O que a catástrofe climática no Rio Grande do Sul tem a ver com a COP 30?
Ciro Brito e Juliana Maia, analistas de políticas climáticas do ISA, alertam sobre a urgência do debate e proposição de políticas públicas sobre adaptação e mitigação climática
Ciro de Souza Brito
- Analista de Políticas de Clima do ISA
Juliana Maia
- Analista de Políticas de Clima do ISA
A catástrofe climática no Rio Grande do Sul (RS) e seus impactos devastadores para milhões de gaúchos é uma radiografia da política climática do Estado, composta por atores locais, estaduais e federais e suas ações e omissões em relação à emergência climática apontada exaustivamente por cientistas nas últimas décadas.
Esse cenário acende um alerta vermelho para o país que sediará a COP 30, em 2025, onde se discutirão temas como adaptação e mitigação climática, perdas e danos e financiamento climático. Temas estes diretamente relacionados com o caso do Rio Grande do Sul e de outras regiões.
No Congresso Nacional, deputados federais e senadores gaúchos têm sido autores, relatores e votado favoravelmente a Projetos de Lei e Emendas à Constituição que afetam direitos socioambientais e o equilíbrio climático, como os relacionados aos direitos indígenas, grilagem, agrotóxicos, legislações sobre recursos hídricos, mineração, oceanos e zonas costeiras, flexibilização do Código Florestal e do Licenciamento Ambiental.
Como se não bastasse, não têm aplicado sistematicamente recursos de emendas parlamentares em iniciativas para a implementação da política nacional de mudanças climáticas ou para a mitigação dos impactos dos eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul.
No âmbito estadual, sequer há planos de mitigação de danos e de adaptação climática. Para piorar, o governador Eduardo Leite (PSDB) tem sancionado leis em articulação com a Assembleia Legislativa que aumentam as oportunidades de exploração ambiental do setor agropecuário, sem maior rigor quanto aos impactos climáticos. Tem prefeitura, como a de Porto Alegre, que não investiu um centavo em prevenção contra enchentes em 2023, mesmo tendo em caixa mais de 428 milhões de reais.
No ambiente de recepção e presidência da Conferência das Partes, em 2025, agendas e direcionamentos das negociações internacionais estarão nas mãos do Brasil. Temos ótimos exemplos, enquanto sociedade, sobre como conectar correntes de apoio ao povo gaúcho, ao mesmo tempo que nos deparamos com o quê temos de fracassos.
Para liderar a agenda climática por meio do exemplo, é importante incluir como prioridade nas negociações os temas de perdas e danos e de adaptação e mitigação, fundamentais para avançar em iniciativas e soluções. Os debates sobre financiamento climático e florestas serão fortalecidos se bem amarrados com esses outros temas que têm feito parte do dia a dia dos brasileiros. Basta ficar atento: de Norte a Sul, todos os meses temos enfrentado eventos climáticos extremos, que têm desalojado milhares de brasileiros e brasileiras nas cidades, nos campos, nas comunidades e nas aldeias.
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“O mundo é desigual com a gente”: movimento quilombola e governo debatem Política de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola
Oficina realizada pela Conaq discutiu política de gestão territorial em parceria com o ISA e o Ministério da Igualdade Racial e apoio do Banco Mundial
Participantes da oficina na sede do ISA, em Brasília 📷 Tauani Lima/ISA
Passo crucial na luta pela regularização e proteção dos territórios quilombolas, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), em parceria com o ISA e o Ministério da Igualdade Racial (MIR), promoveu nesta quarta-feira (15), em Brasília, uma oficina com mais de 60 lideranças quilombolas de todo o país para debater a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ). O evento teve apoio do Banco Mundial.
Participaram do evento representantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), da Fundação Palmares, do Ministério da Cultura (MC), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da Defensoria Pública da União (DPU).
A oficina marca o início de uma série de encontros que serão realizados nos 24 estados brasileiros com registros oficiais de comunidades quilombolas, com o objetivo de instruí-las sobre a Política. A programação faz parte da 2ª edição do 'Aquilombar - Ancestralizando o Futuro', maior evento do movimento quilombola no Brasil, que acontece nesta quinta-feira (16) em Brasília.
A PNGTAQ, assinada pelo presidente Lula no Dia da Consciência Negra em 2023, foi instituída após dez anos de construção e intensa mobilização do movimento quilombola. A política, desenvolvida em colaboração com diversas lideranças quilombolas e ministérios do governo, visa a proteção e gestão ambiental dos territórios quilombolas.
Apesar da conquista, o movimento quilombola aguarda há seis meses a formação do Comitê Gestor da PNGTAQ, responsável por planejar, coordenar, articular, monitorar e avaliar a execução da política. A implementação do comitê é uma demanda política importante para o movimento.
De acordo com Claudia Pinho, do MMA, o governo deve lançar o edital de convocação para composição do Comitê no próximo mês. “Assim que o Comitê Gestor estiver implementado, o primeiro ato é organizar um plano integrado de gestão ambiental e territorial”, garantiu Pinho.
A instância terá representações de seis ministérios e de cinco associações quilombolas regionais e uma nacional, escolhidas via eleição. Pelo governo, farão parte do Comitê o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Ministério da Educação (MEC), MC, MDA, MMA e MIR.
“Ao instituir a PNGTAQ o governo brasileiro reafirma o compromisso com a proteção do direito das comunidades quilombolas, reconhecendo sua contribuição essencial para a conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável do país”, afirmou Edel Moraes, secretária de Povos e Comunidades Tradicionais do MMA. “O nosso desafio é fazer efetivamente a política pública, então nós precisamos de orçamento”.
Claudia Pinho, representante do MMA, e Fabiano Campelo, do MIR, reafirmaram o compromisso do governo com a implementação da Política e comentaram sobre os desafios financeiros para sua execução. “A preocupação é que a política não exista apenas no Decreto, ela precisa ser implementada”, frisou Campelo. “Para isso, precisamos que a política seja financiada, e o orçamento ainda é insuficiente para todos os territórios quilombolas no Brasil”.
Campelo apresentou as estratégias de financiamento da PNGTAQ:
Fundo Amazônia - O governo vai promover uma chamada pública para projetos de Planos de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PGTAQs) nos territórios da Amazônia Legal, para financiamento na elaboração dos planos locais e sua implementação inicial;
Banco Mundial - Fonte de financiamento para os territórios fora da Amazônia legal;
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) - Projeto de cooperação técnica para monitoramento da implementação da PNGTAQ, mapeamento e diagnóstico, além da promoção de capacitações e materiais para facilitar a execução da política;
Apoio à implementação do CAR Quilombola - Projeto a ser apresentado para o Fundo Amazônia para apoio à implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) quilombola a partir de metodologia que fortaleça as comunidades no cadastramento e implementação do cadastro.
Durante a oficina, foi destacada a importância da transversalidade das políticas públicas e da proteção dos territórios quilombolas para a eficácia das ações governamentais. Antônio Criolo, diretor do Departamento de Reconhecimento, Proteção de Territórios Tradicionais e Etnodesenvolvimento do MDA, enfatizou a necessidade de garantir o reconhecimento e a titulação dos territórios quilombolas como base para qualquer política pública eficaz.
Paula Balduino de Melo, representante do MIR, comentou sobre a preparação de uma incidência nos processos fundiários parados há muitos anos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e destacou a recente destinação, pelo Governo Federal, de 57 mil hectares de terras públicas para a regularização de territórios quilombolas.
Francisco Chagas, pesquisador e membro da Conaq, ressaltou a urgência de discutir o racismo estrutural e a necessidade de inverter a lógica colonialista em relação à regularização dos territórios quilombolas. “‘Regularizar’ território quilombola está errado. Ele não é irregular. Precisamos garantir que a vida continue ali em abundância. Irregular é quem ocupa esses territórios. Precisamos inverter essa lógica”, afirmou.
“O Brasil é um país racista, preconceituoso. Não querem que os quilombolas deem um grito de liberdade. A prova é a morte de Mãe Bernadete. É importante que a gente leve para as trincheiras estas parcerias, para quebrar as correntes do racismo deste país tão difícil”, completou Chagas.
Ivanilde, do Quilombo do Rosa, no Amapá, emocionou os participantes ao chamar a atenção dos representantes do governo para a necessidade urgente de assistência básica aos quilombos. "No meu quilombo não tem assistência médica, não tem escola, não tem água potável. Pedimos moradias dignas no Programa Minha Casa Minha Vida, o que a gente quer é ‘fazejamento’", desabafou.
Professora pós-graduada em docência do ensino superior e neuropsicopedagogia, Ivanilde só teve a oportunidade de estudar porque se mudou para Macapá com a mãe aos 12 anos. “Passei por muita dificuldades em Macapá e depois eu voltei para o meu Quilombo com o conhecimento que eu tenho. Eu tenho que fazer alguma coisa para mudar a realidade do meu povo”, disse emocionada.
Ela destacou as dificuldades enfrentadas no Quilombo do Rosa, que mesmo muito próximo à zona urbana, não recebe políticas públicas essenciais, como a educação. "Nós temos esse direito, nós somos capazes, sim. Nós temos a inteligência de concorrer de igual para igual com todos, mas o mundo é desigual com a gente”, ressaltou. “Ele é desigual na sala de aula, ele é desigual em vários espaços. Quando eu chego e digo que não sei mexer em computação, foi porque eu aprimorei os meus conhecimentos em outras coisas que estavam faltando dentro do meu quilombo".
Cadastro Ambiental Rural (CAR)
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Raquel Pasinato, assessora técnica do ISA, durante oficina 📷 Tauani Lima/ISA
Chagas também criticou as dificuldades trazidas pelo CAR (instrumento nacional de registro de imóveis rurais) para o reconhecimento das comunidades quilombolas, que devem ser inscritas na modalidade “povos e comunidades tradicionais” (CAR-PCT), mas têm recebido orientações incorretas de empresas terceirizadas ou mesmo dos órgãos estaduais de meio ambiente, que orientam sua inscrição nas categorias “imóveis rurais” (CAR-IRU) e “assentamentos” (CAR-AST).
“O próprio estado usa suas estruturas para dizer que o CAR coletivo é errado, que não pode e vai atrapalhar a vida dos quilombolas. Essa é a lógica do processo de escravização do país”, criticou Chagas, da Conaq. “Se formos fazer uma análise do tempo, o CAR mais atrapalhou do que ajudou, porque a nossa lógica de relação com a terra é diferente de um CAR que pensa a lógica do mercado. A gente pensa a vida em torno do seio do nosso território”, ressalta.
Alguns estados sequer disponibilizam o sistema eletrônico para inscrição do CAR de povos e comunidades tradicionais, excluindo as comunidades quilombolas dessa política pública. Raquel Pasinato, assessora técnica do ISA, lembra que o CAR é oriundo da reformulação do Código Florestal Brasileiro, em 2012, e “não considerou as comunidades tradicionais, não pensou nos territórios coletivos e trouxe um monte de problemas".
Pressões e ameaças
Francisco Chagas, da Conaq, e Antonio Oviedo, pesquisador do ISA, apresentaram o estudo lançado pelas duas organizações, que apontou que mais de 98% dos territórios quilombolas do Brasil estão ameaçados por obras de infraestrutura, requerimentos minerários e sobreposição de imóveis rurais (CAR-IRU).
“É urgente que o poder público cancele os pedidos minerários e de infraestrutura nestes territórios”, afirmou Oviedo. “Fizeram com as terras indígenas, precisam fazer a mesma coisa com os territórios quilombolas. E com o CAR a mesma coisa, cancelar os que estão sobrepostos”. Oviedo ressaltou ainda que o licenciamento ambiental de obras de infraestrutura deve respeitar o direito à consulta livre, prévia e informada das comunidades quilombolas.
Francisco Chagas alertou sobre impactos imateriais decorrentes das intervenções nos territórios quilombolas. “O problema é que o impacto imaterial não é previsto na legislação que discute os impactos ambientais. Quando as empresas vêm, elas não dizem sobre os impactos irreversíveis. Nosso griôs [líderes espirituais e guardiões da cultura quilombola] estão morrendo de depressão, de banzeira, de tristeza. Qual o valor que paga isso? Isso é irreparável”, lamentou.
Ronaldo dos Santos, do Ministério da Igualdade Racial, encerrou o dia de debates sobre a PNGTAQ destacando a necessidade de fortalecer a agenda dentro do governo. "Na medida que formos ganhando corações e mentes e os primeiros PGTAQs acontecerem na prática, isso vai ganhar a consolidação necessária. Queremos daqui a alguns anos comemorar o sucesso dessa política, que vai marcar a nossa história", afirmou.
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Mais de 98% dos territórios quilombolas no Brasil estão ameaçados
Estudo do ISA em parceria com a Conaq traz diagnóstico inédito sobre o impacto de obras de infraestrutura, requerimentos minerários e sobreposições de imóveis rurais nos territórios quilombolas
Os Territórios Quilombolas estão entre as áreas mais conservadas no Brasil e são fundamentais no combate às mudanças climáticas. No entanto, levantamento inédito do Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) aponta que 98,2% deles estão ameaçados por obras de infraestrutura, requerimentos minerários e por sobreposições de imóveis particulares.
“Os resultados mostram que praticamente todos os quilombos no Brasil estão impactados por algum vetor de pressão, evidenciando a violação dos direitos territoriais das comunidades quilombolas”, avalia Antonio Oviedo, pesquisador do ISA. “É urgente o cancelamento de cadastros de imóveis rurais e de requerimentos minerários que incidem sobre os quilombos, bem como consulta prévia da comunidade sobre qualquer obra de infraestrutura ou projeto que possa degradar o território ou comprometer os modos de vida dos moradores”, enfatiza.
O estudo traz um diagnóstico sobre o impacto potencial dos três vetores de pressão com base nas sobreposições às áreas tradicionais. Entre os impactos ambientais que afetam os territórios quilombolas estão o desmatamento, a degradação florestal e os incêndios, além da perda de biodiversidade e degradação de recursos hídricos pela exploração mineral e atividades de agricultura e pecuária no entorno dos territórios - facilitadas por obras de infraestrutura como a abertura de estradas e rodovias.
“Estudos mostram que obras de infraestrutura e outros projetos agropecuários e de mineração são planejados, implementados e medidos conforme expectativas setoriais e segundo metas macroeconômicas, mas desconectados das reais demandas sociais locais”, aponta o estudo. “O resultado tende a violações de direitos, perda de oportunidades socioeconômicas e estrangulamento de modos de vida e usos dos recursos naturais. Tais obras e projetos acabam abrindo caminho para mais degradação ambiental e impactos sociais de todo tipo. As rodovias, por exemplo, causam grandes impactos sociais e ambientais, especialmente os projetos que não contemplam medidas de controle do desmatamento”.
O estudo lista ainda os dez territórios mais pressionados pelos três vetores analisados:
Obras de infraestrutura
Os territórios quilombolas da região Centro-Oeste registram mais da metade (57%) de sua área total afetada por obras de infraestrutura, seguida das regiões Norte (55%), Nordeste e Sul (34%,) e Sudeste (16%). O quilombo Kalunga do Mimoso, em Tocantins, tem 100% de sua área em sobreposição com três empreendimentos planejados, uma rodovia, uma ferrovia e uma hidrelétrica.
Requerimentos minerários
Um total de 1.385 requerimentos minerários pressionam 781 mil hectares em territórios quilombolas. O Centro-Oeste também figura como a região em que os quilombos estão mais pressionados por requerimentos minerários, com 35% da área dos territórios afetados, seguido do Sul (25%), Sudeste (21%), Norte (16%) e Nordeste (14%). O território Kalunga, no Goiás, é o mais pressionado, com 180 requerimentos em sobreposição a 66% de sua área.
Cadastro Ambiental Rural (CAR)
Mais de 15 mil cadastros de imóveis rurais foram identificados em sobreposição aos territórios quilombolas. As regiões Sul e Centro-Oeste são as mais impactadas, onde 73% e 71% da área dos territórios quilombolas, respectivamente, encontra-se pressionada por imóveis rurais privados.
A região sudeste também apresenta uma alta taxa de sobreposição, de 64%, seguida da região Norte, com 19%. No Pará está o território com a mais alta taxa: Erepecuru, com 95% de sua área em sobreposição a imóveis rurais.
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um instrumento nacional de registro de imóveis rurais que tem como finalidade integrar informações ambientais de todas as propriedades e posses rurais do país.
A inscrição ocorre junto aos órgãos estaduais de meio ambiente, que devem prover assistência técnica e sistemas eletrônicos adequados para o cadastro em três segmentos: imóveis rurais (CAR-IRU), assentamentos (CAR-AST) e de povos e comunidades tradicionais (CAR-PCT), que é a categoria em que se enquadram os quilombos.
Territórios quilombolas e a conservação das florestas
Os territórios quilombolas ocupam 3,8 milhões de hectares, o que corresponde a 0,5% de todo território nacional, e exercem um papel altamente positivo na conservação ambiental, com mais de 3,4 milhões de hectares de vegetação nativa.
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Quilombo de Porto Velho, no Vale do Ribeira (SP). Em todo o país, territórios quilombolas têm um importante papel na proteção das florestas|Felipe Leal/ISA
Segundo dados do MapBiomas, em 38 anos os territórios quilombolas perderam apenas 4,7% de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 17% no mesmo período.
“As florestas, a água, os animais e toda forma de vida são cuidados meticulosamente pelos quilombolas, seguindo os ensinamentos ancestrais, pois todas as vidas importam em um quilombo”, explica Francisco Chagas, membro da Conaq.
Para as comunidades quilombolas, ilustra Chagas, “tais elementos são essenciais para a subsistência e a continuidade da vida no planeta. Os micro-organismos naturais do solo cuidam do que a terra necessita, por isso, evitamos a introdução de componentes estranhos ou sintéticos nos territórios, como os agrotóxicos. Como resultado desse compromisso com a preservação ambiental, os territórios sob domínio quilombola são mantidos em estado de conservação”.
Vários estudos têm mostrado que o reconhecimento do direito a reivindicações territoriais por parte de comunidades tradicionais é uma via promissora para a conservação de florestas. No contexto legal e administrativo do Brasil, o direito das comunidades quilombolas permanecerem em seus territórios está previsto na Constituição Federal.
Apesar disso, historicamente, os territórios quilombolas têm enfrentado pressões internas e externas de múltiplas ameaças ambientais, com diferentes níveis de gravidade, que contribuem para a degradação ambiental e reduzem a integridade ambiental desses territórios.
Para Chagas, “As medidas pensadas para proteger e preservar o meio ambiente devem levar em consideração a grande população que depende e cuida desses recursos. Segundo o IBGE, vivem em comunidades quilombolas mais de um milhão e 300 mil pessoas, ou 0,65% da população do país. É essencial consultar estas comunidades para aplicar políticas de forma adequada em seus territórios”.
Problemas com o CAR
O poder público tem a obrigação de apoiar a inscrição das propriedades individuais e dos territórios coletivos na modalidade “povos e comunidades tradicionais” do CAR. No entanto, essas populações têm recebido orientações incorretas de empresas terceirizadas ou mesmo dos órgãos estaduais, que têm orientado a inscrição em categorias distintas: de imóvel rural ou assentamentos. Ainda, alguns estados não disponibilizam o sistema para inscrição do CAR de povos e comunidades tradicionais, excluindo as comunidades quilombolas dessa política pública.
“É fundamental promover um amplo debate nacional envolvendo todos os níveis de governo e os povos quilombolas para discutir as práticas de racismo estrutural no Brasil. Os governos precisam reconhecer essa questão e pedir desculpas, pois somente assim será possível resolver os problemas enfrentados pelas comunidades quilombolas no país”, enfatiza Chagas, da Conaq.
Diante da omissão do Estado, os próprios quilombolas têm se organizado para remediar a situação. No Maranhão, desde 2018, o registro do CAR-PCT em territórios quilombolas é realizado através de articulações entre Organizações Não Governamentais, sindicatos rurais e as comunidades quilombolas.
No Pará, o governo estadual criou a mesa de negociação quilombola, institucionalizando um espaço de diálogo no tema. No Tocantins, as próprias lideranças quilombolas, com apoio da Coordenação Estadual Quilombola (COEQTO), têm realizado trabalhos de sensibilização nas comunidades para a inscrição no CAR-PCT.
“Em estados que não possuem um módulo de cadastro próprio, é importante que utilizem o sistema nacional para que quilombos e outras comunidades tradicionais possam cadastrar seus territórios”, orienta Chagas.
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Aquilombar 2024: movimento quilombola leva luta ancestral a Brasília
Mobilização realiza marcha nesta quinta-feira e levará ao centro do poder as principais pautas e reivindicações dos quilombolas
Marcha das Comunidades Quilombolas em Brasília em agosto de 2022, quando o último Aquilombar foi realizado|Gustavo Bezerra/PT na Câmara
A diversidade e a resistência dos quilombos de todo o Brasil irão ocupar as ruas e os corredores de Brasília nesta quinta-feira, dia 16 de maio, quando acontece a segunda edição do Aquilombar – maior mobilização do movimento quilombola, organizada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Com uma programação diversificada que inclui palestras, performances culturais, exposições artísticas, feira com produtos quilombolas, rodas de conversa, lançamentos de dados e iniciativas sociais, o Aquilombar permite que as comunidades negras rurais de todo território nacional compartilhem suas vivências, saberes e experiências, contribuindo para a preservação e fortalecimento da herança cultural afro-brasileira.
Neste ano, o encontro busca explorar as conexões entre passado, presente e futuro, destacando a importância das raízes culturais na construção de um amanhã mais inclusivo e sustentável, levando o tema “Ancestralizando o Futuro”.
Uma marcha está prevista para a quinta-feira (16/5) até o Congresso Nacional. Após a mobilização pelas ruas de Brasília, deve acontecer a leitura e aprovação da carta final do Aquilombar 2024.
No centro das pautas e reivindicações dos quilombolas estão o direito à terra, o combate ao racismo, a garantia de direitos básicos, a preservação da cultura e do meio ambiente e a necessidade de avanço nas políticas institucionais para os quilombos.
Em 2022, a população quilombola foi incluída pela primeira vez no Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pesquisa que acontece há 150 anos e apresenta o retrato demográfico, geográfico e socioeconômico do país.
Os resultados da pesquisa são essenciais para a construção das políticas públicas e sociais, uma vez que levantam discussões sobre a segurança, a expectativa de vida e as necessidades prioritárias desses grupos.
Direito à terra
Símbolo de concretização da luta política quilombola, o Decreto 4.887/2003, que “regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos”, completou vinte anos em novembro de 2023.
Essa é uma política fundamental para a garantia do direito à terra das populações quilombolas e, desde o início, enfrenta dificuldades para ser instituída de fato. No passado, sua legitimidade, constitucionalidade e formalidade foram fortemente questionadas.
Hoje, um dos principais desafios é lidar com a falta de vontade política e a falta de orçamento para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), responsável por executar a reforma agrária, realizar o ordenamento fundiário nacional e emitir títulos de territórios quilombolas.
Segundo dados do último censo demográfico do IBGE, são quase 6 mil comunidades quilombolas espalhadas pelo país e apenas 147 tiveram seu título emitido.
Na ocasião, Lula comentou que o ato era “o pagamento de uma dívida histórica, que a supremacia branca construiu nesse país desde que esse país foi descoberto, e que nós queremos apenas recompor aquilo que é a realidade de uma sociedade democrática”.
Estruturada em cinco eixos (integridade territorial, usos, manejo e conservação ambiental; produção sustentável e geração de renda, soberania alimentar e segurança nutricional; ancestralidade, identidade e patrimônio cultural; educação e formação voltadas à gestão territorial e ambiental e organização social para a gestão territorial e ambiental), a política se propõe a promover práticas de gestão territorial e ambiental desenvolvidas pelas comunidades quilombolas; atuar para garantir os direitos territoriais e ambientais dessas comunidades; favorecer a implementação de políticas públicas de forma integrada; proteger o patrimônio cultural material e imaterial; conservar a biodiversidade e fomentar seu uso sustentável, e ainda, promover a melhoria da qualidade de vida e a justiça climática.
A construção da PNGTAQ se deu por um processo conjunto envolvendo diversos territórios e lideranças da CONAQ de todo o Brasil. Além dos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Ministério da Cultura, Ministério da Igualdade Racial, Ministério do Desenvolvimento Social, dentre outros que estão previstos para compor o futuro Comitê Gestor da política.
Apesar de uma grande conquista, o movimento quilombola ainda não tem resposta sobre a formação e implementação do Comitê Gestor*.
Em novembro, o Ministério da Igualdade Racial havia comentado que “a partir do dia 20 [de novembro], as ministras Anielle Franco e Marina Silva, em conjunto com o ministro Paulo Teixeira, devem publicar em noventa dias um ato próprio estabelecendo critérios e procedimentos para a definição das organizações quilombolas que irão compor o Comitê Gestor”. Entretanto, já se passaram quase seis meses e isso ainda não aconteceu.
*O Comitê Gestor tem como papel planejar, coordenar, articular, monitorar e avaliar a execução da PNGTAQ; propor ações, planos, programas e recursos necessários à implementação da PNGTAQ no âmbito do Plano Plurianual, das diretrizes orçamentárias, do orçamento anual e de outras fontes de financiamento; assegurar a realização de consulta livre, prévia e informada às comunidades quilombolas no âmbito de iniciativas governamentais e legislativas que as afetem, observada a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais e os protocolos de consulta existentes e aprovar o seu regimento interno, por maioria simples de votos.
Mesa Quilombola
Criada para dar visibilidade à política de titulação de quilombos, a Mesa Quilombola, que estava suspensa há 7 anos, foi retomada.
Em um evento promovido pelo Incra no último mês de abril, em Brasília, foi assinado um Protocolo de Intenções entre a Conaq e a autarquia com o objetivo de “estabelecer a cooperação e colaboração mútua na área de regularização fundiária dos territórios quilombolas, notadamente quanto ao intercâmbio e compartilhamento de informações, pesquisas e estudos, por meio da implementação de ações, programas e projetos que favoreçam a instrução dos processos de regularização fundiária em trâmite perante o Incra”.
A mesa foi descontinuada no governo Temer e assim permaneceu durante o governo Bolsonaro.
Principais pautas do movimento quilombola nacional:
- Reconhecimento e demarcação de territórios, com garantia da posse e do direito ao uso da terra pelas comunidades conforme sua sabedoria e tradições.
- Regularização fundiária, garantindo segurança jurídica sobre suas terras e acesso a políticas públicas de desenvolvimento, como crédito agrícola e programas de assistência técnica.
- Acesso a serviços básicos, como saúde, educação, saneamento básico e energia elétrica.
- Preservação cultural e ambiental, incluindo tradições, línguas, práticas agrícolas e religiosas, além da proteção do meio ambiente nos territórios quilombolas, promovendo práticas sustentáveis de uso dos recursos naturais.
- Combate ao racismo e à discriminação, buscando o reconhecimento da contribuição histórica e cultural das comunidades quilombolas para a sociedade brasileira e promovendo a igualdade de direitos.
Racismo e violência
Segundo o estudo “Racismo e violência contra quilombos no Brasil”, lançado em novembro de 2023 pela Conaq e pela organização Terra de Direitos, a média anual de quilombolas assassinados de 2018 a 2022 quase dobrou em relação ao período de 2008 a 2017.
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Movimentos negros protestaram por todo o Brasil contra a violência policial e do Estado em agosto de 2023|Júlio César Almeida/ISA
Dos 32 homicídios registrados de 2018 a 2022, quase a metade foi de “lideranças reconhecidas pelas comunidades”, com 15 casos. Em 10 das 26 comunidades em que os crimes ocorreram, observa a publicação, não há processo de regularização do território aberto no Incra.
Ou seja, territórios à espera de regularização estão mais vulneráveis à violência, conforme comprovam os dados. Segundo números da Fundação Palmares, há hoje 1.805 processos inconclusos em tramitação no Incra para regularização de territórios quilombolas.
Um dos assassinatos de maior repercussão foi o de Mãe Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, em agosto passado, no Quilombo Pitanga de Palmares, em Simões Filho (BA). O crime cometido contra a Yalorixá e liderança de terreiro também expôs a questão da violência de gênero, abordadas na pesquisa.
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Manifestantes pedem justiça por Bernadete Pacífico, liderança assassinada em agosto de 2023 no quilombo Pitanga dos Palmares|Júlio César Almeida/ISA
O feminicídio é a segunda maior causa de mortes entre quilombolas, perdendo somente para os conflitos fundiários. O estudo mostrou que a proporcionalidade de mulheres quilombolas assassinadas dobrou em comparação com o período de 2008 a 2017, que registrou a morte de oito mulheres em dez anos.
As organizações afirmam no documento que a violência contra as mulheres é também reflexo da luta política desempenhada por elas nos quilombos em defesa do território e da sobrevivência das comunidades.
Crise Climática
As rodas de conversa previstas para a quinta-feira (16/05) incluem discussões sobre a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que neste ano acontecerá em Belém (PA).
Essa é a primeira vez que o maior evento global de discussões climáticas vai desembarcar no Brasil, e a expectativa é de que a Amazônia e os povos que ali vivem ocupem uma posição central nas discussões.
Com a proximidade da COP 30, Vercilene Dias, advogada quilombola e assessora jurídica da Conaq, defendeu que as discussões sobre o direito à consulta e a presença de lideranças dos povos da floresta sejam assegurados.
“Porque são justamente [eles] que estão sendo afetados. Quem sofre as afetações [das mudanças climáticas] não são as pessoas de classe média ou que estão nos grandes centros; são as pessoas da periferia, as comunidades tradicionais”, disse.
Do sudoeste de São Paulo para a capital do país
Em meio a um cinturão verde de mais de 2 milhões de hectares de floresta preservada no maior remanescente de Mata Atlântica do Brasil, mais de 80 comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, em São Paulo, lutam contra o racismo ambiental e diversas violações dos seus direitos.
Durante centenas de anos, buscaram o protagonismo sobre suas narrativas para combater a criminalização das práticas tradicionais e dificuldade para obter licenças para o cultivo da terra.
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Urias Morato durante puxirão em sua roça de milho no Quilombo São Pedro, no Vale do Ribeira|Manoela Meyer/ISA
14ª Feira de Troca de Sementes e Mudas do Vale do Ribeira, evento destinado à preservação cultural e preservação de espécies nativas|Júlio César Almeida/ISA
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Aquilombar: Conaq realiza 2ª edição da maior mobilização quilombola do Brasil
Encontro organizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) acontece dia 16 de maio, em Brasília
Avaliado como o maior evento do movimento quilombola do Brasil e realizado pela Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a 2° edição do Aquilombar acontece em 16 de maio. Trata-se de um espaço de grande importância na promoção e valorização da cultura e tradições quilombolas.
É através desse encontro que as comunidades negras rurais de todo território nacional têm a oportunidade de compartilhar suas vivências, saberes e experiências, contribuindo para a preservação e fortalecimento da herança cultural afro-brasileira.
Aquilombar 2022, que reuniu mais de três mil quilombolas em Brasília, trouxe diversas organizações quilombolas à capital|Andressa Cabral Botelho/ISA
Com uma programação diversificada que inclui palestras, performances culturais, exposições artísticas, feira temática quilombola, rodas de conversa, lançamentos de dados e iniciativas sociais, além da mobilização de uma marcha que sairá do espaço sede do evento até o Congresso Nacional, em Brasília, o Aquilombar busca explorar as conexões entre o passado, presente e futuro, destacando a importância das raízes culturais na construção de um amanhã mais inclusivo e sustentável, por isso a sua segunda edição carrega o tema “Ancestralizando o Futuro”.
Ao reunir líderes comunitários, ativistas, intelectuais, artistas e demais apoiadores da causa quilombola, o evento cria um espaço propício para debates, trocas de ideias e ações concretas voltadas para o empoderamento dessas comunidades historicamente marginalizadas. Dessa forma, o Aquilombar se destaca como um marco na luta pela preservação da identidade quilombola e na construção de um futuro mais justo e equitativo para essas comunidades, reforçando a importância do respeito à diversidade cultural e étnica do Brasil.
Participe deste encontro imperdível que irá inspirar, provocar reflexões e celebrar a riqueza da diversidade cultural brasileira quilombola. A Conaq convida a todos a se juntarem nessa jornada de resgate e valorização das nossas origens em direção a um futuro mais promissor, com a garantia dos direitos ao povo quilombola que luta há séculos pela restituição da sua dignidade.
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Aquilombar 2024
Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq)
Proteção a Terras indígenas, territórios quilombolas e Unidades de Conservação é essencial para agenda climática brasileira. Na foto, vista aérea da comunidade indígena Gaviao 2, no Amazonas|Bruno Kelly/Amazônia Real
O dia 13 de abril, agora, passará a ser lembrado como a data em que uma grande defensora de direitos ambientais nos deixou. Osvalinda Alves, agricultora familiar que teve a vida marcada pela defesa ambiental e o enfrentamento das ameaças e perigos dela decorrentes, foi a primeira brasileira a receber o prêmio Edelstam, na Suécia, em 2020, em reconhecimento do seu trabalho de defesa da Amazônia. Ela reivindicava direitos territoriais e denunciava a extração ilegal de madeira da floresta. Morreu por complicações pulmonares, no Pará, no último sábado (13).
A Amazônia, região de origem e atuação de Osvalinda, é o bioma que historicamente mais tem emitido gases de efeito estufa (GEE). Em 2022, os Estados de Mato Grosso (17,3% do total) e Pará (15,6%) – parte da Amazônia Oriental - aparecem como os principais emissores brutos, seguidos de Minas Gerais, Rondônia – estado também pertencente ao bioma amazônico - e São Paulo.
Vale lembrar que o perfil de emissões de gases de efeito estufa no Brasil tem, no topo do ranking, os setores de “mudança de uso da terra e floresta” e “agropecuária”, que em 2022 foram responsáveis por aproximadamente 75% do total das emissões de GEE (SEEG, 2023).
O principal fator de emissões do setor “mudança do uso da terra e floresta” é o desmatamento. E do total das emissões brutas oriundas do desmatamento em 2022, 75% são provenientes da Amazônia.
No setor de “agropecuária” são contabilizadas as emissões provenientes da digestão realizada pelos rebanhos de animais ruminantes - o popular “arroto” do boi -, do tratamento e da disposição que os dejetos desses animais recebem, entre outros. Do total de emissões do setor, a agricultura representou 20%, e a pecuária 80%. A principal causa do aumento nas emissões foi, assim como em 2021, o crescimento do rebanho bovino.
Estudos apontam que, apesar de já ocupar mais de 80% das áreas desmatadas na Amazônia com uma produtividade baixíssima, a pecuária ainda pode levar à derrubada de mais de 3 milhões de hectares entre 2023 e 2025, caso não sejam adotadas medidas mais efetivas de fiscalização, como a rastreabilidade de todos os animais desde o nascimento.
Entre 2021 e 2022, mais de 100 mil hectares de florestas da Amazônia foram explorados ilegalmente para a extração de madeira. Uma área maior que a de Belém, cidade sede da COP 30. Mais de 25% (25,6%) da ilegalidade se concentrou em Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
É cada vez mais evidente a correlação entre o papel de defensores ambientais, povos indígenas e comunidades tradicionais e a luta contra a emergência climática. Mais de 150 organizações nacionais e internacionais reforçaram essa correlação em carta enviada no final de março a ministros do Governo Federal e a membros do Poder Legislativo solicitando a aceleração da aprovação do Acordo de Escazú no Congresso Nacional. Esse é o primeiro acordo ambiental do mundo com obrigações específicas de proteção de defensores ambientais. Nele são incluídos direitos como os de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais, cuja efetivação é fundamental para a garantia de uma governança ambiental e climática transparente, participativa e inclusiva.
Em um trecho da referida carta, as organizações afirmam: "Considerando ainda o tamanho e influência do Brasil, o contexto de sua liderança no âmbito de diálogos do G-20, do BRICs, da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e de outros agrupamentos de países, bem como o papel-chave das florestas do país na mitigação das mudanças climáticas e a relevância do trabalho dos defensores ambientais em sua proteção, ratificar o acordo enviará uma mensagem contundente à comunidade internacional de que o governo está envidando os esforços necessários para responder à tripla crise planetária (crise climática, da perda da biodiversidade e da poluição) e poderia influenciar positivamente a agenda de transição para uma economia ambiental e socialmente sustentável e justa. A ratificação do Acordo de Escazú deveria ser prioridade do governo rumo à COP 30, em Belém, em 2025".
O objetivo da referida consulta é, fundamentalmente, esclarecer o alcance e o conteúdo das obrigações de efetivação e proteção de direitos humanos que os Estados têm diante da situação de emergência climática.
As audiências brasileiras serão promovidas na capital federal e na Amazônia, em Manaus. Desde fevereiro, contudo, já se conhece a posição oficial do Brasil a respeito do tema. Num documento de 42 páginas apresentado pelo país, verifica-se a construção de uma sofisticada relação entre direito internacional ambiental e climático e dois posicionamentos importantes.
Primeiro, o país pontuou a importância do princípio de não discriminação, especialmente para grupos vulneráveis afetados pela emergência climática, como defensores ambientais, povos indígenas e população negra das periferias. E, em segundo lugar, o governo brasileiro inovou ao defender que o direito humano ao clima equilibrado é um componente integrante do direito humano ao meio ambiente saudável.
Nesse contexto, há grandes desafios legais e operacionais pela frente. Atingir a meta de desmatamento zero em 2030, fundamental no combate às mudanças climáticas, deve considerar como prioridade garantir a integridade e segurança territorial dessas comunidades e de seus representantes, defensores de direitos ambientais como Osvalinda.
Esse é um fator imprescindível para a reprodução dos modos de vida de agricultores familiares e comunidades tradicionais. Afinal, são nessas áreas que essas populações desenvolvem seus conhecimentos, culturas, soberania alimentar, inovações e as economias da sociobiodiversidade - realizadas em sistemas de manejo de baixa escala, com baixo impacto ambiental e alta variedade de espécies nativas e conhecimentos sobre a biodiversidade local. Mais do que produtos, são economias do conhecimento, que produzem inovação e manutenção dos serviços ecossistêmicos.
Priorizar essas ações é operar uma real agenda de justiça climática, ou seja, de promoção da integração de direitos, da segurança territorial e das economias da sociobiodiversidade.
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Terra, Tempo e Luta: 20 anos de resistência no Acampamento Terra Livre
Apib encerra mobilização nacional com compromisso de Lula pela demarcação das Terras Indígenas; leia a carta final do ATL
ATL 2024: mais de 9 mil indígenas de diversas partes do País se manifestaram pela defesa de seus direitos em Brasília|Lucas Landau/ISA
No coração de Brasília, entre os dias 22 e 26 de abril, um chamado ecoou pelos quatro cantos do país: “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui!”. Assim, o Acampamento Terra Livre (ATL), que neste ano celebrou duas décadas de existência, amplificou as vozes, histórias e a resistência dos povos indígenas no Brasil.
“O ATL 2024 ficou na história, principalmente pela mensagem que nós enviamos e foi ouvida”, comemorou Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), na plenária de encerramento.
“Alcançamos o nosso objetivo, reafirmamos o nosso compromisso com o texto constitucional e com a democracia. Precisamos que o Congresso pare de criar uma agenda anti-indigena. Precisamos que as terras sejam demarcadas, que o Executivo cumpra com as suas funções institucionais. Mas, para que isso aconteça, nós precisamos nos manter mobilizados”, reforçou.
Organizada pela Apib, a mobilização histórica reuniu mais de 9 mil pessoas, representando mais de 200 povos pela defesa dos direitos indígenas. Entre uma ampla agenda de reuniões nos Três Poderes, o movimento articulou um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recebeu uma comitiva de 40 lideranças indígenas e se comprometeu a avançar na questão das demarcações.
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Da esquerda à direita, Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib, Dinamam Tuxá e Kleber Karipuna, coordenadores-executivos|Lucas Landau/ISA
Lula determinou a criação, em duas semanas, de uma força-tarefa governamental para sanar problemas “jurídicos e políticos” relacionados à demarcação das Terras Indígenas. Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib, demonstrou preocupação sobre a decisão do Executivo em dialogar com governadores antes da homologação de terras ocupadas por não-indígenas.
“Só avançaremos nessa pauta garantindo o direito constitucional e cumprindo o decreto 1775/96. O único ente federal responsável por demarcar Terras Indígenas é o governo federal, e é nesse sentido que nós estamos nos propondo a compor essa força-tarefa, sem nos comprometer a conversar com ninguém fora do que prevê o decreto 1775. O decreto é claro: tem um rito e este rito tem que ser seguido”.
Carta final
Nesta sexta-feira (26/04), a organização divulgou a carta final do ATL, uma declaração urgente do movimento indígena brasileiro sobre as ameaças contra a vida dos povos indígenas, especialmente relacionadas à política.
"Alertamos que essa ruptura intencional resultará no aumento das violências e das políticas e práticas de genocídio historicamente promovidas tanto pela sociedade quanto pelo próprio Estado contra os povos indígenas. Desde os períodos mais remotos da história até os dias atuais, incluindo o legado sombrio da ditadura militar, cujas consequências ainda ecoam em nossas vidas."
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Unidos e unidas pela defesa da vida e do planeta! Povos indígenas marcharam em Brasília exigindo a garantia de direitos e a preservação dos territórios|Lucas Landau/ISA
A referência é sobre a decisão do ministro Gilmar Mendes, que na segunda-feira determinou a instalação de um “processo de conciliação e mediação” sobre a Lei do Marco Temporal. “Alertamos que essa ruptura intencional resultará no aumento das violências e das políticas e práticas de genocídio historicamente promovidas tanto pela sociedade quanto pelo próprio Estado contra os povos indígenas”, diz o documento.
Além da pauta da demarcação de terras, os indígenas também se posicionam contra a abertura de seus territórios a empreendimentos que agravam a crise climática. “Tais empreendimentos representam uma ameaça direta à mãe natureza, às florestas, aos nossos rios, à biodiversidade, à fauna e à flora, assim como a todas as riquezas e formas de vida que preservamos ao longo de milênios”.
Na carta, o presidente Lula é chamado a cumprir o compromisso de instalar a força-tarefa para dialogar com os Três Poderes e demarcar definitivamente todas as Terras Indígenas do país, e que garanta a participação efetiva dos povos e organizações indígenas na força-tarefa.
“Não queremos viver em fazendas”
O documento também se manifestou contra a compra de terras para destinação aos povos indígenas, conforme declarou o presidente Lula sobre a compra de áreas para reparar indígenas Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul.
“Se houver necessidade de comprar terras, que seja para reassentar os invasores, e não deslocar nossos povos de suas terras originárias. PRESIDENTE LULA, NÃO QUEREMOS VIVER EM FAZENDAS! É preciso impedir que Rui Costa, Ministro Chefe da Casa Civil, siga “mandando” sobre as homologações de Terras Indígenas.”, enfatiza.
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Indígenas apontam caminhos para enfrentar emergência climática no ATL 2024
Demarcação e preservação das Terras Indígenas, atuação na COP 30 e proteção das mulheres foram soluções apresentadas nos debates
A importância da unidade dos povos indígenas de todo o mundo frente às emergências climáticas foi o tema central dos debates da plenária “Articulação Internacional dos Povos Indígenas: defendendo nossos direitos nas agendas do clima e da biodiversidade”, realizada no terceiro dia do 20º Acampamento Terra Livre (ATL).
Lideranças de diversos países, que atuam em conjunto com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e outras organizações brasileiras trouxeram os desafios e consequências das mudanças no clima em todo mundo, e que afetam, sobretudo, os territórios e a vida dos povos indígenas.
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"Se é para pensar economia da biodiversidade, tem que falar de preservação das nossas terras", afirmou a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), que chegou acompanhada de mulheres Maxacali|Lucas Landau/ISA
Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib, ressaltou a urgência da atuação conjunta internacional das organizações indígenas para impedir as políticas que colocam em risco seus direitos. “O ATL está trazendo novamente os parentes de outros países para conhecerem a nossa realidade, e nós conhecermos a realidade deles, para juntos, nessa aliança global de povos indígenas, podermos lutar para a melhoria dos nossos direitos, em nossos territórios e em todo mundo”, ressaltou.
Representando a Aliança Mesoamericana dos Povos das Florestas, Levi Sucre, da Costa Rica, reivindicou que os conhecimentos dos povos originários sejam reconhecidos na luta contra as mudanças climáticas e destacou o direito à consulta prévia, livre e informada.
“Exigimos consultas ao nosso povo para todos os projetos, todos os direitos e todas as leis. E queremos que nossos conhecimentos sejam reconhecidos e respeitados para combater os problemas das mudanças climáticas. Como aliança global, acreditamos na mensagem que é trazida pela Apib aqui no ATL: nosso tempo é ancestral, não temporal”.
Rukka Sombolinggi, representando cerca de 20 mil comunidades da Indonésia, enfatizou que os povos indígenas no mundo todo enfrentam os mesmos desafios quando a pauta são os seus direitos e as graves consequências da crise climática.
“Nossa riqueza e nossas terras estão sendo roubadas. A vitimização dos nossos povos tem levado hoje ao que chamamos de crise climática. E, enquanto líderes globais estão tentando encontrar acordos para esses problemas, nossos povos continuam em risco.”, disse Rukka, que também falou em nome da Aliança Global de Comunidades Territoriais.
A liderança indonésia lembrou que em 2025 acontece a COP 30, em Belém (PA), e que as organizações e lideranças indígenas precisam trabalhar juntas, “para garantir que esse evento seja capaz de virar a mesa nesse tema”.
Indígenas Munduruku trouxeram cartazes alertando para os perigos das mudanças climáticas durante o ATL 2024, em Brasília|Lucas Landau/ISA
A diretora do Museu dos Povos Indígenas, Fernanda Kaingang, fez uma fala contundente na defesa da biodiversidade brasileira e contra o sequestro da propriedade intelectual dos produtos extraídos das florestas, denunciando o enriquecimento de grandes indústrias a partir dos saberes dos povos indígenas.
“É preciso que nossos sábios sejam ouvidos e sejam valorizados como mestres do saber. É preciso que a ciência dos povos indígenas seja reconhecida e valorizada, que se peça o consentimento livre, prévio e informado, que se pague pelo uso do conhecimento dos povos indígenas e que se reparta os benefícios pelos papéis ambientais que nós temos prestado na conservação da biodiversidade que o mundo precisa para sobreviver”, ressaltou.
Ela lembrou que a biodiversidade tem papel importante na luta para enfrentar a emergência climática. As florestas, por exemplo, protegem grandes estoques de carbono que, se liberados na atmosfera, podem agravar o aquecimento global.
Gênero e tragédias socioambientais
Na tarde do segundo dia do ATL (23/04), a pauta climática também esteve presente na plenária “Mulheres Biomas na construção de agendas rumo à COP 30”, organizada pela Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
Conduzido pela secretária executiva da organização, Joziléia Kaingang, o debate contou com a participação de lideranças mulheres de diversos povos.
Na plenária, também foram feitas denúncias de casos graves de violência contra mulheres indígenas nos territórios. Muitas enfatizaram que não é possível falar de luta contra a crise climática sem garantir a proteção dos corpos e da vida de quem preserva os territórios e os biomas.
“Nossos corpos e lideranças estão sendo criminalizadas e as mulheres indígenas são as que mais morrem. Peço que acolham as denúncias das nossas parentas, sobre a violência que vivemos em nossas comunidades”, afirmou Marinete Tukano, da articulação Makirae'ta, após ler uma carta assinada pela Makirae'ta e a Anmiga sobre a realidade das mulheres indígenas no Estado.
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As pajés Arlete Krikatí, Cintia Guajajara e Marcilene Guajajara, do Maranhão, estiveram na plenária "Mulheres Biomas na construção de agendas rumo a COP 30"|Lucas Landau/ISA
Elisa Pankararu, liderança de Pernambuco e coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), falou da importância de se reconhecer os biomas como espaço de resistência e denunciou o racismo ambiental como estruturante da crise do clima.
"As mudanças climáticas não são previsões, elas já existem e estão postas. E quem sofre é a nossa gente que mora nas periferias e no campo. Nós que não somos responsáveis, nós que não poluímos os rios, somos os que estamos pagando a conta. Todos os outros também serão atingidos", denunciou.
A representante da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (ArpinSudeste), Neusa Martine, do povo Guarani Nhandeva, de Paraty (RJ), trouxe a voz das mulheres indígenas da Mata Atlântica, destacando a luta por demarcação das terras, aliada às lutas contra a emergência climática e a violência contra as mulheres indígenas.
“Temos que conscientizar jovens, homens, mulheres e a sociedade como um todo de que precisamos proteger nossos corpos para continuar protegendo nosso meio ambiente. 80% da biodiversidade protegida está dentro das Terras Indígenas. Precisamos implementar, fortalecer e levar projetos para nossos territórios e para a Mata Atlântica”, pontuou.
Braulina Baniwa, ex-secretária executiva da Anmiga, destacou a participação das mulheres indígenas na organização da bioeconomia nos territórios indígenas e, como consequência, no enfrentamento à emergência climática.
“Convido vocês a conhecer a ciência indígena das mulheres e a bioeconomia que nós produzimos dentro dos nossos territórios. A bioeconomia que precisa ser reconhecida e valorizada. A renda precisa chegar nos territórios e reconhecer nosso trabalho manual enquanto mulheres indígenas. O nosso produto, que disputa os mercados, precisa ser considerado produto ancestral, que carrega nosso conhecimento coletivo como povos indígenas”, disse.
Mapa de organizações das mulheres indígenas
Durante a plenária das mulheres biomas, a secretária-executiva da Anmiga, Joziléia Kaingang, falou também da construção da 2ª edição do Mapa das Organizações das Mulheres Indígenas no Brasil, organizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Anmiga.
O trabalho, que tem previsão de lançamento no segundo semestre, atualiza a primeira edição, lançada em 2020 também pelo ISA.
Para a atualização dos dados, a Anmiga fez um chamado a todas as lideranças a preencher um formulário com as informações de suas organizações e, durante este ATL, pesquisadoras do ISA e da Anmiga também realizaram uma ação de checagem dos dados.
“No ano de 2020, o ISA identificou 92 organizações de mulheres indígenas. Até esse momento, nós já temos mais que o dobro dessas organizações nesse novo levantamento. Então isso, para nós mulheres indígenas, é muito importante para pensarmos em cada região, como a gente dialoga, constrói e atualiza as nossas necessidades e demandas e as nossas construções como Anmiga, a partir do mapa”, explicou Joziléia. Segundo ela, o mapa comporta os diversos tipos de organizações, coletivos, associações ou articulações.
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Joziléia Kaingang, secretária-executiva da Anmiga, falou da construção da 2ª edição do Mapa das Organizações das Mulheres Indígenas no Brasil|Lucas Landau/ISA
De acordo com Luma Ribeiro Prado, analista do programa Povos Indígenas no Brasil do ISA, a 2ª edição do mapa é uma produção colaborativa entre o ISA e a Anmiga e comprova um crescimento acentuado das organizações de mulheres indígenas no Brasil.
“Organizações que se entendem de várias formas, como movimento, como comissão, como comitê, como coletivo. E isso é muito importante porque mostra a diversidade da forma de organização dessas mulheres”, destaca.
“Emergência climática: povos indígenas chamam para a cura da Terra”
A noite cultural do primeiro dia do Acampamento Terra Livre (22/04) foi aberta com o lançamento da obra “Emergência climática: povos indígenas chamam para a cura da Terra”, do caderno da Semana dos Povos Indígenas 2024, de autoria de Ju Kerexu, coordenadora da Apib, e Cristiane Julião Pankararu.
No material, as escritoras apontam alternativas que os povos indígenas já vêm trazendo há algum tempo como forma de adaptação e mitigação dos efeitos da emergência climática.
“Emergência porque a terra está gritando e pedindo socorro faz tempo. A gente tem a crença que a natureza tem a sua total autonomia e ela conversa com a gente. Então, quando a gente busca essa conexão ela dá seus sinais. Nós entramos numa linha que é emergencial e nós precisamos agir”, ressaltou Cristiane Julião Pankararu.
O caderno é uma produção da FLD Projetos de Vida e do Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin) e ilustrado pela artista indígena Wanessa Ribeiro.
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Lula se comprometeu a dialogar com Gilmar Mendes sobre demarcações, diz Apib
“Saímos daqui esperançosos, porém, atentos e vigilantes”, avaliou Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da articulação; reunião com o presidente e ministros aconteceu durante marcha do 20° ATL
Indígenas no 20° ATL criticam decisão do ministro Gilmar Mendes, que propôs negociação para debater a demarcação de Terras Indígenas, um direito constitucional dos povos indígenas|Lucas Landau/ISA
Em reunião nesta quinta-feira (25/04) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lideranças indígenas de todas as regiões do país apresentaram a carta com 25 reivindicações do movimento indígena aos Três Poderes, sendo 19 demandas direcionadas ao Executivo. Os indígenas pediram o avanço na demarcação das Terras Indígenas, o fortalecimento dos órgãos indigenistas e maior empenho do Executivo para conter a agenda anti-indígena no Congresso Nacional.
O encontro aconteceu enquanto uma grande marcha de mobilização do Acampamento Terra Livre (ATL) percorreu as ruas de Brasília até o Palácio do Planalto. Mais de 9 mil indígenas de diferentes povos e territórios se manifestaram pela demarcação das Terras Indígenas e contra a tese ruralista do Marco Temporal.
“Saímos com encaminhamentos concretos”, afirmou ao Instituto Socioambiental (ISA) Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Tuxá disse que o presidente se comprometeu com a questão das demarcações, especialmente das Terras Indígenas (TIs) Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, que têm ações na Suprema Corte.
“Aproveitamos para reforçar pra ele [presidente Lula] tratar, de fato, com o Gilmar Mendes, toda a política de demarcação e o entendimento do Supremo sobre a pauta. Saímos daqui esperançosos, porém, atentos e vigilantes”, avaliou Dinamam.
Participaram da reunião com o presidente a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, o ministro Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência, e a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.
O presidente Lula determinou a criação, em duas semanas, de uma força-tarefa governamental para sanar problemas “jurídicos e políticos” relacionados à demarcação das Terras Indígenas. A equipe será liderada pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e composta pela Secretaria-Geral da Presidência da República, pela Advocacia Geral da União (AGU) e pelos Ministérios da Justiça (MJ) e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).
A prioridade são as quatro Terras Indígenas cotadas para homologação mas que não foram assinadas no último dia 18 de abril por problemas com a ocupação de não-indígenas em algumas das áreas, de acordo com o governo.
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Coletiva de imprensa após a reunião com o presidente Lula contou com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, o ministro Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência, e lideranças da Apib|Ester Cezar/ISA
Sobre as outras 247 TIs que ainda aguardam a finalização do procedimento demarcatório, o ministro Macêdo afirmou que a força-tarefa iniciará um “processo de diálogo” liderado pela ministra Sonia Guajajara e pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para discutir e encaminhar os problemas de cada caso.
Dinamam Tuxá, da Apib, destacou que essa era uma reivindicação do movimento indígena para “destravar” as demarcações, “não só das quatro terras, não só das 25 terras que estão com a portaria declaratória para serem declaradas, mas sim que haja uma força-tarefa para que, de uma vez por todas, consigamos superar a política de demarcação de Terras Indígenas no país”, enfatizou.
Como ação imediata, Macêdo informou que o grupo pretende dialogar com o ministro Gilmar Mendes sobre as demarcações das TIs de Santa Catarina e com os governadores da Paraíba e de Alagoas sobre as TIs Xukuru-Kariri e Potiguara de Monte-Mor, ocupadas por não-indígenas. De acordo com Macêdo, o objetivo é “estabelecer o que tem que ser feito para resolver as quatro homologações”.
Questionado sobre o prazo para concluir esse processo, o ministro afirmou que não há como ser estabelecido. “A decisão do presidente é de enfrentar e de resolver, tanto na esfera jurídica quanto na esfera política. O nosso papel é cumprir a determinação do presidente nessas duas frentes. O tempo aí é a prática que vai dizer. Eu espero que seja o mais rápido possível”, falou.
Dinamam Tuxá, da Apib, disse ao ISA que a organização entende que o governo precisa cumprir o rito constitucional das demarcações, que já prevê uma fase para a contestação das partes interessadas, não havendo, portanto, a necessidade de promover consultas ou mediações com governadores.
“O presidente Lula assumiu aqui que de fato não são problemas jurídicos, são problemas políticos que precisam também ser enfrentados”, ponderou a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. “não se pode assinar as homologações desconsiderando toda a ocupação não indígena que há hoje dentro desse território”. A ministra disse que o MDA ficará responsável pelo reassentamento dos ocupantes dessas áreas.
Joenia Wapichana, presidente da Funai, reforçou que a autarquia continuará comprometida como executora das políticas indigenistas. “Estamos aqui para resguardar e para dar todos os subsídios e argumentos para que esses processos sejam defendidos em qualquer Instância [...] porque essa é uma responsabilidade do governo, do Estado brasileiro com os povos indígenas”, frisou.
Marcha indígena ocupa Brasília
Contando com mais de 9 mil indígenas de diversas partes do País, a segunda marcha do ATL foi marcada por cantos, danças e também por protestos em referência aos principais ataques aos direitos dos povos indígenas, como o Marco Temporal, as invasões aos territórios e as ameaças às lideranças.
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Alessandra Munduruku, liderança indígenas da região do Médio Tapajós, no oeste do Pará, marchou até o Palácio do Planalto durante o 20° Acampamento Terra Livre (ATL)|Lucas Landau/ISA
Também estiveram presentes nas reivindicações dos manifestantes críticas à recente decisão do ministro Gilmar Mendes, que em essência prevê a negociação de direitos constitucionais dos povos indígenas.
“Estamos exigindo a demarcação dos nossos territórios”, afirmou Maria Leusa Kaba Munduruku, liderança da Associação de Mulheres Wakoborun, da Terra Indígena Mundurucu – homologada em 2004 . Ela fez menção à Terra Indígena Sawré Maybu, no Pará, uma das mais ameaçadas pelo garimpo ilegal e que ainda aguarda a portaria declaratória do Ministério da Justiça (MJ).
✊🏾🏹 Maria Leusa Kaba Munduruku, liderança da Associação de Mulheres Wakoborun, leva a luta das mulheres Munduruku à segunda marcha do #ATL2024! pic.twitter.com/P4OCen4B5L
Produzida com o apoio de Denilson Baniwa, do Alto Rio Negro (AM) para a identidade visual do ATL, uma grande “cobra do tempo” rastejou pela marcha, movimentada por dezenas de pessoas. A intervenção artística exaltava os 20 anos do Acampamento Terra Livre, celebrados nesta edição.
Durante a noite após a marcha, a delegação do povo Guarani das regiões Sul e Sudeste fizeram uma vigília em frente ao STF e, em seguida, publicou uma carta aberta alertando a Corte sobre os riscos da Lei 14.701/2023 e criticando a decisão de Gilmar Mendes.
Também nesta quinta, o povo Ava Guarani fez uma ocupação nas instalações do escritório da Itaipu Binacional, em Brasília, exigindo reparação pelas terras alagadas pela usina na década de 1980.
O ato pretendeu buscar compromisso com o diálogo em andamento na Câmara de Conciliação da Advocacia-Geral da União (CCAF/AGU), conforme determinado pelo STF no julgamento da Ação Cível Originária (ACO) 3.555.
Há um mês, as comunidades têm aguardado uma posição da direção da Itaipu Binacional em relação à proposta apresentada, que trata de uma reivindicação territorial construída de forma coletiva com todas as aldeias da região oeste do Paraná.
Após algumas horas de ocupação, as lideranças Ava Guarani obtiveram o compromisso de representantes da empresa de participar das reuniões de conciliação e ouvir a proposta das comunidades, garantindo assim um avanço no processo de diálogo e reparação pelas violações de direitos sofridas pelos Ava Guarani.
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Indígena é rediscutida durante o ATL 2024
Em audiência pública na Câmara, órgãos do governo, ministérios e povos indígenas apoiaram que a política vire lei, tenha recursos e receba novo eixo de mudanças climáticas
A Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Indígena (PNGATI) foi foco de discussões no Congresso Nacional e em atividade do Acampamento Terra Livre (ATL), que comemora 20 anos de lutas em Brasília.
Durante a tarde da terça-feira (23/04), ocorreu uma audiência pública na Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), para falar sobre a pauta. “Essa comissão tem um importante lugar de acolher a presença indígena, mas sobretudo a política tão urgente que é a PNGATI. Nós sofremos aqui nessa casa uma tentativa de extermínio dos povos indígenas quando se aprovou o Marco Temporal e agora estamos na mobilização para que se vote a urgência da PNGATI”, afirmou Xakriabá.
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Célia Xakriabá, deputada federal (PSOL-MG), presidiu audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir a PNGATI|Lucas Landau/ISA
Instituída em 2012 por meio de decreto presidencial, a PNGATI tem como objetivo garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia sociocultural.
Apesar de ter sido oficializada institucionalmente há 12 anos, seu comitê gestor foi formado somente no ano passado, após a 19ª edição do Acampamento Terra Livre.
Coordenadora do Comitê Gestor da PNGATI, representando as organizações indígenas da Amazônia brasileira, Auricélia Arapiuns comentou que na retomada da PNGATI surgem muitas esperanças e uma delas é que a PNGATI se torne lei.
Ainda quando era deputada federal, a atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, propôs na Câmara, em 2021, o projeto de lei 4347/2021.
“Temos várias preocupações enquanto povos indígenas no contexto dessa casa, que é uma casa que nos vê como inimigos. A PNGATI precisa chegar aqui muito fortalecida, porque nossos direitos estão sendo atacados e muitas outras leis contrárias a nós estão sendo feitas e construídas aqui nessa casa”, alertou.
Plenária no ATL
Durante plenária sobre a PNGATI, que aconteceu na tenda principal do ATL, na manhã desta quinta-feira (25/04), as lideranças que participaram da sessão solene levaram as atualizações da discussão de retomada da política para o público. Auricélia Arapiuns reforçou o ponto do orçamento. “Essa questão do financiamento é muito importante, porque isso não é só responsabilidade do [Ministério dos Povos Indígenas] MPI e da Funai. É 50% indígena e 50% do governo. Não é só participação no comitê [gestor].”
O comitê gestor é responsável pela coordenação da execução da política e é integrado por representantes governamentais e representantes de organizações indígenas. Foi instituído em 2013 e sua última reunião ocorreu há seis anos, em 2018. Em 3 de julho de 2023 o comitê gestor da PNGATI foi reinstalado e em 25 de março deste ano ocorreu a instalação das seis câmaras técnicas permanentes. São elas:
- Câmara técnica de monitoramento e financiamento da PNGATI;
- Câmara técnica de Mudança do Clima, Serviços Ambientais e Sociobioeconomia;
- Câmara Técnica de Floresta, Biodiversidade, Restauração e Recuperação e Recuperação de Áreas Degradadas;
- Câmara Técnica de Gestão Integrada e/ou Compartilhada de Terras Indígenas e Unidades de Conservação;
- Câmara Técnica de Proteção Territorial e Combate ao Arrendamento e Ilícitos Socioambientais;
- Câmara Técnica de Formação Continuada.
"Essa política é uma das políticas mais importantes e inovadoras que nós temos, primeiro porque ela foi construída com a participação dos povos indígenas", afirmou Lucia Alberta, diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai. "Ela foi construída pra que os povos indígenas pudessem ter a gestão dos seus territórios. E existem várias formas de fazer a gestão desses territórios, a partir dos planos de gestão, os planos de vida, georreferenciamento, projetos que elaboram junto com os outros parceiros", completou.
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Lucia Alberta, diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai: PNGATI foi construída pra que os povos indígenas pudessem ter a gestão dos seus territórios|Lucas Landau/ISA
Ampliação e desafios da PNGATI
Bárbara Tupinikim, da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), fez um chamado para que a juventude indígena se inteire da política. “A gente tá retomando a PNGATI e ela vai continuar, porque não é só a gente fazer esse processo de retomada, a gente tem que acompanhar e seguir, e são muitas gerações que vão continuar acompanhando a PNGATI”.
A liderança da Apoinme também trouxe para o debate a questão da regeneração dos territórios, por conta do desmatamento e do garimpo. “Gosto de falar que a gente passou da época da sustentabilidade. Não existe mais essa fase da sustentabilidade, não tem como a gente sustentar mais nenhum hábito que a sociedade faz. Não tem como, a gente tem que regenerar”, enfatizou.
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Bárbara Tupinikim, da Apoinme, fez um chamado para que a juventude indígena se inteire da política da PNGATI|Lucas Landau/ISA
Jaime Siqueira, do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), comentou os três principais desafios que acredita que a PNGATI tenha. “O primeiro é continuar mantendo esse protagonismo e participação. Existem instrumentos para isso acontecer e um deles é o próprio comitê gestor e o Conselho Nacional de Política Indigenista [CNPI], e é importante ocupar esse espaço e fazer funcionar de verdade”.
“O outro desafio é manter uma politização da PNGATI, no sentido de que não é possível fazer gestão sem terra. A PNGATI não é um elemento para despolitizar as demandas dos territórios demarcados. O último desafio que acho que a PNGATI tem para se consolidar é o financiamento de apoio à implementação da política. A gente sabe que desde sempre quem tem colaborado para implementação da política nos territórios é a cooperação internacional, e o desafio é que a PNGATI seja implementada com recursos do governo. Depender menos dessa cooperação internacional”, finalizou.
Ceiça Pitaguary, Secretária da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, apontou que a política é formada por sete eixos, sendo eles:
Eixo 1 - Proteção territorial e dos recursos naturais;
Eixo 2 - Governança e participação indígena;
Eixo 3 - Áreas protegidas, Unidades de Conservação e Terras Indígenas;
Eixo 4 - Prevenção e recuperação de danos ambientais;
Eixo 5 - Uso sustentável de recursos naturais e iniciativas produtivas indígenas;
Eixo 6 - Propriedade intelectual e patrimônio genético;
Eixo 7 - Capacitação, formação, intercâmbio e educação ambiental.
“Agora existe uma reflexão: se a gente apresenta uma emenda aqui na tramitação da PNGATI ou se a gente faz consultas regionais até chegar a uma conferência para dar conta de um oitavo eixo, que nós não demos conta quando estávamos construindo, que é o eixo de mudanças climáticas. É um tema que está aqui posto na mesa, todos os governantes preocupados, mas é preciso que nós coloquemos também na PNGATI a importante contribuição que os povos indígenas e seus territórios dão para manter o equilíbrio ambiental”, reforçou Ceiça.
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Ceiça Pitaguary, Secretária da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, fala durante o ATL 2024 sobre a PNGATI|Lucas Landau/ISA
Representante do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Rodrigo de Lima Medeiros reconheceu a importância da política se tornar lei. “Que efetivamente a gente tenha mais recurso público para implementação da PNGATI, a gente tenha orçamento da União para implementação da PNGATI, que a gente tenha orçamento dos Estados e dos municípios para a implementação da PNGATI”, sinalizou.
“A questão da gestão territorial não é só conservação, não é só preservação da floresta ou da vegetação, é também bioeconomia, é o [Produto Interno Bruto] PIB que as Terras Indígenas produzem, é pensar na biodiversidade, nos serviços ambientais que prestam pro mundo, é pensar nas cadeias da sociobiodiversidade, é pensar na recuperação de áreas degradadas. Então há um portfólio de temas socioambientais que precisam ser efetivamente repensados dentro da PNGATI, eles precisam se tornar políticas públicas, que tanto o Estado, a União, tenha efetivamente um compromisso orçamentário com a PNGATI”.
Representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sineia Wapichana também participou da sessão na Câmara dos Deputados. Para ela, essa é uma pauta importante para todos os povos do Brasil, não só os da Amazônia. “Ela é importante para todos os biomas. Foi a única política que fez a consulta dos povos indígenas do Brasil. Apesar de ter algumas lacunas, foi uma política construída por nós!”, sublinhou.
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