No Congresso e nas ruas de Brasília, movimento indígena grita: não ao Marco Temporal!
Milhares de indígenas saíram em marcha do Acampamento Terra Livre (ATL) até o Congresso Nacional, onde sessão solene condenou ameaça aos direitos dos povos originários
Milhares de indígenas de diversos povos acampados no ATL 2024 marcharam até o Congresso Nacional exigindo a demarcação de seus territórios|Lucas Landau/ISA
“Hoje, aqui, é um momento de registrar mais um marco. São 20 anos de história. O acampamento Terra Livre [ATL] não é mais a maior mobilização indígena do Brasil. O Acampamento Terra Livre já se tornou a maior mobilização indígena do mundo! E eu tenho muito orgulho de estar aqui hoje falando como ministra indígena do Estado Brasileiro”.
Milhares de indígenas mobilizados no Acampamento caminham agora até o Congresso Nacional durante a “Marcha #EmergênciaIndígena: Nossos Direitos não se negociam”.@walela15, liderança e ativista climática, fala sobre as expectativas com o ato. pic.twitter.com/V4pzV58v6D
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, comemorou o aniversário de 20 anos do ATL durante sessão solene no Congresso, que reuniu, nesta terça-feira (23/4), centenas de lideranças indígenas e parlamentares aliados da causa indígena.
Homenagem aos 20 anos do Acampamento Terra Livre, na Câmara dos Deputados! Uma honra participar da Sessão Solene convocada pela deputada @celiaxakriaba, que reuniu mais de 500 indígenas, além de parlamentares que estão ao lado dos povos indígenas. pic.twitter.com/XzD4AG0bCX
A cerimônia, liderada pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), aconteceu logo após uma marcha, que saiu do acampamento, no Eixo Cultural Ibero-americano (Complexo Cultural Funarte), e terminou na sede do legislativo.
Dentro e fora do Congresso, o movimento indígena reforçou as principais demandas do acampamento, expressas na Carta Manifesto divulgada um dia antes: as demarcações de Terras Indígenas e o fim da tese do Marco Temporal e da agenda anti-indígena no Congresso.
Chegada ao Congresso Nacional: participantes do ATL 2024 de diversos territórios se uniram para repudiar a tese ruralista do Marco Temporal|Lucas Landau/ISA
“A tese do Marco Temporal não se sustenta em pé, mas mesmo assim segue sendo sustentada pelos interesses de quem não tem comprometimento algum que não seja com o próprio lucro às custas da destruição do planeta. O que estamos vivenciando é uma profunda guerra nos territórios”, denunciou a deputada Célia Xakriabá em coletiva de imprensa antes da sessão.
“Nunca mais um Brasil sem nós!”, demarcou em sua fala no plenário a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, que saudou os 20 anos do ATL e relembrou que, no primeiro acampamento em 2004, a primeira demanda que os povos indígenas trouxeram a Brasília foi também a demarcação das Terras Indígenas.
“Nós somos brasileiros e brasileiras, detentores de direitos sociais, cidadania. Mas, principalmente, que merecem respeito. Hoje, nós viemos dizer não à negociação de direitos. A prioridade é derrubar cada barreira que impede a demarcação de Terras Indígenas. Que a gente nunca esqueça o motivo de estar aqui”, afirmou.
Imagem
Imagem
Demarcação já! Indígenas e parlamentares presentes à sessão solene no Congresso Nacional que celebrou os 20 anos do ATL|Ester Cezar/ISA
Na parte da tarde, a plenária “Os desafios enfrentados pelos povos indígenas frente à aprovação da Lei do Marco Temporal” trouxe o posicionamento de integrantes do movimento indígena e de organizações indigenistas sobre a tese ruralista. Estiveram presentes também representantes do poder público.
Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib, comemorou a presença dos advogados indígenas no ATL, “que hoje estão dedicando suas trajetórias profissionais para a defesa e fortalecimento das organizações”. Ele ressaltou que o momento é delicado para a luta indígena: “temos que comemorar, mas eu acho que o Acampamento Terra Livre deste ano é pra gente repensar as nossas estratégias de luta”.
Imagem
Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib, disse em plenária que o ATL 2024 é o momento do movimento indígena "repensar as estratégias de luta"/Lucas Landau/ISA
Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal se tornou uma arena de disputa dos direitos indígenas. “O texto constitucional de 1988 está sendo descaracterizado, está sendo descaracterizado o direito originário dos povos indígenas”, afirmou.
Diego Bruno Martins, defensor regional de Direitos Humanos em Alagoas, reforçou em sua fala que o Marco Temporal é inconstitucional e prometeu estar lado a lado dos povos indígenas “para derrubar mais essa tentativa de enfraquecimento dos direitos dos povos indígenas".
A advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana de Paula Batista disse que existe uma crise entre o Judiciário e o Legislativo que vem sendo gestada e causada pela bancada ruralista. “Espero que não seja a pauta indígena a saciar a fome dos cupins [...] É um momento importante de união pra gente dizer que esses direitos são inegociáveis”, avaliou.
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Carta Manifesto cobra ações do governo federal durante o Acampamento Terra Livre
Apresentado no primeiro dia do evento, documento pede urgência nas demarcações de Terras Indígenas e combate à agenda anti-indígena no Congresso Nacional
Acampamento Terra Livre 2024 começou com dia de apresentações, plenárias e leitura de Carta Manifesto com demandas ao governo|Lucas Landau/ISA
Compromisso com a demarcação de Terras Indígenas, declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023 do Marco Temporal e combate à agenda anti-indígena no Congresso Nacional. Estas foram as principais demandas trazidas na carta “Vinte anos de Acampamento Terra Livre e a Urgência da Ação”, lida ao fim do primeiro dia (22/4) de atividades do Acampamento Terra Livre (ATL) 2024.
O documento é um registro histórico da leitura do movimento indígena em relação ao momento político do país e traz 25 demandas endereçadas aos Três Poderes, especialmente ao Executivo. “Já estamos no segundo ano de governo, e as suas promessas sobre demarcações continuam pendentes”, afirma a carta.
Povo Xucuru assiste à plenária de comemoração dos 20 anos de Acampamento Terra Livre, em Brasília|Ester Cezar/ISA
Além delas, o documento também exige a volta das declarações de Terras Indígenas, etapa anterior à portaria homologatória. A Declaração, uma atribuição do Ministério da Justiça, segue estacionada desde 2018. No atual governo, dois ministros já passaram pelo cargo: Flávio Dino, que deixou a função sem declarar nenhuma Terra Indígena; e Ricardo Lewandowski, que assumiu a pasta em fevereiro e mantém o saldo de seu antecessor.
Outro ponto da carta cobra que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue inconstitucional a Lei 14.701/2023. Aprovada em dezembro de 2023, ela ressuscita a tese do “marco temporal”, já derrubada anteriormente pelo STF; limita o usufruto exclusivo de Terras Indígenas aos povos indígenas; coloca entraves no processo de demarcação; entre outros retrocessos.
O manifesto também cobra um maior empenho do governo federal em combater a pauta anti-indígena que continua ganhando força no Congresso Nacional na forma de projetos de Lei e emendas constitucionais.
“Nós não estamos vendo essa mobilização, exceto do Ministério dos Povos Indígenas, que tem feito muitas vezes de forma isolada e, em alguns momentos, outros ministérios se somam. Mas quando nós cobramos, é o todo, são todos os ministros envolvidos, é a Casa Civil, é o presidente da república se colocar e, de fato, abraçar as causas indígenas e não ficar só na narrativa nas entrevistas ou dos momentos onde há visibilidade pública”, criticou Kretã Kaingang, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), durante a primeira coletiva de imprensa do ATL.
Imagem
Mulheres indígenas da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) se preparam para apresentação no ATL 2024|Yamony Yawalapiti
Neste ano, pela primeira vez na história da mobilização, a apresentação da carta foi feita logo na abertura do evento, com a expectativa de que as reivindicações do movimento indígena recebam respostas dos Três Poderes ainda esta semana, de acordo com Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib.
“Em retribuição às duas vindas dele [do presidente Lula] ao nosso acampamento nos últimos dois anos, neste ano nós decidimos nos receber no Planalto”, brincou Kleber. De acordo com ele, a marcha prevista para quinta-feira (25/04) deve levar o público do ATL à Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto, para fazer cobranças em relação à atuação do governo frente aos direitos dos povos indígenas, especialmente sobre a questão da demarcação.
Entre os pontos de maior destaque na carta, estão:
- STF julgar a inconstitucionalidade da Lei nº 14.701/2023;
- Homologação das Terras Indígenas Morro dos Cavalos, (SC); Toldo Imbu, em (SC), Xucuru Kariri, em (AL) e Potiguara de Monte-Mor, em (PB);
- Declaração pelo Ministério da Justiça de 23 Terras Indígenas;
- Homologação de todas as Terras Indígenas que ainda não tiveram seu processo finalizado;
- Combate à agenda anti-indígena no Congresso Nacional.
Primeiro dia de ATL
Além da divulgação da carta-manifesto com as principais reivindicações do movimento indígena nacional, o primeiro dia de ATL foi marcado pela recepção às diversas delegações de povos indígenas de todo o Brasil e por plenárias e rodas de conversa promovidas pela Apib e suas organizações de base
Veja como foi a apresentação das delegações na tenda principal do ATL:
Kleber Karipuna trouxe o histórico da maior mobilização dos povos indígenas do Brasil durante a mesa "ATL 20 Anos: ferramentas da luta política do Movimento Indígena", que contou com outras lideranças da Apib.
Imagem
Linha do tempo montada no acampamento em Brasília registra momentos importantes dos 20 anos de ATL|Lucas Landau/ISA
Para ele, ao longo desses 20 anos, a luta dos povos e do movimento indígena demonstra quais têm sido os caminhos da resistência indígena desde a invasão europeia. "Mesmo com altos e baixos, a gente iniciou um acampamento há 20 anos atrás com 200 pessoas e hoje temos quase oito mil", comemorou.
Dinaman Tuxá, coordenador-executivo da Apib, fez um balanço da conjuntura: " Nós vivenciamos um momento tenebroso. Todos nós aqui, todos os povos indígenas, outros movimentos sociais também. E nesses 20 anos nós estamos aqui, fazendo esse marco histórico que se inicia em 2004 e que não vai acabar em 2024. Nós reforçamos essa data para ficar cada vez mais marcado que propostas e demandas realizadas há 20 anos atrás ainda não foram cumpridas".
Juliana Kerexu Guarani, coordenadora-executiva da Apib, finalizou o painel que comemorou os 20 anos do ATL demarcando a presença indígena em Brasília. “Esse território tem dono, esse território tem dona. Nesta capital, em que muitas e muitas vezes tentaram nos matar, mas não conseguiram, estamos aqui mais uma vez”.
Crise no Vale do Javari
Em atividade na tenda da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) aconteceu uma roda de conversa entre lideranças do Vale do Javari (AM) – território indígena do país com maior registro de grupos em isolamento voluntário, segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) – e jornalistas e indigenistas.
Imagem
Indígenas do Vale do Javari, território indígena do país com maior registro de grupos em isolamento voluntário, presentes no ATL 2024|Lucas Landau/ISA
Falaram na atividade Beto Marubo, do povo Marubo, e Waki Mayoruna, do povo Mayoruna, e jornalistas que cobrem a pauta indígena – Rubens Valente, Sonia Bridi e Miriam Leitão – e o sertanista Sydney Possuelo, que há quatro décadas se dedica à proteção dos povos indígenas isolados.
Bruno Pereira, indigenista assassinado em junho de 2022 junto com o jornalista inglês Dom Phillips, foi recordado por todos os presentes, sobretudo pelo esforço que o servidor licenciado da Funai empreendia para fomentar alternativas econômicas aos beiradeiros da região – no sentido de conter as invasões frequentes aos territórios indígenas por pescadores e caçadores.
“As coisas não estão fáceis. Quando a gente quer fiscalizar nossa terra, nós mesmos fazemos. A polícia não prende, qual o papel da polícia ali? O Estado deveria se responsabilizar por isso e hoje não tem ninguém da Funai”, lamentou Waki Mayoruna. Segundo ele, caçadores estão retirando grandes quantidades de tracajás para venda e prejudicando o sustento das populações indígenas.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
ATL 2024: maior mobilização indígena do País completa 20 anos de resistência
Acampamento, que acontece de 22 a 26 de abril, em Brasília, tem como pauta central o direito à terra
Indígenas protestam em Brasília durante o ATL 2023. Um ano depois, a maior mobilização indígena do País completa 20 anos|Valter Campanato/Agência Brasil
De 22 a 26 de abril, povos indígenas de todas as regiões vão ocupar Brasília (DF) nos 20 anos do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do país, coordenada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
No centro das discussões, está a defesa do direito à terra, expressa na exigência por demarcações e pelo fim da tese anti-indígena do Marco Temporal.
Há quatro dias, o governo federal anunciou a demarcação de duas Terras Indígenas – Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT). No entanto, apesar das comemorações, o número de demarcações abaixo do esperado - outras quatro eram esperadas, de um total de 251 Terras Indígenas com processos ainda pendentes - gerou frustração no movimento indígena e indigenista. Em abril de 2023, no ATL, o presidente Lula anunciou a demarcação de seis áreas e chegou a prometer acabar com as pendências de reconhecimento desses territórios.
Imagem
Presidente Lula assina demarcação de seis Terras Indígenas no ATL 2023. Somente outras 2 foram demarcadas desde então|Marcelo Camargo/Agência Brasil
No ritmo atual, seriam necessários mais de 30 anos para concluir os processos. A demarcação das Terras Indígenas é fundamental para garantir a proteção dos povos e de seus territórios, e para conter o desmatamento e as mudanças climáticas.
A bancada ruralista pressiona para que não aconteçam mais demarcações. Um dos instrumentos usados para barrar o direito indígena à terra é a tese do Marco Temporal, derrubada no Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2023, mas que, pouco depois, tornou-se lei, após votação no Senado.
Em janeiro, o Instituto Socioambiental (ISA) entrou com um pedido de amicus curiae (amigo da corte, figura jurídica que apresenta informações e subsídios para o julgamento) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que contesta o Marco Temporal. No processo, o ISA sustenta que, além das inconstitucionalidades formais e materiais, a lei põe em risco as Terras e Reservas Indígenas.
O julgamento da tese do Marco temporal no STF teve como base um processo judicial envolvendo o povo Xokleng, vítima da violência estatal desde o século XIX, na busca pela demarcação da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ (SC).
Ao permitir que a demarcação das Terras Indígenas seja contestada em todas as fases do processo, inviabilizando sua conclusão, e autorizar a instalação de empreendimentos predatórios sem consulta livre, prévia e informada às comunidades, a lei ameaça os direitos indígenas em todo o país.
Neste ATL, a luta política que percorre as ruas de Brasília também vai ocupar as telas na forma de uma grande serpente, pintada em jenipapo e urucum. Na identidade visual da mobilização, a “Cobra do tempo”, ilustração produzida com o apoio do artista indígena Denilson Baniwa, do Alto Rio Negro (AM), conecta representações de uma resistência ancestral, que atravessou e sobreviveu a conjunturas políticas e governos diversos.
Comunicadores indígenas devem comparecer em peso ao ATL para a cobertura colaborativa de suas associações e organizações. É o caso dos comunicadores da Rede Xingu+ e da Rede Wayuri, do Rio Negro.
Anita Juruna, comunicadora da Rede Xingu+, da Terra Indígena Paquiçamba, no Pará, diz que a “expectativa é ganhar respeito, é ganhar reconhecimento, é que as pessoas não indígenas, principalmente, vejam que estamos aqui há mais de 500 anos, que estamos aqui resistindo e lutando e vamos continuar nessa luta”.
Imagem
Anita Juruna, da Terra Indígena Paquiçamba, no Pará, é também comunicadora da Rede Xingu+|Lucas Landau/ISA
As histórias e memórias da resistência indígena no ATL serão transmitidas pela Rede Wayuri nas vozes de José Paulo, do povo Piratapuya, Juliana Albuquerque, do povo Baré, e João Arimar, do povo Tariano.
“Será um evento muito importante, onde terá muitas reivindicações, várias lutas… são 20 anos de luta! E por dentro de toda a história, vamos buscar nomes de pessoas que ainda existem e resistem nessa luta. Então, a minha expectativa está a mil para chegar lá e fazer essa colaboração na área da comunicação. É a primeira vez que eu estou indo, estou muito ansioso para conhecer de perto esse grande movimento, em que vamos estar fazendo uma transmissão ao vivo da nossa rádio online”, compartilha José Paulo.
A programação completa para os para os próximos dias está disponível no site da APIB e no instagram da @coiabamazonia. Confira alguns destaques:
Plenárias do ATL
Imagem
Plenária sobre a PNGATI e Retomada do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas no ATL de 2023|Priscila Ramos/ISA
Distribuídas em cinco dias de atividades, as plenárias do ATL 2024 abordarão algumas temáticas como saúde mental, emergência climática, educação escolar indígena, comunicação indígena e políticas afirmativas.
Na sexta-feira (26/04), a plenária do ATL também dará lugar à discussão sobre a reparação histórica e não repetição dos crimes cometidos pela ditadura militar contra os povos indígenas.
Exibição do Filme “Amazônia, a nova Minamata?”
Documentário acompanha a luta do povo Munduruku para conter o avanço do garimpo ilegal em seu território ancestral, enquanto revela como a doença de Minamata, decorrente da contaminação por mercúrio, ameaça os habitantes da Amazônia. Exibição acontece na segunda-feira (22/04), às 20h, na tenda da Coiab.
Mapeamento das Organizações de Mulheres Indígenas no Brasil
Parceria entre o ISA e a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), a checagem e validação coletiva dos dados referentes à 2ª edição do Mapa das Organizações de Mulheres Indígenas no Brasil acontece na terça-feira (23/4), às 16h, na tenda da Anmiga.
A ação visa dar continuidade à primeira edição do Mapa, de 2020, que registrou 92 organizações de mulheres indígenas em 21 Estados brasileiros.
Marchas do ATL
Previstas para terça-feira (23/04) às 9h e quinta-feira (25/04) às 15h, respectivamente, as marchas “#EmergênciaIndígena: Nossos Direitos não se negociam” e “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui!” conduzirão milhares de pessoas pelas ruas de Brasília (DF), entre indígenas, membros de organizações do terceiro setor e apoiadores da causa socioambiental.
Ato em homenagem a Nega Pataxó
Em janeiro, a pajé Nega Pataxó, do povo Pataxó Hã-Hã-Hã, foi assassinada durante um conflito com a polícia militar e fazendeiros do grupo autointitulado “invasão zero”, na retomada do território Caramuru, em Potiraguá (BA).
A liderança foi mais uma das inúmeras vítimas da violência contra os povos indígenas, que tende a se intensificar com a aprovação do PL do Marco Temporal. Por isso, a homenagem a Nega Pataxó é também um ato de resistência e defesa do futuro dos povos originários.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Funai, Foirn e ISA celebram Acordo de Cooperação para fortalecimento de ações no Rio Negro
Iniciativa prevê integração entre poder público e sociedade civil para promover avanços na defesa de direitos e territórios indígenas da região
Com o objetivo de somar esforços para ações de fortalecimentos dos povos indígenas e proteção dos territórios na região do Rio Negro (AM), foi assinado em Brasília, na segunda-feira (15/04), Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e o Instituto Socioambiental (ISA).
“Este acordo de cooperação visa à implementação de uma série de atividades e ações que estão propostas para essa região do Rio Negro”, explicou Joenia Wapichana, presidente da Funai. Ela ressaltou que o instrumento deve servir para somar esforços no fortalecimento dos direitos dos povos indígenas e as políticas públicas previstas para a região do Rio Negro, no Estado do Amazonas.
Imagem
Da esquerda para a direita: a secretária executiva do ISA, Adriana Ramos, o diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, povo Baré, e a presidente da Funai, Joenia Wapichana|José Rui Gavião/Funai
O Acordo de Cooperação Técnica tem por objeto a atuação conjunta entre a Funai, Foirn e ISA com as organizações indígenas locais para a implementação de ações de gestão territorial, sustentabilidade e governança, conforme a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
O diretor-presidente da Foirn Marivelton Barroso, do povo Baré, afirmou que o acordo promove a integração de agenda e pautas de gestão ambiental e territorial, com cada agente atuando em sua área de responsabilidade.
“Este momento traz a retomada dos Acordos de Cooperação Técnica da sociedade civil, organizações indígenas e indigenistas, que trabalham em determinados territórios. Temos ações voltadas às Terras Indígenas, que são de responsabilidade da Funai, órgão indigenista do país, que se soma à representatividade da Foirn e à agenda socioambiental que inclui o ISA como parceiro estratégico nesta região”, disse.
Fundada em 1987, a Foirn representa 23 povos indígenas, 93 organizações de base, sete Terras Indígenas já reconhecidas oficialmente pelo Governo Federal e três ainda no processo de regularização fundiária.
A sede da instituição fica em São Gabriel da Cachoeira, terceiro município mais indígena do país, localizado na região do Rio Negro, em uma das áreas mais preservadas do país.
Para a secretária executiva do ISA, Adriana Ramos, o acordo é um marco para o avanço das políticas e defesa dos direitos indígenas. “É uma alegria para o ISA firmar esse acordo de cooperação. São décadas trabalhando na região do Rio Negro em parceria com a Foirn. E poder contar com uma articulação que envolve a Funai, com esse compromisso de fazer avançar as políticas de defesa dos direitos indígenas na região, é extremamente satisfatório. Temos aqui um marco de como a sociedade civil pode contribuir com o Estado e com os povos indígenas para a garantia dos direitos”, comemorou.
Também esteve presente pelo ISA a advogada do Programa Rio Negro, Renata Vieira.
Imagem
Assinatura do Acordo de Cooperação Técnica aconteceu no mês dos Povos Indígenas, na sede da Funai, em Brasília|José Rui Gavião/Funai
O ISA atua na região por meio do Programa Rio Negro (PRN) e tem sede em São Gabriel da Cachoeira, mantendo equipes atuando em áreas como pesquisas inteculturais, economia da sociobiodiversidade, assessoria jurídica, comunicação, fortalecimento da gestão territorial e de associações.
Além de Marivelton Baré, representaram a Foirn o diretor Dario Baniwa, Carlos Nery, diretor da Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro (Caimbrn), o coordenador da Caimbrn eleito, Marcos Zeidam e a advogada Mayte Ambrósio.
Também estiveram presentes pela Funai a coordenadora da Funai - Coordenação Regional Rio Negro, Maria do Rosário Piloto, Dadá Baniwa; as diretoras de Proteção Territorial, Janete Carvalho; de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, Lucia Alberta; e de Administração e Gestão, Mislene Metchacuna; o coordenador-geral de Gestão Estratégica da Funai, Artur Nobre e a procuradora federal especializada junto à Funai, Carolina Augusta. O chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Tacius Fernandes, representou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
"Uma Enciclopédia nos Trópicos" navega pelas memórias do socioambientalismo no Brasil
Livro traz histórias e bastidores de momentos marcantes da trajetória do antropólogo Beto Ricardo, um dos fundadores do Instituto Socioambiental (ISA)
A importância da obra e do legado de Carlos Alberto (Beto) Ricardo, um dos fundadores do Instituto Socioambiental (ISA), tem raízes diretas em uma ação pioneira do antropólogo no começo dos anos 1980, quando decidiu questionar – de forma científica – uma falsa verdade propagada pela ditadura cívico-militar brasileira.
Além de ter provocado um genocídio de indígenas, com mais de 8 mil mortes decorrentes da repressão, segundo dados de 2014 da Comissão Nacional da Verdade, a ditadura afirmava que havia um “vazio demográfico” na Amazônia para tomar terras e expulsar populações. O objetivo era ampliar a fronteira agrícola e a exploração mineral e de energia – eixos centrais do Plano de Integração Nacional dos militares.
Para confrontar a política ditatorial, Beto e um grupo de amigos-pesquisadores desenvolveram um sistema próprio e recensearam a população indígena da região. Ficou comprovado, por meio dos dados, que ela não estava desaparecendo. Muito pelo contrário: os povos indígenas estavam vivos e só aumentavam.
Com isso, seus direitos não poderiam mais ser definidos como os de uma categoria social transitória, fadada ao desaparecimento, mas sim como sujeitos de direitos permanentes. O levantamento liderado por Beto contribuiu para uma mudança de paradigma profunda na sociedade brasileira, que culmina mais adiante com a inclusão do Capítulo do Índio na Constituição Federal de 1988.
Em uma narrativa bem humorada e envolvente, Beto Ricardo relembra este e outros marcos históricos de sua atuação, do ISA e do movimento socioambiental brasileiro na obra “Uma Enciclopédia nos Trópicos”, escrita por Ricardo Arnt em parceria com Beto.
Editado pela Zahar, selo do Grupo Cia das Letras, o livro traz prefácio do escritor e ativista indígena Ailton Krenak e posfácio do jornalista Leão Serva e está dividido em 18 capítulos, que versam sobre o período entre 1970 e 2022.
Imagem
Vigília no auditório do PMDB pelo respeito aos direitos indígenas na nova Constituição|Beto Ricardo/ISA/1988
Imagem
Deputado Virgildáio de Senna abre mapa gerado pelo Cedi sobre requerimentos de pesquisa de mineração em Terras Indígenas|André Dusek/Agil/1988
Um dos momentos mais marcantes contados na obra é protagonizado por Ailton Krenak, amigo de longa data de Beto. O gesto no Congresso Nacional, em que pintou o rosto enquanto discursava, ganhou as manchetes mundiais e contribuiu para pressionar pela garantia da inclusão dos direitos dos povos indígenas na Constituição de 1988.
“O Ailton queria subir na tribuna e pintar o rosto em protesto contra a supressão dos direitos indígenas. Para tanto, capturou minha gravata de crochê e um paletó branco do Márcio (Santilli), que contrastava com a pintura do rosto. Na falta de jenipapo ou urucum, conseguiu tintura de cílios e sobrancelhas com as secretárias parlamentares e acondicionou-a num potinho aberto no bolso do paletó, sem derramar. Foi um show. A cena da cara pintada de preto, diante da nação, foi captada por jornalistas e cinegrafistas e correu o mundo, denunciando o desrespeito aos direitos dos índios. O paletó, infelizmente, dançou. Ficou todo manchado de preto.”
Figura importante no acompanhamento da instalação de redes de radiofonia entre os povos da Amazônia e outras atividades no Alto e Médio Rio Negro, Beto Ricardo trabalhou junto de figuras renomadas como Darcy Ribeiro, Eduardo Viveiros de Castro, Davi Kopenawa, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Marina Silva, Milton Nascimento e Gilberto Gil.
Imagem
Beto Ricardo, coordenador do Programa Rio Negro, e equipe de demarcação na comunidade Camanaus (AM)|Pedro Martinelli/ISA/1997
Imagem
André Baniwa mostra documentos sobre a demarcação de Terras Indígenas|Pedro Martinelli/ISA/1987
“Companheiro de tantas lutas, muitas vitórias e algumas perdas, Beto Ricardo marcou minha vida com seu exemplo de coragem e determinação no caminho de militância que escolheu para si. É gente feita da matéria rara que formou o campo indigenista imaginado por figuras como Darcy e Berta Ribeiro”, diz Ailton Krenak no prefácio da obra.
“Uma Enciclopédia nos Trópicos” também conta a história do surgimento e fundação do ISA. Ao discorrer sobre o processo de definição do nome da organização, nascida em 1994, Beto Ricardo traduz a essência da luta encampada em sua juventude e que segue orientado o trabalho de umas das maiores organizações socioambientais no Brasil.
“Discutimos muito a grafia do nome, com ou sem hífen, dado que a gramática anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (...) mandava empregar “sócio-ambiental”. Venceu o voluntarismo de subverter a gramática pela disposição de escrever “socioambiental” junto. Nossa licença poética foi abolir o hífen; queríamos a síntese, não a justaposição.”
No último capítulo, intitulado “O céu que nos protege”, o indigenista alerta sobre os efeitos da crise climática para a sociedade brasileira, cenário marcado pela urgência do protagonismo dos povos tradicionais e da valorização da sociobiodiversidade para a manutenção da vida como conhecemos.
“Se um dia a Amazônia sucumbir à devastação e os conhecimentos dos xamãs desaparecerem, o céu cairá sobre o povo da mercadoria. O teto já está estalando.”
Imagem
O Rio Negro a serra do Curicuriari, conhecida como "Bela Adormecida", cartão postal de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas|Beto Ricardo/ISA/1996
Sobre os autores
CARLOS ALBERTO (“BETO”) RICARDO é antropólogo e ativista desde a resistência à ditadura militar no Brasil. Foi um dos fundadores do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), criou e editou a série Povos Indígenas no Brasil junto com Fany Ricardo, recebeu o prêmio Goldman de Meio Ambiente de 1992 e fundou diversas organizações, como o Instituto Socioambiental (ISA), o Instituto Atá e a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg).
RICARDO ARNT é jornalista e escritor. Foi editor da Folha de S. Paulo, do Jornal do Brasil, do Jornal Nacional da TV Globo, da TV Bandeirantes e das revistas Exame, Superinteressante e Planeta. É autor de vários livros, entre os quais O que é política nuclear (1983); Um artifício orgânico: Transição na Amazônia e ambientalismo (1992); Jânio Quadros: O Prometeu de Vila Maria (2004); e O que os economistas pensam sobre sustentabilidade (2010).
Kaue Ferreira, do ISA, com a camiseta da Pimenta do Rio Negro|Claudio Tavares/ISA
Imagem
Clara de Assis, do ISA, com a camiseta do Babaçu do Xingu|Claudio Tavares/ISA
Imagem
Patrícia Ribeiro, da Rede Xingu+, com a camiseta de Muvuca de Sementes|Claudio Tavares/ISA
Imagem
Veronice Cardoso, do ISA, com a camiseta da Roça Quilombola|Claudio Tavares/ISA
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma”, lançadas pelo Instituto Socioambiental (ISA) como parte da celebração dos 30 anos da organização, apresenta exemplos da biodiversidade que são fruto dos saberes e modos de vida de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. As ilustrações são de Catarina Bessell.
Estudo publicado pelo ISA mostrou que esses povos e suas economias são responsáveis, juntos, pela proteção de um terço das florestas no Brasil. O impacto positivo é fundamental para nossos tempos: mitigar os efeitos da emergência climática.
Dar visibilidade aos conhecimentos e culturas dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais fortalece seus modos de vida e sua conexão com os territórios.
Essas culturas são patrimônios vivos da cultura brasileira e a relação com a natureza garantiu, continua garantindo e vai garantir a conservação de florestas, rios, mares e os diferentes biomas do país.
Com isso, as associações se fortalecem nos processos de organização e comercialização dos produtos, e se tornam agentes de articulação de suas culturas e da defesa de seus direitos.
Imagem
Patrícia Ribeiro, da Rede Xingu+, com a camiseta do Pequi do Xingu|Claudio Tavares/ISA
Imagem
Kaue Ferreira, do ISA, com a camiseta da Roça Quilombola|Claudio Tavares/ISA
Imagem
Francisco de Sousa, do ISA, com a camiseta do Babaçu do Xingu|Claudio Tavares/ISA
Imagem
Clara de Assis, do ISA, com a camiseta da Pimenta do Rio Negro|Claudio Tavares/ISA
Para quem compra, cada camiseta traz os saberes de povos e comunidades, bem como suas lutas e resistência para manter suas culturas e territórios, fundamentais para a regulação do clima.
Com as economias da sociobiodiversidade, o futuro pode ser outro. Vista essa camisa!
Camiseta Pequi do Xingu
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta o Pequi do Xingu, fruto que simboliza a economia do cuidado com as florestas do povo Kisêdjê, em Mato Grosso. A iniciativa de produção de óleo a partir do pequi do Xingu recebeu o Prêmio Equatorial, da ONU, em 2019.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta a Muvuca de Sementes, técnica que mistura saberes e sementes para o processo de restauração florestal. As sementes são coletadas por povos e comunidades tradicionais para, em seguida, serem semeadas em áreas degradadas e beiras de rio e gerar as florestas do futuro.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta o Babaçu do Xingu, fruto que movimenta as organizações indígenas e ribeirinhas da região da Terra do Meio, em Altamira, no Pará. A farinha do coco babaçu, produzida a partir de sua entrecasca, é rica em nutrientes e tem começado a fazer parte da merenda escolar na região.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta a Roça Quilombola, parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, reconhecido pelo Iphan como patrimônio cultural imaterial do Brasil. A roça quilombola é símbolo da diversidade agrícola das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, no sudeste de São Paulo, retratada no filme “Do Quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra”.
A série de camisetas “Alimento para corpo e alma” apresenta as Pimentas do Rio Negro, um dos símbolos da diversidade agrícola dos povos indígenas da região, no noroeste do Amazonas. São ao menos 78 variedades de pimentas, que desidratadas e piladas com sal produzem a jiquitaia.
Clara de Assis Andrade, assessora da secretaria executiva do ISA Francisco Cleunilton Moreira de Souza, técnico em administração da loja Floresta no Centro, do ISA Kauê Fillip Ferreira Silva, assistente administrativo do ISA Patrícia Ribeiro Castanha, assistente administrativa da Rede Xingu+ Veronice Cardoso Matos, assistente administrativa da loja Floresta no Centro, do ISA
Fotografia: Claudio Tavares, documentalista do ISA
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Anistiados políticos, povos Guarani Kaiowá e Krenak seguem à espera da demarcação de suas terras
Indígenas querem que medidas garantam o direito às Terras Indígenas Krenak de Sete Salões (MG) e Guyraroká (MS)
“Um povo foi expulso do território. Um povo foi aprisionado, feito de cobaia como macabro experimento da ditadura. Atacaram nossa cultura em seu íntimo que é a nossa língua. Proibiram nossos ancestrais de se comunicarem, de realizarem rituais, de dançarem e de festejarem conforme a nossa tradição”. Assim, Geovani Krenak rememorou as intensas violências cometidas contra seu povo no período da ditadura.
O depoimento de Geovani Krenak ocorreu durante a sessão da Comissão de Anistia no dia 2 de abril, que reconheceu e pediu perdão pelas graves violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro contra o povo Guarani Kaiowá da Terra Indígena Guyraroká e o povo Krenak, vítimas de perseguição, tortura, trabalho forçado, prisões e deslocamentos compulsórios.
Imagem
Presidenta da Comissão, Enéa de Stutz e Almeida, pede desculpas de joelhos à liderança e matriarca do povo Krenak, Djanira Krenak|Frame/MDHC/Youtube
A Comissão de Anistia foi criada em 2002. Vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, tem o objetivo de reconhecer e reparar os danos causados pela ditadura militar. Desde sua fundação, esta foi a primeira vez que foram admitidos pedidos de reparação coletiva, graças a uma mudança regimental de 2023. As ações, propostas pelo Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, haviam sido indeferidas pelo governo Bolsonaro.
Agora esses dois povos indígenas adquiriram o status de anistiados políticos e, entre outras recomendações da Comissão, viram a demarcação de suas terras ser reconhecida como uma forma efetiva de reparação.
Krenak
Dentre as violações aos direitos humanos do povo Krenak durante a ditadura estão a criação da Guarda Rural Indígena (Grin) e o Reformatório Krenak, criado dentro do território indígena para operar como um campo de concentração, submetendo ao menos 94 indígenas de 23 povos a todo tipo de violações, arbitrariedades e torturas, como a prisão no “cubículo”, uma espécie de solitária onde eram mantidos com água escorrendo do encanamento dia e noite.
Depois da extinção do Reformatório, em 1972, o povo foi retirado à força de sua terra – que tinha sido demarcada oficialmente desde 1920 – e levado para a fazenda Guarani, no município de Carmésia (MG), onde também funcionava um local de detenção indígena. A expulsão dos Krenak pelo Estado tinha o objetivo de disponibilizar a Terra Indígena Krenak para a instalação de empreendimentos econômicos e para doação a fazendeiros.
Guarani Kaiowá
No caso da TI Guyraroká, o Estado removeu as famílias guarani kaiowá de seu território como parte de uma política de colonização, que exterminou e desagregou comunidades inteiras com a introdução de doenças e com violência física, exercida pelos fazendeiros com a conivência do Estado, além de violências simbólicas com o objetivo de promover apagamento étnico, expondo os indígenas às mais diversas formas de preconceito e exploração, desconhecendo e desrespeitando seus modos de existência.
A partir da década de 1940 até ao fim década de 1980, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), e depois a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) trabalharam sistematicamente para expulsar, remover e confinar os indígenas Guarani Kaiowa das vastas áreas que tradicionalmente ocupavam para pequenas reservas determinadas pelo governo. As terras, antes habitadas por eles, foram vendidas e alienadas como propriedades privadas para fazendeiros e colonos, cuja posse foi legitimada por títulos de propriedade emitidos pelo próprio Estado.
A expulsão violenta dos indígenas de seus territórios impossibilitou a continuidade de suas atividades econômicas, principalmente agrícolas, culturais e espirituais. Hoje, os indígenas de Guyraroká vivem à espera da demarcação de suas terras.
“Se um prédio de Copacabana fosse desocupado e as pessoas colocadas num caminhão de gado e levadas a 400 km dali, nós teríamos filmes, nós teríamos memoriais, toda uma série de lembranças para que um fato tão terrível como esse nunca mais ocorresse na nossa sociedade. Nós fizemos isso sistematicamente com os povos [indígenas] aqui e nada, nem do ponto de vista jurídico, foi considerado importante”, afirmou o procurador Marco Antonio Delfino de Almeida, responsável pelo pedido de anistia ao povo Guarani Kaiowá.
O procurador ressaltou a importância de que o Estado avance na implementação da Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV). “Essas remoções forçadas são uma demonstração desse racismo estrutural que nós até hoje temos em relação às populações indígenas, então uma comissão indígena da verdade tem o papel de fazer com que essas memórias mais dolorosas tenham o devido endereçamento e a devida reparação”.
O julgamento aconteceu um dia após o marco de 60 anos do golpe cívico-militar e dez anos após o lançamento do Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que revelou crimes brutais e o assassinato de ao menos 8.350 indígenas pela ditadura.
“De 1979 até 2014, esta foi a primeira vez que o Estado Brasileiro criou um documento que reconhece a perseguição e morte em relação aos povos indígenas”, diz Maíra Pankararu, advogada e conselheira da Comissão responsável pelo caso de Guyraroká. Ainda que o capítulo temático sobre indígenas na CNV tenha sido um marco, Maíra afirma que o Estado brasileiro levou muito tempo para reconhecer e incluir os povos indígenas na chamada Justiça de Transição.
Recomendações à União e seus órgãos em relação ao povo Krenak
- Demarcação da Terra Indígena Sete Salões, território dos Krenak;
- Criação de programas de assistência psicológica continuada;
- Iniciativas voltadas à cultura e o incentivo das práticas tradicionais no território;
- Criação de um Grupo de Trabalho para discussão e formulação de proposta de lei que inclua os povos indígenas como destinatários de reparações econômicas, sociais e culturais;
- Implementação de um Centro de Memória para que não sejam esquecidas as violações aos direitos dos povos indígenas no país e no Estado de Minas Gerais.
Recomendações à União e seus órgãos em relação ao povo Guarani Kaiowá
- Assistência médica semanal, por equipes multidisciplinares de saúde indígena;
- Efetivação de estudo epidemiológico para verificação de agravos à saúde em decorrência à exposição de resíduos agrotóxicos;
- Assistência médica na área de saúde mental, especialmente para redução de traumas decorrentes dos processos de remoção forçada;
- Construção de posto de saúde, com disponibilização de remédios pelo Sistema Único de Saúde (SUS);
- Reconhecimento das Terras Indígenas;
- Acesso à energia elétrica;
- Construção de casas comunitárias, tendo em vista que a maioria vive em barracas de lona; áreas de lazer e de estudo, entre outros.
“Queremos é apenas ter direito ao nosso território sagrado”
“Por que esses homens ficam vigiando a gente? Por que não pode falar a língua? Por que não pode dançar e cantar?”. Era por meio desses questionamentos que Dona Djanira, liderança krenak, tentava compreender o confinamento do seu povo a partir da criação do Reformatório Krenak em seu território.
Vivendo atualmente à espera da demarcação da Terra Indígena Krenak de Sete Salões, foi a reza de Dona Djanira que deu início ao julgamento que trouxe a anistia política para o povo Krenak. Na sessão, ela narrou as diversas violações de direitos humanos que testemunhou ao longo de sua vida. "Nosso povo sofreu muito, muito. Até hoje nós sofremos”, lamentou.
Geovani Krenak, liderança vereador na cidade de Resplendor (MG), cresceu ouvindo na voz de anciões como seu avô as histórias do período definido por ele como de muito sofrimento. Geovani conta que o dito reformatório era na realidade uma experimentação criada pelos militares, onde se aprisionavam indígenas de diferentes povos de forma arbitrária e ilegal. “Esses mesmos parentes, deslocados dos seus territórios sagrados, foram também disciplinados e empregados no trabalho forçado na Guarda Rural Indígena (Grin), onde se treinavam indígenas para funcionar como repressores e carrasco dos próprios indígenas”, complementou.
Imagem
Fac-símile de matéria do Jornal do Brasil (1972) sobre descoberta da Guarda Rural Indígena (Grin), disponível no acervo do ISA
Foram justamente imagens da formatura da Grin, a milícia criada pelos militares e integrada por indígenas de diversos povos, que comprovaram o ensino de tortura na ditadura.
O registro captado em 1970 pelo indigenista Jesco Von Puttkamer foi encontrado em 2012 por Rodrigo Piquet, do Museu do Índio e transformado em um premiado curta-metragem. Outro documentário, dos cineastas indígenas Isael e Suely Maxakali, também recuperou o histórico da Grin e as entrevistas subsidiaram as investigações do MPF.
Antes das imagens recuperadas, foram relatos como os de Dona Djanira que ajudaram a preencher as lacunas deixadas pelas violências cometidas contra os povos indígenas durante a ditadura.
No período, Djanira recorda que nem mesmo as crianças eram poupadas, como no caso em que um garoto de apenas 9 anos decidiu ir pescar sem a permissão dos militares.
“A polícia foi lá, achou o menino e levou ele preso. Amarraram ele no cavalo e o cavalo foi atrás. Mas a gente não podia fazer nada. Se a gente socorresse a criança, iam prender a gente”, denunciou.
Em 1972, com o fim do Reformatório, os Krenak foram novamente expulsos de seu território e levados à Fazenda Guarani, no município de Carmésia (MG).
“O povo Krenak foi vítima da ganância dos tiranos e dos coronéis que dominavam os poderes regionais e locais, expulsando nosso povo para um segundo exílio. Fomos levados à força em paus de arara para a fazenda Guarani em Carmésia.
Ali, território longínquo, frio e distante do nosso rio Watu, nossos parentes foram novamente aprisionados, torturados e feitos de trabalhadores amplamente explorados”, rememorou Geovani.
As repetidas violências contra o povo Krenak foram reunidas e levadas ao Tribunal Russel II, em 1974. Sediado em Roma, o Tribunal tinha o objetivo de analisar e congregar as denúncias sobre os crimes ocorridos nas ditaduras instauradas na América Latina.
Imagem
Fac-símile de reportagem do Jornal de Brasília (1981), sobre a remoção forçada dos Krenak de sua terra, disponível no acervo do ISA
Os depoimentos dos Krenak e de outros povos levados ao tribunal foram sistematizados em um relatório, que se tornou uma peça essencial tanto para a construção do capítulo sobre povos indígenas da CNV, quanto para fortalecer os pedidos de anistia.
“Os indícios levantados relacionam esse reformatório aos centros de tortura, e portanto, as investigações deverão ser aprofundadas pelo Estado brasileiro”, apontou texto da CNV sobre o relatório.
O procurador da República Edmundo Antonio Dias Netto Jr., do MPF em Minas Gerais, foi o responsável por levar a demanda dos Krenak à Comissão, mas explica que a anistia política é apenas uma das três ações movidas pelo órgão pela reparação das graves violações de direitos desse povo.
Além dela, foram propostas uma ação civil pública em face da União e uma ação penal por genocídio contra Manoel dos Santos Pinheiro, o chamado Capitão Pinheiro – denunciado pelas violações de direitos humanos ocorridas no Reformatório Krenak, na Guarda Rural Indígena e na transferência forçada de indígenas para a Fazenda Guarani.
“Hoje se espera que possa haver também uma atuação preventiva como essa para que esses casos não voltem a acontecer. Essas ações têm um significado, cumprem uma função nesse sentido e tração, para que a gente possa superar esse passado de autoritarismo”, avalia o Procurador.
O fim da ditadura, no entanto, não significou o fim das opressões ao povo Krenak. A lama trazida pelo rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em novembro de 2015, matou o sagrado Rio Watu (Rio Doce, na língua portuguesa), impedindo os Krenak a perpetuarem seu modo de vida.
Além disso, pós-ditadura, os interesses minerários e agropecuários na região, já fortalecidos, passaram a constituir a forte pressão contrária à demarcação da Terra Indígena Krenak de Sete Salões. Identificada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2023, a TI possui ao menos 18 processos minerários.
Em 2017, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), via assessoria jurídica, reuniu mais de 200 pessoas para falar sobre as consequências da demarcação do território para os produtores rurais da região.
“O que queremos é apenas ter direito ao nosso território sagrado, o Sete Salões, e o direito humano de vivermos a nossa vida conforme as nossas tradições”, defendeu Geovani.
“Guyraroka é Terra Indígena”
A jovem liderança Erileide Domingues não era nascida nos anos 1940, quando seus avós e bisavós viram os primeiros não indígenas chegarem a Guyraroka, mas conhece em detalhes a história de desterros vivida por sua comunidade. “O que o Estado fez, realmente, não tem um preço que nos livre de uma dor tão inabalável. Do tanto que já foi, o tanto que já morreu, o tanto que já foi sequestrado…”, lamenta.
Foi Erileide quem acompanhou os avós Tito e Miguela Vilhalva na sessão que conferiu o status de anistiado político coletivo para o povo Guarani Kaiowá. Habitando atualmente apenas 55 hectares dos mais de 11 mil identificados, delimitados e declarados pelo Estado como de ocupação tradicional indígena, os Guarani Kaiowá de Guyraroká ainda hoje lutam pelo direito de viver em seu tekoha – lugar em que se é. “Nós estamos aqui e o que pedimos realmente é que o Estado brasileiro reconheça que Guyraroka é Terra Indígena. É só isso que esperamos”, afirma Erileide.
Imagem
Visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) na Terra Indígena Guyraroká, do povo Guarani Kaiowá, localizada no município de Caarapó (MS), em novembro de 2018|Christian Braga/Farpa/CIDH
“Quando você não considera juridicamente uma remoção forçada e essa remoção forçada um crime contra humanidade, você está dizendo que essas pessoas não são humanas”, afirma o procurador Marco Antonio Delfino de Almeida sobre a apreciação do pedido de anistia. “Então é muito simbólico, é muito importante que pessoas que sempre foram consideradas inferiores sejam tratadas finalmente como iguais. É simbólico ainda e a gente espera que isso se concretize, mas tem um valor extraordinário”, comemora.
Em 2014, o processo de demarcação da TI Guyraroká sofreu um grave revés, com a anulação de sua portaria declaratória pela 2ª Turma do STF, com base na tese do “Marco Temporal” – ignorando o longo processo de esbulho sofrido pelos indígenas. Segundo a advogada Carolina Santanna, que relatou o caso no livro Povos Indígenas no Brasil 2017-2022, essa anulação inédita pelo Judiciário é uma desconstituição dos direitos territoriais indígenas: “Seu Tito nunca foi ouvido no processo judicial que anulou sua terra”, denuncia.
“O primeiro aqui quem comprou foi Wilson Galvão, do tempo da guerra do Getúlio Vargas. E o Getúlio Vargas, então, ele deu pra poder tomar todo esse Mato Grosso, toda a terra do índio”, relembra Tito Vilhalva, em entrevista ao documentário “Tempo de Guavira”, em 2018.
Imagem
Seu Tito Vilhalva (centro), liderança da Terra Indígena Guyraroká (MS), durante visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em novembro de 2018|Christian Braga/Farpa/CIDH
As violações de direitos humanos não cessaram e, ainda hoje, a comunidade Guyraroká sofre com a falta de direitos básicos, como alimentação adequada e saneamento. Os ataques e ameaças à comunidade são recorrentes. Em 2019, toda a aldeia foi coberta por uma nuvem de agrotóxicos e cal, despejada por uma das onze fazendas que incidem sobre o território. O pó venenoso permaneceu na aldeia por quase uma semana, causando nos indígenas sintomas de intoxicação como dificuldade respiratória, diarreia, dores de cabeça e irritação da pele.
A exposição à aplicação de agrotóxicos é frequente. Cercados por plantações de cana, soja e milho, o veneno é pulverizado sem constrangimento por aviões e tratores a mando dos fazendeiros locais.
“Se na década de 1940 você tinha as armas e as balas de chumbo, que matam instantaneamente, hoje você tem as balas químicas, que matam da mesma forma só que demora mais tempo, né?”, alerta o procurador Marco Antonio Delfino de Almeida, autor do requerimento do MPF à Comissão.
O procurador argumenta que é preciso assegurar aos indígenas o direito à diferença e reconhecer seus modelos econômicos e de produção. “Isso também é importante ser reconhecido sob pena da gente repetir a história. Daqui a pouco o ambiente fica absolutamente inviável e a comunidade pode sofrer um processo de remoção silenciosa”, alerta Delfino de Almeida.
Imagem
Fac-símile de reportagem da Folha de S.Paulo (1979) sobre remoções forçadas do povo Guarani Kaiowa, disponível no acervo do ISA
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Novo selo marca aniversário de 30 anos do ISA
Produção de artistas indígenas celebra a memória e o legado da organização com ilustrações que remetem à diversidade socioambiental brasileira
No dia 22 de abril de 2024, o Instituto Socioambiental (ISA) completa 30 anos de luta em defesa da diversidade socioambiental e dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais.
Para celebrar a memória e o legado do trabalho da organização, será lançado o selo comemorativo “ISA 30 anos - Socioambiental se escreve junto”, inspirado na identidade visual já existente.
O novo selo traz, em formas fluidas, a diversidade de elementos dos territórios de atuação do ISA, como raízes, animais e as águas, junto da representação de mãos, recurso que resgata o fator humano e vem lembrar que socioambiental se escreve e constrói junto.
Nas artes que contém o logo comemorativo, texturas remetem a mapas topográficos e hidrográficos e resgatam anos de pesquisa do ISA pelos direitos territoriais e culturais dos povos indígenas e comunidades tradicionais.
As ilustrações foram feitas por Kath Xapi Puri, indígena ilustradora e designer graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), dedicada a retratar a representatividade indígena, e por Wanessa Ribeiro, descendente do povo Guarani, ilustradora autodidata nascida na zona norte do Rio de Janeiro, que busca na arte o resgate de suas raízes.
"Pensei as cores e elementos para terem relação com o território, natureza e comunidades tradicionais, mas dialogando com a paleta de cores e logotipo original do ISA", explica Kath.
Wanessa complementa, destacando a coletividade que permeia não só a estampa, mas as etapas de confecção do selo: “No processo criativo, eu e Kath fizemos juntas, eu comecei com um esboço, ela vetorizou e eu fui fazendo adaptações. Sempre combinamos nossas ideias”.
Acompanhe nosso site e redes sociais para conferir a programação em celebração aos 30 anos do ISA.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Disputa no Congresso atrasa lei do mercado de carbono
Márcio Santilli, sócio-fundador do ISA, analisa os impasses no Congresso Nacional para a regulamentação do mercado de carbono
Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
*Artigo de opinião publicado originalmente no jornal Valor Econômico, em 19/03/2024
A regulamentação do mercado de carbono enfrenta um impasse no Congresso Nacional. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), priorizou o tema em 2023 com a intenção de levar uma lei promulgada à COP28, em Dubai. Alguns projetos de lei (PLs) já tramitavam no Congresso, mas eram propostas incipientes, não articuladas à meta nacional de redução de emissões e ao objetivo de enfrentar as mudanças climáticas.
Pacheco nomeou como relatora a senadora Leila Barros (PDT-DF), que promoveu audiências públicas, acolheu propostas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e acatou a opção da bancada ruralista (FPA) por não incluir a agropecuária entre os setores da economia sujeitos a metas de redução - apesar das emissões geradas no uso da terra.
O PL 412/22 ficou fundamentado na Política Nacional de Mudanças Climáticas (Lei 12.187/2009) e tem como foco o setor industrial e os projetos de substituição de energias fósseis por renováveis. Prevê ainda projetos de REDD+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) para a conservação e aumento de estoques de carbono florestal, e para manejo florestal, sem fixar cotas ou vedar o acesso de projetos públicos ou privados ao mercado de carbono. Aprovado por unanimidade no Senado, o PL refletia uma abordagem equilibrada e coerente, ainda que passível de ajustes. Foi enviado à Câmara a tempo da análise e devolução ao Senado, para eventual promulgação até dezembro de 2023, data da COP28.
No entanto, o projeto sofreu uma manobra institucional deferida pela Câmara contra o Senado. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, designou como relator o deputado Aliel Machado (PV-PR), que introduziu itens polêmicos na proposta, como reservar um percentual sobre os ganhos para as empresas desenvolvedoras de projetos privados de crédito de carbono.
E foi além, ao limitar o acesso ao mercado aos projetos privados, vedando a emissão de créditos de carbono para projetos jurisdicionais, federais ou estaduais. Para estes, o relator criou a figura de “crédito de não mercado”. Um bode e tanto para os projetos que vários Estados amazônicos estão negociando com a Coalizão Leaf, formada pelos governos dos EUA, Reino Unido e Noruega, e dezenas de empresas globais que esperam acessar créditos de mercado financiando esses projetos.
O texto produzido por Aliel não passou por comissões e foi enviado em regime de urgência para votação em plenário, com parecer final apresentado horas antes da votação, na última semana antes do recesso legislativo. Ele favorece as empresas desenvolvedoras de projetos e veda a participação dos Estados no mercado de carbono.
O mercado admite vários tipos de projetos nas áreas de energia, saneamento, manejo do solo e reflorestamento. Nestes casos, a contabilidade dos estoques, dos ganhos e das perdas em emissões é mais segura em projetos locais. Porém, os projetos locais de REDD+, que visam gerar créditos por desmatamento evitado, se baseiam, com frequência, em contabilidades questionadas até mesmo junto às certificadoras internacionais.
Os projetos jurisdicionais se baseiam na compensação por reduções do desmatamento previamente realizadas e comprovadas por meio de taxas anuais relativas à jurisdição. A aferição das emissões evitadas é muito mais precisa na escala de Estado ou de país do que na de um projeto local.
A gestão dos territórios por povos indígenas, quilombolas, extrativistas e agricultores é fundamental para conter o desmatamento e manter a floresta em pé, mas é o poder público que pode garantir a redução contínua do desmatamento - o que evidencia a impropriedade de sua exclusão desse mercado.
A aprovação do texto de Aliel surpreendeu comunidades, empresas e governos, em especial os envolvidos em projetos jurisdicionais. O Senado poderia corrigir as alterações da Câmara, mas uma manobra regimental desta Casa determinou que os PLs mais antigos, e não os já aprovados pelo Senado, seriam prioritários para tramitação, alterando unilateralmente a regra que sempre prevaleceu no Congresso e ferindo de morte o poder de iniciativa legislativa do Senado.
Baseado nesse truque, o relatório de Aliel propôs um substitutivo a outro projeto da própria Câmara, mais antigo e com conteúdo bastante diverso. Assim, o PL do Senado recebeu parecer contrário e foi arquivado. Significa dizer que não retornará para a análise das alterações feitas na Câmara.
Agora uma nova proposta será alvo do escrutínio do Senado, mas a última palavra sobre eventuais alterações será da Câmara.
O Senado engolirá a manobra regimental da Câmara e a anulação unilateral da sua iniciativa legislativa? Ou responderá à Câmara na mesma medida, arquivando o que virá dela e repondo a sua proposta anterior? O impasse adia a promulgação da lei e mantém a insegurança jurídica, dificultando o desenvolvimento e a credibilidade do mercado.
Há quem diga que o mercado de carbono pode seguir sua configuração “voluntária”, sem regulação em lei. E que as negociações entre os Estados e os investidores podem prosseguir. Mas nos países em desenvolvimento há direitos e interesses assimétricos que a lei deveria preservar e equilibrar. Leis nacionais editadas por outros países deram solidez ao mercado e segurança aos investidores.
Os projetos de REDD+ são de longa duração e envolvem riscos políticos, técnicos e financeiros. Supõem a estabilidade das relações sociais que os envolvem. São altas as chances de mudança de cenários, ocorrência de conflitos e de fatos novos que os afetem. A lei poderia preveni-los ou dirimi-los.
O Congresso, que deveria mediar os conflitos presentes no processo legislativo ou entre as partes interessadas no tema, está carente de mediação. Parlamentares se confrontam, retaliam os demais poderes e usurpam as suas competências, seja para controlar verbas ou para cercear o controle de constitucionalidade pelo STF.
A Câmara privilegiou um segmento empresarial específico e não ouviu o governo nem os Estados. Empresas sérias, governo federal, Estados, entidades e cientistas interessados, assim como movimentos sociais e comunidades tradicionais que querem construir seus projetos, devem se articular para pressionar o Congresso a deixar de sobrepor suas diferenças às necessidades nacionais, aprofundando o debate e promovendo o equilíbrio dos interesses em jogo.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Esperando a fumaça baixar?
Ciro de Souza Brito, analista de políticas climáticas do ISA, aponta urgência da adaptação climática frente aos eventos extremos no Norte
Ciro de Souza Brito
- Analista de Políticas de Clima do ISA
*Artigo de opinião publicado originalmente no jornal O Liberal, em 15/03/2024
Imagem
Estiagem no Rio Branco expôs base de pilares, antes submersos, na Orla Taumanan, em Boa Vista|Stephanie Vieira/Platô Filmes/ISA
Você deve estar sabendo que alguns Estados do Norte estão enfrentando trágicos efeitos climáticos extremos.
A cheia dos rios tem castigado o Acre. Em Rio Branco, foi registrada a 2ª maior cheia da história. Para os órgãos de Defesa Civil, este é considerado o maior desastre ambiental da história, devido ao número de cidades atingidas. Dezenove estão em estado de emergência, o que equivale a 86% do Estado. O número de atingidos pela cheia já ultrapassa 120 mil. Nas 14 cidades mais críticas, há abrigos públicos atendendo mais de 9 mil pessoas desabrigadas. Ainda há 17.480 pessoas desalojadas.
Em Roraima, a situação é extrema. O Estado bateu recorde de focos de calor em fevereiro (2.057 registros) e assumiu a liderança nacional de Estados com o maior número de focos de calor. O Corpo de Bombeiros avalia que 100% dos incêndios estão sendo causados pela ação humana e que não há o que fazer, só esperar. A fumaça tende a persistir até 3 ou 4 dias após o combate aos incêndios.
Roraima vem encarando uma estiagem severa. Seu principal abastecedor de água potável, o Rio Branco, atingiu em fevereiro o impressionante nível negativo de -0,15m. Noventa por cento da população de Roraima depende da água do Rio Branco.
A situação dos povos indígenas Yanomami, Macuxi e Wapichana é desoladora. Suas casas e roças estão sendo destruídas por incêndios e em 4 municípios a água dos rios pode ser comparada à lama. O Conselho Indígena de Roraima (CIR) avaliou que cerca de 50.000 indígenas estão sem acesso à água potável.
Imagem
Roça de cacau do povo Ye’kwana destruída pelo fogo na região de Waikas, Terra Indígena Yanomami|Hutukara Associação Yanomami
Aqui no Pará, Santarém também sofreu uma grande estiagem. Segundo dados da Defesa Civil, o nível do Rio Tapajós chegou a 94 centímetros em outubro de 2023, 38 cm abaixo da seca mais severa já registrada na história, em 2010. Naquele momento, a Prefeitura decretou situação de emergência em várias áreas do município.
Esses efeitos climáticos devem ser enfrentados por meio de adaptação climática, que é um conjunto de medidas e iniciativas que visam diminuir ou evitar os efeitos danosos atuais ou esperados das mudanças climáticas por meio de ajustes a sistemas naturais e humanos.
O Governo Federal tem realizado atividades com o objetivo de atualizar o Plano Nacional de Adaptação Climática, que deve ser composto por 15 planos setoriais, ter vigência de 12 anos e ser revisto a cada 4 anos.
A sociedade civil propôs diretamente ao relator desse projeto no Senado aperfeiçoamentos na redação - a priorização de áreas, setores e populações mais vulneráveis, observando critérios de etnia, raça, gênero e condição de deficiência; e a inclusão da participação da sociedade civil na coordenação e gestão dos planos de adaptação nas várias esferas de governo. As propostas foram incorporadas ao PL, que segue agora para o plenário do Senado e depois volta à Câmara.
Ainda assim, cabe acelerar. Precisamos de políticas públicas estruturadas, que contenham medidas de adaptação. Estamos vivendo num Brasil de desigualdades sociais e territoriais decorrentes do aquecimento global e quem mais tem sofrido com o racismo ambiental é a população negra, periférica, indígena e de comunidades tradicionais, nas cidades e nas florestas. Justamente quem não tem tempo de esperar a fumaça baixar.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS