho com sementes promoveu mudanças de vida, inclusive com propriedades terapêuticas.
Edianilha Pereira Ribas, mais conhecida como Nina, é coletora de sementes nativas e agricultora familiar em Alto do Rio Pardo, no Norte de Minas Gerais, região de transição entre Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga. Ela compartilhou sua trajetória de retomada da identidade cultural e da consciência sobre a conservação do território a partir da coleta de sementes.
“Eu tinha ido para Belo Horizonte logo após o ensino médio e fiquei cinco anos. Quando voltei, minha mãe me recebeu, e eu já tinha perdido parte da minha essência. Foi uma maneira de me encontrar”, explicou.
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Nina compartilha como o trabalho com as sementes a ajudou no resgate de sua identidade cultural|Yamony Yawalapiti/Rede Xingu+
Sua mãe a levou para atividades de um coletivo, onde teve contato com comunicação popular e coleta de sementes. Para ela, além do aspecto pessoal, ser coletora impulsiona o respeito pelos mais velhos. Em seu território, ela e outros 54 cooperados, 40 deles são mulheres, dependem dos mateiros para aprender sobre a história da região, identificar espécies e localizar matrizes que fornecem sementes.
“A gente tinha que perguntar aos anciãos, os mais velhos, os mateiros da época. Perguntávamos onde havia determinada semente, em qual época. E assim fomos adquirindo conhecimento. Para muitos, aquilo era serviço de doido. Mas teve um resultado muito positivo na comunidade.”
Nina faz questão de reforçar que o trabalho vai além do retorno financeiro. “Ser coletora tem um objetivo, não é só coletar para vender. Você precisa entender o que está fazendo. É um papel muito importante, e você precisa respeitar a natureza. Não é só chegar numa matriz e pegar tudo. Tem que deixar uma parte para ela [natureza] também.”
Emilverto de Souza Fernandes, conhecido como Ni, é quilombola Kalunga do município de Cavalcante (GO), e trabalha com a Associação Cerrado de Pé. Ele contou que, antes, fazia trabalhos temporários, mas foi só com as sementes que conseguiu construir sua casa e inspirar outros. O grupo começou em 2018 com cinco pessoas, e hoje envolve 240 famílias e com lista de espera.
“Represento cerca de 60% desses coletores. Também sou responsável pela mobilização — vou até a casa do coletor, verifico se a semente está conforme o combinado. Antes eu não tinha esse olhar. Às vezes o coletor me diz: ‘Comprei isso, comprei uma geladeira, um freezer...’. Nossa região é distante da cidade, então isso já é uma conquista, a realização de um sonho”, comemora.
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Ni, da Associação Cerrado de Pé, que trabalha no território Kalunga, as trocas no Encontro fortalecem seu trabalho|Yamony Yawalapiti/Rede Xingu+
Segundo ele, essas trocas fortalecem o trabalho. “Estamos há sete anos, e a Rede de Sementes do Xingu tem 17. Não temos nem a metade. Mas digo a eles para não esmorecerem, que estamos no caminho certo também.”
Michele Anitta, da Rede de Coletores do Vale do Paraíba (Coopere), em São Paulo, coleta com outras 15 pessoas há três anos. Ela conta que, no início do ano, o Assentamento Olga Benário, onde vive, foi atacado. O foco agora é aumentar a disponibilidade de sementes no próprio assentamento, para que não precisem coletar em outras propriedades ou buscar trabalhos temporários fora.
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Michele Anitta, da Rede de Coletores do Vale do Paraíba (Coopere), busca alternativas para aumentar a coleta em seu território|Fernanda Medeiros/ISA
“A gente está mais focado na semente, porque consegue trabalhar lá dentro, com a família, e continuar a vida. Estamos buscando alternativas para amenizar tudo o que passamos, e ainda estamos passando. Pensamos em aumentar a coleta para não parar. Muitos achavam que não conseguiríamos fazer mais nada. Eu mesma pensei nisso. Mas, graças a Deus, estamos nos recuperando aos poucos.”
Thiago Ribeiro Coutinho, também da Rede de Coletores do Vale do Paraíba, reforça que a colaboração é o caminho. Conta que os movimentos coletivos de coleta e restauração também servem para criar e fortalecer vínculos.
“Uma das nossas propostas é fazer a restauração nas áreas das próprias comunidades, com plantios locais. Assim, futuramente, teremos mais oferta de espécies e volume dentro dos próprios territórios, sem precisar buscar em áreas de terceiros.”
A ciência e a valorização do conhecimento tradicional
A ciência é uma aliada fundamental na cadeia da restauração. Juliana Muller Freire, bióloga e pesquisadora da Embrapa Agrobiologia, afirmou que, para ela, estudar a qualidade da semente e disseminar informações sobre o manejo após a coleta é de extrema importância em tempos de mudanças climáticas tão acentuadas.
Juliana deu o exemplo das castanheiras, na Amazônia, que não produziram safras neste ano. “Está caríssimo o quilo da semente. Foi a seca que houve no ano passado. Então, na pesquisa, por exemplo, ao desenvolver um protocolo de armazenamento, você não fica dependendo só daquele período em que a semente está sendo coletada. Você pode coletar e armazená-la por três anos. De repente, no próximo ano vai haver um problema climático, mas você tem aquela semente ali. Você pode garantir que aquele lote vai estar viável e poderá ser comercializado ainda com qualidade. Então, acho que essa é uma forma da gente interferir, de alguma maneira”, explicou.
Para Freire, esse movimento do Redário de falar também sobre a metodologia, da padronização de protocolos de análise de sementes em laboratório e de explicar o que está por trás dessas análises é importante para fazer esse conhecimento chegar na ponta com sentido e incentivar os coletores a pensarem também nessa instância mais técnica.
“A gente pode desenvolver essa pesquisa, mas vamos, de repente, fazer um manual, uma orientação, e essas reuniões constantes que vocês fazem com eles, né? E o contrário também, né? Eles também induzem pesquisa e demandam para a gente pesquisar determinadas espécies que a gente não estava pensando. Porque, às vezes, a academia tem um vício de ficar pesquisando sempre a mesma coisa.”
Eduardo Malta concorda: “A gente fica muito nesse papel da tradução. Poder traduzir o que um artigo científico concluiu, o que é uma recomendação, uma dica para quem está lá coletando, é bem difícil. São duas linguagens e dois universos com valores muito diferentes, que têm sido difíceis de conectar. Mas esses eventos são uma oportunidade para isso. Os pesquisadores, quando se entendem, sentem a emoção, entendem o negócio, eles se sensibilizam. E aí podem ajudar a gente a se conectar com outros pesquisadores.”
“Você faz coisas e se depara com o fato de que é um cientista, um pesquisador. Que a cada ano que faz, a cada experiência que realiza sobre maneiras de coletar, de beneficiar, está fazendo o papel de pesquisador”, disse Nina.
Resultados
O Redário tem uma governança que estimula a participação coletiva. Por meio do Conselho das Redes e do Comitê Gestor, trabalha em prol do fortalecimento de redes e núcleos coletores, facilita o acesso ao mercado e a recursos e estimula a cooperação entre os atores do ecossistema, ou seja, a produção, a ciência, o poder público e iniciativas de financiamento.
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Durante o Encontro, técnicos do Redário fizeram uma muvuca de sementes|Yamony Yawalapiti/Rede Xingu+
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Durante a atividade, a função de cada semente durantes as fases da restauração foram expostas|Yamony Yawalapiti/Rede Xingu+
Com encontros online, intercâmbios, compartilhamento de guias e banco de dados, além de sessões para tirar dúvidas e vídeos informativos, as boas práticas são disseminadas com o objetivo de aumentar o impacto do trabalho dessas mais de 2.500 pessoas. Todo esse esforço resultou em R$7.980.035,02 em sementes vendidas em 2024 pelas redes, que, conforme estimativas, contribuíram para a restauração de mais de 4 mil hectares.
Malta celebra: “Eu fico contente também de ver muitos jovens participando, representando redes, e mulheres que são lideranças, presidentes e mobilizadoras das suas redes. Eu fico muito feliz e confiante no futuro por conta dessa composição.”
Ao final de quatro dias intensos, voltamos para nossas cidades mais atentos ao entorno, em busca de germinar a esperança numa eterna espiral, com a consciência de que o cenário é, sim, muito difícil e pode nos paralisar. Mas temos que entender que todos podemos e devemos ser agentes das soluções que todos precisamos. Sonhar com um futuro melhor, onde volte a existir vida em toda sua diversidade é semente de potência.
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Senado aprova projeto que desestrutura demarcação de Terras Indígenas
PDL 717/2024 revoga dispositivo central do Decreto nº 1.775/1996 e anula homologações das TIs Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em SC
O Plenário do Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (28/05), o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 717/2024, que desmonta o atual modelo de demarcação de Terras Indígenas (TIs) no país. A proposta revoga o artigo 2º do Decreto nº 1.775/1996, norma central que regulamenta os procedimentos administrativos de demarcação de TIs. O projeto também suspende os decretos presidenciais de homologação de duas TIs em Santa Catarina: Toldo Imbu, do povo Kaingang e localizada em Abelardo Luz, e Morro dos Cavalos, do povo Guarani, em Palhoça. Ambas são reconhecidas pelo Estado brasileiro há mais de uma década – tendo sido homologadas pela presidência da República em dezembro de 2024, após anos de mobilização indígena.
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No dia 11 de janeiro de 2025, aconteceu a cerimônia de comemoração da homologação da Terra Indígena Morro dos Cavalos|Mre Gavião/MPI
O texto foi aprovado em votação simbólica no plenário poucas horas após ter sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, também nesta quarta. A proposta agora segue para análise na Câmara dos Deputados e acentua a preocupação de organizações indígenas e da sociedade civil. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) alertou que a medida representa grave violação dos direitos constitucionais dos povos indígenas e pode abrir um precedente perigoso, ameaçando o conjunto das demarcações em curso no país.
Na CCJ, a votação foi igualmente simbólica e apenas os senadores Rogério Carvalho (PT-SE) e Zenaide Maia (PSD-RN) votaram contra o projeto. No plenário, a proposta foi aprovada sem qualquer debate e contou com apoio de integrantes da base do governo. Recebeu manifestação contrária de apenas três parlamentares: o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA); o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP); e novamente Rogério Carvalho.
“Os parlamentares precisam lembrar que existe uma Constituição neste país. É dever deles respeitá-la”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. “E o governo, se diz que está com os povos indígenas, precisa se comprometer de verdade e enfrentar com firmeza essa agenda anti-indígena que avança no Senado e na Câmara”.
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Dinamam Tuxá, da Coordenação Executiva da Apib, fala em plenária no Acampamento Terra Livre de 2024|Lucas Landau/ISA
A suspensão do Decreto 1.775/1996 compromete diretamente os estudos técnicos e jurídicos fundamentais para a delimitação de Terras Indígenas, como o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID). Esse relatório é elaborado por grupos técnicos, compostos por especialistas e servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com base em estudos antropológicos, etno-históricos, ambientais e fundiários. A suspensão desse dispositivo esvazia a base legal que estrutura os procedimentos demarcatórios, paralisando os trabalhos em andamento e criando um vácuo normativo sem precedentes.
“Com a suspensão do decreto, os procedimentos demarcatórios ficam paralisados até que novo regramento venha a existir”, afirma Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA). “O Senado está empreendendo uma ofensiva para suprimir os direitos territoriais dos povos indígenas e ampliar a insegurança jurídica, abrindo espaço para a perenização dos conflitos ali existentes.”
Correia reforça que o PDL vai além do que a Constituição permite. Pela regra, esse tipo de projeto só pode anular atos do governo federal quando eles ultrapassam os limites definidos por lei — ou seja, quando o Executivo exagera no uso de seu poder para regulamentar assuntos. Mas, neste caso, os decretos que homologam Terras Indígenas não criam novas regras nem extrapolam esse poder. Eles apenas confirmam decisões administrativas já tomadas com base na legislação vigente. "Por isso, o PDL não só fere a legalidade, como também distorce a função para a qual esse tipo de projeto foi criado", explica.
A proposta foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e levada ao plenário no mesmo dia, em um trâmite acelerado e incomum. Mesmo sem a presença do relator designado, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), o projeto foi mantido em pauta. O parecer de Vieira, que propunha suspender apenas o artigo do decreto, foi rejeitado. Em seu lugar, foi aprovado o voto em separado do senador Sérgio Moro (União-PR), que acolheu integralmente a proposta do senador Esperidião Amin (PP-SC), autor do PDL, incluindo a anulação das homologações das duas TIs.
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Projeto de Decreto Legislativo (PDL) foi mantido em pauta mesmo sem a presença do relator designado, senador Alessandro Vieira (MDB-SE)|Pedro França/Agência Senado
A Apib enfatiza que as terras afetadas foram reconhecidas após longos e rigorosos processos administrativos, baseados em marcos legais consolidados. As duas Terras Indígenas foram objeto de Portarias Declaratórias emitidas pelo Ministério da Justiça — a de Toldo Imbu em 2007 (Portaria nº 793) e a de Morro dos Cavalos em 2008 (Portaria nº 771). Esses atos administrativos são etapas decisivas do processo demarcatório e confirmam o reconhecimento oficial da ocupação tradicional dos povos indígenas sobre essas áreas. Ambos os processos ocorreram com base na legislação em vigor à época, sobretudo o Decreto nº 1.775/1996.
Desde então, as comunidades aguardavam a homologação por decreto presidencial, o que só foi efetivado em 2024. “A tentativa de anular essas homologações com base na Lei nº 14.701/2023 — sancionada, durante esse período de espera — ignora o fato de que os procedimentos legais já haviam sido concluídos dentro da legalidade anterior”, afirma Diogo Rosa Souza, advogado do Instituto Socioambiental (ISA).
Na CCJ, a revogação das demarcações se deu sob o argumento de que estão em desacordo com a Lei do Marco Temporal (Lei 14.701), aprovada pelo Congresso Nacional em 2023. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), criticou a proposta, ressaltando que os processos de demarcação das terras em questão são anteriores à legislação do marco temporal e que os decretos foram assinados no final do ano passado, após longos processos administrativos iniciados nos anos 1990.
A lei estabelece que apenas as terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, podem ser demarcadas. No entanto, sua constitucionalidade está sendo questionada novamente no Supremo Tribunal Federal (STF), que em setembro de 2023 declarou a tese inconstitucional. Uma mesa de conciliação está em curso no STF para debater o tema. Proposta por Gilmar Mendes, relator do caso, a conciliação segue sem a participação da Apib, que se retirou dos debates depois que seu pedido de suspensão da Lei 14.701 foi ignorado por Mendes.
Para Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, a aprovação do PDL representa uma afronta direta à Constituição Federal. “O processo de homologação dessas terras seguiu todos os trâmites legais, de acordo com o Decreto 1.775 e com a própria Constituição. Não há justificativa jurídica para essa suspensão”.
Tuxá afirma que o PDL fomenta a insegurança jurídica e a violência nos territórios. Ele alerta para o avanço de uma ofensiva legislativa articulada por setores conservadores e ruralistas. “O Congresso Nacional vem atuando com força para desmontar não só os direitos dos povos indígenas, mas também toda a política ambiental. É uma estratégia maldosa, promovida principalmente pelo agronegócio e por aqueles que querem o fim dos povos indígenas.”.
Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) manifestou preocupação com as últimas ações do Senado e reiterou que os decretos homologatórios das duas TIs são fruto de um trabalho técnico criterioso e amplamente fundamentado, conduzido pela Funai, órgão vinculado ao MPI. “Tal ato administrativo representa a materialização de um direito originário e imprescritível dos povos indígenas, reafirmando o compromisso constitucional do Estado brasileiro com a justiça histórica e a segurança jurídica do procedimento demarcatório de territórios indígenas”, afirma a nota.
Decreto 1.775/1996
Núcleo central dos procedimentos de demarcação de Terras Indígenas, o art. 2º do Decreto nº 1.775/1996 prevê a realização de estudos antropológicos de identificação, que terá como resultado o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID).
O artigo também determina a participação de grupo técnico especializado, idealmente composto por servidores do quadro funcional da Funai, com o objetivo de realizar estudos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação, que comporão o RCID. Também o dispositivo garante a participação do grupo indígena envolvido em todas as fases do procedimento administrativo.
O procedimento, como se encontra, tem prazos, datas e a garantia de sua realização por técnicos e servidores dos órgãos responsáveis, com qualificação profissional para a produção dos estudos necessários para a sua declaração. Também é cabível aos estados e municípios e demais interessados se manifestarem sobre as demarcações, dentro do prazo ali estipulado.
A suspensão desses procedimentos afeta os trabalhos em andamento pela Funai e cria um vazio legislativo sobre a forma, o método e os prazos para esses procedimentos administrativos se realizarem. Paralisaria assim, o trabalho do órgão.
Ao todo, no Brasil, das 809 Terras Indígenas, 518 estão com processo de demarcação finalizado e 291 estão com processo incompleto: 167 estão em estudos para identificação; 36 já tiveram seus estudos de identificação aprovados pela Funai; enquanto 68 tiveram suas portarias de declaração assinadas pelo Ministério da Justiça estão aguardando homologação presidencial; e 20 são Reservas Indígenas em processo de regularização.
Terra Indígena Morro dos Cavalos
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Guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC) participam de ato em Brasília|Isadora Favero/ISA
A Terra Indígena Morro dos Cavalos está situada no município de Palhoça (SC), com uma população de 343 pessoas, segundo dados do Censo 2022. A TI foi homologada pelo presidente Lula em dezembro de 2024, após mais de 30 anos de espera.
Com 1.983 hectares, parte da área é sobreposta ao Parque Estadual (PES) Serra do Tabuleiro. Território tradicional dos povos Guarani Mbya e Guarani Ñandeva, registros históricos confirmam a presença dessas comunidades na região do Morro dos Cavalos desde o século XVII.
O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), aprovado pela Funai em 2002, aponta a construção da rodovia BR-101 como propulsora das invasões ao território guarani. O relatório destaca ainda a criação do PES Serra do Tabuleiro, em 1975, como outro vetor importante de conflitos fundiários na região que estão presentes até os dias atuais.
Terra Indígena Toldo Imbu
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Kaingang da Terra Indígena Toldo Imbu na III Marcha das Mulheres Indígenas|Webert da Cruz Elias/ISA
Localizada no município de Abelardo Luz (SC), a Terra Indígena Toldo Imbu é de ocupação tradicional do povo Kaingang. Segundo o Censo 2022, a população é de 393 pessoas.
A área declarada com 1.970 hectares é apenas uma parcela do território inicialmente destinado aos Kaingang. Em 1902, um decreto estadual do Paraná reservou uma área de 50 mil hectares como pagamento pelo trabalho realizado na instalação de linhas elétricas. No entanto, quinze anos depois, a promulgação da Lei estadual nº 1,147, transferiu parte da TI para jurisdição do governo de Santa Catarina, que destinou o território para não indígenas.
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Marina Silva merece respeito
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Da esquerda para a direita: Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, Marina Silva, ministra do meio Ambiente e Mudanças Climáticas, e Joenia Wapichana, presidenta da FUNAI durante o ATL 2025|Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
“Se ponha no teu lugar”, disse o senador Marcos Rogério (PL-RO).
“A mulher merece respeito, a ministra, não”, disse o senador Plínio Valério (PSDB-AM).
Inadmissíveis, o ódio e o desrespeito contra a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, mulher negra da Amazônia, mancharam a sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado nesta terça (27/05).
Ataques também partiram do senador Omar Aziz (PSD-AM), que interrompeu a ministra diversas vezes em sua resposta sobre o licenciamento da BR-319, que liga Porto Velho (RO) e Manaus (AM), e a acusou de “atrapalhar o desenvolvimento do país”.
Convidada da comissão, Marina teve o microfone desligado. Solicitou um minuto para resposta, o que só lhe foi garantido pelo senador Marcos Rogério, que presidia a sessão, após intervenção da senadora Eliziane Gama (PSD-MA). Mas foi novamente interrompida.
As falas e as tentativas de silenciamento não são isoladas. São agressões truculentas e misóginas de parlamentares que atravessam uma trilha de destruição da agenda socioambiental no Brasil, no ano em que o país sediará a COP 30, em Belém.
“Imaginem vocês o que é ficar com a Marina seis horas e dez minutos sem ter vontade de enforcá-la”, disse o senador Plínio Valério durante evento dia 14 de março na Fecomércio do Amazonas, e reiterou sem arrependimentos no dia 19, no plenário do Senado.
Marina Silva merece respeito. Reconhecida mundialmente, sua trajetória íntegra em defesa dos direitos de povos e comunidades tradicionais, e em favor do desenvolvimento sustentável do país, é um farol que aponta para a necessidade de aliar conhecimento técnico e científico à proteção do meio ambiente e das pessoas, e assim garantir prosperidade para esta e para as futuras gerações.
O Congresso deve combater, e não reproduzir o racismo estrutural da sociedade brasileira, cujas maiores vítimas são as mulheres negras.
O Instituto Socioambiental (ISA) presta solidariedade à ministra após as agressões e tentativas de silenciamento, e repudia de forma veemente as falas dos parlamentares.
A condução truculenta do debate sobre questões fundamentais para o desenvolvimento do país, como o desmonte do licenciamento ambiental em curso no Congresso, fere o futuro de todos nós.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Nota de pesar pelo falecimento de Sebastião Salgado
Fotógrafo faleceu aos 81 anos e deixa um legado de dedicação à luta socioambiental
O Instituto Socioambiental (ISA) lamenta profundamente o falecimento do fotógrafo, economista e ativista socioambiental Sebastião Salgado nesta sexta-feira (23/05), aos 81 anos.
Ao longo de sua trajetória, Salgado transformou a fotografia em um poderoso instrumento de denúncia e sensibilização.
Seu olhar revelou ao mundo questões urgentes, como a destruição ambiental, a desigualdade social e a importância da preservação da diversidade cultural e ecológica.
Entre seus principais projetos está a exposição “Amazônia”, que estreou em 2022 no Sesc Pompeia, em São Paulo. O Instituto Socioambiental (ISA) colaborou desde a execução dos mapas até a intermediação de contato com lideranças indígenas e de comunidades tradicionais.
Sebastião Salgado se posiciona contra o Marco Temporal, em vídeo gravado em 2020:
A relação entre Salgado e o ISA data do começo dos anos 2000, quando Beto Ricardo, sócio fundador do ISA, visitou a área restaurada pelo fotógrafo e a esposa, Lélia Wanick, no município de Aimorés, em Minas Gerais.
A iniciativa, que restaurou aproximadamente 600 hectares de floresta, foi o pontapé para a criação da ONG Instituto Terra, dedicada à recuperação da biodiversidade no Rio Doce.
Salgado sempre esteve próximo das causas que defendemos, utilizando sua arte para destacar a beleza e a fragilidade do nosso planeta. Seu legado inspira todos nós a continuarmos na luta por um mundo mais justo e sustentável.
Nossos sentimentos à família, amigos e admiradores.
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Sebastião Salgado conversa com Beto Ricardo durante atividade na sede do ISA em São Paulo, em 2017|Claudio Tavares/ISA
Leia abaixo homenagens a Sebastião Salgado (em atualização):
André Villas-Bôas, secretário executivo da Rede Xingu+:
“Ele foi um fotógrafo incrível, maravilhoso. A pegada socioambiental foi o que nos aproximou e, sobretudo, o Beto [Ricardo] dele. Ele tinha uma identidade com o ISA e foi uma pessoa que colocou o prestígio e a fama dele à disposição da causa. Sempre foi uma pessoa generosa com o ISA, procurou ajudar, disponibilizou o material dele. Enfim, tinha uma grande confiança no trabalho da gente e nas pessoas que trabalham no ISA.”
Claudio Tavares, fotógrafo e responsável pelo setor audiovisual do Instituto Socioambiental:
”Foi com muita tristeza que recebi a notícia da partida de um dos maiores fotógrafos do nosso tempo. A preocupação com os povos indígenas, as populações tradicionais e o meio ambiente aproximou Sebastião do antropólogo Beto Ricardo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental, com quem construiu uma grande amizade. Estar do mesmo lado fez com que as obras produzidas por Sebastião estivessem constantemente presentes nas principais publicações e exposições do ISA.
Sua voz calma já faz falta. Perdemos um grande defensor do planeta Terra. Foi um prazer e um privilégio ter tido acesso a algumas de suas obras — um legado que continuará a mostrar um planeta maravilhoso, que insiste em sobreviver, apesar de não ser bem cuidado.
Descanse em paz, Sebastião. Sua missão foi cumprida.”
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Brasil pode perder o equivalente ao território do Paraná em florestas com nova Lei do Licenciamento
Projeto em tramitação no Senado pode deixar mais de 3 mil áreas protegidas vulneráveis, acelerar o desmatamento e empurrar o país para o colapso climático
Cartaz protesta contra o "PL da devastação 2159/2021" no Acampamento Terra Livre 2024|Lucas Landau/ISA
O Instituto Socioambiental (ISA) publicou nesta segunda-fera (19/05) uma Nota Técnica sobre os impactos catastróficos do Projeto de Lei nº 2.159/2021, que tramita no Senado e propõe a criação de uma nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Já aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto representa uma ameaça direta à integridade de mais de 3 mil áreas protegidas, incluindo Terras Indígenas (TIs), Territórios Quilombolas (TQs) e Unidades de Conservação (UCs). Se aprovado, o projeto pode causar um dos maiores retrocessos ambientais da história recente do Brasil.
De acordo com o documento, o PL “apaga” da legislação, para efeitos de licenciamento, 259 Terras Indígenas — ou quase um terço de todas as TIs existentes — e mais de 1,5 mil territórios quilombolas (cerca de 80% dessas áreas) completamente vulneráveis à ação de empreendimentos que, até então, precisavam respeitar regras ambientais mínimas. "Esses territórios, para efeitos do licenciamento, simplesmente deixarão de existir", alerta a Nota Técnica — uma violação direta dos direitos constitucionais dos povos tradicionais.
O projeto também encurta drasticamente o raio de avaliação de impactos ambientais, para efeito do licenciamento de obras e empreendimentos, permitindo que efeitos indiretos, como o desmatamento, a degradação de bacias hidrográficas, a fragmentação de habitats e o deslocamento de comunidades inteiras, sejam ignorados. Além disso, o texto elimina a exigência de consulta e autorização de órgãos ambientais responsáveis por Unidades de Conservação, desmontando um sistema que levou décadas para ser construído.
"Mexer no licenciamento ambiental é mexer em toda a base de sustentação ecológica do país", alerta Antonio Oviedo, um dos pesquisadores do ISA responsáveis pelo estudo. “Ao enfraquecer esse instrumento, o Brasil estará pavimentando o caminho para mais desastres socioambientais, perda de vidas, e o agravamento da crise climática.”
Um estudo de caso presente na Nota Técnica evidencia o tamanho do risco: considerando um conjunto de 75 obras previstas no PAC 2023 para a Amazônia Legal, 277 áreas protegidas seriam impactadas sob as regras atuais. Com o PL em vigor, esse número despenca para apenas 102, desprotegendo cerca de 18 milhões de hectares de floresta — o equivalente ao território do Paraná — e abrindo espaço para um ciclo de destruição irreversível.
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Ibama realiza operação de combate ao desmatamento e garimpo ilegal na Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto (AM)|Vinícius Mendonça/Ascom/Ibama
O projeto também afrouxa ou elimina completamente as condicionantes ambientais, que obrigam empreendedores a adotar medidas de prevenção, mitigação e compensação. Especialistas alertam que essa brecha estimula o avanço do desmatamento ilegal, grilagem e violência no campo, ao mesmo tempo em que enfraquece os mecanismos de fiscalização.
Para além dos danos ambientais e sociais, o PL também sabota a segurança jurídica e financeira dos próprios empreendimentos. Ao excluir territórios ainda em processo de regularização do licenciamento, os impactos continuarão a acontecer — sem previsão legal de medidas compensatórias —, o que deve aumentar a judicialização e gerar custos inesperados bilionários a longo prazo.
A conclusão da Nota Técnica é clara: o projeto de lei representa um colapso anunciado. Se aprovado, o Brasil não apenas perderá milhões de hectares de floresta nativa, mas também comprometerá sua credibilidade internacional, violará direitos fundamentais e destruirá qualquer possibilidade de atingir as metas climáticas que assumiu diante do mundo.
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Protagonismo dos povos indígenas na COP30 é tema de episódio do “Vozes do Clima”
Articulação do movimento indígena rumo à conferência do clima foi tema do 21º ATL e teve como ponto alto o lançamento da Comissão Internacional Indígena para a COP30
A participação de povos indígenas do Brasil e da América Latina na Conferência das Nações sobre Mudanças do Clima (COP30), que acontecerá em novembro deste ano, em Belém-PA, é o tema do novo episódio do boletim de áudio “Vozes do Clima” lançado nesta sexta-feira (09/05), em todas as plataformas de áudio. O assunto foi amplamente debatido durante o 21º Acampamento Terra Livre (ATL), maior evento indígena do mundo, ocorrido no início de abril, em Brasília.
O “Vozes do Clima” traz o ponto alto do debate, que foi a plenária “A resposta somos nós: povos indígenas rumo à COP30", com a presença de diversas lideranças indígenas nacionais e internacionais, representantes de organizações parceiras, autoridades do governo federal e parlamentares. Na ocasião, foram lançadas a Comissão Internacional Indígena para a COP30 e a Contribuição Nacionalmente Determinada Indígena (NDC).
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A plenária reuniu lideranças indígenas representantes de organizações parceiras, autoridades do governo federal e parlamentares|Po Yre/ISA
O novo episódio traz contribuições de lideranças e autoridades sobre a necessidade de ampla articulação para garantir que as demandas e as vozes indígenas sejam ouvidas durante a conferência do clima de Belém. O principal recado é que os povos indígenas lutam e se articulam para ter sua participação assegurada nas decisões globais sobre o enfrentamento à crise climática, determinantes para o futuro da humanidade.
Maior participação indígena
Uma das lideranças presentes no “Vozes do Clima” é Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e representante da Aliança Global de Comunidades Territoriais, que disse esperar que a COP de Belém seja a maior em participação indígena. Ele também destacou a importância da luta do movimento nas ações de combate às mudanças climáticas.
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Kleber Karipuna somou às falas sobre a necessidade da presença indígena também em espaços como a COP30|PoYre/ISA
“O lançamento desta comissão internacional é fruto da nossa luta, da nossa articulação, do nosso movimento conjunto da APIB, da Aliança Global, com todos os atores que fazem parte da luta do movimento indígena. Só é possível essa articulação, porque nós estamos fazendo parte desse processo de diálogo e de discussão com o governo, com os mecanismos internacionais, com a UNFCCC, com outros atores para garantir essa nossa presença na COP de Clima e levarmos a nossa voz”, ressaltou.
Sineia do Vale, indígena do povo Wapichana e co-presidente para América Latina e Caribe do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (Caucus Indígena), explicou que a Comissão Internacional atende ao esforço das organizações indígenas de levar para a COP de Belém povos não só do Brasil mas de toda a América Latina.
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Sineia do Vale defende a presença de indígenas de toda América Latina na COP de Belém, que acontece em novembro de 2025|Po Yre/ISA
“Enquanto presidente do Caucus Indígena pela América Latina e Caribe, estou também organizando para garantir a melhor participação global dos povos indígenas nesse espaço tão importante. E nós estamos aqui junto com a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), com a Apib, onde cada um já tem suas comissões para trabalhar melhor como nós vamos chegar nesse espaço”, garantiu.
Atuação do governo
A Comissão Internacional Indígena para a COP30 será presidida pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que explicou como será a organização e a composição deste espaço.
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A Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara, explicou que a COP é um espaço para levar a força dos povos indígenas do Brasil e do mundo|Po Yre/ISA
“Nós teremos nessa comissão as representações do Fórum Permanente da ONU, do Caucus Indígena, da plataforma de povos indígenas e comunidades locais, da Aliança Global, da representação da Bacia Amazônica e do movimento indígena brasileiro por meio da APIB, da Anmiga (Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade) e da Coiab, que é a anfitriã também indígena da COP que acontecerá na Amazônia. É um espaço onde nós vamos levar essa força dos povos indígenas, não só do Brasil, mas dos povos indígenas do mundo”, contou.
Já a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, reforçou os compromissos assumidos pelo governo federal e destacou a importância da luta dos povos indígenas.
“O presidente Lula tem um compromisso de desmatamento zero até 2030. Tem o compromisso de que nós vamos ter uma NDC de 67% de redução de emissão de CO2 para todos os setores: agricultura, indústria, transporte, energia. Mas isso não é algo que é feito por um governo. Isso é algo que é feito pela força transformadora de um povo”.
O presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, falou do seu orgulho de conduzir os trabalhos da COP30 com a possibilidade de ouvir lideranças indígenas de todo o país.
“Vocês dão uma dimensão ao Brasil que só me enche de orgulho e eu acho que nenhum presidente da COP teve o privilégio de estar cercado por pessoas como vocês. Vocês nos inspiram, vocês inspiram o mundo e essa COP vai abraçar vocês e vocês tem que abraçar essa COP”.
Apoio da sociedade civil
Em entrevista ao “Vozes do Clima”, a secretária executiva do ISA, Adriana Ramos, ressaltou a importância da articulação do movimento indígena nacional e internacional para construir formas de manifestação e de participação nos debates da COP 30. Ela também reafirmou o compromisso do ISA de apoiar povos e comunidades tradicionais em iniciativas preparatórias para a conferência de Belém.
“O ISA tem buscado apoiar as suas organizações parceiras no sentido de fortalecer essa luta e essa presença constante para que essa perspectiva indígena também esteja presente nos debates da COP. Nós, inclusive, estamos trabalhando na sistematização das experiências que desenvolvemos ao longo desses 30 anos para contribuir com exemplos concretos que demonstrem que não há como solucionar a crise climática sem buscar inspirações, conhecimentos, modos de fazer que os povos indígenas, as comunidades quilombolas e comunidades tradicionais têm desenvolvido e que no Brasil são tão evidentes”, explicou.
Escute aqui!
O que é o “Vozes do Clima”?
O boletim de áudio “Vozes do Clima” é uma realização do ISA, com produção da produtora de podcasts Bamm Mídia e apoio da Environmental Defense Fund (EDF) e propõe levar informações a povos e comunidades tradicionais sobre os temas relacionados à pauta climática. A identidade visual foi concebida pelas designers e ilustradoras indígenas Kath Matos e Wanessa Ribeiro. Além de ser distribuído via Whatsapp e Telegram, o programa também poderá ser ouvido nas plataformas de áudio Spotify, iHeartRadio, Amazon Music, Podcast Addict, Castbox e Deezer.
Este é o segundo da segunda temporada do “Vozes do Clima”, que contará com um total de 12 edições e abordará os diversos debates sobre clima e socioambientalismo.
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No Dia dos Povos Indígenas, celebridades se mobilizam pela demarcação de terras
Campanha "Brasil Indígena, Terra Demarcada" destaca papel dos povos indígenas na preservação ambiental e defende direitos previstos na Constituição
Em ação pelo Dia dos Povos Indígenas, neste 19 de abril, a campanha "Brasil Indígena, Terra Demarcada" lança um vídeo mobilizador com participação de Anitta, Juliette, Glória Pires, Marcos Palmeira, Dira Paes, Klebber Toledo e Alejandro Claveaux. Todos os artistas cederam suas imagens gratuitamente.
A iniciativa — liderada pela Mídia Indígena, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e o Instituto Socioambiental (ISA) — reforça a importância da demarcação de Terras Indígenas como medida urgente para proteger o futuro do Brasil.
O vídeo ressalta o papel essencial dos povos indígenas na preservação ambiental, sobretudo na proteção de florestas e manutenção das chuvas que viabilizam as atividades agropecuárias. Também destaca que as Terras Indígenas apresentam os menores índices de desmatamento e armazenam quantidades significativas de carbono, sendo estratégicas no combate à crise climática.
“Todo dia a casa dos povos indígenas transpira 5 bilhões de toneladas de água. Lá também se armazenam 13 bilhões de toneladas de carbono”
Além disso, o vídeo valoriza a presença ancestral dos povos originários nos diversos biomas do país, sua riqueza cultural e linguística e o direito constitucional à demarcação de seus territórios. A mensagem final é um apelo contundente contra a tese do marco temporal e em defesa dos direitos garantidos pela Constituição Federal.
“Aqui no Brasil é assim, se você não tem sangue indígena nas mãos… eu e você temos que defender o sangue indígena nas veias.”
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Indígenas marcham no Acampamento Terra Livre (ATL), em abril de 2022, em Brasília|Cassandra Mello/Teia Filmes/ISA
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ATL 2025 chega ao fim com forte mobilização indígena contra retrocessos no STF e no Congresso
Na carta final, Apib celebrou 20 anos de luta, alertou para a crise climática e expôs ataques sem precedentes aos direitos indígenas
Deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) puxa marcha no penúltimo dia de ATL, que terminou com repressão policial|@scarlettrocha
Na carta final do Acampamento Terra Livre (ATL) 2025, divulgada nesta sexta-feira (11/04), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou o maior ataque institucional aos direitos indígenas desde a promulgação da Constituição de 1988.
O documento, que marcou o encerramento da principal mobilização indígena do planeta, também alertou para a urgência da crise climática, condenou os projetos de energia e combustíveis fósseis que violam os territórios tradicionais, e exigiu o arquivamento imediato das propostas anti-indígenas em tramitação no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF).
O ATL 2025 foi marcado pela presença de mais de sete mil pessoas de diferentes povos para celebrar os 20 anos da Apib, reivindicar a garantia de direitos constitucionais e mostrar a potência da força ancestral.
Além das marchas “Apib Somos Todos Nós: Nosso Futuro não está à venda!” e “A resposta somos nós”, a programação contou com mesas e plenárias que discutiram o futuro desses povos em espaços como a COP30 e a Câmara de Conciliação do STF.
A ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que costuma visitar o evento, a falta de anúncio de novas demarcações e a violência policial contra a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) e outros indígenas durante a marcha desta quinta-feira (10/04) também marcaram o acampamento. A expectativa, de acordo com o coordenador nacional da Apib, Kleber Karipuna, é a de que novos anúncios de demarcação de Terras Indígenas sejam feitos ainda em abril.
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Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, lê no palco do ATL a carta final da mobilização indígena|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
Na carta final, a Câmara de Conciliação do STF, que discute a Lei do Marco Temporal sem a legítima representação do movimento indígena, foi denunciada como o maior ataque institucional desde a promulgação da Constituição. “O Ministro Gilmar Mendes propôs um novo anteprojeto de lei que fragiliza o direito à consulta livre, prévia e informada, criminaliza retomadas, indeniza invasores e altera profundamente o procedimento de demarcação. Pior: sinalizou a abertura de nova negociação sobre a mineração em terras indígenas”, diz o texto.
No Legislativo, a bancada ruralista pressiona pela aprovação de Propostas de Emendas à Constituição (PECs), como a PEC 48, do Marco Temporal, e a PEC 132, da indenização da terra nua, além da CPI da Demarcação das Terras Indígenas. “Exigimos o arquivamento imediato de todas as propostas legislativas de caráter anti-indígena em tramitação no Congresso Nacional”, diz o documento.
A carta ainda reforça que os conhecimentos tradicionais indígenas são essenciais para combater as crises climática e alimentar, defendendo a demarcação de terras como política ambiental urgente e o financiamento direto para a proteção territorial.
“Nossa ciência e sistema ancestral, expressa na agroecologia, nas economias indígenas, na gestão coletiva dos territórios, na nossa relação espiritual com a Mãe Natureza, preserva a biodiversidade, todas as formas de vida, incluindo os mananciais e sustenta sistemas alimentares saudáveis e equilibrados”.
Acordo sem voz indígena
Na quarta-feira, a plenária “O Acordo sem Voz: A Câmara de Conciliação no STF e a Reconfiguração da Política Indigenista no Brasil” reuniu lideranças indígenas, parceiros e representantes de órgãos públicos.
A Câmara, instituída pelo ministro Gilmar Mendes para “pacificar” as partes em conflito pela Lei 14.701 – a Lei do Marco Temporal, encerraria em 2 de abril, mas a Câmara dos Deputados e o Senado Federal solicitaram sua prorrogação. O pedido foi corroborado pela União e deve ser avaliado por Mendes.
A Apib se retirou das negociações logo na segunda sessão, alegando falta de nitidez sobre o processo. Ainda assim, o ministro decidiu continuar as negociações, sem a participação da parte mais interessada no processo.
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Plenária “O Acordo sem Voz: A Câmara de Conciliação no STF e a Reconfiguração da Política Indigenista no Brasil”|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
Na plenária, o coordenador adjunto de política e direito do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta, criticou a continuidade da Câmara de Conciliação no STF sem a representação da Apib. "Eu nunca vi conciliação sem as partes. A Apib é a autora da ação e a legítima representante, segundo o STF, dos povos indígenas do Brasil. O Supremo está permitindo que se conciliem os direitos dos povos indígenas sem sua representação legítima”, afirmou.
O debate contou também com a participação da defensora Pública da União, Diana Freitas de Andrade; da liderança do povo Xukuru Guila Xukuru; do jurista e professor Carlos Marés; do advogado indígena Ricardo Terena; da advogada representante da Apib, Heloísa Machado e da ex-subprocuradora-geral da República Deborah Duprat.
Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib, falou sobre a importância do fortalecimento do movimento indígena para contrapor os retrocessos constitucionais em curso. “A nossa estratégia de luta precisa passar por esse momento de organização e mobilização social. O processo jurídico é importante, mas a gente só conseguiu o que conseguiu fazendo luta”, ressaltou.
Os participantes manifestaram preocupação com a proposição, pelo STF, de um anteprojeto de lei que propõe inúmeros retrocessos, como explica Maurício Guetta. “O processo de demarcação vai ser travado. Vai ter indenização para Terra Indígena. Vão tentar liberar mineração, garimpo, hidrelétrica e tudo o que tiver de empreendimento em Terra Indígena. Quando o indígena não quiser um empreendimento de branco no seu território, vão liberar mesmo assim, porque é o que está dito lá no projeto de lei do ministro Gilmar Mendes.", lamentou.
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Mais de sete mil indígenas se reuniram ao longe desta semana para exigir direitos constitucionais|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
Além disso, é atípico que o órgão responsável pelo controle constitucional proponha leis, “muito menos leis sobre minorias vulneráveis, como são os povos indígenas do ponto de vista jurídico”, explica Guetta. “E se essa lei viesse a ser aprovada, qual é a legitimidade do Supremo, depois, para exercer o seu papel que está na Constituição [que é avaliar sua constitucionalidade]?”.
A manifestação da defensora pública da União, Diana Freitas de Andrade, foi no mesmo sentido. "A grande preocupação da Defensoria Pública é muito elementar. É que não exista, no ordenamento jurídico brasileiro, uma lei imune ao controle constitucional dado pelo STF", afirmou.
Ex-subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat disse que o projeto abre as Terras Indígenas para as atividades econômicas para acabar com o processo de demarcação, como está estabelecido no artigo 231 da Constituição. “Tudo vai ser compra e venda. Tudo vai ser no fundo propriedade privada", definiu.
"A principal neutralização do projeto é a criminalização absoluta das retomadas”, continua Duprat. “As retomadas foram a maior inteligência que o movimento indígena desde sempre teve para forçar processos de demarcação. A gente sabe que, sem as retomadas, muitas demarcações não aconteceriam. Pelo projeto de lei, as retomadas são tratadas como crime", explicou Deborah Duprat.
“Não há direito se ele não é reconhecido e colocado em prática na hora”, afirmou o jurista Carlos Marés, um dos maiores especialistas em direitos indígenas no país. “O direito atrasado, que leva muito tempo para ser reconhecido, já deixa de ser direito, porque teve um tempo longo de ausência. Essa câmara é nada mais nada menos que uma tentativa do seu atraso . Ao meu entender a luta é para que se encerre [a câmara]”, sinalizou.
Guila Xukuru classificou a instalação da câmara de conciliação como “aberração jurídica”, que vai de encontro à determinação do STF. “A primeira coisa que a gente não pode abrir mão é que o direito dos povos indígenas é originário. A indenização da terra nua é para inviabilizar totalmente a demarcação desses territórios. A União não está pronta para cumprir com essa determinação que eles mesmos estão colocando”, enfatizou.
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ATL 2025: Lideranças indígenas lançam Comissão Internacional para a COP30
Debate com ministras, parlamentares e representantes do governo federal destacou protagonismo dos povos indígenas na luta para enfrentar a crise climática
Um dos momentos mais marcantes do quarto dia do 21º Acampamento Terra Livre (ATL) foi a plenária “A resposta somos nós: povos indígenas rumo à COP30", que contou com a presença de diversas lideranças indígenas nacionais e internacionais, representantes de organizações parceiras, autoridades do governo federal e parlamentares.
A maior mobilização do movimento indígena do mundo acontece desde segunda-feira (07/04) no centro de Brasília e reúne cerca de sete mil indígenas dos diferentes povos para denunciar retrocessos aos direitos indígenas, exigir a demarcação de terras e cobrar políticas públicas efetivas nas áreas de saúde, segurança alimentar e enfrentamento à crise climática.
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A resposta somos nós: plenária contou com a presença de diversas lideranças, organizações parceiras, autoridades e parlamentares|Leonor Costa/ISA
A tenda principal estava lotada para acompanhar o lançamento da Comissão Internacional Indígena para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP30), que ocorrerá em novembro, em Belém (PA).
Conduzida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a plenária também anunciou a Contribuição Nacionalmente Determinada Indígena (NDC) e teve a participação do presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago; da secretária-executiva da COP30, Ana Toni; da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara; da ministra do Meio Ambiente e de Mudanças do Clima, Marina Silva; do secretário-geral da Presidência da República, Márcio Macêdo; do Secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos do Ministério da Igualdade Racial, Ronaldo dos Santos; e das deputadas federais Célia Xacriabá (PSOL-MG) e Érika Hilton (PSOL-SP).
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Deputada Erika Hilton (PSOL-SP) visitou o ATL nesta quinta|Carolina Fasolo/ISA
Ao anunciar o lançamento da Comissão Internacional Indígena, o coordenador-executivo da Apib, Kleber Karipuna, disse esperar que a COP30, em Belém, seja a maior em participação indígena e destacou a importância da luta do movimento nas ações de enfrentamento às mudanças climáticas.
“O lançamento dessa Comissão Internacional é fruto da nossa luta, da nossa articulação e do nosso movimento conjunto da Apib, da Aliança Global (de Comunidades Territoriais) e de todos os atores que fazem parte da luta do movimento indígena”, afirmou.
“Só é possível essa articulação porque nós estamos fazendo parte desse processo de diálogo e de discussão com o governo, com os mecanismos internacionais e com outros atores para garantir a nossa presença na COP do clima e levarmos a nossa voz, as nossas demandas".
"Não é possível que a 30ª COP deixe de falar que a solução para o enfrentamento da crise climática é a demarcação das terras indígenas, é a proteção da nossa biodiversidade e dos territórios indígenas", enfatizou.
Indígenas na linha de frente
A ministra Sônia Guajajara ressaltou a força da articulação da Apib e de suas regionais para garantir o protagonismo indígena na conferência do clima e destacou o esforço do governo federal nessa frente.
“Essa é uma conferência global, que acontece todos os anos, e nós sempre lutamos para que os povos indígenas estivessem no centro desse debate, porque comprovadamente os territórios indígenas funcionam como grande barreira contra o avanço das monoculturas, da mineração, do garimpo e do agronegócio”, pontuou.
"Nós também estamos criando essa comissão internacional, que estará dentro de um círculo que será criado por essa presidência (da COP30) e nesse círculo estarão as instâncias maiores, representativas dos povos indígenas", explicou a ministra, ao destacar a importância da Comissão Internacional da COP30, da qual será presidente.
O esforço do governo federal em defender os direitos dos povos indígenas e impedir o avanço do desmatamento, do garimpo e do agronegócio nos territórios foi o tema central da fala da ministra Marina Silva. Ela também pontuou as ações para que a COP30 ouça e reflita as demandas dos povos e comunidades tradicionais.
“O presidente Lula tem o compromisso de desmatamento zero até 2030. Tem o compromisso de que nós vamos ter uma NDC de 67% de redução de emissão de CO2 para todos os setores. Mas isso não é algo que é feito só por um governo, mas pela força transformadora de um povo”, ressaltou a ministra.
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Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas e futura presidenta da Comissão Internacional da COP30, fala ao ATL 2025|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
Ela finalizou agradecendo os ensinamentos dos povos indígenas. "Quero agradecer aos povos indígenas, porque eles nos ensinam como lutar com os recursos naturais sem destruir a floresta, a biodiversidade, os rios, os peixes e tudo que a natureza nos oferece".
Em uma rápida saudação, o embaixador André Corrêa do Lago destacou o orgulho de conduzir os trabalhos da COP30 com a possibilidade de ouvir lideranças indígenas de todo o país.
“Vocês dão uma dimensão ao Brasil que só me enche de orgulho e eu acho que nenhum presidente da COP teve o privilégio de estar cercado por pessoas como vocês. Vocês nos inspiram, vocês inspiram o mundo e essa COP vai abraçar vocês e vocês têm que abraçar essa COP. E a única coisa que eu posso dizer é que hoje eu tenho um imenso orgulho de ser brasileiro".
Parlamento também é lugar de mulher indígena
Eleita deputada federal em 2022 pelo estado de Minas Gerais, Célia Xakriabá, do povo Xakriabá, localizado no norte do estado, ressaltou o peso do parlamento nas ações para impedir os retrocessos contra povos indígenas e o meio ambiente.
“Nós temos uma grande luta. Fui presidenta da Comissão da Amazônia, dos Povos Originários e de Comunidades Tradicionais, e quero dizer que não precisa ser da Amazônia para defender a Amazônia; da Caatinga, do Cerrado, do Pampa e do Pantanal para defender esses biomas. As pessoas não sabem, mas 90% dos parlamentares da Amazônia são contra o meio ambiente. Então é preciso ter a força dos parlamentares e de um Congresso Nacional onde existem mais de mil projetos de lei de retrocesso aos territórios indígenas", enfatizou a deputada, que é relatora, na Câmara dos Deputados, da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
Ao final da marcha “A resposta somos nós", que ocorreu logo após a plenária, Célia Xakriabá foi uma das atingidas pelos efeitos do gás de pimenta lançado por policiais militares contra os indígenas que se aproximavam do gramado do Congresso Nacional. Célia estava à frente da marcha e se apresentou como deputada federal, mas ainda assim os agentes da Polícia Militar seguiram com os atos desproporcionais de violência. Diversos indígenas passaram mal e foram socorridos por equipes do Corpo de Bombeiros no local.
Confira as declarações da deputada em coletiva de imprensa:
Leia a nota e confira a coletiva de imprensa da Apib ocorrida na manhã desta sexta-feira (11/04).
"Devolvam a nossa terra que vocês tomaram”
"Não haverá justiça climática sem a demarcação dos nossos territórios. E sem a demarcação dos nossos territórios continuaremos morrendo”, assim a coordenadora da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e liderança da aldeia Tekoa Takuatya, Ju Kerexu abriu a sua fala na plenária “A resposta somos nós: povos indígenas rumo à COP30".
Para destacar a urgência de todos os povos do Brasil terem seus territórios demarcados como parte da luta contra a crise climática, Kerexu puxou um canto reza, junto com indígenas guaranis presentes, que diz: “Peme’ẽ jevy, peme’ẽ jevy/ Ore yvy peraa va’ekue/ Roiko’i aguã (Devolvam, devolvam/ a nossa terra que vocês tomaram/ Para que a gente continue vivendo).
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Anaya Suya, conselheira da Rede Xingu+ e assessora de comunicação da ATIX, marcha no penúltimo dia de ATL|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
"Quando a gente fala sobre a COP30, especialmente essa, que possa ser de fato a COP dos povos indígenas, para que a gente possa trazer a nossa voz, trazer os nossos cantos, trazer as nossas pisadas, pois nós sabemos a resposta, e a resposta somos nós. E, assim, dizer para o mundo inteiro, que todos precisamos desse planeta para existir", emendou a liderança após o canto.
Sineia do Vale, indígena do povo Wapichana e co-presidente para América Latina e Caribe do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (Caucus Indígena), também ressaltou a importância da luta pela demarcação das terras indígenas quando se fala em COP30 e em soluções para enfrentar a emergência climática.
“A COP é o espaço em que nós vamos discutir principalmente sobre a questão climática, mas isso não é menos do que nós trazermos o principal foco de todas as discussões de todos os povos indígenas do Brasil e do mundo, que é principalmente a demarcação de nossas terras, que é essencial para a questão das mudanças climáticas", defendeu.
A NDC indígena
Elaborada a partir do acúmulo de propostas das organizações regionais da Apib, a NDC Indígena (Contribuição Nacionalmente Determinada), lançada no 21º ATL, reforça que o debate climático precisa considerar a equidade, a autodeterminação e a participação efetiva dos povos indígenas e comunidades tradicionais na implementação da NDC brasileira, no âmbito do Acordo de Paris.
Conforme divulgado pela Apib, o documento é dividido em seis eixos temáticos:
- Mitigação, que defende o reconhecimento e a proteção dos direitos territoriais dos povos como política essencial de mitigação climática;
- Adaptação, que destaca a importância de proteger saberes ancestrais, como o manejo do fogo e a medicina indígena;
- Financiamento, que propõe revisar mecanismos existentes e criar instrumentos específicos para o financiamento direto das organizações indígenas;
- Transferência de tecnologia, que sugere integrar conhecimentos tradicionais à ciência moderna nas estratégias climáticas;
- Capacitação, com foco em formação técnica e acesso a informações climáticas em linguagem acessível;
- Justiça e ambição, que reconhece a dívida histórica com os povos indígenas e tradicionais;
- Co-benefícios, que relacionam a demarcação de terras às ações contra a mudança do clima, fortalecendo os compromissos internacionais do Brasil.
"O documento é baseado na justiça climática, no direito ao consentimento livre, prévio e informado, e na importância de soluções que respeitem a natureza e sejam pensadas e lideradas pelos povos indígenas", afirmou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
Comissão Internacional Indígena para a COP30
Com o desafio de amplificar a visibilidade e a influência dos povos indígenas nas negociações climáticas, a Comissão Internacional Indígena para a COP30 será presidida pela ministra Sonia Guajajara e composta pelas seguintes organizações: Apib, Coiab, Anmiga, o G9 da Amazônia Indígena, a Aliança Global de Comunidades Territoriais (GATC), e o Fórum Permanente da ONU sobre Assuntos Indígenas (UNPFII).
De acordo com a Apib, além destas, há diálogo para participação de outras organizações e fóruns internacionais indígenas.
Entre as funções e tarefas da Comissão estão o desenvolvimento de uma metodologia para garantir o credenciamento de povos indígenas para a Conferência das Partes como prática institucionalizada para futuras COPs; assegurar que haja foco em prioridades específicas dos povos originários; conduzir reuniões regionais; e planejar e executar eventos e reuniões com Estados-partes, agências da ONU e aliados, com o objetivo de ampliar as demandas dos povos.
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