Na semana passada, ao votar a Medida Provisória (MP) 1.154/2023, que institui a estrutura dos ministérios no atual mandato presidencial, a comissão mista, formada por deputados e senadores, decidiu retirar órgãos e atribuições do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Entre elas, a de gerir o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que foi transferida para o Ministério de Orçamento e Gestão. Nesta semana, a MP foi apreciada pelos plenários da Câmara e do Senado.
O CAR foi instituído em 2012, como uma espécie de compensação à reforma do Código Florestal de 1965, que enfraqueceu a proteção das florestas em áreas privadas e anistiou a maior parte dos passivos ambientais acumulados durante a sua vigência. A narrativa então construída foi a de que, dali para a frente, o CAR seria um instrumento vivo, orientador dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) estaduais e da aplicação efetiva da lei reformada no chão.
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Desmatamento registrado na Terra Indígena Ituna-Itatá, no Pará, território assediado pela ação de grileiros|Juan Doblas/ISA
Porém, o Código Florestal voltou a ser alterado outras sete vezes desde 2012, com sucessivos adiamentos do prazo para a efetivação do CAR e dos PRAs. Sem verificação e validação dos dados, a inscrição de propriedades no CAR foi se reduzindo a um registro numa espécie de cartório paralelo, que supostamente atesta, sem testar, a sua regularidade com a legislação ambiental. Embora não devesse ser confundido com um cartório patrimonial, o registro no CAR tem sido usado para subsidiar a grilagem de terras públicas.
Gestão paralisada
O Senado foi praticamente obrigado a referendar a decisão da Câmara sobre a MP 1.154, pois se esgotou o prazo de 120 dias para a aprovação da medida, sem a qual a estrutura de governo seria derrubada, passando a vigorar a do governo anterior. É pouco provável a ocorrência de vetos presidenciais e a viabilidade de eventuais recursos ao STF.
Outros ministérios também foram afetados, como o do Desenvolvimento Agrário, com a transferência da gestão da política de preços mínimos para a Agricultura, e o dos Povos Indígenas, com a atribuição à pasta da Justiça, da declaração de limites das Terras Indígenas. O MMA também perdeu a Agência Nacional de Águas (ANA) e a gestão da política de gestão dos recursos hídricos, para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. Além do CAR, outros sistemas de informações relevantes para a política ambiental também foram transferidos para a pasta da Gestão.
No entanto, o Ministério da Gestão tem como foco o funcionamento da máquina federal, bastante debilitado nos últimos anos. Sua tarefa é gigantesca e não tem a ver com bases de dados públicos, o que é um equívoco básico. Ele não dispõe de instrumentos e de quadros para gerir dados ambientais. É previsível que essas bases, inclusive o CAR, se tornem estáticas, descoladas das políticas que lhes dão sentido.
Serviços socioambientais
O relator da MP 1.154 na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), entende que a vinculação do CAR e de outras bases de dados ambientais no Ministério da Gestão foi uma opção intermediária, já que a bancada ruralista pleiteava a sua subordinação à Agricultura. Também considerou-a “técnica”, contra o suposto viés político que lhes poderiam dar tanto o Meio Ambiente quanto a Agricultura.
Mas a questão não é essa. Todos esses dados são públicos e podem ser usados por organizações públicas e privadas como lhes aprouver. A questão é que o CAR foi instituído pelo Código Florestal para operar como instrumento da política florestal. A questão é de funcionar ou de não funcionar. E para servir à política florestal, o CAR deveria estar sendo gerido pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), no âmbito da política ambiental.
Com a estagnação do CAR, e sem prejuízo do uso dos dados nele disponíveis, o MMA deve avaliar a viabilidade de construir, no âmbito do SFB, uma base de dados de ativos ambientais efetivamente existentes em terras públicas e privadas, para subsidiar projetos de pagamento por serviços ambientais e a sua inserção no mercado de carbono ou em programas oficiais que visem a redução do desmatamento e à gestão de estoques florestais.
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Mais petróleo?
Em artigo para a Mídia Ninja, o sócio fundador do ISA, Márcio Santilli, comenta as implicações simbólicas e políticas da primeira perfuração em águas profundas do Atlântico Equatorial
Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
A autorização, negada pelo Ibama, para a Petrobrás fazer a primeira perfuração em águas profundas do Atlântico Equatorial, suscitou reações inflamadas durante a semana. A empresa recorreu administrativamente da posição do órgão ambiental, sem acrescentar ao pedido de licença os estudos solicitados.
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Extração de petróleo em alto mar | Agência Brasil
O que esquenta e acirra a divergência técnica entre a Petrobrás e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) é a questão amazônica. Testes já realizados por várias empresas nas proximidades da costa não deram bons resultados, mas a petroleira afirma que, em águas profundas a 150 km do litoral do Amapá, há condições geológicas favoráveis à ocorrência de maiores depósitos de petróleo. No entanto, a empresa desconsidera que essa região da foz do Amazonas dispõe de biodiversidade única, em formações de corais pouco estudadas, mas passíveis de serem afetadas por eventual exploração petrolífera em escala.
O que a Petrobrás considera é que o pedido de licença é para a perfuração de um único poço, a fim de testar a composição e a economicidade daquele depósito de óleo. E que detém a tecnologia de ponta para perfuração em águas profundas, desenvolvida na exploração do Pré-Sal. O Ibama aponta que o pedido de licença não dispõe de informações específicas sobre as correntes marítimas e a dinâmica sedimentar da região, de alta relevância ambiental, o que potencializa os riscos do teste.
Emoções Fortes
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Foz do Rio Amazonas, entre Pará e Amapá | Google Maps
A reação mais “over” à posição do Ibama veio do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, que anunciou a sua desfiliação da Rede Sustentabilidade. Essa atitude politizou a discussão, envolvendo em petróleo as suas divergências com o partido e com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com quem disputou a indicação para o ministério. Por outro lado, Randolfe vê os royalties decorrentes da eventual exploração de petróleo como a redenção econômica do Amapá e acusa o Ibama de não ter consultado o povo do seu estado antes de decidir.
É indiscutível a legitimidade dos amapaenses nessa discussão, mas a eventual abertura de uma nova frente de exploração petrolífera no litoral da Amazônia teria implicações muito além do interesse regional e deveria ensejar um debate nacional, que extrapola o pedido de licença e a sua negativa. A reação do senador revela que essas implicações não foram discutidas devidamente, nem mesmo dentro do governo.
Mas o bafafá deu espaço à proliferação de comentários na mídia de que a negativa do Ibama poderia ser uma espécie de “Belo Monte do B”, atribuindo, equivocadamente, a saída da Marina Silva do governo, no segundo mandato de Lula, à decisão de construir a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
Transição Energética
O presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, afirmou que a abertura de uma nova frente de exploração é necessária para substituir a natural redução da produção do Pré-Sal no futuro. Ainda no período de transição de governo, no entanto, a empresa confirmava “uma impressionante subida na produção dos poços do petróleo, saindo em 2023 da ordem de 800 mil barris por dia e atingindo perto de 3 milhões de barris por dia lá por volta de 2029, 2030”. Qual seria, mesmo, a urgência dessa substituição?
Outra consideração inevitável é que o enfrentamento às mudanças climáticas globais exige a redução, o mais rápido possível, da queima de combustíveis fósseis e a sua substituição por fontes limpas. Nesse contexto, a abertura de uma nova frente de exploração de petróleo tem de considerar a longevidade efetiva do retorno esperado para esse investimento.
A transição energética impõe a discussão sobre o futuro da própria Petrobrás. Sugere a sua transição, de empresa petrolífera, em empresa energética, empenhando a sua capacidade de investimento para fomentar a produção de energias limpas e de tecnologias associadas. É evidente que os elevados investimentos demandados para a abertura de uma nova frente de produção petrolífera adiaria por muito tempo essa transição.
Cautela
Também não dá para ignorar que a junção desses elementos – petróleo e Amazônia – tem implicações simbólicas e políticas inevitáveis, dentro e fora do país, capazes de afetar a credibilidade da postura de responsabilidade climática com que o presidente Lula vem se colocando. A bateção de cabeças entre autoridades governamentais pega mal e pode atrapalhar bastante.
A Petrobrás deveria rever o tratamento da questão, que não se reduz a um mero encaminhamento técnico de um pedido de teste, mas envolve todas essas dimensões. A discussão dentro do governo tem que ser substantiva e não comporta decisões “no grito”. E a sociedade tem direito às informações estratégicas básicas para firmar juízos a respeito. A pressa da petroleira tem um “q” de suspeição.
* Márcio Santilli é filósofo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Autor do livro Subvertendo a gramática e outras crônicas socioambientais. Foi deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e presidente da Funai de 1995 a 1996.
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Arthur Lira quer votar projeto que inviabiliza demarcação de Terras Indígenas na terça (30)
Sob pressão de ruralistas e bolsonaristas e com aval do governo, plenário da Câmara aprovou regime de urgência do PL 490. Votação do mérito do projeto pode ocorrer uma semana antes de julgamento decisivo do STF
Na noite desta quarta (24/05), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), comunicou que pretende votar o Projeto de Lei (PL) 490/2007 no plenário, na próxima terça (30). A informação foi dada logo após a aprovação do regime de urgência para a proposta, por 324 votos contra 131 e uma abstenção. O resultado pode ser considerado uma prévia para a possível votação da semana que vem.
Na prática, o projeto inviabiliza o reconhecimento das Terras Indígenas (TIs) e abre essas áreas ao garimpo, entre outros pontos considerados retrocessos aos direitos dos povos originários pela sociedade civil. Se aprovado, o PL será encaminhado ao Senado.
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Arthur Lira (PP-AL) comanda sessão da Câmara de ontem|Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
De acordo com a interpretação, essas populações só teriam direito ao reconhecimento de áreas que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, teriam de comprovar a existência de disputa judicial ou conflito pela terra na mesma data.
A tese legaliza e legitima violências sofridas pelos povos originários. Além disso, ignora que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para entrar na Justiça em defesa de seus direitos.
Decisão unilateral
Sob críticas de parlamentares de esquerda, Lira tomou as decisões de votar a urgência e o PL 490 de forma unilateral, em articulação apenas com parlamentares ruralistas, bolsonaristas e “Centrão”, mas sem passar pelo colégio de líderes partidários, onde esse tipo de deliberação deve ser discutido.
O deputado habituou-se à manobra desde o início de sua presidência, em 2021, apesar de ter prometido que não haveria “pautas surpresas” em sua gestão, em entrevista ao site do ISA, em fevereiro daquele ano.
O parlamentar já tinha admitido a intenção de pautar o projeto para tentar impedir o STF de decidir sobre o assunto antes da Câmara, embora ele ainda tenha de ser apreciado pelo Senado, e não haja sinalização de que isso irá acontecer antes do dia 7.
“Não falem em açodamento, apressamento, falta de combinação, porque a urgência não era regimentalmente necessária. O que estamos fazendo é para deixar claro que esse projeto precisa ser discutido no plenário desta casa para evitar que o Supremo Tribunal Federal o decida, dizendo que não temos a capacidade de fazê-lo há 30 anos”, afirmou ontem o presidente da Câmara.
“Lira afronta os outros poderes e busca intimidar o STF, imitando as crises institucionais forjadas por Bolsonaro, ao colocar o PL 490 na pauta. A questão é constitucional, será judicializada e só irá gerar mais violência, conflitos no campo e insegurança jurídica, criando falsas expectativas de anulação das demarcações”, alerta a advogada do ISA Juliana de Paula Batista.
“Precisamos lembrar que as Terras Indígenas são as áreas mais ambientalmente conservadas do país. Qualquer retrocesso nas demarcações provocará desmatamentos sem precedentes e consequências climáticas adversas em nível continental. O governo precisa reagir e trabalhar contra o texto. Não dá pra aceitar uma política de direitos humanos e climática pra 'inglês ver' ”, completa.
Governo libera bancada
Chamou a atenção o fato de o governo liberar os parlamentares e partidos em sua orientação de voto na apreciação do regime de urgência. O líder José Guimarães (PT-CE) deixou o plenário pouco antes da votação.
Acabou pesando a perspectiva de contrariar a maior parte das legendas que se dizem governistas, o que poderia expor ainda mais a dificuldade do Planalto de formar uma base parlamentar sólida. Só os partidos mais à esquerda orientaram contra: PT, PV, PCdoB, PSOL, Rede, PDT e PSB (veja aqui orientação de partidos e votos de deputados).
Apesar disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva repete, desde a campanha eleitoral, que quer priorizar a oficialização e a proteção dos territórios indígenas. No final de abril, em Brasília, no Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena do país, chegou a prometer acabar com as pendências de demarcação até o fim de sua gestão.
“Quem quer roubar nossos territórios tem nome e gabinete: foram os 262 deputados que assinaram esse requerimento de urgência. As pessoas que votarem a favor do PL 490 são os novos ‘Cabrais’ do século 21, vestidos de gravata e paletó", reagiu a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), presidente da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos Indígenas e da Comissão dos Povos Originários e Amazônia.
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Bancada do PSOL e outros parlamentares apoiam Célia Xakriabá em discurso contra PL 490|Twiiter da Liderança do PSOL na Câmara
“Quem usa a caneta para assassinar direitos na verdade só sofisticou as armas, mas a intenção de matar, não”, criticou a deputada. Ela chamou o PL 490 de “genocídio legislado”. A parlamentar fez a afirmação ao deixar o plenário, logo após um breve bate-boca entre deputados de esquerda e ruralistas iniciado após Juliana Cardoso (PT-SP), que também é indígena, gritar “assassinos” para os apoiadores do projeto.
Célia Xakriabá requereu que o PL fosse analisado na Comissão dos Povos Originários e Amazônia. Lira chegou a sugerir que distribuiria o PL para "comissões recém-criadas", como nesse caso, mas, com o regime de urgência, ele será votado no plenário sem retornar a um colegiado temático.
A aprovação da urgência aconteceu no mesmo dia em que o relatório da Medida Provisória 1.154/2023 foi aprovado, com apoio do governo, na comissão mista que o analisa. O parecer esvazia as competências dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos indígenas. No último caso, de acordo com a proposta, a pasta perderia a competência das demarcações das TIs para o Ministério da Justiça, meio-termo encontrado pelo relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), frente às pressões ruralistas para repassá-la ao Ministério da Agricultura.
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Ministra dos Povos Indigenas Sonia Guajajara e parlamentares aliados criticam regime de urgência do PL 490 antes da votação na Câmara|Twiter da Liderança do PSOL na Câmara
Garimpo
O PL 490 também autoriza o garimpo nas TIs, atividade responsável por uma série de impactos negativos sobre os povos originários, como a disseminação de doenças, a contaminação por mercúrio, aumento de conflitos e violências, exploração e abuso sexuais.
- Permite a retomada de "reservas indígenas" pela União a partir de critérios subjetivos
- Aplica o “marco temporal” a todas as demarcações de Terras Indígenas, praticamente inviabilizando um procedimento que já é demorado
- Estabelece que a demarcação poderá ser contestada em todas as fases do processo administrativo, na prática inviabilizando-o.
- Permite a implantação de hidrelétricas, garimpo, estradas, arrendamentos e grandes empreendimentos agropecuários nas TIs, entre outros
- Dispensa atividades altamente impactantes da realização de consulta livre, prévia e informada às comunidades afetadas, conforme determina a Constituição e a legislação internacional
- Viabiliza a legalização automática de garimpos ilegais nas TIs
- Abre brecha para o fim da política de “não contato” com indígenas isolados. De acordo com o PL, o contato poderia ser feito com a finalidade de “interesse público”, por empresas públicas ou privadas, inclusive associações de missionários
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Senado aprova Medida Provisória sem ‘jabutis’ contra Mata Atlântica
Senadores retiram 'matéria estranha’ incluída pela Câmara na Medida Provisória 1.150/2022, mas possibilidade de deputados retomá-la ou não ainda pode causar polêmica
“Jabuti” ou “contrabando legislativo” é o jargão usado no Congresso para uma emenda sem relação com o tema principal de uma proposta legislativa, no caso, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012), que substituiu o antigo Código Florestal, de 1965.
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Senadora Eliziane Gama negocia retirada de jabutis contra Mata Atlântica com presidente do Senado, Rodrigo Pacheco | Jefferson Rudy/Agência Senado
O próprio relator da MP, senador Efraim Filho (União-PB), reconheceu como “matéria estranha” parte dos pontos sugeridos pelos deputados e os retirou de seu parecer.
“Embora legítimas as preocupações do relator da matéria na Câmara, deputado Sérgio Souza [MDB-PR], para acomodar alterações que seriam necessárias à legislação florestal e da Mata Atlântica, divergimos do texto da Câmara, porque esse importante bioma brasileiro, elevado ao status de patrimônio nacional pela Constituição Federal, deve ter sua legislação discutida em projeto de lei específica”, defendeu.
O relatório foi aprovado após quase duas horas de polêmica porque um grupo de parlamentares ‒ Omar Aziz (PSD-AM), Alessandro Vieira (PSDB-SE) e Otto Alencar (PSD-BA) à frente ‒ revoltou-se contra os “jabutis" relacionados à Mata Atlântica e o que classificou como prática recorrente dos deputados de enviarem esse tipo de proposta ao Senado.
Eles pediram que o presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acatasse o requerimento de Eliziane Gama (PSD-MA) para impugnar a “matéria estranha” da MP. Os presidentes das duas casas legislativas têm essa prerrogativa e, nesse caso, seria dado um recado político mais duro à Câmara, pois a impugnação, em tese, inviabilizaria a reinserção desses pontos específicos na nova análise que será feita pelos deputados.
“Concordo integralmente a respeito dos prejuízos da inclusão de artigos que desmontavam, desconstruíam totalmente a Lei da Mata Atlântica, que levamos 14 anos [de tramitação] no Congresso para que fosse real. A Mata Atlântica é o bioma brasileiro com a maior degradação hoje. Nós temos apenas 12% da sua cobertura [original] assegurada”, lembrou Eliziane, que liderou a articulação pela contestação dos “jabutis”.
Polêmica entre Câmara e Senado
Foi aí que outras polêmicas do Congresso imbricaram-se na discussão. Pacheco informou que, apesar de uma impugnação não poder ser revertida em tese, segundo as normas do Legislativo, já houve um precedente em que ela foi interpretada como “supressão” de texto pela Câmara, que, assim, acabou retomando a redação original.
Além disso, os comandos das duas casas legislativas viveram recentemente uma disputa sobre o rito previsto na Constituição para apreciar as MPs, primeiramente, numa comissão mista, formada por senadores e deputados, e só depois pelos plenários de cada uma das duas casas.
A regra foi suspensa durante a pandemia para facilitar a tramitação das MPs em um momento excepcional de dificuldade dos trabalhos legislativos. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), porém, insiste em manter o procedimento ou em aumentar o número de deputados nas comissões mistas. Ele reclama que eles estariam sub-representados. Hoje, a composição dos colegiados é paritária entre deputados e senadores.
Diante da insistência dos parlamentares, Pacheco propôs que o plenário deliberasse sobre a impugnação, para não ter de tomar uma uma decisão sozinho e tentar evitar novos atritos com Lira. Mas o impasse sobre a forma mais adequada de resolver o assunto continuou.
O líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), chegou a propor a retirada de pauta da MP, sob o compromisso do Planalto reeditá-la. Depois, garantiu que o presidente Luís Inácio Lula da Silva vetaria o texto se a Câmara insistisse em resgatá-lo. Afinal, o plenário aprovou de forma simbólica, com concordância do governo e oposição, a impugnação dos “jabutis” e o parecer de Efraim Filho.
“Aprovação unânime do Senado em defesa da Lei da Mata Atlântica, derrubando os jabutis por meio de impugnação, não deixa margem para que a Câmara dos Deputados volte a incluir no texto esses retrocessos. Foi uma demonstração do reconhecimento do Senado sobre a importância da Mata Atlântica como patrimônio nacional”, comentou Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas do SOS Mata Atlântica.
"O Senado demonstrou equilíbrio e respeito à Constituição, ao impugnar retrocessos ambientais colocados na forma de contrabandos legislativos, expressamente vedados pelo direito brasileiro. O que se espera é que cessem os retrocessos ambientais imediatamente, para que possamos retomar o desenvolvimento sustentável, que concilia economia, meio ambiente e direitos sociais", apontou o consultor jurídico do ISA Mauricio Guetta.
Programas de Regularização Ambiental
A redação final da MP, no entanto, dificulta o funcionamento dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), pelos quais os produtores rurais formalizam o compromisso de reflorestar ou compensar áreas desmatadas ilegalmente. Segundo a proposta aprovada, eles terão um ano para ingressar no PRA mas só depois de o órgão ambiental estadual notificá-los individualmente, validar o respectivo Cadastro Ambiental Rural (CAR) e identificar os passivos ambientais de cada um (leia mais no quadro no final da reportagem).
O problema é que não foram definidos prazos para essas ações. Até hoje, só 45 mil cadastros foram validados, o que representa menos de 1% dos cerca de 7 milhões de imóveis rurais cadastrados, segundo o Observatório do Código Florestal (OCF). Além disso, apenas seis estados começaram a implantar os PRAs. Dessa forma, como está, o texto da MP abre brecha para que a legislação nunca seja cumprida de fato.
O texto original da MP apenas adiava a possibilidade de ingresso no PRA até o fim deste ano. Essa seria a sexta prorrogação. A redação aprovada agora excluiu o prazo. A questão se arrasta desde que a lei foi editada, em 2012.
Efraim Filho (União-PB) alterou o texto da Câmara para estimular os produtores rurais a ingressar nos PRAs: de acordo com sua proposta, até lá, eles poderão ter financiamentos suspensos se não estiverem em dia com a legislação.
Em entrevista ao ISA após a votação, o senador reconheceu que, mesmo assim, a falta de prazos é um problema para o cumprimento da lei, mas justificou que uma nova norma federal não pode obrigar os estados a cumprir a legislação de 2012.
“Quando o estado não cumpre, não tem como eu penalizar o estado por não cumprir. Eu não posso penalizar o produtor porque o estado foi omisso. O poder público é que tem que agir nesse momento. O poder público, neste momento, hoje, ele leniente, ele é omisso”, afirmou.
A secretária executiva do OCF, Roberta del Giudice, concorda que o texto aprovado pelo Senado foi o politicamente viável no momento e que não seria possível por lei obrigar as administrações estaduais a implantarem as políticas previstas na legislação de 2012. Ela adverte, contudo, que, como está, o texto da MP 1.150 inviabiliza a recuperação de 21 milhões de hectares desmatados ilegalmente em todo o país.
"A alteração que foi proposta dificulta muito o controle da regularização ambiental e a gente vai ter que pressionar muito para que os estados façam a sua implementação”, avalia. “Todos os estados têm uma precariedade de recursos, de recursos humanos, de imagens de satélite, de um monte de insumos para implementar o Código Florestal. Mas a gente vai agora buscar fazer com que eles façam essa implementação”, completa.
Como ficou a MP 1.150/2022 com as alterações do Senado?
Alterações feitas pelo Senado na parte relativa ao Código Florestal
- Os produtores rurais passam a ter até um ano após a “notificação” (individual) do órgão ambiental estadual para ingressar no PRA; não há mais uma data específica para se fazer isso
- A partir da assinatura do Termo de Compromisso do PRA e durante sua vigência, o produtor rural não poderá ter financiamentos negados por causa das infrações objeto desse termo; na prática, antes disso isso pode acontecer
- Introduz a obrigatoriedade de validação do CAR e da identificação dos passivos ambientais de cada produtor rural pelo órgão ambiental como condição para adesão ao PRA
“Jabutis” incluídos pela Câmara e retirados pelo Senado
- Várias alterações que enfraqueciam a Lei da Mata Atlântica (11.428/2006), especialmente no sentido de permitir desmatar em um dado local, mesmo que fosse possível fazer isso em outro, com menos impactos; dar às prefeituras competências para autorizar desmatamentos e parcelamentos de imóveis; enfraquecer salvaguardas das Áreas de Preservação Permanente (APP)
- Possibilidade de o órgão ambiental definir a "zona de amortecimento" de Unidades de Conservação (UC), como parques e reservas, em perímetro urbano. A "zona de amortecimento" prevê restrições a obras, empreendimentos e atividades econômicas numa faixa limítrofe a essas áreas protegidas com o objetivo de minimizar impactos ambientais sobre elas
- O texto aprovado na Câmara ampliou flexibilizações sobre as APPs para além das zonas urbanas consolidadas, permitindo que, mesmo em regiões com características rurais mas definidas como urbanas por lei municipal, seja permitido desmatar em faixas inferiores às definidas na regra geral federal. O texto saído da Câmara também suprimiu a necessidade de consultas ao Conselho Estadual do Meio Ambiente sobre alterações feitas na lei municipal sobre esse tema.
O que é o Código Florestal?
A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/2012)
O antigo Código Florestal de 1965 foi reformado depois de mais de 10 anos de debates e pressões para sua alteração. Ele obrigava o reflorestamento integral das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) desmatadas ilegalmente (saiba mais abaixo). A nova lei isentou parte da recuperação dessas “áreas consolidadas” (desmatadas e em uso agropecuário) até 22 de julho de 2008, enquanto as áreas conservadas até aí devem ser mantidas assim, conforme os parâmetros da antiga legislação.
No caso das APPs, ela determinava metragens específicas que deveriam ser mantidas em todos os casos. A nova lei prevê a manutenção ou recomposição de faixas significativamente reduzidas em relação às APPs desmatadas, de acordo com o tamanho do imóvel. Em relação à RL, o novo Código apresenta duas diferenças significativas: a primeira é que o cálculo dessa área deve incorporar as APPs; a segunda é que os imóveis menores que quatro módulos fiscais não terão obrigação de recompor os desmatamentos realizados até 2008.
Área de Preservação Permanente (APP)
De acordo com a lei, é a área cuja vegetação nativa deve ser protegida às margens de nascentes e outros corpos de água, em topos de morros, encostas e outras áreas sensíveis. Elas têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade e riqueza do solo, garantir a diversidade de fauna e flora e assegurar o bem-estar das populações humanas. São fundamentais para a manutenção e a qualidade dos mananciais de água, prevenir e atenuar a erosão, o assoreamento, inundações, enxurradas e deslizamentos de terra.
Cadastro Ambiental Rural (CAR)
Criado pela nova lei, o CAR é um registro eletrônico obrigatório e autodeclaratório que tem a finalidade de integrar as informações ambientais de todos os imóveis rurais: a situação das APPs, RLs, “áreas consolidadas” e remanescentes de vegetação nativa. Compõe uma base nacional de dados para o monitoramento, controle e combate ao desmatamento e planejamento da recuperação ambiental.
Cada estado é responsável por criar seu sistema de cadastro, promover seu funcionamento, analisar e validar seus dados. Alguns estados têm programas próprios, enquanto outros preferem usar o módulo disponibilizado pelo governo federal. A gestão federal também é responsável por orientar e apoiar a implementação dos sistemas de cada estado.
Programa de Regularização Ambiental (PRA)
Conjunto de regras e ações a serem cumpridas por proprietários e posseiros rurais com o objetivo de adequar e promover a regularização ambiental. A inscrição do imóvel rural no CAR é condição obrigatória para a adesão ao PRA. Cada estado precisa regulamentar, implementar e desenvolver seu PRA.
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Pela memória e luta de Marcelo Zelic
Que possamos honrar sua luta no trabalho de documentação, mantendo nossa memória viva para que as atrocidades e traumas históricos não se repitam no presente
Marcelo Zelic em 2014 durante conversa sobre a violação dos direitos indígenas no regime militar, na sede do ISA, São Paulo|Claudio Tavares/ISA
O Instituto Socioambiental manifesta profundo pesar pela morte do pesquisador e ativista Marcelo Zelic, que se dedicou à pesquisa e divulgação das violações históricas aos direitos humanos perpetradas pelo Estado brasileiro, especialmente às relacionadas aos direitos dos povos indígenas.
Deixando um legado pelo direito à memória, verdade, justiça e reparação, Zelic faleceu nesta segunda-feira (8), aos 58 anos, vítima de um AVC.
O pesquisador foi responsável pela descoberta do Relatório Figueiredo, documento produzido em 1967 que revela violências e crimes contra os povos indígenas no período da ditadura militar.
Zelic lutou para que essas violências fossem incluídas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em que atuou obstinadamente. Defendia, desde o encerramento dos trabalhos da Comissão, em 2014, a abertura de uma CNV Indígena.
Na mesma época, ele recuperou imagens que revelam como a ditadura treinou a Guarda Rural Indígena com técnicas de tortura, como o pau de arara, e enraizou a violência policial em terras indígenas.
A descoberta desencadeou investigações jornalísticas sobre os presídios indígenas criados pela ditadura, verdadeiros “campos de concentração” étnicos em Minas Gerais: o Reformatório Krenak e a Fazenda Guarani.
Em seu incansável trabalho, Zelic fundou e coordenou o projeto Armazém Memória, acervo online de documentação das violações aos direitos humanos no Brasil - dados coletados, sistematizados e disponibilizados desde 2001 pelo pesquisador e sua equipe.
O acervo disponibiliza, apenas sobre a questão indígena, mais de 2,2 milhões de páginas, organizadas em 18 bibliotecas. Este trabalho é fonte para a instrução de ações civis públicas que buscam investigar e reparar crimes cometidos contra comunidades indígenas.
Zelic também foi vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais e membro da Comissão Justiça e Paz de São Paulo.
O ISA lamenta imensamente esta perda inestimável. Que possamos honrar a luta de Marcelo Zelic no trabalho de documentação, mantendo nossa memória viva para que as atrocidades e traumas históricos não se repitam no presente.
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Governo federal anuncia homologação de seis Terras Indígenas; em um dos casos, tempo de espera chegou a 24 anos
Área total é de 610.349 hectares; com isso, o Brasil passa a contar com 496 Terras Indígenas homologadas e reservadas
Presidente Lula discursa durante o Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, após anúncio da homologação de seis Terras Indígenas|Mariana Soares/ISA
*Com reportagem de Carolina Fasolo, Mariana Soares e Oswaldo Braga de Souza. Texto alterado às 15:10 do dia 03/05/2023, atualizando dados de extensão territorial das Terras Indígenas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou, nesta sexta-feira (28/04), durante o encerramento da 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) – a maior mobilização indígena do país, em Brasília – os decretos de homologação de seis Terras Indígenas (TIs), as primeiras desde 2018. A homologação é a etapa final do procedimento de demarcação de TIs.
As seis áreas são: Uneiuxi (AM), do povo Nadöb; Kariri-Xokó (AL), do povo Kariri-Xokó; Tremembé de Barra do Mundaú (CE), do povo Tremembé; Arara do Rio Amônia (AC), do povo Arara; e Avá-Canoeiro (GO), do povo Avá-Canoeiro. Elas somam 610,3 mil hectares ‒ extensão pouco maior que a do Distrito Federal ‒ e abrangem uma população de cerca de quatro mil pessoas. Algumas das comunidades estavam na fila de espera pela regularização há mais de 40 anos (saiba mais abaixo).
Mapa de localização das Terras Indígenas (clique nos seis pontos em destaque)
O governo Lula tenta destravar a agenda de demarcações e, nesse primeiro momento, optou por homologar áreas sem grandes conflitos. Com a criação do Ministério dos Povos Indígenas pela nova gestão, a expectativa é de que as demandas de reconhecimento territorial avancem em todas as suas etapas. Os cinco anos de paralisação impostos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro geraram uma série de ações do Ministério Público Federal (MPF) pela retomada dos processos.
No ATL, Lula prometeu acabar com as pendências de demarcação até o fim de sua gestão. “Eu quero não deixar nenhuma Terra Indígena que não seja demarcada nesse meu mandato de quatro anos. Esse é um compromisso que eu tenho e que eu fiz com vocês antes da campanha”, disse, após a oficialização das medidas.
O país tem hoje 733 TIs em diferentes etapas de reconhecimento na Funai, sendo que 243 aguardavam por sua conclusão, até esta semana. Com as medidas de hoje, agora são 237 procedimentos inconclusos. Em extensão, as seis terras homologadas representam pouco mais de 6% da área total pendente de regularização.
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Em clima de comemoração, a cacica Tanoné Kariri-Xokó vê a homologação de seu território como o melhor desfecho para tantos anos de luta. A batalha pela conquista definitiva da Terra Indígena começou há quase quatro décadas, com a primeira área demarcada, em 1984. Apenas em 2006, no entanto, a TI foi declarada, somando 16 anos de espera pelo decreto.
“Só agradecendo ao Grande Pai por essa luz, por esta vitória e hoje a minha Terra já está assinada, já está ganha e ninguém vai poder tirar e nem tomar nada que é nosso”, comemorou.
“Ali [no nosso território] conviviam os nossos antepassados, onde hoje nós atuamos. Porque nós somos o povo de lá. Nós amamos o nosso território, e vivemos ali, ali nós temos o nosso futuro. Aquele é o nosso futuro, por isso nós queremos a homologação”, disse o cacique do povo Nadöb, Eduardo Fonseca Castelo.
"O ato de hoje mostra o marco histórico de conquista do movimento indígena diante de anos de luta, inclusive de seis anos de pesadelo que a gente teve depois do golpe de perseguição e supressão dos direitos indígenas. Então, isso mostra o real compromisso do governo, mas o desafio não parou aqui. Ainda há mais terras a serem reconhecidas pelo Estado", afirmou ao ISA o diretor-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Baré.
"Em especial aqui na região do Rio Negro, a gente mantém a luta firme para consolidar e demarcar as Terras Indígenas que estão ainda no processo de demarcação, em especial da região de Santa Isabel do Rio Negro", finalizou.
“Vamos legalizar as Terras Indígenas. É um processo um pouco demorado. A nossa ministra [dos Povos Indígenas] sabe dos processos. Têm de passar por muitas mãos”, comentou Lula. “A gente vai ter de trabalhar muito, para que a gente possa fazer a demarcação do maior número possível de Terras Indígenas. Não só porque é um direito de vocês, mas porque, se a gente quer chegar a 2030 com o desmatamento zero, precisamos de vocês [indígenas] como guardiões da floresta”, reforçou.
Na coletiva após o anúncio das medidas, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, confirmou que o governo vai elaborar um cronograma para a homologação das outras oito áreas.
“A gente sabia que, possivelmente, não sairiam as 14 terras, por questão de tempo de análise do processo”, confirmou Kléber Karipuna, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “São processos que ficaram quatro anos na mão dos nossos inimigos, no governo anterior, e não sabíamos que tipo de medidas foram tomadas em relação a esses processos. Então, a gente precisava de uma análise técnica, apurada, minuciosa, para se ter uma segurança jurídica maior na assinatura desses atos”, avaliou.
Kleber considerou como normal a frustração das comunidades que não tiveram suas áreas homologadas, mas que as medidas anunciadas hoje são uma sinalização positiva e importante, frente a tantos anos de paralisação dos processos. “A gente almeja ainda mais, muito mais. O movimento indígena tem um papel de articular, de cobrar [as outras demarcações], e a gente vai continuar fazendo esse papel”, completou.
“Cada uma das homologações assinadas hoje pelo presidente é muito importante, porque consolida uma solução administrativa para uma pendência histórica”, salienta o sócio fundador do ISA Márcio Santilli. “No conjunto, essas seis homologações representam a retomada do processo demarcatório e do cumprimento da Constituição, após vários anos de omissão. Aguardamos a edição dos decretos referentes a terras que também já estão fisicamente demarcadas”, conclui.
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Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente da Funai, Joenia Wapichana|Ricardo Stuckert/PR
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Junto com as demarcações, o governo anunciou um pacote de medidas em defesa dos direitos indígenas. O presidente assinou o decreto de recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), extinto pelo governo Bolsonaro. Até então, o colegiado contava com representantes de ministérios e órgãos de governo, representantes do movimento indígena e de outros setores da sociedade civil e tinha a função de discutir, formular e aprimorar as políticas indigenistas.
Lula assinou ainda o decreto que institui o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). Paralisada na gestão anterior, a PNGATI foi instituída em 2012 com o objetivo de garantir a proteção, recuperação, conservação e o uso sustentável dos recursos naturais nos territórios indígenas.
Além disso, o Planalto comunicou a liberação de R$ 12,3 milhões para a Funai, para a aquisição de insumos, ferramentas e equipamentos agrícolas, com “o objetivo de recuperar a capacidade produtiva das comunidades indígenas Yanomami”.
🙌🏾 @JoeniaWapichana e Wellington Dias assinam decreto com a liberação de R$ 12,3 milhões à @funaioficial, para a aquisição de insumos, ferramentas e equipamentos às casas de farinha, recuperando a capacidade produtiva das comunidades indígenas Yanomami.
O anúncio se soma a outras ações do governo federal para o enfrentamento da crise humanitária vivida por esse povo, entre elas a retirada dos garimpeiros ilegais e o atendimento emergencial à saúde, que tem tido resultados tímidos para as comunidades até agora.
Sonia Guajajara também anunciou medidas que devem ser oficializadas nos próximos dias, como a criação de um comitê interministerial para o combate à criminalidade e a retirada de invasores das TIs. Também deverá ser instituído um Grupo de Trabalho para a reparação das comunidades indígenas afetadas pela construção da hidrelétrica de Itaipu, nos anos 1970, no Paraná. Tanto Sonia quanto o presidente Lula repetiram que pretendem implementar um plano de carreira na Funai.
A ministra pediu que o governo crie uma Comissão da Verdade Indígena, para investigar os crimes cometidos contra os povos originários, sobretudo durante a ditadura militar. E reforçou o compromisso de Lula e do governo em avançar com as demarcações.
“A criação do ministério [dos Povos Indígenas] é um primeiro passo. Precisamos avançar. E todos nós sabemos que todos esses passos positivos dependem necessariamente da garantia dos nossos territórios. As primeiras ações para uma política concreta e positiva para os povos indígenas são o reconhecimento e proteção dos territórios indígenas”, salientou.
.@GuajajaraSonia diz no #ATL2023 que os ataques contra indígenas aumentou pelo modelo político do governo passado, mas que isso não afetou só aos indígenas.
Ela lembra que a água que todos bebem e o ar que todos respiram é protegido pelos povos indígenas.
A maior TI homologada é Uneiuxi, com 553 mil hectares e localizada na Amazônia Legal. Nessa região, também se encontra a TI Arara do Rio Amônia, com 20 mil hectares e situada em um importante mosaico contínuo de áreas protegidas. As demais áreas homologadas, duas no Nordeste, uma no Sul e outra no Centro-Oeste, reafirmam a presença indígena em todas as regiões do Brasil.
O Censo 2010 registrou um total de 896,9 mil pessoas que se autodeclaram indígenas em mais de quatro mil municípios. Ao que tudo indica, esses números devem aumentar significativamente, pois a prévia do Censo 2022 indica um total de 1,6 milhão de pessoas autodeclaradas indígenas.
Localizada na região Nordeste, estado de Alagoas (municípios de Porto Real do Colégio e São Brás), é parte do território tradicional dos Kariri-Xokó. A ocupação deste território remonta à formação de dois aldeamentos, em São Braz e Porto Real do Colégio, no início do século XVIII. Mesmo mantendo a ocupação contínua de partes deste território, a presença indígena não assegurou a sua integridade. Providências legais para a efetiva garantia do território tradicional só começaram a ser tomadas no início dos anos 1980. A primeira área demarcada em 1984, declarada em 1991 e homologada em 1993 com 699 hectares, não contemplava toda área de ocupação tradicional dos Kariri-Xokó, como ressaltou o próprio parecer que declarou seus limites. A delimitação atual foi proposta a partir de um Grupo de Estudos criado em 1998. A nova área teve seus estudos aprovados em 2001, com 4.419 hectares. Declarada em 2006, a área onde vivem cerca de 2.300 pessoas, aguarda a edição de seu decreto de homologação há 17 anos.
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Indígenas Kariri-Xokó, localizados na região do Baixo São Francisco, Alagoas (Foto de 1998) | Celso Brandão
A TI Uneiuxi é parte do território de ocupação dos Nadöb, povo indígena do Noroeste Amazônico de recente contato, que tem sua área de ocupação localizada nas regiões interfluviais do Rio Guaviare, na Colômbia, ao Japurá, no Brasil, cortando a Bacia do Uaupés. Localizada nos municípios de Japurá e Santa Isabel do Rio Negro, estado do Amazonas, a regularização fundiária desta TI teve início em 1982, com a constituição de um Grupo de Trabalho pela Funai para identificação e delimitação do território. Os estudos foram aprovados em março de 1993 e cinco meses depois essa área foi declarada. Durante a homologação, que aconteceu em 1998, quando uma empresa contratada traçava os limites físicos do território, as comunidades indígenas Nadöb viriam a perceber que partes importantes haviam ficado fora da demarcação da área de 400 mil hectares. Em 2003, um novo GT foi constituído para rever os limites territoriais da TI e incluir as áreas de uso excluídas da demarcação. O novo estudo foi aprovado em setembro de 2005, aumentando a área para 554.332 hectares. Os novos limites foram declarados em dezembro de 2006, desde então a área aguarda homologação pelo Presidente da República, há 17 anos.
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Grupo Nadöb do Rio Japurá, povo indígena do Noroeste Amazônico de recente contato (Foto de 1997) | Michel Pellanders
A Terra Indígena Avá-Canoeiro é parte do que um dia foi o território tradicional dos Avá-Canoeiro, grupo Tupi do Brasil Central que ficou notório em razão da grande habilidade na utilização de canoas. Localizada nos municípios de Colinas do Sul e Minaçu, no Estado de Goiás, essa TI teve seu processo de reconhecimento iniciado em 1983, após o traumático processo de contato com esse povo indígena pelo Estado brasileiro. Os Avá-Canoeiro são remanescentes de ataques perpetrados por fazendeiros, como o massacre da Mata do Café, na década de 1960, quando cerca de 15 pessoas foram mortas e seus corpos incendiados junto com suas malocas. Em 1985, a área é interditada e os invasores começam a ser retirados. Em 1994, ocorreu a identificação, demarcada em 1999 e declarada como de posse permanente pelo Ministério da Justiça em 1996, com cerca de 38.000 hectares. Parte dessa foi inundada pela Hidrelétrica de Serra da Mesa. Os Avá-Canoeiro aguardam há 24 anos pela homologação de sua Terra Indígena.
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Nakwatxia, indígena do grupo Avá-Canoeiro do Alto Tocantins, desenhando (Foto de 1985) | André Toral
De ocupação tradicional do povo indígena Kaingang, esta TI está localizada no noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, no município de Vicente Dutra, próxima à fronteira com a Argentina e no limite com o Estado de Santa Catarina. A região do Rio Uruguai tem presença histórica marcante do povo indígena kaingang, após a primeira parte do século XX passa a ter uma ocupação intensa de frentes de colonização, levando à perda do território tradicional para empreendimentos agrícolas. No início de 2000, um GT foi criado para delimitar a TI, atendendo a uma reivindicação antiga da comunidade. Os estudos de delimitação foram aprovados três anos depois, delimitando uma área de 715 hectares, com a área sendo declarada no final de 2004. Desde então, ao menos nove portarias com procedimentos de levantamento e avaliação de benfeitorias das ocupações de não indígenas foram publicadas. Os kaingang de Rio dos Índios aguardam a homologação de seu território há 19 anos, desde a portaria declaratória.
Localizada na fronteira com o Peru, no município de Marechal Taumaturgo, estado do Acre, a TI Arara do Rio Amônia é território do povo Apolima ou Arara do rio Amônia, um conjunto de famílias descendentes de povos indígenas de diversas origens conectadas com a história de exploração nos seringais da região. Seu processo de reconhecimento teve início em dezembro de 2001 e em setembro de 2008 o presidente da Funai aprovou o relatório de identificação e delimitação da área com 20.764 hectares, e a declaração de seus limites aconteceu no ano seguinte. A TI está sobreposta à Reserva Extrativista Alto Juruá e ao Parque Nacional Serra do Divisor e integra um importante mosaico contínuo de Áreas Protegidas. Além destas Unidades de Conservação, o Projeto de Assentamento Amônia, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), sendo, segundo o relatório de delimitação, a principal área ocupada pelas famílias Apolima. A TI aguarda a conclusão de sua demarcação há 14 anos. Hoje vivem cerca de 500 pessoas neste território, quase o dobro de quando a área foi identificada.
No passado, a Barra do Mundaú, na costa cearense, se tornou refúgio dos Tremembé, perseguidos por invasores e fazendeiros na região de Almofala. Os Tremembé são um povo indígena com presença histórica nessa região, conhecidos pelo ritual do torém. A Terra Indígena Córrego João Pereira é o único território homologado deste povo, que atualmente tem uma população de aproximadamente quatro mil pessoas. As demandas territoriais da etnia podem ser traçadas desde o século XIX, quando latifundiários iniciaram invasões a suas terras. A TI Barra do Mundaú localiza-se no município de Itapipoca, a 30 quilômetros de Fortaleza. São 3.580 hectares de território em uma área com praias, dunas e o estuário do Rio Mundaú, possui uma sobreposição de 9,74% com a Área de Proteção Ambiental (APA) do Estuário do Rio Mundaú. Os Tremembé disputam essa terra com um grupo empresarial espanhol, que pretende construir um complexo de resorts na área. Apesar da reivindicação histórica, foi somente em 2009 que um Grupo de Trabalho foi instaurado para identificar e delimitar a terra. A TI foi delimitada em 2012, em 2015 o ministro da Justiça declarou-a de posse permanente do grupo. Os Tremembé aguardam há oito anos homologação da TI.
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Indígenas Tremembé (Foto de 1991) | Carlos Guilherme do Valle
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Movimento indígena decreta emergência climática no país
Declaração foi dada durante a 19ª edição do Acampamento Terra Livre, em Brasília; estudos apontam que os povos indígenas e seus territórios são fundamentais para conter a destruição do planeta
* Com informações de Carolina Fasolo e Marina Terra
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"A resposta somos nós": movimento indígena reunido no Acampamento Terra Livre marcha em Brasília e decreta Emergência Climática|Carolina Fasolo/ISA
Em marcha em Brasília, milhares de indígenas que participam da 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL 2023) decretaram, nesta quarta-feira (26), Emergência Climática no país. O ato chama atenção para o racismo ambiental e as violações causadas pelas mudanças no clima contra os povos originários.
Em manifesto, a a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organizadora do ATL, apresentou 18 reivindicações a todos os poderes do Estado, dentre elas, a demarcação das Terras Indígenas, o fortalecimento do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a atualização e implementação do Plano Nacional sobre Mudança do Clima.
“Continuamos a ser vítimas de políticas discriminatórias, preconceituosas e racistas, pioradas gravemente nos últimos seis anos pelo descaso governamental e o incentivo às invasões protagonizadas por diversas organizações criminosas cujas práticas só pioram as mudanças climáticas. […] Para que isso acabe e para que nós possamos seguir zelando pelo bem viver dos nossos povos e da humanidade inteira, contribuindo com o equilíbrio climático, decretamos à viva voz a Emergência Climática”, diz trecho do texto.
Para Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib, a luta pela demarcação dos territórios indígenas não representa somente o direito ancestral às terras, mas também a luta pela sobrevivência dos povos indígenas e da humanidade. “Não há mais dúvidas que os territórios indígenas contribuem no combate à crise climática. A demarcação é a solução para a justiça climática e para a manutenção da democracia”, afirmou ao site da Apib.
A ação pauta a importância das demarcações e dos povos indígenas no combate à crise climática. Uma iniciativa da @ApibOficial, em conjunto com suas sete organizações regionais.
Parte da população mundial mais afetada pelas tragédias climáticas, os povos indígenas são também a solução para essa crise. As Terras Indígenas funcionam como barreiras contra o desmatamento, uma das maiores fontes de emissão de gases de efeito estufa, principais causadores do aquecimento global.
Segundo estudo do Instituto Socioambiental (ISA), nos últimos 35 anos, os povos indígenas protegeram mais de 20% da vegetação nativa no Brasil. Na Amazônia, enquanto 20% da floresta já foi desmatada nos últimos 40 anos, juntas as Terras Indígenas perderam apenas 2,4% de suas florestas originais.
Ou seja, demarcar Terras Indígenas, garantindo sua proteção integral, é uma das estratégias mais eficazes para proteger a floresta e o planeta.
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Indígenas protestam em Brasília contra crise climática e pela garantia de direitos 📷 Isabella Pilegis e Carolina Fasolo/ISA
Demarcar terras, proteger o clima
Tanto o combate à crise climática quanto a demarcação de Terras Indígenas são promessas do atual governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nomeou para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima a ex-ministra Marina Silva e para o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas Sônia Guajajara, ex-integrante da coordenação da Apib, deputada federal eleita pelo PSOL-SP.
Na posse, em 1o de janeiro de 2023, Lula assinou uma série de decretos e medidas para a proteção dos povos indígenas e comunidades tradicionais e de combate ao desmatamento, revertendo ações do governo anterior de Jair Bolsonaro (PL).
Agora, o movimento indígena espera que, na próxima sexta-feira (28/04), Lula anuncie finalmente a retomada das demarcações de Terras Indígenas – paralisadas desde 2016. O presidente deve confirmar cinco Terras Indígenas. Inicialmente, se cogitava a homologação de 14 terras.
A garantia da proteção dos territórios indígenas é urgente. Indígenas são os alvos mais frequentes da violência de campo no Brasil, representando 38% das pessoas assassinadas em 2022, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Nos últimos cinco anos, mais de 113 milhões de árvores adultas foram derrubadas dentro das Terras Indígenas. Além disso, cerca de 6% do desmatamento entre 2017 a 2021 foi provocado pela mineração, atividade ilegal e de alto impacto socioambiental. A degradação por mineração ou garimpo nas TIs aumentou 183% nesse mesmo período, conforme dados presentes no livro “Povos Indígenas no Brasil 2017-2022”.
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Sem demarcação, não há democracia: maior mobilização indígena do país começa em Brasília
A 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) tem como pautas centrais a demarcação de Terras Indígenas, o fim das violências no campo e a emergência climática
Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, lidera a abertura do Acampamento Terra Livre, em Brasília|Joédson Alves/Agência Brasil
* Com informações do site da Apib. Atualizada às 15h47
Começa nesta segunda-feira (24/04) a 19ª edição da maior mobilização indígena do Brasil, o Acampamento Terra Livre (ATL), realizado todos os anos em Brasília (DF) pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Com o tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia!”, a expectativa é reunir mais de seis mil indígenas de 200 povos de todas as regiões no acampamento, que está sendo montado na Praça da Cidadania, ao lado da Esplanada dos Ministérios. A mensagem reforça a importância da demarcação de Terras Indígenas no país, paralisadas nos últimos anos.
Segundo a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, 13 processos de demarcação de Terras Indígenas estão prontos para homologação pelo governo federal. São territórios em oito estados de quase todas as regiões do país. (Confira abaixo a lista completa)
Em 2023, o ATL reforça também o fim das violências no campo e decreta emergência climática para enfrentar o racismo ambiental e as violações de direitos causadas pelas mudanças no clima.
A programação do ATL 2023 conta com mais de 30 atividades, divididas em cinco eixos temáticos: Diga o povo que avance, Aldear a Política, Demarcação Já, Emergência Indígena e Avançaremos. Os eixos contam com plenárias sobre mulheres indígenas, parentes LGBTQIA+, gestão territorial e ambiental de Terras Indígenas, acesso a políticas públicas e povos indígenas em isolamento voluntário.
Aperte o play!
Durante a programação, o movimento indígena também irá liderar três marchas pelas ruas da capital brasileira. A primeira delas, no dia 24, pedirá a derrubada dos projetos de leis anti-indígenas como o PL 191, que permite a mineração em Terras Indígenas, e o PL da Grilagem.
Projetos de lei como esses tornam os indígenas os alvos mais frequentes da violência de campo no Brasil, representando 38% das pessoas assassinadas em 2022, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Já no dia 26, o ato “Povos Indígenas decretam emergência climática!” pede atenção para o enfrentamento às violações ocasionadas pelas mudanças climáticas. A Apib reitera que as Terras Indígenas são as áreas com maior biodiversidade e com vegetação mais preservadas.
No dia seguinte (27) , outros movimentos sociais juntam-se em defesa da democracia no último ato do Acampamento Terra Livre.
Além disso, a programação do ATL 2023 conta com três lançamentos: o livro que comemora os 30 anos da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), do curso “Participação e controle social de saúde indígena” e do relatório “Impactos da produção de commodities agrícolas às comunidades Avá-Guarani da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá/Oeste do Paraná”, produzido pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY).
Nesta segunda-feira pela manhã, a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas foi instalada com a presença do Cacique Raoni, da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), que será a coordenadora da frente, da ministra Sônia Guajajara e da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.
Indígenas no poder, hoje é um dia histórico para os povos indígenas é inaugurada a Frente Parlamentar Mista na Defesa dos Povos Indígenas. Foto: @renankhisetje / @midiaindigenaoficial pic.twitter.com/52KFWMtlMT
— Mídia Indígena-Oficial (@MidiaIndigena) April 24, 2023
Marco Temporal
O Acampamento Terra Livre também irá debater as consequências do Marco Temporal para os direitos dos povos indígenas em plenária no dia 27 de abril.
Lideranças se reunirão em uma vigília em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 26 para reivindicar a declaração da sua inconstitucionalidade. O Marco Temporal volta a ser julgado no dia 07 de junho, como anunciado pela presidenta do STF, ministra Rosa Weber.
Trata-se de uma tese ruralista pela qual apenas as comunidades indígenas que estivessem fisicamente em seus territórios, no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, teriam direito a reivindicar seu reconhecimento oficial.
“A Apib fez um pedido junto à ministra Rosa Weber para que o julgamento retornasse a pauta justamente no período do acampamento, porém, sabemos que isso não depende de nós. O anúncio pode ser a qualquer momento e, se for durante o acampamento, seria de suma importância e de sinalização positiva para os povos e movimento indígena”, afirmou Kléber Karipuna, da coordenação da Apib.
O ATL é organizado pela Apib e construído em conjunto com suas sete organizações de base, sendo elas: Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), pela Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), pela Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), Comissão Guarani Yvyrupa, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho do Povo Terena e Assembléia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu).
Lista de Terras Indígenas prontas para homologação:
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Sociedade civil promove mobilização contra MP que ataca Mata Atlântica e Código Florestal
Para ambientalistas, Senado não deve pautar Medida Provisória que permite impunidade para quem desmata e contribui para a destruição do que restou da Mata Atlântica
Organizações da sociedade civil promoveram nesta terça-feira (11/04), em frente ao Congresso Nacional, ato contra a Medida Provisória (MP) 1.150/2022, que enfraquece a Lei da Mata Atlântica e o Código Florestal, permitindo brechas de impunidade para quem desmata ilegalmente. A mobilização contou com a presença de ambientalistas e parlamentares. A MP foi aprovada pela Câmara dos Deputados, em 30 de março, e agora está no Senado, podendo ser votada a qualquer momento.
Durante a manifestação, foi estendida no gramado uma bandeira de 25 metros da “SOS Mata Atlântica”, acompanhada de uma motosserra inflável com a mensagem “#Veta 1.150. Mudar o Código Florestal = desmatamento. Diga não”.
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Organizações fizeram ato em Brasília contra a Medida Provisória (MP) 1.150/2022, que enfraquece a Lei da Mata Atlântica e o Código Florestal|Sheyden
A Mata Atlântica é o único bioma brasileiro que possui uma Lei (11.428/2006) específica de proteção, devido a sua alta taxa de desmatamento. De acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, são apenas 12% de cobertura vegetal original conservada. Se aprovada, a MP 1.150 vai contribuir para a destruição do que restou do bioma.
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Medida Provisória (MP) 1.150/2022 abre brechas de impunidade para quem desmata ilegalmente, segundo organizadores da manifestação|Sheyden
“A medida provisória 1.150 rasga a Lei da Mata Atlântica, permitindo mais desmatamento naquelas florestas que são mais maduras, as matas primárias, que detêm a maior biodiversidade do nosso país, do nosso continente e que são extremamente importantes para as reservas hídricas, para a manutenção do clima, para a manutenção dos ecossistemas e vai na contramão de tudo que o mundo está fazendo”, comentou Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica. Ela disse que o ato tinha como objetivo chamar a atenção da sociedade e dos senadores para que a medida não seja aprovada.
Roberta del Giudice, secretária executiva do Observatório do Código Florestal (OCF) explica que a MP 1.150 “prorroga indefinidamente o início da restauração de 19 milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL), localizados nos quase 7 milhões de imóveis rurais já inscritos no CAR. A interrupção do processo de adequação levará à descrença na implantação das legislações ambientais, dando um sinal negativo para os mercados internacionais mais exigentes”.
Nilto Tatto, deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) de São Paulo e presidente da Frente Parlamentar Ambientalista (FPA), enfatizou que a criação da MP 1.150/2022 é mais uma tentativa de assegurar a impunidade para aqueles que cometem crimes ambientais no país e que não querem assumir a responsabilidade e o compromisso de recuperar APPs e reservas legais.
“São quase 20 milhões de hectares que precisam ser recuperados. Mas tem um outro problema muito sério também nesta medida provisória. Foi colocado um jabuti, que praticamente enterra, anula uma conquista histórica do movimento ambientalista brasileiro, que é a lei da Mata Atlântica”, acrescentou.
Um “jabuti” é quando parlamentares inserem em uma proposta legislativa alterações de outra natureza, que nada têm a ver com o que diz o texto original. Essa manobra é feita para tentar driblar a vigilância de opositores, da imprensa e da sociedade.
“Por isso, nós estamos aqui neste ato, para fazer com que o Senado não aprove esta medida provisória. Ela já foi aprovada na Câmara, pela bancada ruralista, e agora nós estamos aqui numa mobilização muito grande, para que o Senado não aprove de forma nenhuma este retrocesso na área ambiental. É jogar por terra o Código Florestal e especialmente a lei da Mata Atlântica”, completou o deputado.
Em último caso, se aprovada, a esperança é de que seja vetada pelo presidente Lula.
No site do Senado há uma consulta pública com votação em aberto. Vote “não”, aqui nesse link, e ajude a somar nesse movimento.
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
ISA repudia gesto supremacista branco em show
Condutas como a de Sigmund Vestrheim, baterista da banda da cantora Aurora, fazem parte de uma história de violência contra populações perseguidas, entre elas judaicas, negras, ribeirinhas, quilombolas e indígenas
O Instituto Socioambiental (ISA) vem a público manifestar total repúdio ao gesto supremacista branco do baterista da banda da cantora norueguesa Aurora, Sigmund Vestrheim, ao final do show realizado neste domingo (27/3), em São Paulo. O gesto está associado a publicações com outros símbolos nazistas e supremacistas nas redes sociais do baterista.
Condutas como essas fazem parte de uma história de violência contra populações perseguidas, entre elas judaicas, negras, ribeirinhas, quilombolas e indígenas. A atitude é frontalmente contrária aos valores e à missão do ISA, que há 29 anos trabalha na defesa dos direitos dos povos indígenas e populações tradicionais no país.
Na manhã que precedeu o show, o ISA, em parceria com a Fundação Rainforest da Noruega, realizou um encontro entre Aurora e as lideranças indígenas Watatakalu Yawalapiti e Vanda Witoto e apresentou à cantora o recém-lançado livro “Povos Indígenas no Brasil 2017-2022”.
A publicação, entregue em mãos a Aurora, faz o registro do período mais cruel pós-redemocratização para os Povos Indígenas no Brasil, e é um instrumento para manter viva a memória coletiva sobre essa história de ataques, que não podem mais se repetir. O encontro foi realizado em um hotel na capital paulista, registrado e postado nas redes sociais do ISA.
O compromisso da luta pela defesa dos direitos dos povos indígenas e populações tradicionais não permite que pessoas públicas tomem posições contraditórias sobre gestos supremacistas, e ao mesmo tempo desconsiderem seus impactos nefastos sobre a sociedade.
Seguindo nosso posicionamento, as postagens que registravam o encontro foram excluídas das redes sociais do ISA. O racismo, a apologia ao nazismo e ao supremacismo são crimes no Brasil e não podem ser tolerados.
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