Em evento no Palácio do Planalto nesta quarta-feira (06/08), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou os decretos de homologação das Terras Indígenas Pitaguary, Lagoa Encantada e Tremembé de Queimadas ao lado da Ministra Sônia Guajajara, Joênia Wapichana, presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Secretária dos Povos Indígenas do Ceará, Juliana Alves Jenipapo Kanindé, e da Secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ceiça Pitaguary.
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A assinatura dos decretos aconteceu no Palácio do Planalto nesta quarta-feira (06/08) com a presença de lideranças indígenas|Ricardo Stuckert/PR
Todas no estado do Ceará, as TIs somam 4.238 hectares e são territórios tradicionais dos povos Tremembé, Jenipapo-Kanindé e Pitaguary. Os processos de demarcação das áreas demoraram em média 25 anos para serem finalizados.
O anúncio aconteceu ao mesmo tempo em que ocorre, em Brasília, a IV Marcha das Mulheres Indígenas, realizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e foi recebido com celebração pelo movimento. Com as novas assinaturas, o terceiro mandato do presidente homologou 16 Terras Indígenas, e o Ministério da Justiça declarou os limites de dez áreas. No entanto, a cobrança pelo cumprimento da promessa feita por Lula de homologar o máximo de TIs possíveis durante o seu mandato, segue intensa.
Segundo Cacica Irê, do povo Jenipapo Kanindé, atual Secretária dos Povos Indígenas do Ceará, a homologação dessas áreas foi fruto da parceria e da articulação do estado junto a Funai e MPI. Em novembro de 2023, a Funai, o Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) e a Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará (Sepince) assinaram um Acordo de Cooperação Técnica com o objetivo de realizar a demarcação física e o levantamento de benfeitorias instaladas por terceiros em quatro Terras Indígenas. Para além das áreas homologadas ontem, resta a homologação da Terra Indígena Tapeba, que também fazia parte do acordo. Para ela, a demarcação dessas TIs é muito significativa dentro de um estado que por tantos anos invizibilizou a presença desses povos.
No Brasil existem 809 Terras Indígenas em diferentes estágios de reconhecimento. Dessas, 521 áreas já estão com o processo finalizado, sendo que o restante ainda está em alguma das etapas do processo de demarcação. São 265 TIs com processo em andamento na Funai, 65 delas, aguardam apenas a homologação pelo presidente Lula. No processo administrativo de demarcação de Terras Indígenas, a homologação pela presidência da República é um dos últimos passos, faltando apenas o registro no cartório.
"Essas demarcações sinalizam um avanço, mas o atual cenário é preocupante. São muitos retrocessos dos direitos indígenas, e o processo de demarcação vem sendo afetado com a aprovação da Lei do Marco Temporal", afirma Moreno Martins, coordenador do Programa Povos Indígenas no Brasil, do ISA.
No estado do Ceará, são 10 Terras Indígenas, totalizando agora cinco homologadas, uma declarada, uma delimitada, duas em estudo e uma Reserva Indígena em processo de regularização. A área total é de 21.648,00 hectares.
Contexto das três Terras Indígenas
A Terra Indígena Pitaguary, localizada nos municípios de Maracanaú e Pacatuba (CE) - zona metropolitana de Fortaleza, foi homologada com 1.731 hectares. Desde 2006, quando o MJSP assinou a Portaria Declaratória do território, o povo Pitaguary aguardava a conclusão do processo de demarcação, iniciado há 28 anos.
A luta pelo território é antiga, com registros de solicitações realizadas por lideranças do povo para que o governo tomasse providências contra os invasores do território ainda no século XIX. A TI Pitaguary teve o processo de demarcação física concluído em outubro de 2024, mas até esse marco, foi palco de muitos episódios de violência, entre eles, um ataque à Cacica Madalena, em 2018.
Do povo Jenipapo Kanindé, a Terra Indígena Lagoa Encantada, localizada em Aquiraz (CE), estava em processo de demarcação desde 1997 e aguardava a homologação há 14 anos. A área de 1.732 hectares, onde vivem 382 pessoas (IBGE, 2022), é casa da cacica Maria de Lourdes da Conceição Alves, a Cacica Pequena, tida como a primeira cacica mulher do país, uma referência da força feminina no movimento indígena.
Cacica Irê, filha de Cacica Pequena, reforçou a importância do movimento de mulheres nesse contexto. “Estamos muitos felizes em poder estar festejando um momento desses tão significativo na vida dos povos do Ceará dentro da nossa IV Marcha Nacional das Mulheres Indígenas”.
Comentou ainda sobre a necessidade da luta continuar pela homologação de outras TIs: "Nós temos fé e esperança que daqui para o final do ano o presidente Lula vai sancionar e homologar a Terra Indígena do povo Tapeba”, disse. “Afinal de contas, o povo Tapeba é muito merecedor de ter sua homologação do seu território, uma vez que foi o primeiro povo no estado do Ceará que fincou o pé e demarcou a luta dizendo 'nós existimos!', completou.
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Cacica Irê Juliana Alves, do povo Jenipapo Kanindé, atual Secretária dos Povos Indígenas do Ceará celebra homologações|Mariana Soares/ISA
A lentidão do processo de demarcação se explica em parte por conta do conflito judicial envolvendo o Grupo Ypióca, que explorava recursos hídricos da Lagoa Encantada para irrigação de plantio de cana de açúcar. Uma filial ligada ao grupo recorreu judicialmente para anular o processo de demarcação. Em 2017, o Supremo Tribunal de Federal rejeitou recurso apresentado pela empresa e afirmou a validade do processo de demarcação.
Já no caso da Terra Indígena Tremembé de Queimadas, localizada em Acaraú (CE), a espera para a conclusão do processo de demarcação chegou a 20 anos. Agora, o povo Tremembé espera a regulação de outras duas TIs com processo em andamento: Tremembé de Almofala e Tremembé do Engenho.
Fruto de sua dissertação de mestrado, o livro convida o leitor a adentrar as paisagens do Confim das Águas, território no interior do Rio Grande do Sul, por meio de histórias e saberes tecidos entre roças, capoeirões, bichos, mato e gente.
Na interface entre disciplinas, como é o caso da etnoecologia e da etnobiologia, a bióloga Joana Bassi constrói um texto sensível e ousado, fruto de uma escuta atenta e de um engajamento afetivo com os habitantes do território.
O livro é um convite para conhecer o Confim das Águas e seus habitantes, que "nos contam sobre a natureza vivenciada em seus caminhos, em uma ecologia aprendida e vivenciada entre roças, capoeirões, mato, bichos e pessoas".
Mais do que uma narrativa acadêmica, o livro propõe uma reflexão urgente sobre nossa desconexão com a natureza e oferece caminhos para valorizar modos de vida que cuidam, cultivam e aprendem com o ambiente.
Joana Braun Bassi é socioambientalista, mãe de Nauê, bióloga e mestre em desenvolvimento rural pela UFRGS. É vice-coordenadora da Rede Sul de Restauração Ecológica (gestão 2023-2025) e atua como analista ambiental da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, onde tem especial dedicação ao tema da Conservação pelo Uso e à intersecção entre biodiversidade, sistemas de manejo e modos de vida.
O Prêmio Juliana Santilli, organizado pelo ISA em parceria com a Editora Mil Folhas (IEB) e a Associação Bem-Te-Vi Diversidade, homenageou a memória da pesquisadora e promotora Juliana Santilli, defensora incansável dos direitos socioambientais.
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Joana Braun Bassi fala durante entrega do Prêmio Juliana Santilli de Agrobiodiversidade, em novembro de 2017, em Brasília|Matheus Alves/ISA
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Ribeirinhos das Resex do Médio Xingu, do Rio Iriri e do Riozinho do Anfrísio lançam Protocolos de Consulta, na UFPA
Documentos construídos coletivamente fortalecem o direito à consulta prévia, o protagonismo das comunidades e a autonomia na tomada de decisões sobre seus territórios
Em uma conquista construída ao longo de anos de mobilização, as Associações de Moradores da Resex do Riozinho do Anfrísio (Amora), do Médio Xingu (Amomex) e do Rio Iriri (Amoreri) lançaram seus Protocolos de Consulta, reafirmando o direito de decidir sobre seus territórios de acordo com seus próprios modos de vida. O lançamento aconteceu no início de julho no Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf), da Universidade Federal do Pará (UFPA), em um encontro que reuniu lideranças comunitárias, pesquisadores, estudantes e apoiadores da causa socioambiental.
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Os protocolos de consulta do Riozinho do Anfrísio, Rio Iriri e Resex do Xingu foram lançados na Universidade Federal do Pará (UFPA)|Hugo Chaves/ISA
O evento contou com as participações dos presidentes das associações Raimundo Freire, Júlio César e Francinaldo Lima, das professoras da UFPA Raquel Rodrigues dos Santos e Natália Ribas Guerrero, da coordenadora adjunta do Programa Xingu do Instituto Socioambiental (ISA), Fabíola Silva, do advogado e doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Rodrigo Oliveira, da antropóloga Vanuza Cardoso, do Quilombo Abacatal, e do representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), José Ivanildo Brilhante, além de pesquisadores e estudantes do Ineaf.
Em sua fala, Fabíola Silva recordou o processo de elaboração dos protocolos, que foi iniciado em 2022 com amplo debate nas comunidades e respeitando as suas formas tradicionais de organização e os espaços de governança existentes.
“É fundamental que o protocolo reflita as práticas e os modos de tomada de decisão que as comunidades já exercem em seus territórios”, afirmou a coordenadora adjunta do ISA. “Nesse sentido, o papel do protocolo é registrar aquilo que já é vivenciado na prática. Assim, o documento se torna mais acessível, favorecendo a apropriação pelas comunidades e fortalecendo a sua efetividade”, avaliou.
O assessor das Associações da Terra do Meio, Francinaldo Lima, explicou que as comunidades que compõem a região são formadas, sobretudo, por descendentes de migrantes nordestinos que vieram trabalhar na época do auge da borracha, mas sem desconsiderar a importante participação da matriz indígena na composição desta sociedade dos seringais. “Com o fim do ciclo da borracha, essas pessoas permaneceram no território e foram desenvolvendo modos de vida com o rio e com a floresta e formando as comunidades ribeirinhas nessas áreas”, contou.
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Da esquerda a direita: Fabíola, Ivanildo, Rodrigo, Vanuza, Natalia e Raquel, durante o Lançamento do Protocolo de Consulta|Hugo Chaves/ISA
Lima relatou que durante muito tempo, esse território foi alvo de pressões externas com o roubo de madeira, a grilagem de terras e o garimpo ilegal, e a população não tinha acesso às políticas básicas.
“Na Resex do Rio do Anfrísio vivem 125 famílias, na Resex do Rio Iriri são aproximadamente 135 famílias e na Resex do Rio Xingu, 65 famílias. Essas famílias não tinham acesso às políticas de saúde e educação, por exemplo. Mas os moradores e as lideranças se mobilizaram para garantir os seus direitos e o acesso às políticas públicas com a construção de escolas e postos de saúde que passaram a funcionar a partir de 2014”, salientou.
O assessor também reforçou a necessidade da construção dos Protocolos de Consulta para delimitar melhor os espaços de governança e de tomada de decisão, sobretudo quando o poder público chega ao território.
O presidente da Associação de Moradores do Médio Xingu (Amomex), Júlio Souza, estava visivelmente emocionado com o lançamento do Protocolo de Consulta da sua comunidade. “Tivemos que passar por muita coisa, muitos direitos foram violados e não consigo nem expressar em palavras a emoção de lançar o Protocolo de Consulta e conquistar o nosso espaço, pois esse é um direito nosso, um direito de sermos consultados e sermos atendidos conforme o nosso modo de vida”, declarou.
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Francinaldo Lima (ao microfone) exalta a mobilização de moradores e lideranças para garantir os seus direitos|Hugo Chaves/ISA
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Júlio Souza (ao microfone) relembra emocionado o processo de construção dos protocolos|Hugo Chaves/ISA
Raimundo Freire, presidente da Associação de Moradores da Resex Riozinho do Anfrísio (Amora), concordou com Souza sobre a importância da consulta prévia à comunidade independente do órgão ou organização que queira desenvolver algum projeto na região.
“Pode ser do governo ou algum empreendimento privado. Nós fizemos os Protocolos e queremos que sejam respeitados através da consulta prévia para que todos os moradores entendam a real situação daquele projeto. Conseguimos lançar esse documento com muita luta, esforço e gasto, para hoje termos a garantia de que não podem fazer nada na nossa comunidade sem sermos consultados ou iremos cobrar do poder público”, enfatizou.
Freire também lembrou do fato do governo do Pará não realizar a consulta prévia nas comunidades da Terra do Meio durante o processo de venda dos créditos de carbono no estado.
Sobre esse tema, no mês passado, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação para anulação de um contrato de compra e venda de créditos de carbono de quase R$ 1 bilhão a um grupo de governos estrangeiros e multinacionais alegando a violação da Lei 15.042, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. Além disso, não houve consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades tradicionais antes de o acordo ser firmado.
Consulta prévia: reflexões e experiências
O Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf/UFPA) possui um Bacharelado em Desenvolvimento Rural e um Programa de pós-graduação em Agriculturas Amazônicas e temas como os direitos de povos e comunidades tradicionais, dinâmicas territoriais e a elaboração de instrumentos, como os protocolos de consulta, são abordados na formação acadêmica.
A professora do Ineaf, Natalia Ribas Guerrero, que mediou a segunda mesa sobre as reflexões e experiências do processo de consulta prévia, confirmou a atuação de estudantes do Instituto cujas origens são desses territórios amazônicos.
“Nós entendemos como de suma importância ampliar a informação sobre o direito à consulta e aos protocolos, buscando contribuir com a defesa dos direitos em uma conjuntura marcada por ameaças e pressões”, afirmou.
A antropóloga e liderança espiritual do Quilombo Abacatal, Vanuza Cardoso, também participou do debate sobre as experiências da utilização do Protocolo em sua comunidade.
“Iniciamos a construção no nosso Protocolo de Consulta em 2017 por causa de um empreendimento, o projeto da Avenida Liberdade, que iria passar no meio da comunidade. Mas, com o Protocolo e muitas lutas e questionamentos, conseguimos mudar o projeto e hoje ele está a 1 km da comunidade. Isso não significa que não trará impacto, mas conseguimos tirá-lo de dentro do nosso território”, relatou a liderança.
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Antropóloga e liderança espiritual do Quilombo Abacatal, Vanuza Cardoso, conta como o Protocolo foi importante para a comunidade|Hugo Chaves/ISA
Vanuza também destacou a importância do governo do estado do Pará em reconhecer e respeitar as regras dos protocolos e realizar as consultas prévias, como previstas em lei.
“Temos um banco de dados no Observatório de Protocolos que comprova que o estado do Pará é o que tem mais protocolos dos povos e comunidades tradicionais, mas não vemos uma sensibilidade do governo em observar esses protocolos. Por exemplo, este plano de consulta do [sistema jurisdicional de] REDD+ não foi prévio, nem foi informado”, afirmou.
Segundo o representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), José Ivanildo Brilhante, que também participou da mesa, a criação das reservas extrativistas (Resex) ocorreram como uma forma de garantir o direito ao uso da terra e dos recursos naturais, semelhantes aos das reservas indígenas.
“A nossa primeira ferramenta antes do território ser criado foi o Plano de Uso que é algo similar ao Protocolo de Consultas. O plano era utilizado para que o governo reconhecesse que existia uma relação diferenciada dessas comunidades com a natureza”, explicou Brilhante.
“Chico Mendes foi o fundador do CNS e lutava por uma reforma agrária para os seringueiros, o que nós chamamos de reforma agrária ecológica que possibilitou o surgimento das reservas extrativistas como um território coletivo das populações tradicionais e da biodiversidade. Com a publicação do Decreto 6.040/2007, passamos a ter acesso às políticas públicas”, comemorou.
Oficina para elaboração de um Protocolo de Consulta
No segundo dia de atividade de lançamento dos Protocolos das Resex, o advogado e doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Rodrigo Magalhães de Oliveira, ministrou uma oficina sobre a elaboração de um protocolo de consulta detalhando as etapas deste instrumento e ressaltando a importância do intercâmbio de conhecimentos e das trocas de experiências entre os participantes que, muitas vezes, são originários de diferentes regiões e culturas, mas sofrem com as violações de direito de forma semelhante.
“Para além de auxiliar na formação de possíveis mediadores e apoiadores das comunidades desses processos de construção de um protocolo de consulta, este espaço também permite o compartilhamento de experiências, pois temos aqui presidentes de associações, lideranças e estudantes com trajetórias diversas e que, certamente, em algum momento se depararam com violações de direito à consulta durante a construção de empreendimentos na Amazônia que desrespeitaram os direitos das populações locais”, ressaltou.
Os principais pontos expostos por Oliveira durante a oficina foram sobre o direito à consulta prévia de uma comunidade ou povo e como aquela comunidade toma as suas decisões. Esse procedimento deve ser detalhado no protocolo de consulta daquele povo, conforme previsto na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O palestrante reforçou também que o Estado tem o dever de realizar a consulta prévia independentemente da existência de um protocolo de um povo ou etnia, e essa consulta não poderá ser uma responsabilidade da empresa interessada em desenvolver algum projeto na região.
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Rodrigo Magalhães conduziu a Oficina de Construção de Protocolo de Consulta|Hugo Chaves/ISA
Oliveira trouxe aspectos teóricos importantes para um melhor entendimento do processo de elaboração de um protocolo como o conceito do multiculturalismo, por exemplo. Segundo o advogado, a ideia do multiculturalismo nasce nos países liberais com a proposta de incorporar as minorias étnicas às regras jurídicas e políticas de um determinado país.
“A ideia de distribuição de direitos coletivos para os grupos étnicos minoritários como os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, evitou que essas comunidades se insurgissem ou se rebelassem contra o Estado”, explicou.
Essa necessidade de previsão dos direitos das minorias nas legislações dos Estados nacionais, por meio das Constituições, e internacionais, como na Convenção 169 da OIT, foi suscitada pelos inúmeros acirramentos dos conflitos étnicos no mundo e não somente nos países de passado colonial, mas, inclusive, nos países europeus.
Para Oliveira, o objetivo era mudar a relação de integração forçada, de assimilação, de genocídio, de desterritorialização dos povos, a partir dessas novas leis e do reconhecimento dos direitos coletivos desses grupos.
“No entanto, o problema desse modelo é que as decisões continuam a cargo dos grupos hegemônicos. Por isso, a importância dos protocolos de consulta”, concluiu.
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A que está disposto o Congresso Nacional?
O ISA se solidariza com a deputada Célia Xakriabá diante de ataques racistas e da violência política que enfrenta
Célia Xakriabá, deputada federal por Minas Gerais, em sua posse|Benjamin Mast/La Mochila Produções/ISA
Na noite em que o Congresso Nacional aprovou o desmonte da principal política ambiental do país, o licenciamento ambiental, testemunhamos também um dos episódios mais graves de violência política contra os povos indígenas, materializado nos ataques racistas à deputada federal Célia Xakriabá.
Célia não representa apenas a si mesma. É porta-voz de 305 povos indígenas, de mais de um milhão de brasileiras e brasileiros que seguem resistindo à violência histórica que ameaça seus territórios, culturas, corpos e modos de vida.
Durante a sessão, a condução do presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, abriu espaço para práticas inaceitáveis: cortes de microfone, interrupções deliberadas e permissividade com discursos racistas, machistas e coloniais. Um ambiente que, ao silenciar uma mulher indígena, autoriza e legitima a escalada de discursos de ódio e violência simbólica e institucional.
É inadmissível que, no plenário da Câmara dos Deputados, espaço que deveria refletir a pluralidade do povo brasileiro, tentem deslegitimar e atacar uma parlamentar eleita com expressiva votação popular, usando como alvo justamente sua identidade, cultura e ancestralidade.
A tentativa de desqualificar Célia Xakriabá revela um Congresso cada vez mais capturado por forças antidemocráticas, racistas e negacionistas.
Não é coincidência que esses ataques se intensifiquem diante da firme denúncia feita por Célia sobre o ecocídio em curso no país. Sua presença e sua fala desestabilizam aqueles que preferem manter o Brasil submisso à lógica do saque e da destruição ambiental.
Célia Xakriabá é resistência, força e dignidade. Sua voz se levanta não apenas em defesa dos povos indígenas, mas em defesa do futuro de todo o país.
O Instituto Socioambiental (ISA) manifesta sua total solidariedade à deputada Célia Xakriabá. Sua presença no Parlamento é símbolo de resistência, ancestralidade e compromisso com a vida.
Os ataques que Célia sofre não são isolados, refletem um projeto político de apagamento dos povos indígenas, de destruição ambiental e de silenciamento das vozes que defendem a diversidade e a democracia.
Que a força da sua trajetória, enraizada na luta coletiva e na sabedoria ancestral, siga iluminando caminhos de justiça, dignidade e futuro para o Brasil. Porque, como ela mesma afirmou: “antes do Brasil da Coroa, existe o Brasil do cocar”.
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Câmara aprova ‘PL da Devastação’, o maior retrocesso ambiental do país em mais de 40 anos
Deputada indígena Célia Xakriabá foi alvo de preconceito em sessão realizada de madrugada, no último dia do semestre legislativo. Presidente Lula tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar projeto
O relator do PL do Licenciamento Ambiental, deputado Zé Vítor (PL-MG) | Bruno Spada / Câmara dos Deputados
Texto atualizado em 18/7/2025, às 11:40.
Com apoio do centrão, de ruralistas e bolsonaristas, o plenário da Câmara aprovou, na madrugada desta quinta-feira (17/07), o que é considerado o maior retrocesso ambiental no país desde pelo menos os anos 1980.
O texto principal do projeto de lei (PL) 2.159/2021 foi aprovado por 267 votos a 116 (veja como votou cada parlamentar). O PL acaba com o licenciamento ambiental como é conhecido hoje, abrindo caminho para uma desregulação em larga escala da política ambiental no país.
O PT, PSOL, Rede, PRD, PDT, a maioria e o governo orientaram contra. O PSB não orientou sua bancada. Todos os demais partidos e a oposição defenderam a proposta. A votação foi conduzida pelo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), em um plenário esvaziado, em formato de votação híbrido (presencial e remotamente).
O projeto foi aprovado pelo Senado em maio. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem agora até 15 dias úteis para vetar ou sancionar a nova lei. Não há informação de quando exatamente ele irá fazer isso.
A votação pode colocar na berlinda a pretensão do Brasil de ser protagonista nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas a pouco mais de quatro meses da COP 30, conferência internacional sobre o assunto que irá receber representantes de todo mundo em Belém (PA).
“O presidente Lula, com certeza, vai vetar esse PL da devastação”, afirmou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ). Ele e o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Nilto Tatto (PT-SP), pediram mais mobilização contra o projeto num vídeo postado nas redes sociais após a votação.“Precisamos do apoio da sociedade para fazer com que o presidente Lula tenha as condições para vetar o projeto”, disse Tatto.
"O MMA sempre sinalizou de forma clara sua discordância em relação aos conteúdos do PL que fragilizam os instrumentos de licenciamento ambiental e representam risco para a segurança ambiental e jurídica do país", disse em nota o Ministério do Meio Ambiente (MMA). "Diante da aprovação do projeto, o MMA avaliará os caminhos institucionais mais adequados para enfrentar os prejuízos decorrentes da ausência de procedimentos de licenciamento ambiental compatíveis à preservação e uso sustentável das imensas riquezas naturais do nosso país. A equipe técnica do MMA já trabalha na análise dos encaminhamentos cabíveis. O ministério reitera a disposição para seguir em diálogo com o Congresso Nacional e os diferentes setores da sociedade", informa o texto.
Apesar de grande oposição da sociedade civil, de movimentos sociais, cientistas, procuradores e da área socioambiental do governo, ministros como os da Agricultura, Carlos Fávaro, de Minas e Energia, Alexandre Silveira, dos Transportes, Renan Filho, e da Casa Civil, Rui Costa, manifestaram apoio ao texto aprovado nos últimos meses. Portanto, ainda é difícil avaliar se Lula de fato vai vetar o projeto e qual a extensão do veto.
“É uma tragédia para nossa política ambiental, um dia que lembraremos para sempre: a marca do descontrole ambiental no país”, disse Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC).
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Deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) foi desrespeitada e alvo de manifestações preconceituosas de parlamentares na sessão|Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Desrespeito e preconceito
A deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL-MG) foi desrespeitada e alvo de manifestações preconceituosas de parlamentares ruralistas e bolsonaristas após criticar duramente o projeto. A parlamentar queixou-se várias vezes a Motta de que suas questões de ordem não estavam sendo respondidas e que teve sua vez de falar desconsiderada.
Os deputados Coronel Fernanda (PL-MT), Kim Kataguiri (União-SP) e Rodolfo Nogueira (PL-MS) fizeram falas mencionando de forma irônica um “pavão”. Célia estava usando um cocar, como faz em geral. Kataguiri também usou a palavra “tribo” para se referir a deputada e a comunidades indígenas. Já o deputado Sargento Gonçalves (PL-RN) referiu-se a ela como “índia”.
A deputada aproximou-se de Kataguiri para responder aos ataques e foi cercada por outros parlamentares. Diante da situação, pouco depois deixou o plenário.
“Durante a votação do PL da Devastação, fui atacada de forma racista por parlamentares que zombaram do meu cocar, tentando me deslegitimar enquanto parlamentar e mulher indígena”, afirmou hoje pela manhã em um post no Instagram.
“Infelizmente, essa não foi a primeira nem a segunda vez que sou alvo desse tipo de violência dentro do Congresso Nacional. O que me indigna é perceber como o racismo segue sendo naturalizado nesses espaços de poder. Durante os ataques, o presidente da Casa se manteve em silêncio. Não aceitarei isso calada”, continuou.
Ao final da sessão, o presidente da Câmara disse não concordar com “nenhum tipo de violência, seja ela física, seja ela de gênero, seja ela política”, mas não repreendeu os ataques contra Célia nem se solidarizou com a parlamentar.
"A aprovação de um projeto que amplifica as possibilidades de devastação ambiental, somada aos ataques e ao silenciamento de uma parlamentar indígena que atravessaram toda a sessão, demonstraram a que o Congresso está disposto: à destruição, e não a um projeto de nação ambientalmente equilibrada que respeite sua pluralidade de povos e sua diversidade. A judicialização é certa, mas já perdemos enquanto povos brasileiros, sociedade e democracia", lamentou Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).
"Votar uma matéria tão relevante, de forma híbrida, na madrugada, em uma sessão com manifestações desrespeitosas e preconceituosas é uma das maneiras da Câmara demonstrar seu total descaso com as questões socioambientais mais uma vez. Toda nossa solidariedade à deputada Célia Xakriabá", salientou Adriana Ramos, secretária-executiva do ISA.
Insegurança jurídica
Apelidado de “mãe de todas as boiadas” e “PL da Devastação” em virtude da amplitude de suas possíveis consequências, o projeto dá ao governo a possibilidade de estabelecer ritos simplificados e acelerados para liberar obras e atividades econômicas de grande impacto ambiental, sem nenhum critério previamente definido, com base em pressões políticas, a chamada Licença Ambiental Especial (LAE).
Também banaliza a dispensa de licenças e a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), o chamado autolicenciamento, tornando exceção o licenciamento convencional, com análise de impactos prévios e controle dos órgãos ambientais. Pelo procedimento, o empresário pode tirar uma licença preenchendo um formulário na internet e se comprometendo de “boa-fé” que irá seguir algumas regras (saiba mais no quadro ao final do texto).
O Supremo Tribunal Federal (STF) já têm decisões contra algumas das determinações do PL, como a LAC para empreendimentos de médio porte e a dispensa de licenciamento para a agropecuária. Há risco, portanto, de uma eventual nova lei ser questionada na Corte.
Integrantes da bancada ruralista, como o próprio relator, deputado Zé Vítor (PL-MG), admitiram que vários dispositivos da nova lei deverão ser alvo de ações judiciais, mas se recusaram a exclui-los do texto. A atitude vai contra um dos principais argumentos do grupo: a de que a nova legislação traria mais segurança jurídica.
“A gente está muito apreensivo“, disse o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Rodrigo Agostinho, em entrevista à reportagem do ISA. “Identificamos mais de 40 pontos muito complicados no PL e que vão causar insegurança jurídica, inclusive no setor empresarial”, complementou.
Ele reforça o argumento de que os principais problemas do licenciamento no país são os estudos mal feitos pelas empresas e a desestruturação dos órgãos ambientais. Agostinho informa que no Ibama hoje há apenas 200 servidores para analisar mais de 4 mil processos.
“O que nós estamos propondo é uma atualização, uma racionalização dos processos de licenciamento ambiental”, defendeu Zé Vítor. "O que não há espaço é para burocracia e para questões ideológicas e subjetivas”, disse. Ele negou as principais críticas feitas ao projeto, como a de que ele vai provocar uma explosão do desmatamento e de que vai enfraquecer os controles sobre empreendimentos de impacto socioambiental significativo, como a construção de barragens de rejeitos minerais.
Análise produzida pelo ISA mostrou que 85% dos empreendimentos de mineração em Minas Gerais seriam autorizados por licenças simplificadas, segundo o texto aprovado agora. Outra análise da organização mostrou que cerca de três mil áreas protegidas seriam ameaçadas e uma extensão do tamanho do Paraná pode vir a ser desmatada se nova lei não for vetada.
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Hugo Motta (Republicanos-PB) preside sessão na Câmara que acabou com o licenciamento ambiental|Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Manobras e clima quente
Motta foi criticado por seguir em ritmo acelerado com a votação de um tema tão complexo e controverso até cerca de 3h30 da manhã, num plenário já esvaziado, depois de mais de 10 horas de debates e votações de outras matérias.
A análise do PL também foi facilitada por manobras regimentais do deputado. Ele autorizou que os parlamentares pudessem votar de casa em todas as sessões da semana, reduzindo a possibilidade de debate e o desgaste na discussão de pautas polêmicas, como é o caso do licenciamento.
A medida não é comum, sobretudo na última semana do semestre legislativo, quando se acumulam matérias mais controversas para votação e que em geral exigem presença física no plenário. Nesta sexta (18), começa um recesso legislativo “branco” (informal) até o início de agosto.
Outra medida temporária de Motta que reduziu a possibilidade de debate foi a redução do número de destaques (emendas que podem ser apresentadas em plenário) dos maiores partidos, o PT e o PL, de quatro para dois. De acordo com o presidente da Câmara, a ideia seria ajustar a prerrogativa à configuração dos blocos partidários formados para a última eleição da Mesa Diretora.
Já no início da noite, duas notícias esquentaram o clima no plenário. A primeira foi a da decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes de derrubar a decisão do Congresso que suspendeu o decreto do governo que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A segunda foi a de que o presidente Lula decidiu vetar o aumento no número de deputados federais de 513 para 535, deixando o ônus político de derrubar o veto com o Legislativo.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) disse que tentou negociar até o início da noite, junto com a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, o adiamento da votação para agosto, para que a negociação dos pontos mais controversos do PL do licenciamento pudesse prosseguir. “Não foi possível por várias razões, tanto pela questão de conteúdo, cuja negociação não foi concluída, como pelos fatos que se sucederam hoje”, afirmou.
A votação foi iniciada pouco antes da meia noite. Partidos de esquerda apresentaram uma lista de questões de ordem e requerimentos para tentar paralisar a votação, questionando tanto as condições da sessão (como a possibilidade de votação remota e o horário avançado), quanto a inconstitucionalidade de vários dispositivos. Motta rejeitou um a um.
Quais os principais pontos do texto aprovado do PL do Licenciamento e suas consequências?
Licença especial A proposta estabelece um rito simplificado para “atividades ou empreendimento estratégicos” definidos pelo Conselho de Governo, ainda que a iniciativa "seja utilizadora de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente". O texto diz que o rol dessas atividades será definido por decreto posterior. Com a medida, qualquer autoridade licenciadora poderia conceder a LAE mediante condicionantes determinadas por ela própria.
Mata Atlântica O PL permite que áreas de mata primária, secundária e em estágio médio de regeneração – justamente as porções mais maduras e estratégicas do bioma – possam ser suprimidas sem análise prévia dos órgãos ambientais estaduais ou federais. A mudança abre brechas para que qualquer município, mesmo sem estrutura técnica, plano diretor ou conselho de meio ambiente, possa autorizar o desmatamento dessas áreas. A decisão retira garantias históricas de proteção e ameaça diretamente os 24% restantes da cobertura original da Mata Atlântica, especialmente os 12% restantes de florestas maduras.
Autolicenciamento A Licença por Adesão e Compromisso (LAC), pela qual qualquer pessoa consegue automaticamente a licença ambiental preenchendo um formulário na internet, torna-se a regra, e o licenciamento convencional, com análise prévia do órgão ambiental, a exceção. O problema é que a autorização não vai valer apenas para empreendimentos de pequeno porte e potencial poluidor, mas também para os de médio porte e potencial poluidor.
Dispensa de licenças A proposta concede de antemão isenção de licenciamento para 13 atividades e empreendimentos econômicos, como agricultura, pecuária, “manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes”, sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário.
Estados e municípios A proposta concede poder quase ilimitado para esses entes da Federação criarem sua própria lista de isenções de licenciamento. Isso pode gerar confusão regulatória, insegurança jurídica e uma “guerra ambiental” entre quem libera mais e flexibiliza mais para atrair investimentos.
Áreas protegidas. Terras Indígenas e territórios quilombolas cuja regularização não foi concluída não seriam considerados para efeitos do licenciamento de empreendimentos e atividades econômicas que os impactem. As Unidades de Conservação só serão consideradas se o impacto for direto. No caso dos quilombos, mais de 80% das áreas com processos de titulação abertos não seriam levadas em consideração. Cerca de 32% dos territórios indígenas com processos de reconhecimento já iniciados também seriam desconsiderados.
Condicionantes. O PL pretende isentar empreendimentos privados de cumprir as chamadas “condicionantes ambientais”, jogando a conta dos seus impactos para a população e os cofres públicos. As condicionantes previstas no licenciamento são as obrigações de prevenção, redução e reparação de impactos socioambientais.
Renovação automática. O PL permite a qualquer pessoa interessada renovar automaticamente sua licença apenas preenchendo uma declaração na internet, sem nenhuma análise dos órgãos ambientais. Se as condicionantes não forem cumpridas, o empreendedor não precisa dar satisfação a ninguém.
Bancos. O PL impede que os bancos sejam punidos por crimes e danos ambientais cometidos por empreendimentos e empresas que eles financiam. Isso ameaça a norma que proibiu crédito bancário para desmatadores.
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“Dar a terra à Terra”: Redário e Socorro Lira lançam clipe com coletores e coletoras de sementes para plantar as florestas do futuro
Videoclipe foi gravado em encontro nacional com 27 redes e grupos coletores de sementes de todo o Brasil, e marca o caminho rumo à COP30
Com a força de quem há anos transforma palavras em poesia, a multiartista e produtora cultural Socorro Lira apresenta, em parceria com o Redário e o Instituto Socioambiental (ISA), o videoclipe da música “Dar a terra à Terra”.
A canção, com melodia de Alisson Menezes, mistura elementos da música popular brasileira com uma batida envolvente de funk e traz uma mensagem clara sobre a necessidade de aprofundar a restauração ecológica no Brasil, e indica que é preciso devolver à natureza o que lhe pertence, sem barganha e sem exploração.
Parte do clipe foi gravada pela equipe de Comunicadores da Rede Xingu+ durante o 4º Encontro Nacional do Redário, realizado em Nova Xavantina (MT), e dá protagonismo a coletoras e coletores de sementes nativas de todo o Brasil. Mais de 150 pessoas de quase 30 redes participaram do encontro, marcado pela troca de saberes, defesa da biodiversidade e fortalecimento das lutas comunitárias pela conservação ambiental.
Assista ao clipe!
O clipe também apresenta ao público gravações no Estúdio 185 de Alldry Eloise, Fabricio Mascate, Jaque da Silva, João Maia e Socorro Lira nos vocais, da percussionista Valentina Facury e do saxofonista Chico Macedo, com arranjos de Cintia Zanco, que fez a direção musical. A mixagem é de Ricardo Vignini e a masterização de Homero Lotito, do Reference Mastering Studio. A identidade visual é do Estúdio Arado e a produção audiovisual da Cama Leão.
“Dar a terra à Terra” propõe outro ritmo para pensar o planeta. Mais leveza, mais dança, mais alegria e conexão com as novas gerações se mostram como estratégia de conscientização e resistência. Em um momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP30, em 2025, a música em ritmo de funk surge como uma ponte entre arte e política, convocando cada um, cada uma, a refletir sobre seu papel diante da emergência climática e da urgência de conservar o que ainda resta.
Com mais de 20 anos de carreira, Socorro Lira já percorreu o Brasil e o mundo com sua arte e foi vencedora do Prêmio da Música Brasileira em 2012, na categoria “Cantora Regional”, pelo CD “Lua Bonita – Zé do Norte, 100 Anos”. Seus álbuns dialogam com literatura, ancestralidade, justiça social e ativismo ambiental. Neste novo trabalho, ela continua em sua trajetória que une palavras e movimentos para semear ideias.
Sobre o Redário
O Redário é uma articulação entre redes e grupos de coletores de sementes nativas, para estruturação da base da cadeia de restauração em larga escala, através da oferta de sementes de qualidade adequadas a cada projeto.
Atualmente, com mais de 2500 coletoras e coletores reunidos em 27 redes, a maioria de base comunitária, está com ações concentradas em 4 biomas, 11 estados e Distrito Federal.
Sobre o Instituto Socioambiental (ISA)
O Instituto Socioambiental (ISA) é uma associação sem fins lucrativos, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), fundada em 22 de abril de 1994, por pessoas com formação e experiência marcante na luta por direitos socioambientais no Brasil.
Ouça a música no seu aplicativo de música favorito e compartilhe!
Ficha técnica
Dar a terra à Terra
Letra: Socorro Lira
Música: Álisson Menezes
Direção artística, produção fonográfica e voz: Socorro Lira
Arranjo e produção musical: Cíntia Zanco
Programação: Gigi Magno (Estúdio Eletrola Produções)
Propaganda da COP 30 no saguão de embarque do Aeroporto Internacional de Belém|Fernando Frazão/Agência Brasil
A Conferência de Bonn, também conhecida como pré-COP, foi considerada como um teste para a Presidência da COP do Brasil, mesmo sendo liderada pelos coordenadores dos órgãos subsidiários de Aconselhamento Científico e Tecnológico e de Implementação (SBSTA e SBI, siglas em inglês, respectivamente) – órgãos permanentes da Convenção do Clima da ONU. Ou seja, apesar de não ser o anfitrião oficial da conferência, o Brasil está sob os holofotes.
A expectativa sobre a COP 30 vem aumentando por diversos fatores, positivos ou não. Quando recebeu outros eventos de grande porte, o Brasil conseguiu ser bem sucedido em facilitar a coalizão de relevantes avanços globais, como na Conferência Rio 92. Além disso, contribuem para essa atmosfera fatores relevantes, como a recuperação de uma liderança global no tema ambiental com o governo Lula, fortalecida com o trabalho das ministras Marina Silva e Sonia Guajajara e a experiência do embaixador André Corrêa do Lago, além da forte tradição da sociedade civil brasileira em pressionar o governo por participação social nos processos políticos e diplomáticos.
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André Corrêa do Lago, presidente da COP30, traz experiência diplomática para fortalecer atuação brasileira|Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
No ano em que o Acordo de Paris completa 10 anos, e após o frustrante resultado da COP do Azerbaijão, a ausência dos Estados Unidos na conferência – devido à saída da lista de países signatários do referido acordo – somou-se ao crescente desânimo das nações em desenvolvimento com o multilateralismo. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que a meta de financiamento climático ficou US$ 1 trilhão abaixo do valor reivindicado, que era de US$ 1,3 trilhão.
Os países ricos indicam que não podem se comprometer com mais recursos, mesmo que os gastos bélicos estejam sendo alavancados por um cenário de acirramento de guerras como a de Israel contra Palestina e Irã. Por sua vez, sugerem que o setor privado se comprometa com maior provisão de recursos. Mas os países em desenvolvimento questionam: a que custo?
Também chegamos em Bonn após a apresentação da governança da Presidência brasileira da COP 30 e da divulgação de sua visão com as três primeiras cartas publicadas em março e maio. Como prioridade nas negociações, a delegação brasileira vinha colocando três pontos: transição justa, objetivos globais de adaptação e diálogo sobre o balanço global. Como lema, trazia uma proposta de mutirão contra a mudança do clima, um esforço global de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
Apesar da boa vontade, a surpresa no início da Conferência foi a manifestação do grupo LMDC ("Like-minded Developing Countries”, em inglês), composto por Bolívia, Índia, Arábia Saudita, China, entre outros, reivindicando que houvesse negociações sobre financiamento climático. O movimento ficou conhecido nos corredores do World Conference Center Bonn como “a ressaca de Baku” e indicou que o tema do financiamento climático não foi superado e que a Presidência brasileira deverá dar conta dele, sob o risco de implosão da COP.
Vale lembrar que a presidência brasileira já havia noticiado que não tinha interesse em incluir nenhum novo item na agenda de Bonn, mas o parceiro sul-americano, ficou responsável por vocalizar o pedido de inclusão do artigo 9.1 do Acordo de Paris. No final, o item foi alçado a uma nota de rodapé e houve o compromisso que mais consultas seriam feitas até novembro.
Em transição justa, o documento final incluiu menção a gênero e afrodescendentes. Recentemente, lideranças afrodescendentes de 16 países, incluindo as comunidades quilombolas, e organizadas na Coalizão Internacional de Organizações para a Defesa, Conservação e Proteção dos Territórios, do Meio Ambiente, Uso da Terra e Mudança Climática dos Povos Afrodescendentes da América Latina e do Caribe (CITAFRO) entregaram carta a André Corrêa do Lago exigindo maior reconhecimento internacional a partir da agenda da COP 30. A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) faz parte dessa coalizão.
Se em transição justa, as negociações foram concluídas no tempo previsto, o tema da adaptação fez a Conferência de Bonn avançar para o décimo primeiro dia, tendo encerrado já na madrugada do dia 27 de junho. O principal tema que vinha sendo discutido era sobre os Objetivos Globais de Adaptação (GGA, sigla em inglês). As negociações emperraram quando esbarraram nas discussões sobre temas transversais, incluindo os grupos mais vulnerabilizados pela crise climática, dentre eles afrodescendentes, e sobre meios de implementação, incluindo a questão do financiamento para adaptação.
Depois de mais de 14 horas de negociações, a saída achada foi a retirada da menção aos afrodescendentes da transversalidade que deveria guiar os GGA. Em relação a povos indígenas, permaneceu a menção de que os indicadores devem conter informações sobre povos indígenas e que seus conhecimentos, bem como os conhecimentos tradicionais, são equiparados à "melhor ciência possível". Sobre meios de implementação, onde a questão do financiamento de adaptação gerou impasse entre os países ricos, que buscavam retirar essa menção, e os países em desenvolvimento, que buscavam deixá-la, a saída foi levar duas opções para a COP de Belém: em uma consta a mensuração do acesso e qualidade do financiamento, bem como a apresentação do progresso e direção no apoio à adaptação; e em outra não. Esse dissenso deve voltar a aparecer mais para frente.
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Protesto durante a Conferência Mundial em Bonn, na Alemanha, durante as negociações climáticas da SB62|Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Outra questão que saiu do “belo” script articulado pelo Brasil, foi do balanço global, ferramenta que guia o aumento de ambição dos países nas suas metas nacionais de mitigação, adaptação, meios de implementação, perdas e danos e transição justa. Mais uma vez, os países do grupo LMDC trouxeram questões que, dessa vez sim, emperraram a fluidez das negociações e o afinamento de um texto consensual para futura aprovação na COP. Não houve consenso e foram produzidas duas versões de texto, cheia de colchetes, nas quais foram destacadas todas as divergências entre os países. A resolução foi que ambas versões serão encaminhadas para a COP.
Dos três temas prioritários, a avaliação da delegação brasileira buscou fomentar otimismo para a COP, apontando um placar vitorioso em relação à transição justa e ao balanço global. O termômetro que a embaixadora Liliam Chagas apresentou, quantitativo, foi de que dos 49 itens em discussão na agenda em apenas dois não houve acordo. Em tempo, a Presidência brasileira da COP 30 aproveitou as reuniões de Bonn para divulgar sua quarta carta, com foco na Agenda de Ação. A repercussão foi mais tímida do que a divulgação, mas deve ser firmada nos próximos encontros internacionais.
Se considerarmos a aprovação do número de rascunhos finais e o mérito de algumas discussões, como da extensão de mandato dos especialistas e as diretrizes para a produção dos indicadores do GGA e a menção a gênero e afrodescendentes no documento sobre transição justa, a Conferência de Bonn pode ser considerada como uma das mais eficientes dos últimos anos.
Mas se a lupa focar no desconforto em relação ao grande tema que estrutura a ação climática, – o financiamento – bem como outros que foram adiados para que se conseguisse chegar a um resultado final, entre multiplicação de colchetes e opções que indicam divergências, Bonn pode ter simplesmente adiado infortúnios. A próxima parada é em Belém.
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Novo episódio de “Vozes do Clima” aborda proposta de mercado de carbono jurisdicional em discussão no Pará
Anteprojeto de lei de REDD+ será analisado por quilombolas, indígenas e extrativistas
O Instituto Socioambiental (ISA) lançou nesta quinta-feira (2/06), em todas as plataformas de áudio, o terceiro episódio da segunda temporada do boletim de áudio “Vozes do Clima”, desta vez abordando o programa jurisdicional de REDD+ (sigla para Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Conservação e Aumento dos Estoques de Carbono Florestal), em debate no estado do Pará.
Escute aqui!
O episódio traz relatos de lideranças de povos e comunidades tradicionais e busca explicar, de forma didática, quais são os principais pontos e objetivos do anteprojeto de lei apresentado pelo governo estadual, que será debatido durante as consultas livres, prévias e informadas por comunidades quilombolas, indígenas e extrativistas, previstas para acontecer em todas as regiões paraenses.
Desde 2021, o governo do Pará vem trabalhando, em conjunto com as redes que representam indígenas, quilombolas e populações extrativistas do Pará, e algumas organizações da sociedade civil, na criação do Sistema Jurisdicional de REDD+, que vai organizar o mercado de crédito de carbono, definir as regras e assegurar que os benefícios cheguem na ponta, de forma justa.
Essas articulações envolvem, ainda, um longo caminho de trabalhos e debates para chegar a um modelo que atenda às necessidades dos que preservam a floresta. Governo, movimentos sociais e sociedade civil participam do Comitê Gestor do Sistema Estadual sobre Mudanças Climáticas (Coges), criado no âmbito da Secretaria de Estado de Meio Ambiente - onde são discutidos e deliberados assuntos relacionados ao programa de REDD+ que está em debate.
“A minuta de lei que visa instituir o sistema jurisdicional do Estado do Pará passou a ser discutida no Coges Clima e na Câmara Técnica de REDD+ a partir de agosto do ano passado. De lá para cá o Estado fez algumas alterações também com base na lei do mercado de carbono, que foi aprovada em dezembro de 2024. E agora a minuta se encontra na sua quarta versão, que vai ser objeto de consulta”, explicou Juliana Maia, analista de políticas climáticas do ISA.
O coordenador executivo da Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa), Ronaldo Amanayé, ressaltou que os povos indígenas lutam para que o impacto da iniciativa seja positivo.
“Nós sabemos que nós, enquanto povos indígenas, somos os que mais temos florestas vivas no Estado do Pará. Nós representamos em média 1/4 do território paraense, cerca de 30% da floresta nativa no Estado do Pará, estão dentro dos territórios indígenas. Para nós é de suma importância que nossos povos sejam consultados. E, logicamente, que o impacto que nós esperamos que seja um impacto positivo, um impacto para os nossos territórios, considerando a falta de políticas públicas, tanto na área da saúde, na área da educação, na questão fundiária, na proteção ambiental e territorial, na subsistência”.
O anteprojeto de lei traz pontos importantes, como princípios da lei, que são: as salvaguardas socioambientais, as diretrizes para a repartição de benefícios e gestão de recursos; e as instâncias de governança do sistema. É uma proposta que busca garantir as condições para que a floresta continue em pé e para que as pessoas que nela vivem tenham seus direitos e modos de vida respeitados. Também prevê a divisão justa dos recursos financeiros, a criação de ações específicas para cada realidade e a possibilidade de que as comunidades possam denunciar se algo estiver errado.
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Ronaldo Amanayé compartilhou suas expectativas com o projeto no podcast|David Alves/Agência Pará
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Edileno Camilo espera que o programa respeite o modo de vida beradeira|Lilo Clareto/ISA
Edileno Camilo, presidente da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio (Amora), da região de Altamira, comentou sobre o que o povo espera desse projeto.
“O programa de REDD+ precisa, em primeiro lugar, respeitar o modo de vida das populações, ele precisa ser implantado de uma forma que não agrida a natureza, deixando as florestas em pé, com todos os cuidados necessários para que isso não venha impactar no modo de vida beiradeira hoje, da maneira que a gente já utiliza a floresta sem derrubar e mantendo os nossos mesmos costumes, nossas mesmas tradições. Então, o cuidado maior que a gente deve ter é esse, para não impactar diretamente no modo de vida do ribeirinho”.
Um dos temas abordados com destaque neste novo episódio do boletim “Vozes do Clima” é o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina que povos e comunidades tradicionais sejam consultados sobre projetos que afetem seus territórios.
“O direito à consulta prévia livre informada é diferente de uma simples consulta pública ou de uma audiência pública, porque ela precisa ser anterior ao processo e tem um caráter deliberativo. É uma simples fase do procedimento de aprovação, seja de uma medida legislativa ou de uma medida administrativa, mas ele é determinante no processo em relação, inclusive, se a política pública ou empreendimento vai ou não seguir”, explicou Juliana Maia, ao “Vozes do Clima”.
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Juliana Maia na abertura da oficina sobre repartição de benefícios e acesso aos recursos em programas de REDD+ Jurisdicional, realizada em Belém/PA|Leonor Costa
Alguns povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais já contam com protocolos de consulta. Esses protocolos são documentos, feitos em conjunto pela comunidade, que explicam como eles querem ser consultados. Por exemplo, quem deve ser envolvido no território, por quanto tempo e quais as diretrizes desse processo a partir das organizações tradicionais e culturais daquela comunidade ou povo. Nesses casos, a consulta livre, prévia e informada pode ser direcionada pelos protocolos comunitários ou planos de consulta, desde que estes sejam combinados com as organizações representativas das comunidades.
Mas as comunidades e povos que ainda não contam com protocolo de consulta escrito também devem ser ouvidas. E a realização da consulta deve ser garantida pelo estado.
“O papel do Estado é garantir, dentro do seu orçamento e recursos financeiros, para deslocar as pessoas para o ambiente da consulta. Que o Estado possa fornecer todos os documentos necessários para que a unidade tenha base de de estudos para poder se posicionar sobre o que tá acontecendo desta política e, no final, o Estado precisa respeitar a decisão da comunidade”, disse Aurélio Borges, jurista quilombola da Comunidade de Macapazinho, em Santa Izabel, e diretor da Coordenação da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu).
O que é o “Vozes do Clima”?
O boletim de áudio “Vozes do Clima” é uma realização do ISA, com produção da produtora de podcasts Bamm Mídia e apoio da Environmental Defense Fund (EDF) e propõe levar informações a povos e comunidades tradicionais sobre os temas relacionados à pauta climática. A identidade visual foi concebida pelas designers e ilustradoras indígenas Kath Matos e Wanessa Ribeiro. Além de ser distribuído via Whatsapp e Telegram, o programa também poderá ser ouvido nas plataformas de áudio Spotify, iHeartRadio, Amazon Music, Podcast Addict, Castbox e Deezer.
Este é o segundo episódio da segunda temporada de “Vozes do Clima”, que contará com um total de 12 edições e abordará os diversos debates sobre clima e a pauta socioambiental.
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Artistas se mobilizam em defesa do meio ambiente e das demarcações das Terras Indígenas
Evento teve participação das ministras Marina Silva, Sonia Guajajara, da deputada federal Célia Xakriabá e de diversas personalidades da cultura brasileira
Na noite desta segunda-feira (16/6), artistas e influenciadores se reuniram no Rio de Janeiro em defesa do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas. Com a presença das ministras Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas), além da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), o encontro marcou uma mobilização inédita da classe artística.
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Classe artística soma esforços contra o PL da devastação na campanha “O Brasil merece respeito”|Lucas de Oliveira
A abertura e o encerramento do evento ficaram por conta da cantora e ativista indígena Djuena Tikuna, que emocionou o público com canções em sua língua ancestral, evocando a força espiritual e a resistência dos povos indígenas. Estiveram presentes nomes como Klebber Toledo, Camila Queiroz, Letícia Spiller, Marcos Palmeira, Isabel Fillardis, Maria Gadú, Paulo Betti, Malu Mader, Laila Zaid, Alexia Dechamps, Daniel Rangel, Milton Cunha, Emiliano D’Ávila, Zahy Tentehar, entre outros artistas que reforçaram a urgência de se posicionar diante dos retrocessos socioambientais em curso no Congresso Nacional.
O ator Marcos Palmeira chamou atenção para as conquistas recentes e a necessidade de seguir mobilizado: “A gente fica com a sensação de que não deu em nada, mas já deu em muita coisa. Temos uma deputada indígena, uma ministra indígena, temos Marina Silva como ministra. Isso é evolução. Quando Mário Juruna tentou lá atrás, com aquele gravadorzinho, registrar tudo porque achava que não entendia o que o branco dizia... não era que ele não entendia — é que o branco mentia. Agora ele pode estar vendo isso aqui e se sentindo representado. É sinal de que a luta está sendo vencida.”
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O ator Marcos Palmeira exalta e celebra os avanços da luta indígena nos últimos anos|Lucas de Oliveira
A mobilização tem como base o manifesto "O Brasil Merece Respeito", assinado por diversas personalidades presentes no evento e também por artistas que não puderam comparecer, como Bruno Gagliasso, Dira Paes, Glória Pires e a cantora Anitta, que não esteve presente por motivos de saúde.
O manifesto, construído em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e a Mídia Indígena, afirma que o Brasil precisa fazer uma escolha entre a destruição e a vida. Denuncia a ofensiva legislativa que ameaça os direitos dos povos originários, o clima e as florestas brasileiras, e lembra: “respeito não é favor, é dever”.
Entre as ameaças mencionadas, estão o chamado "PL da Devastação" (Projeto de Lei 2.159/2021), aprovado recentemente no Senado e que pode ser votado a qualquer momento na Câmara. A proposta desmonta o atual sistema de licenciamento ambiental e pode abrir caminho para mais tragédias como as de Mariana e Brumadinho (MG).
A proposta também ameaça as Terras Indígenas (TIs) ao considerar, para efeito do licenciamento, apenas as áreas cuja regularização estiver concluída — todas as outras estariam vulneráveis a atividades econômicas e obras de alto impacto ambiental, invasões, desmatamento. O PL também restringe a participação de órgãos de proteção dos povos indígenas na concessão das licenças.
Durante o ato, a ministra Marina Silva falou sobre os retrocessos socioambientais em curso e manifestou preocupação com o avanço do PL do Licenciamento Ambiental na Câmara dos Deputados. Ela ressaltou a importância da mobilização social para barrar a votação do projeto e destacou o papel transformador da arte nesse processo. “Nós estamos aqui em legítima defesa da vida e dos modos de vida que ajudam a proteger e a sustentar a vida nesse planeta. Que a arte possa inundar os litorais da política e do bom senso, para que não permitamos a destruição da coluna vertebral da proteção ambiental no Brasil.”
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A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, esteve no evento com a deputada Célia Xacriabá e a ministra Sonia Guajajara|Lucas de Oliveira
De acordo com uma nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA), o projeto “apaga” da legislação, para efeitos de licenciamento, 259 Terras Indígenas — ou quase um terço de todas as TIs existentes — e mais de 1,5 mil territórios quilombolas (cerca de 80% dessas áreas com processos de regularização já iniciado) completamente vulneráveis à ação de empreendimentos que, até então, precisavam respeitar regras ambientais mínimas.
Segundo a nota, considerando um conjunto de 75 obras previstas no PAC 2023 para a Amazônia Legal, 277 áreas protegidas seriam impactadas sob as regras atuais. Com o PL em vigor, esse número despenca para apenas 102, desprotegendo cerca de 18 milhões de hectares de floresta — o equivalente ao território do Paraná — e abrindo espaço para um ciclo de destruição irreversível.
Evento
O evento com os artistas acontece em uma semana decisiva, quando o Congresso pode colocar o PL da Devastação em votação na Câmara dos Deputados. A proposta tem sido amplamente criticada por ambientalistas, especialistas, juristas, Ministério Público e organizações da sociedade civil por fragilizar os mecanismos de proteção ambiental em nome de interesses econômicos e políticos imediatos.
Entre outros projetos, o grupo também se posiciona contra a PEC 48/2023, que propõe transferir do governo federal para estados e municípios a responsabilidade pela demarcação de Terras Indígenas — uma medida que enfraquece os direitos dos povos originários garantidos pela Constituição. Além disso, critica o PDL 717/2024, que impõe barreiras burocráticas ao processo de demarcação e busca legitimar a posse de não indígenas sobre territórios tradicionalmente ocupados.
A reunião acontece depois de Marina Silva ter sido ofendida, no dia 27/5, na Comissão de Infraestrutura do Senado pelos senadores Marcos Rogério (PL-RO) e Plínio Valério (PSDB-AM). Rogério disse que ela deveria “se colocar no seu lugar” e Valério disse que não tinha respeito pela figura da ministra. A chefe da pasta do Meio Ambiente falava sobre a questão do licenciamento ambiental de obras na Amazônia, a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas e a criação de Unidades de Conservação na região, entre outros.
Manifesto “O Brasil merece respeito”
O Brasil que queremos exige coragem.
E começa com respeito.
Respeito aos que se colocam entre a devastação e a vida.
Respeito aos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses.
Respeito à constituição. Respeito às florestas.
Respeito não é favor. É dever.
É o que o Congresso nega quando ataca o licenciamento ambiental, uma proteção mínima que nos separa de tragédias como as de Mariana, Brumadinho, da Braskem.
Respeito é o que o Congresso pisa quando ignora o papel vital das Terras Indígenas no equilíbrio do clima, na garantia da água que abastece cidades, plantações e o próprio agronegócio.
Falam em progresso, mas querem legalizar o retrocesso.
Prometem modernização, mas entregam destruição.
Querem apagar direitos para abrir caminho ao lucro imediato, ainda que isso custe florestas, culturas milenares e o nosso futuro.
Querem um Brasil onde a mineração avança sobre territórios indígenas.
Onde as florestas são devastadas.
Onde se legisla com racismo, ódio e desinformação.
Mas nós dizemos: basta.
Porque cada direito violado é uma rachadura na democracia.
Em 2025, o Brasil será sede da COP 30, a convenção internacional sobre mudanças climáticas.
Como vamos liderar o mundo nessa luta se não respeitamos nosso meio ambiente e os povos indígenas?
Como falar de futuro se o presente é de queimadas, enchentes e tragédias anunciadas?
O Brasil precisa escolher.
Nós escolhemos estar do lado da vida.
Pelo respeito a quem defende a terra e a água.
Pela demarcação das Terras Indígenas.
Pela proteção das florestas.
Pelo futuro das nossas crianças.
Por um Brasil Indígena, Terra Demarcada.
Não ao PL da Devastação.
#OBrasilMereceRespeito
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Pronaf financia pecuária na Amazônia e deixa sociobioeconomia à margem
Campanha do ÓSocioBio revela que, em 2024, a pecuária, um dos principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa no Brasil, abocanhou 91,7% dos recursos do Pronaf, enquanto menos de 2% foram destinados às cadeias da sociobiodiversidade
Um levantamento do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), com base em dados do Banco Central, aponta que, em 2024, 91,7% do orçamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) na Amazônia foi para a pecuária convencional. Apenas 8,3% foram destinados a atividades agrícolas, sendo que menos de 2% do orçamento do Pronaf na Amazônia em 2024 chegou às cadeias da sociobiodiversidade.
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Grupo Wai Wai, povo conhecido pelo manejo da castanha do Pará, passa por várias etapas até a comercialização. Na foto, a quebra do ouriço|Rogério Assis/ISA
Esse cenário vai na contramão das políticas ambientais e das metas climáticas brasileiras. Segundo dados de 2023 do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, quando somadas às emissões por mudança no uso da terra – como desmatamento e queimadas –, as atividades agropecuárias respondem por 74% do total de emissões no Brasil. Dentro do setor agropecuário, a pecuária emitiu 503.531.709 toneladas de CO2e (GWP-AR5) em 2023, o que representa 80% das emissões do setor e 22% das emissões brutas nacionais.
Por outro lado, projeções do WRI Brasil mostram que atividades sustentáveis podem proteger até 25 hectares por unidade produtiva. Os dados da Conexsus demonstram que as Unidades Familiares de Produção da Agricultura Familiar, Povos e Comunidades Tradicionais possuem, em média, 30 hectares. Estima-se que cerca de 300.000 hectares possam ser protegidos com a expansão do crédito para a sociobioeconomia.
Uma das reivindicações da campanha é que o valor destinado à sociobioeconomia pelo Pronaf aumente para 5%, com o valor passando de R$194 milhões para R$470 milhões. O valor para a pecuária convencional reduziria de 91,5% para 86%, enquanto o destinado à agricultura diversa se manteria em 8,5%.
Campanha reivindica mudanças para incluir de forma mais justa os povos e comunidades tradicionais
A Campanha “Sociobioeconomia no Pronaf”, do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), propõe mudanças urgentes no Plano Safra 2025/2026 e no Manual de Crédito Rural (MCR) para adaptar o Pronaf às realidades dos povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares e negócios comunitários da sociobioeconomia.
Algumas das propostas prevêem eliminar entraves documentais, reconhecer juridicamente os modos de vida desses públicos e descentralizar a emissão do CAF, incluindo a permissão para que cooperativas e associações emitam o documento.
Também há previsão de soluções inovadoras para inclusão bancária — como aplicativos com funcionamento offline e validação por biometria ou vídeo para agricultores analfabetos —, fortalecendo a autonomia dos territórios e o acesso ao crédito em regiões historicamente excluídas.
Além disso, a campanha defende o protagonismo da restauração produtiva e das cadeias da sociobiodiversidade na estratégia de financiamento rural sustentável do país.
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Cubiu, alimento tradicional na região do Rio Negro|Fellipe Abreu/ISA
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Entre os produtos produzidos na Terra do Meio, está o babaçu|Rogério Assis/ISA
Para isso, propõe metas claras — como a destinação de R$ 10 bilhões do PRONAF para essas atividades e 20% das operações voltadas a sistemas não monocultivos —, além de incentivos econômicos para instituições financeiras e maior remuneração para assistência técnica e projetos voltados à agroecologia, energia renovável e SAFs.
As medidas consolidam a sociobioeconomia como eixo estruturante do desenvolvimento sustentável, promovendo justiça social, segurança climática e valorização dos territórios.
“Sem acesso adequado ao crédito, as cadeias da sociobiodiversidade ficam travadas. Essa campanha é fundamental para mostrar que financiar a sociobioeconomia é uma estratégia concreta à crise climática e às desigualdades nos territórios, que alia conservação e geração de renda com base nos ativos da floresta.”, conclui Laura Souza, secretária executiva do Observatório.
Entidades representativas do setor agropecuário, como o Sistema FAEP, a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná (Fetaep), a Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar) e a Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná (Seab), já encaminharam propostas ao governo federal.
Essas propostas incluem a solicitação de R$597 bilhões em crédito rural e R$4 bilhões para subvenção ao seguro rural para o próximo Plano Safra.
Em março, o Observatório enviou uma nota técnica ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) apresentando propostas para adaptar as políticas de crédito rural à realidade das comunidades tradicionais, extrativistas e agricultores familiares, promovendo o acesso ao crédito para sistemas produtivos sustentáveis, especialmente nos biomas como a Amazônia.
“Precisamos de regras de acesso ao Pronaf que sejam mais adequadas ao público, de fato, em especial o Pronaf B, de entrada. Discutir a dinâmica de uso da terra, considerando territórios coletivos, as famílias da agricultura familiar e povos e comunidades tradicionais, em relação à política pública de crédito rural é fundamental. As pessoas precisam acessar e promover um novo modelo de desenvolvimento econômico para a Amazônia e o Brasil.”, reforça Fabíola Zerbini, diretora executiva da Conexsus.
Integram o ÓSocioBio as seguintes organizações: Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Conexões Sustentáveis – Conexsus, Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN), Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Rede Cerrado Coletivo da Castanha, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Federações dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGs), Central Única dos Trabalhadores (CUT), universidades e centros de pesquisa, Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF), Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, Entidades representativas de povos e comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas.
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