Brasil Socioambiental: desenvolvimento, sim. De qualquer jeito, não.
Um dos motes do ISA em sua fundação
A política é o meio de exercer a cidadania para garantir direitos. Nesse campo, o ISA visa contribuir para o Brasil ser um país mais justo e sustentável, a partir de marcos legais, institucionais e de políticas públicas que reflitam os desafios colocados à sociedade brasileira, incluindo povos indígenas e comunidades tradicionais, cujo papel para a manutenção de nosso patrimônio socioambiental é fundamental. Com o trabalho em Política e Direito, trazemos para o debate público e à formulação de normas e políticas as experiências desenvolvidas por e com nossos parceiros, bem como o conhecimento acumulado pelo próprio ISA nos temas socioambientais.
Atuar com o tema Política e Direito é um dos pilares do trabalho do ISA desde sua criação. O Núcleo de Direitos Indígenas (NDI), organização que precedeu e integrou a fundação do ISA, foi uma referência na sociedade civil brasileira nos anos 80 e 90, atuando junto aos poderes da República para a implementação dos direitos constitucionais indígenas, conquistados na Constituição de 1988. O trabalho do Programa Povos Indígenas do Centro Ecumêmico de Documento e Informação (Cedi), outra instituição que participou da criação do ISA, também sempre esteve voltado para a garantia dos direitos dos Povos Indígenas.
Desde sua fundação, em 1994, o ISA ampliou essa atuação para outros temas socioambientais, tendo participado ativamente de debates sobre a formulação de leis e políticas fundamentais ao desenvolvimento sustentável do País. Esse trabalho requer constante articulação interinstitucional no âmbito da sociedade civil, dos movimentos sociais e com outros setores, o que fazemos por meio da participação de nossos advogados, pesquisadores e ativistas em coletivos, fóruns e redes.
A missão da equipe do ISA que atua diretamente com o tema Política e Direito valoriza as iniciativas políticas e legislativas de caráter propositivo, qualificando o debate público e apresentando soluções aos desafios em pauta, mas sem abrir mão dos recursos de obstrução e das estratégias de denúncia e de resistência política contra qualquer ameaça de retrocesso.
A equipe do ISA reúne perfis multidisciplinares e opera em articulação direta com os demais times da organização, sempre antenada com as demandas e propostas da sociedade civil para a agenda socioambiental e atenta à atuação dos atores políticos e tomadores de decisão. Além disso, atuamos inspirados pelo movimento social que mobiliza milhares de corações e mentes pelo Brasil para transformar o País em um lugar mais justo e sustentável.
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Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, ISA e Alana avaliam aplicação da Lei de Ensino de História e Cultura Indígena
Iniciativa lançada durante o ATL 2025 quer conhecer experiências de professores indígenas e fortalecer a efetivação da Lei 11.645/2008 nas escolas
Integrantes da Fneei pedem o reconhecimento das histórias, saberes e territórios indígenas nos currículos escolares|Oziel Ticuna/FNEEI
“Professora, professor indígena, pessoa educadora, você trabalha com formações sobre a Lei 11.645? Se sim, o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto Alana querem te conhecer!”.
No dia 14/04, o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, o ISA e o Instituto Alana, lançaram um levantamento sobre a aplicação da Lei 11.645, de 2008, a medida que torna obrigatório o ensino de histórias e da sociodiversidade indígena, africana e afro-brasileira no currículo nacional.
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Da esquerda para a direita: Martinha Guajajara, professora e pesquisadora tentehar; Luma Prado, do ISA; e Paula Mendonça, assessora pedagógica no Instituto Alana durante o ATL 2025|Oziel Ticuna/FNEEI
Apesar de aprovada há quase 18 anos, a Lei 11.645 segue ainda sem uma efetiva aplicação nas escolas, principalmente no que se refere à abordagem da questão indígena. Diante deste cenário, as três organizações desenvolveram a iniciativa que busca diagnosticar o importante papel dos educadores indígenas na plena consolidação da normativa, com o objetivo de entender as potências e fragilidades dessa atuação, identificando quem são, onde estão e como trabalham os professores indígenas que realizam formações com professores não-indígenas. Clique aqui para acessar o formulário.
Para Luma Prado, pesquisadora e articuladora no ISA, “a Lei 11.645, de 2008, é uma medida de reparação histórica e justiça curricular. É um direito de todas as crianças e jovens brasileiros conhecer e aprender com as múltiplas e milenares histórias e saberes indígenas, ainda mais em tempos de crise climática. E os professores indígenas têm um papel-chave nesse processo, pois podem articular as inovações pedagógicas da educação escolar indígena com os desafios de apresentar esses conteúdos nas salas de aula de todo o país”.
O convite, feito em primeira mão aos professores indígenas durante o 21º Acampamento Terra Livre, sucede a formulação conjunta da nota técnica “Lei 11.645/08: Ensino de História e Cultura Indígena”, lançada em dezembro de 2024, durante Encontro Nacional de Educação Escolar Indígena, em Brasília.
O documento, pensado pelas três instituições, apresenta uma análise sobre os avanços e os entraves enfrentados desde a promulgação da lei, incluindo um breve histórico que antecede a criação da normativa, além de avaliar o parecer do Conselho Nacional de Educação a respeito da sua aplicação.
A publicação aponta ainda que, embora haja dados relativos às Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, não há no momento distinções nítidas sobre a implementação da matriz indígena. “Fica evidente que há um longo caminho para sua plena consolidação na política educacional brasileira”, afirma a nota.
Para avançar na implementação desta Lei que é central no combate ao racismo contra povos indígenas, as principais recomendações trazidas na nota são: a formulação de Diretrizes Curriculares específicas para a matriz indígena; a presença de representantes indígenas nos conselhos de educação em todas as esferas; a produção e distribuição de materiais didáticos com autoria indígena; a formação continuada de educadores sobre a Lei; e a construção de um plano nacional específico para sua implementação. Acesse a nota técnica na íntegra aqui.
Sobre o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI)
O Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI) é um espaço de diálogo e articulação entre lideranças indígenas, educadores e o Estado, em defesa de uma educação escolar indígena específica, diferenciada e intercultural. Criado em 2015, o Fórum atua na promoção de políticas públicas que valorizem os saberes tradicionais, as línguas e os territórios indígenas, conforme previsto na Constituição e no Plano Nacional de Educação, reafirmando seu papel de resistência frente aos retrocessos nos direitos dos povos indígenas.
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ATL 2025 chega ao fim com forte mobilização indígena contra retrocessos no STF e no Congresso
Na carta final, Apib celebrou 20 anos de luta, alertou para a crise climática e expôs ataques sem precedentes aos direitos indígenas
Deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) puxa marcha no penúltimo dia de ATL, que terminou com repressão policial|@scarlettrocha
Na carta final do Acampamento Terra Livre (ATL) 2025, divulgada nesta sexta-feira (11/04), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou o maior ataque institucional aos direitos indígenas desde a promulgação da Constituição de 1988.
O documento, que marcou o encerramento da principal mobilização indígena do planeta, também alertou para a urgência da crise climática, condenou os projetos de energia e combustíveis fósseis que violam os territórios tradicionais, e exigiu o arquivamento imediato das propostas anti-indígenas em tramitação no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF).
O ATL 2025 foi marcado pela presença de mais de sete mil pessoas de diferentes povos para celebrar os 20 anos da Apib, reivindicar a garantia de direitos constitucionais e mostrar a potência da força ancestral.
Além das marchas “Apib Somos Todos Nós: Nosso Futuro não está à venda!” e “A resposta somos nós”, a programação contou com mesas e plenárias que discutiram o futuro desses povos em espaços como a COP30 e a Câmara de Conciliação do STF.
A ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que costuma visitar o evento, a falta de anúncio de novas demarcações e a violência policial contra a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) e outros indígenas durante a marcha desta quinta-feira (10/04) também marcaram o acampamento. A expectativa, de acordo com o coordenador nacional da Apib, Kleber Karipuna, é a de que novos anúncios de demarcação de Terras Indígenas sejam feitos ainda em abril.
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Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, lê no palco do ATL a carta final da mobilização indígena|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
Na carta final, a Câmara de Conciliação do STF, que discute a Lei do Marco Temporal sem a legítima representação do movimento indígena, foi denunciada como o maior ataque institucional desde a promulgação da Constituição. “O Ministro Gilmar Mendes propôs um novo anteprojeto de lei que fragiliza o direito à consulta livre, prévia e informada, criminaliza retomadas, indeniza invasores e altera profundamente o procedimento de demarcação. Pior: sinalizou a abertura de nova negociação sobre a mineração em terras indígenas”, diz o texto.
No Legislativo, a bancada ruralista pressiona pela aprovação de Propostas de Emendas à Constituição (PECs), como a PEC 48, do Marco Temporal, e a PEC 132, da indenização da terra nua, além da CPI da Demarcação das Terras Indígenas. “Exigimos o arquivamento imediato de todas as propostas legislativas de caráter anti-indígena em tramitação no Congresso Nacional”, diz o documento.
A carta ainda reforça que os conhecimentos tradicionais indígenas são essenciais para combater as crises climática e alimentar, defendendo a demarcação de terras como política ambiental urgente e o financiamento direto para a proteção territorial.
“Nossa ciência e sistema ancestral, expressa na agroecologia, nas economias indígenas, na gestão coletiva dos territórios, na nossa relação espiritual com a Mãe Natureza, preserva a biodiversidade, todas as formas de vida, incluindo os mananciais e sustenta sistemas alimentares saudáveis e equilibrados”.
Acordo sem voz indígena
Na quarta-feira, a plenária “O Acordo sem Voz: A Câmara de Conciliação no STF e a Reconfiguração da Política Indigenista no Brasil” reuniu lideranças indígenas, parceiros e representantes de órgãos públicos.
A Câmara, instituída pelo ministro Gilmar Mendes para “pacificar” as partes em conflito pela Lei 14.701 – a Lei do Marco Temporal, encerraria em 2 de abril, mas a Câmara dos Deputados e o Senado Federal solicitaram sua prorrogação. O pedido foi corroborado pela União e deve ser avaliado por Mendes.
A Apib se retirou das negociações logo na segunda sessão, alegando falta de nitidez sobre o processo. Ainda assim, o ministro decidiu continuar as negociações, sem a participação da parte mais interessada no processo.
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Plenária “O Acordo sem Voz: A Câmara de Conciliação no STF e a Reconfiguração da Política Indigenista no Brasil”|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
Na plenária, o coordenador adjunto de política e direito do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta, criticou a continuidade da Câmara de Conciliação no STF sem a representação da Apib. "Eu nunca vi conciliação sem as partes. A Apib é a autora da ação e a legítima representante, segundo o STF, dos povos indígenas do Brasil. O Supremo está permitindo que se conciliem os direitos dos povos indígenas sem sua representação legítima”, afirmou.
O debate contou também com a participação da defensora Pública da União, Diana Freitas de Andrade; da liderança do povo Xukuru Guila Xukuru; do jurista e professor Carlos Marés; do advogado indígena Ricardo Terena; da advogada representante da Apib, Heloísa Machado e da ex-subprocuradora-geral da República Deborah Duprat.
Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib, falou sobre a importância do fortalecimento do movimento indígena para contrapor os retrocessos constitucionais em curso. “A nossa estratégia de luta precisa passar por esse momento de organização e mobilização social. O processo jurídico é importante, mas a gente só conseguiu o que conseguiu fazendo luta”, ressaltou.
Os participantes manifestaram preocupação com a proposição, pelo STF, de um anteprojeto de lei que propõe inúmeros retrocessos, como explica Maurício Guetta. “O processo de demarcação vai ser travado. Vai ter indenização para Terra Indígena. Vão tentar liberar mineração, garimpo, hidrelétrica e tudo o que tiver de empreendimento em Terra Indígena. Quando o indígena não quiser um empreendimento de branco no seu território, vão liberar mesmo assim, porque é o que está dito lá no projeto de lei do ministro Gilmar Mendes.", lamentou.
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Mais de sete mil indígenas se reuniram ao longe desta semana para exigir direitos constitucionais|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
Além disso, é atípico que o órgão responsável pelo controle constitucional proponha leis, “muito menos leis sobre minorias vulneráveis, como são os povos indígenas do ponto de vista jurídico”, explica Guetta. “E se essa lei viesse a ser aprovada, qual é a legitimidade do Supremo, depois, para exercer o seu papel que está na Constituição [que é avaliar sua constitucionalidade]?”.
A manifestação da defensora pública da União, Diana Freitas de Andrade, foi no mesmo sentido. "A grande preocupação da Defensoria Pública é muito elementar. É que não exista, no ordenamento jurídico brasileiro, uma lei imune ao controle constitucional dado pelo STF", afirmou.
Ex-subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat disse que o projeto abre as Terras Indígenas para as atividades econômicas para acabar com o processo de demarcação, como está estabelecido no artigo 231 da Constituição. “Tudo vai ser compra e venda. Tudo vai ser no fundo propriedade privada", definiu.
"A principal neutralização do projeto é a criminalização absoluta das retomadas”, continua Duprat. “As retomadas foram a maior inteligência que o movimento indígena desde sempre teve para forçar processos de demarcação. A gente sabe que, sem as retomadas, muitas demarcações não aconteceriam. Pelo projeto de lei, as retomadas são tratadas como crime", explicou Deborah Duprat.
“Não há direito se ele não é reconhecido e colocado em prática na hora”, afirmou o jurista Carlos Marés, um dos maiores especialistas em direitos indígenas no país. “O direito atrasado, que leva muito tempo para ser reconhecido, já deixa de ser direito, porque teve um tempo longo de ausência. Essa câmara é nada mais nada menos que uma tentativa do seu atraso . Ao meu entender a luta é para que se encerre [a câmara]”, sinalizou.
Guila Xukuru classificou a instalação da câmara de conciliação como “aberração jurídica”, que vai de encontro à determinação do STF. “A primeira coisa que a gente não pode abrir mão é que o direito dos povos indígenas é originário. A indenização da terra nua é para inviabilizar totalmente a demarcação desses territórios. A União não está pronta para cumprir com essa determinação que eles mesmos estão colocando”, enfatizou.
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ATL 2025: Lideranças indígenas lançam Comissão Internacional para a COP30
Debate com ministras, parlamentares e representantes do governo federal destacou protagonismo dos povos indígenas na luta para enfrentar a crise climática
Um dos momentos mais marcantes do quarto dia do 21º Acampamento Terra Livre (ATL) foi a plenária “A resposta somos nós: povos indígenas rumo à COP30", que contou com a presença de diversas lideranças indígenas nacionais e internacionais, representantes de organizações parceiras, autoridades do governo federal e parlamentares.
A maior mobilização do movimento indígena do mundo acontece desde segunda-feira (07/04) no centro de Brasília e reúne cerca de sete mil indígenas dos diferentes povos para denunciar retrocessos aos direitos indígenas, exigir a demarcação de terras e cobrar políticas públicas efetivas nas áreas de saúde, segurança alimentar e enfrentamento à crise climática.
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A resposta somos nós: plenária contou com a presença de diversas lideranças, organizações parceiras, autoridades e parlamentares|Leonor Costa/ISA
A tenda principal estava lotada para acompanhar o lançamento da Comissão Internacional Indígena para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP30), que ocorrerá em novembro, em Belém (PA).
Conduzida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a plenária também anunciou a Contribuição Nacionalmente Determinada Indígena (NDC) e teve a participação do presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago; da secretária-executiva da COP30, Ana Toni; da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara; da ministra do Meio Ambiente e de Mudanças do Clima, Marina Silva; do secretário-geral da Presidência da República, Márcio Macêdo; do Secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos do Ministério da Igualdade Racial, Ronaldo dos Santos; e das deputadas federais Célia Xacriabá (PSOL-MG) e Érika Hilton (PSOL-SP).
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Deputada Erika Hilton (PSOL-SP) visitou o ATL nesta quinta|Carolina Fasolo/ISA
Ao anunciar o lançamento da Comissão Internacional Indígena, o coordenador-executivo da Apib, Kleber Karipuna, disse esperar que a COP30, em Belém, seja a maior em participação indígena e destacou a importância da luta do movimento nas ações de enfrentamento às mudanças climáticas.
“O lançamento dessa Comissão Internacional é fruto da nossa luta, da nossa articulação e do nosso movimento conjunto da Apib, da Aliança Global (de Comunidades Territoriais) e de todos os atores que fazem parte da luta do movimento indígena”, afirmou.
“Só é possível essa articulação porque nós estamos fazendo parte desse processo de diálogo e de discussão com o governo, com os mecanismos internacionais e com outros atores para garantir a nossa presença na COP do clima e levarmos a nossa voz, as nossas demandas".
"Não é possível que a 30ª COP deixe de falar que a solução para o enfrentamento da crise climática é a demarcação das terras indígenas, é a proteção da nossa biodiversidade e dos territórios indígenas", enfatizou.
Indígenas na linha de frente
A ministra Sônia Guajajara ressaltou a força da articulação da Apib e de suas regionais para garantir o protagonismo indígena na conferência do clima e destacou o esforço do governo federal nessa frente.
“Essa é uma conferência global, que acontece todos os anos, e nós sempre lutamos para que os povos indígenas estivessem no centro desse debate, porque comprovadamente os territórios indígenas funcionam como grande barreira contra o avanço das monoculturas, da mineração, do garimpo e do agronegócio”, pontuou.
"Nós também estamos criando essa comissão internacional, que estará dentro de um círculo que será criado por essa presidência (da COP30) e nesse círculo estarão as instâncias maiores, representativas dos povos indígenas", explicou a ministra, ao destacar a importância da Comissão Internacional da COP30, da qual será presidente.
O esforço do governo federal em defender os direitos dos povos indígenas e impedir o avanço do desmatamento, do garimpo e do agronegócio nos territórios foi o tema central da fala da ministra Marina Silva. Ela também pontuou as ações para que a COP30 ouça e reflita as demandas dos povos e comunidades tradicionais.
“O presidente Lula tem o compromisso de desmatamento zero até 2030. Tem o compromisso de que nós vamos ter uma NDC de 67% de redução de emissão de CO2 para todos os setores. Mas isso não é algo que é feito só por um governo, mas pela força transformadora de um povo”, ressaltou a ministra.
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Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas e futura presidenta da Comissão Internacional da COP30, fala ao ATL 2025|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
Ela finalizou agradecendo os ensinamentos dos povos indígenas. "Quero agradecer aos povos indígenas, porque eles nos ensinam como lutar com os recursos naturais sem destruir a floresta, a biodiversidade, os rios, os peixes e tudo que a natureza nos oferece".
Em uma rápida saudação, o embaixador André Corrêa do Lago destacou o orgulho de conduzir os trabalhos da COP30 com a possibilidade de ouvir lideranças indígenas de todo o país.
“Vocês dão uma dimensão ao Brasil que só me enche de orgulho e eu acho que nenhum presidente da COP teve o privilégio de estar cercado por pessoas como vocês. Vocês nos inspiram, vocês inspiram o mundo e essa COP vai abraçar vocês e vocês têm que abraçar essa COP. E a única coisa que eu posso dizer é que hoje eu tenho um imenso orgulho de ser brasileiro".
Parlamento também é lugar de mulher indígena
Eleita deputada federal em 2022 pelo estado de Minas Gerais, Célia Xakriabá, do povo Xakriabá, localizado no norte do estado, ressaltou o peso do parlamento nas ações para impedir os retrocessos contra povos indígenas e o meio ambiente.
“Nós temos uma grande luta. Fui presidenta da Comissão da Amazônia, dos Povos Originários e de Comunidades Tradicionais, e quero dizer que não precisa ser da Amazônia para defender a Amazônia; da Caatinga, do Cerrado, do Pampa e do Pantanal para defender esses biomas. As pessoas não sabem, mas 90% dos parlamentares da Amazônia são contra o meio ambiente. Então é preciso ter a força dos parlamentares e de um Congresso Nacional onde existem mais de mil projetos de lei de retrocesso aos territórios indígenas", enfatizou a deputada, que é relatora, na Câmara dos Deputados, da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
Ao final da marcha “A resposta somos nós", que ocorreu logo após a plenária, Célia Xakriabá foi uma das atingidas pelos efeitos do gás de pimenta lançado por policiais militares contra os indígenas que se aproximavam do gramado do Congresso Nacional. Célia estava à frente da marcha e se apresentou como deputada federal, mas ainda assim os agentes da Polícia Militar seguiram com os atos desproporcionais de violência. Diversos indígenas passaram mal e foram socorridos por equipes do Corpo de Bombeiros no local.
Confira as declarações da deputada em coletiva de imprensa:
Leia a nota e confira a coletiva de imprensa da Apib ocorrida na manhã desta sexta-feira (11/04).
"Devolvam a nossa terra que vocês tomaram”
"Não haverá justiça climática sem a demarcação dos nossos territórios. E sem a demarcação dos nossos territórios continuaremos morrendo”, assim a coordenadora da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e liderança da aldeia Tekoa Takuatya, Ju Kerexu abriu a sua fala na plenária “A resposta somos nós: povos indígenas rumo à COP30".
Para destacar a urgência de todos os povos do Brasil terem seus territórios demarcados como parte da luta contra a crise climática, Kerexu puxou um canto reza, junto com indígenas guaranis presentes, que diz: “Peme’ẽ jevy, peme’ẽ jevy/ Ore yvy peraa va’ekue/ Roiko’i aguã (Devolvam, devolvam/ a nossa terra que vocês tomaram/ Para que a gente continue vivendo).
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Anaya Suya, conselheira da Rede Xingu+ e assessora de comunicação da ATIX, marcha no penúltimo dia de ATL|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
"Quando a gente fala sobre a COP30, especialmente essa, que possa ser de fato a COP dos povos indígenas, para que a gente possa trazer a nossa voz, trazer os nossos cantos, trazer as nossas pisadas, pois nós sabemos a resposta, e a resposta somos nós. E, assim, dizer para o mundo inteiro, que todos precisamos desse planeta para existir", emendou a liderança após o canto.
Sineia do Vale, indígena do povo Wapichana e co-presidente para América Latina e Caribe do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas (Caucus Indígena), também ressaltou a importância da luta pela demarcação das terras indígenas quando se fala em COP30 e em soluções para enfrentar a emergência climática.
“A COP é o espaço em que nós vamos discutir principalmente sobre a questão climática, mas isso não é menos do que nós trazermos o principal foco de todas as discussões de todos os povos indígenas do Brasil e do mundo, que é principalmente a demarcação de nossas terras, que é essencial para a questão das mudanças climáticas", defendeu.
A NDC indígena
Elaborada a partir do acúmulo de propostas das organizações regionais da Apib, a NDC Indígena (Contribuição Nacionalmente Determinada), lançada no 21º ATL, reforça que o debate climático precisa considerar a equidade, a autodeterminação e a participação efetiva dos povos indígenas e comunidades tradicionais na implementação da NDC brasileira, no âmbito do Acordo de Paris.
Conforme divulgado pela Apib, o documento é dividido em seis eixos temáticos:
- Mitigação, que defende o reconhecimento e a proteção dos direitos territoriais dos povos como política essencial de mitigação climática;
- Adaptação, que destaca a importância de proteger saberes ancestrais, como o manejo do fogo e a medicina indígena;
- Financiamento, que propõe revisar mecanismos existentes e criar instrumentos específicos para o financiamento direto das organizações indígenas;
- Transferência de tecnologia, que sugere integrar conhecimentos tradicionais à ciência moderna nas estratégias climáticas;
- Capacitação, com foco em formação técnica e acesso a informações climáticas em linguagem acessível;
- Justiça e ambição, que reconhece a dívida histórica com os povos indígenas e tradicionais;
- Co-benefícios, que relacionam a demarcação de terras às ações contra a mudança do clima, fortalecendo os compromissos internacionais do Brasil.
"O documento é baseado na justiça climática, no direito ao consentimento livre, prévio e informado, e na importância de soluções que respeitem a natureza e sejam pensadas e lideradas pelos povos indígenas", afirmou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
Comissão Internacional Indígena para a COP30
Com o desafio de amplificar a visibilidade e a influência dos povos indígenas nas negociações climáticas, a Comissão Internacional Indígena para a COP30 será presidida pela ministra Sonia Guajajara e composta pelas seguintes organizações: Apib, Coiab, Anmiga, o G9 da Amazônia Indígena, a Aliança Global de Comunidades Territoriais (GATC), e o Fórum Permanente da ONU sobre Assuntos Indígenas (UNPFII).
De acordo com a Apib, além destas, há diálogo para participação de outras organizações e fóruns internacionais indígenas.
Entre as funções e tarefas da Comissão estão o desenvolvimento de uma metodologia para garantir o credenciamento de povos indígenas para a Conferência das Partes como prática institucionalizada para futuras COPs; assegurar que haja foco em prioridades específicas dos povos originários; conduzir reuniões regionais; e planejar e executar eventos e reuniões com Estados-partes, agências da ONU e aliados, com o objetivo de ampliar as demandas dos povos.
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Marcha por direitos indígenas no ATL 2025 é marcada por violência policial
Manifestação com mais de sete mil pessoas seguia pacificamente em direção ao Congresso Nacional quando foi atacada por agentes
A marcha “A Resposta Somos Nós”, a segunda grande manifestação indígena do Acampamento Terra Livre (ATL) 2025, realizada no final da tarde desta quinta-feira (10/04), em Brasília, reuniu mais de sete mil pessoas e seguia com tranquilidade pelas ruas da capital, até sofrer ataques da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e do Departamento de Polícia Legislativa (DPOL) ao se aproximar do Congresso Nacional.
Corpo de Bombeiros socorrem manifestantes atacados pela polícia|Richard Wera
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Pelo menos três pessoas precisaram ser levadas em ambulância|Richard Wera
Os manifestantes foram surpreendidos por bombas de gás lacrimogêneo e gás de pimenta. A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL/MG), que estava à frente da marcha, também foi atingida pelos efeitos do gás e precisou de atendimento médico. Mesmo se apresentando como parlamentar, os agentes da Polícia seguiram com os atos desproporcionais de violência.
Diversos indígenas passaram mal, de acordo com Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e foram socorridos por equipes do Corpo de Bombeiros no local. “As pessoas mais atingidas foram mulheres, muitas chegaram a desmaiar”, afirmou ao Instituto Socioambiental (ISA) Kretã Kaingang, coordenador executivo da Apib.
A entidade, que celebra seus 20 anos de atuação em defesa dos indígenas no Brasil, reforçou que não houve qualquer ato de vandalismo que justificasse a reação policial, e ressaltou que o acesso ao gramado do Congresso foi feito de forma espontânea e pacífica, sem confrontos.
Imagens feitas pela imprensa e por manifestantes demonstram que não havia um cordão de isolamento formado por policiais, como seria o esperado, nas grades que circundam o Congresso Nacional para barrar a passagem dos participantes da marcha. Foi somente após os ataques que a Polícia Militar posicionou-se em frente ao Congresso.
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Polícia militar formou cordão de isolamento após ataques|Ester Cezar/ISA
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Policiais se posicionam em frente ao Congresso|Ester Cezar/ISA
Em nota à imprensa enviada na noite de ontem, a Apib afirmou que “repudia de forma veemente os atos de violência do Congresso anti-indígena, cometidos pelo Departamento de Polícia Legislativa (DPOL) e pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF)” e lamentou “o uso desnecessário de substâncias químicas contra os manifestantes, mulheres, idosos, crianças e lideranças tradicionais”.
Segundo a Apib, há indícios de que a ação policial faz parte de um “contexto de violência institucional disseminada contra os povos indígenas”, e apresentou um áudio, produzido nesta quarta-feira (09/04).
“Durante reunião convocada pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), para tratar da organização da marcha (...), um participante não-identificado proferiu manifestação de cunho racista e de incitação à violência: ‘deixa descer logo… deixa descer e mete o cacete se fizer bagunça’”, afirma o agente, ainda não identificado. O áudio foi obtido pela Apib após pedido feito ao órgão.
Mesmo diante da violência, a Apib reafirmou seu compromisso com a luta por direitos, com o diálogo democrático e com a continuidade da mobilização. “Seguiremos ocupando Brasília com nossas vozes, nossos corpos e nossos cantos. Somos os guardiões da terra e da vida, e não nos calaremos diante da repressão”, declarou a organização.
“Meu repúdio total à inaceitável violência que vimos hoje no Congresso. Os povos indígenas merecem respeito”, disse a ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, em um post nas redes sociais. Ela e a ministra Marina Silva, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), estiveram presentes no início do ato, que saiu do Eixo Monumental, onde acontece o acampamento.
Realizado há 21 anos, o ATL é a maior mobilização indígena do mundo. Desde segunda-feira (07/04), lideranças de mais de 200 povos indígenas de todas as regiões do Brasil se reúnem em Brasília para denunciar retrocessos aos direitos indígenas, exigir a demarcação de terras e cobrar políticas públicas efetivas nas áreas de saúde, educação, segurança alimentar e enfrentamento à crise climática.
O encontro deste ano acontece poucos dias após a comissão de conciliação do marco temporal – convocada em abril de 2024 pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes – terminar sem consenso entre ruralistas e governo. Ontem, após pedido da Câmara dos Deputados e do Senado, o governo federal concordou com a prorrogação da comissão.
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Marcha por direitos indígenas do ATL 2025 seguiu com tranquilidade até ser recebida com violência no Congresso Nacional|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
A tese ruralista do marco temporal estabelece que os povos indígenas só teriam direito às terras que ocupavam fisicamente em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Essa interpretação restringe severamente os direitos territoriais indígenas, desconsiderando os inúmeros casos de expulsões forçadas, violências e processos de recuperação territorial que não estavam formalmente registrados à época.
Leia a nota da Apib na íntegra:
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) repudia de forma veemente os atos de violência do Congresso anti-indígena, cometidos pelo Departamento de Polícia Legislativa (DPOL) e pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) na tarde desta quinta-feira, 10, durante a marcha “A Resposta Somos Nós”, que faz parte da programação do Acampamento Terra Livre (ATL).
O Congresso, além de aprovar leis inconstitucionais, ataca os povos indígenas e seus próprios deputados. A deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL) e várias pessoas ficaram feridas ao serem recebidas com bombas de gás de pimenta e efeito moral, no local que deveria ser a casa da democracia. Lamentamos o uso desnecessário de substâncias químicas contra os manifestantes, mulheres, idosos, crianças e lideranças tradicionais.
Temos evidências de que os atos fazem parte de um contexto de violência institucional disseminada contra os povos indígenas. Ontem, durante reunião convocada pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), para tratar da organização da marcha do dia de hoje, um participante não-identificado proferiu manifestação de cunho racista e de incitação à violência: “deixa descer logo… deixa descer e mete o cacete se fizer bagunça”. Conforme registrado em gravação obtida por solicitação da APIB após a reunião, a fala foi proferida por um provável agente das forças de segurança.
Hoje, o acesso ao gramado do Congresso Nacional por parte dos manifestantes ocorreu de forma espontânea, sem qualquer ato de violência, depredação ou rompimento de barreira. A APIB reforça o caráter pacífico e democrático da manifestação, que reuniu mais de 7 mil lideranças indígenas de diferentes povos de todo o país.
A mobilização teve como objetivo a defesa de direitos constitucionais e o fortalecimento do diálogo com os Poderes da República. O Acampamento Terra Livre é realizado há mais de 20 anos na capital federal, sempre com forte organização, compromisso e respeito às instituições democráticas. Ao longo dessas mais de duas décadas, o movimento indígena sempre colaborou e continuará colaborando para garantir que o evento ocorra de forma tranquila e segura.
Acampamento Terra Livre 2025
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Brasília, 10 de abril de 2025
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Terras Indígenas contra a crise climática: celebridades abraçam campanha “Brasil Indígena, Terra Demarcada”
Anitta, Juliette, Glória Pires, Marcos Palmeira e outros nomes se unem a iniciativa da Mídia Indígena, Apib, Anmiga e ISA em defesa dos direitos dos povos indígenas no Brasil
Demarcar as Terras Indígenas é proteger o futuro do país. Com essa mensagem, Anitta, Juliette, Glória Pires, Dira Paes, Marcos Palmeira, Klebber Toledo, Xamã e Alejandro Claveaux, entre outros artistas, se uniram à campanha “Brasil Indígena, Terra Demarcada”, lançada pela Mídia Indígena, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e o Instituto Socioambiental (ISA), nesta quarta-feira (09/04).
A iniciativa busca sensibilizar a sociedade sobre a importância dos povos indígenas e de suas terras para a preservação das florestas e o enfrentamento à crise climática. Para isso, os artistas cederam gratuitamente suas imagens e vozes, contribuindo com vídeos que, apoiados em dados concretos, destacam o papel essencial das Terras Indígenas no combate às mudanças climáticas.
A campanha ganha ainda mais relevância neste mês de abril, quando milhares de lideranças de todo o país se reúnem em Brasília para o Acampamento Terra Livre (ATL) 2025 – a maior mobilização indígena do mundo. O lançamento da campanha, com a divulgação dos vídeos de Anitta, Glória Pires e Kléber Toledo nesta semana, faz parte da programação do evento. Os vídeos dos demais serão divulgados ao longo das próximas semanas.
Sob o lema “Apib somos todos nós: em defesa da Constituição e da vida”, o ATL denuncia as ameaças aos direitos constitucionais dos povos indígenas, em especial o avanço do marco temporal.
A tese ruralista que limita a demarcação de Terras Indígenas apenas às ocupadas na data da promulgação da Constituição, em 1988, foi validada pelo Congresso Nacional e transformada em lei mesmo após ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O movimento indígena e as organizações da sociedade civil alertam que a tese legaliza invasões, amplia a insegurança nos territórios e ameaça a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas.
Mais do que uma dívida histórica, a demarcação das Terras Indígenas é uma estratégia urgente de enfrentamento à crise climática. Estudos revelam que esses territórios são os que mais conservam a biodiversidade e ajudam a conter o avanço do desmatamento. Garantir os direitos territoriais dos povos indígenas é, portanto, garantir o futuro do país.
Veja dados que comprovam a importância das Terras Indígenas
- Proteção ambiental: As Terras Indígenas são as áreas mais preservadas do Brasil, com apenas 1,6% de desmatamento entre 1985 e 2022, enquanto terras privadas lideram a devastação. Os territórios indígenas estão em média 16 vezes mais preservados que áreas em seu entorno.
- Combate às mudanças climáticas: A preservação das florestas indígenas é vital para a redução de emissões de CO2 e para a mitigação do aquecimento global, de acordo com estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
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Sobrevoo no Rio Xingu, nas proximidades da aldeia Moygu, no Território Indígena do Xingu (TIX)|Fernanda Ligabue/ISA
- Chuvas que sustentam a economia: Terras Indígenas da Amazônia influenciam as chuvas que abastecem 80% da área das atividades agropecuárias no país, evidenciando o papel central desses territórios na segurança hídrica e econômica do país. Em 2021, o setor agropecuário gerou R$ 338 bilhões em estados que dependem da regulação dos ciclos de chuvas das Terras Indígenas. Isso é 57% de toda a produção do setor no país.
- Riqueza cultural: O Brasil abriga 305 povos indígenas que falam mais de 274 línguas (IBGE), guardando um patrimônio cultural único e conhecimentos tradicionais fundamentais para a ciência e a sustentabilidade.
- Direitos garantidos: A Constituição Federal de 1988 reconhece os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras, e a demarcação é um dever legal do Estado brasileiro.
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Indução de conflitos
Como zelador dos direitos constitucionais indígenas, STF deve estar disposto a corrigir eventuais equívocos a que está sujeito
Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
Imagine que eu e você, leitor (a), pertencemos ao mesmo povo indígena, mas vivemos em aldeias diferentes dentro de uma mesma Terra Indígena. Suponha que haja uma jazida mineral perto da sua aldeia, mas sua comunidade não quer explorá-la por causa dos impactos socioambientais. Já na minha aldeia, não existe uma jazida semelhante e economicamente viável.
Agora, imagine que seja realizada uma consulta para decidir sobre a exploração dessa jazida e que sua comunidade se posicione contra, enquanto a minha apoia. Mesmo assim, a mineração é autorizada, desconsiderando a vontade da sua comunidade, causando danos para vocês e trazendo benefícios econômicos para a minha aldeia.
Essa situação absurda será possível caso venha a ser acatada a regulamentação da pesquisa e da lavra mineral em territórios indígenas que consta da sugestão legislativa apresentada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, enquanto relator do processo de conciliação em curso no STF – decorrente de ações judiciais que questionam a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso e que prevê uma série de retrocessos aos direitos indígenas, como o “Marco Temporal” das demarcações.
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Lideranças indígenas participam de audiência da comissão do marco temporal, em agosto de 2024|Tukumã Pataxó/Apib
A proposta de regulamentação da mineração em Terras Indígenas, que sequer constava da referida lei, ainda será discutida no âmbito da comissão de conciliação e no plenário do STF, antes do seu eventual envio ao Legislativo. É bom lembrar ainda que o tema da mineração em territórios indígenas não foi discutido na comissão e aparece agora na proposta do colegiado, na reta final das discussões, embora elas tenham começado há mais de seis meses.
A regulamentação da pesquisa e lavra mineral em Terras Indígenas está prevista nos artigos 176, parágrafo único, e 231, parágrafo terceiro, da Constituição, embora nunca tenha sido efetivada pelo Congresso. Uma ADO, ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que também se encontra no Supremo sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, pretende suprir a inação do Congresso.
Não é não
A Constituição diz que é competência exclusiva do Congresso autorizar a pesquisa e a lavra mineral em Terras Indígenas, no interesse nacional, ouvidas as populações afetadas, que devem participar do resultado da lavra. A audiência às comunidades não é uma mera formalidade, mas supõe que elas devem ser de fato consultadas. Porém, a proposta de regulamentação diz que a exploração deve ocorrer independentemente de estarem, ou não, de acordo. Ou seja, a vontade dos indígenas só seria levada em conta se estiverem de acordo com a exploração. Se forem contra, a atividade deve ocorrer mesmo à revelia da sua vontade.
A consulta às comunidades afetadas, também prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), deve ser livre, prévia e informada, o que sugere que deve ser efetiva. Isso quer dizer que as populações indígenas têm o direito de influenciar concretamente o processo de tomada de decisões que lhes afetem diretamente. De acordo com a convenção, a consulta, portanto, deve sempre ser realizada por meio das instituições representativas dessas comunidades, mediante procedimentos adequados a cada circunstância, respeitando sua língua, seus costumes e sua cultura. Mas não é o que ocorre no projeto de lei proposto. Um eventual “não” deveria ser acatado, ainda que se definisse um prazo para refazer a consulta alguns anos depois.
A posição das comunidades afetadas, conforme a definição constitucional — tanto na consulta quanto na eventual participação nos resultados da lavra —, não pode ser substituída pela audiência a outras comunidades da mesma Terra Indígena ou etnia, ainda que essas também possam auferir benefícios decorrentes dos resultados econômicos da lavra.
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Indígenas se manifestam contra a mineração ilegal em Terras Indígenas durante o Acampamento Terra Livre (ATL) 2022, em Brasília|Diego Baravelli/Greenpeace
Alhos e bugalhos
É de boa lógica linear pretender que o processo de conciliação no STF venha a sistematizar os vários aspectos dos direitos indígenas que demandam legislação. Afinal, a Lei 6.001/1973, o Estatuto do Índio, promulgada quinze anos antes da Constituição, não foi revista para se adequar à ela, que, por sua vez, prevê regulamentações específicas, entre as quais a relativa à pesquisa e à lavra mineral em Terras Indígenas. Além disso, sempre haverá novos temas, que afetam os direitos indígenas e que demandam novas regulamentações.
Porém, a lógica política não é linear e se impõe, como é o caso da Lei 14.701/23 e da sua contestação no próprio STF. O processo legislativo é movido por essa lógica, que introduz tensões assimétricas em relação às lacunas legais existentes. É preciso estarmos atentos aos riscos políticos que, emanados de determinados processos, não contaminem o tratamento de outras questões. Por isso, é mais prudente que o processo de conciliação esteja focado nos temas tratados pela Lei 14.701/24, objeto do contencioso.
O STF é o zelador dos direitos constitucionais indígenas, assim como dos de outras minorias e segmentos mais vulneráveis da sociedade brasileira. Por isso, deve estar permanentemente atento às sutilezas próprias do tratamento a esses direitos. Assim como deve se dispor a corrigir eventuais equívocos a que está sujeito, da mesma forma que deve ocorrer com as demais instituições e poderes da República.
A regulamentação da pesquisa e lavra em Terras Indígenas tem previsão constitucional e natureza bem diversa da solução de contenciosos instaurados relativos à demarcação das Terras Indígenas. Além disso, envolve outras instituições públicas e privadas, que não integram a comissão de conciliação que se aproxima da conclusão dos seus trabalhos. O seu tratamento também reclama maior profundidade e assertividade do que seria possível no contexto de leis que exigem outros focos.
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Resultados da COP29 e desafios da COP30 são temas do sexto episódio do “Vozes do Clima”
Último episódio da primeira temporada traz avaliações de lideranças e ativistas socioambientais que estiveram em Baku, no Azerbaijão, e aponta expectativas para a COP de Belém
Episódio 6 traz avaliações sobre os resultados da COP29 e aponta expectativas para a COP30|Kath Matos e Wanessa Ribeiro
O Instituto Socioambiental (ISA) lança nesta quinta-feira (19/12) o sexto episódio do “Vozes do Clima”, boletim de áudio lançado em junho deste ano, com o objetivo de levar informações a povos e comunidades tradicionais sobre os temas relacionados à pauta climática.
Esta sexta edição, apresentada pela comunicadora indígema Thayne Fulni-ô, do povo Fulni-ô, de Pernambuco, traz avaliações de lideranças e ativistas socioambientais que estiveram na COP 29 (Conferência das Partes) em Baku, no Azerbaijão, sobre as decisões tomadas referentes ao financiamento climático e ao mercado de crédito de carbono, por exemplo, e os desafios que estão postos para a COP30,que acontecerá em novembro de 2025, em Belém, Pará.
A expectativa é que a maior reunião global de discussões climáticas tenha, no centro do debate, a Amazônia. Um dos grandes desafios é que suas populações tradicionais, essenciais para o enfrentamento da crise climática, sejam efetivamente ouvidas. Na avaliação das lideranças entrevistadas pelo “Vozes do Clima, será preciso avançar em discussões já iniciadas e alcançar resultados melhores que os da COP29, cujos resultados foram frustrantes.
De acordo com Sinéia do Vale, do povo indígena Wapichana, representante do Conselho Indígena de Roraima e do Caucus Indígena, a responsabilidade do Brasil aumentou depois da COP29.
“Eles praticamente passaram o bastão para a COP30, como se a COP30 no Brasil fosse a COP que vai trazer todos os resultados que não trouxe da COP29. Então, é claro que nós vamos ter uma COP no Brasil - a COP dos Povos Indígenas, como a gente tá chamando - em que a gente também vai discutir em vários âmbitos essa questão das negociações. Mas com certeza nós não vamos ser a solução para vários resultados que deixaram de ser na COP29”, avaliou.
Sineia do Vale assumiu durante a COP29, em Baku, a co-presidência do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças do Clima|Pepyaká Krikati/Coiab
“Agora os mercados de carbono finalmente podem começar a funcionar no mundo. Depois de nove anos de negociação, a gente já tem esse arcabouço legal internacional para países poderem trocar crédito de carbono entre si, comprar e vender para empresas, outros tipos de organização”, explica Cláudio Ângelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima.
Ciro Brito, analista de políticas climáticas do ISA, relaciona essa decisão com a Lei 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) e sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva em 11 de dezembro.
“Em vários dispositivos da lei se faz referência às negociações internacionais e às pactuações internacionais em relação ao mecanismo de mercado de carbono. Então, a opção da legislação brasileira é de observar aquilo que tivesse sendo decidido no âmbito internacional, justamente pelo interesse de que o mercado de crédito de carbono no Brasil, pela finalidade que esse mercado tem, ajude o Brasil a cumprir suas NDCs, que são as contribuições nacionalmente determinadas”, pontua.
Sobre a agenda de mitigação e adaptação às mudanças do clima, a COP de Belém também terá a missão de avançar nessas discussões pensando em ações ligadas à promoção da Justiça Climática.
“A gente teve sim uma linguagem de direitos humanos colocada para a agenda de adaptação, um olhar sensível para isso, mas que se ausentou desta responsabilidade de reconhecer populações afrodescendentes. E acho que essa é a nossa grande disputa para a COP30: conseguir fazer com que o Brasil seja protagonista da sua agenda de reconhecer a sua população e reconhecer quem hoje, no Brasil, precisa de adaptação climática, que são as populações negras nas periferias urbanas, as populações indígenas e quilombolas”, argumenta Thaynah Gutierrez, secretária-executiva da Rede por Adaptação Antirracista.
Valéria Carneiro, diretora da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará - Malungu e presidente do fundo quilombola Mizizi Dudu, espera que as populações mais afetadas sejam efetivamente ouvidas.
“Cada vez mais é necessário que tenha a contribuição e a participação das comunidades tradicionais no âmbito da pauta climática. Eu penso que não existe falar de Justiça Climática, de racismo ambiental, sem dialogar com os quilombolas, por exemplo”, reforça.
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Durante evento em Baku, lideranças quilombolas apontaram saídas para enfrentar a crise climática|Ciro Brito/ISA
O que é o “Vozes do Clima”?
O boletim de áudio “Vozes do Clima” é uma realização do ISA, com produção da produtora de podcasts Bamm Mídia e apoio da Environmental Defense Fund (EDF). A identidade visual foi concebida pelas designers e ilustradoras indígenas Kath Matos e Wanessa Ribeiro. Além de ser distribuído via Whatsapp e Telegram, o programa também poderá ser ouvido nas plataformas de áudio Spotify, iHeartRadio, Amazon Music, Podcast Addict, Castbox e Deezer.
O sexto episódio encerra a primeira temporada e, em breve, o ISA lançará a segunda temporada do “Vozes do Clima”.
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“Vitória coletiva”: Maurício Ye’kwana é o primeiro indígena a assumir coordenação da Saúde Yanomami e Ye’kwana
Liderança da região de Auaris deixa a diretoria da Hutukara Associação Yanomami para suceder o médico Marcos Pelegrini, que ocupou o cargo por um ano e quatro meses
Mauricio Ye'kwana em manifestação da Aliança em Defesa dos Territórios contra o garimpo|Cassandra Mello/Teia Filmes/ISA
Maurício Ye’kwana, liderança e ex-diretor da Hutukara Associação Yanomami (HAY), assumiu o cargo de coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’Kwana (DSEI-YY). A ministra da Saúde, Nísia Trindade, assinou a portaria publicada no Diário Oficial da União nesta quinta-feira (19/12). Esta é a primeira vez que um indígena assume o cargo de coordenador do DSEI-YY, órgão responsável pela saúde dos indígenas da maior Terra Indígena do Brasil.
“É uma vitória coletiva para o povo Yanomami e Ye’kwana. Eu não esperava essa nomeação, foi uma surpresa, mas eu aceitei esse desafio diante das tomadas de decisões coletivas das associações da Terra Indígena Yanomami. Fico muito animado em ter energias positivas para enfrentar os desafios junto às lideranças”, disse ao Instituto Socioambiental (ISA).
Maurício Ye’kwana tem formação técnica em Gestão Territorial pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Além de diretor da HAY, ele já atuou na Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye'kwana (FPEYY, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), trabalhando em operações conjuntas com a Polícia Federal para retirada de invasores, especialmente no combate o garimpo ilegal.
Por cinco anos, fez parte da assessoria indígena do DSEI-YY. Ele agora sucede o médico Marcos Pelegrini, que ocupou o cargo por um ano e quatro meses. Pelegrini pediu exoneração na última segunda-feira (15/12).
“Agradeço a todos pela oportunidade de colaborar na reconstrução do subsistema de saúde indígena e pelo aprendizado que tive em participar desse processo. Estarei à disposição para contribuir com o que for possível”, disse Pelegrini em mensagem de despedida.
Antes, o enfermeiro Leandro Bola ocupava o cargo, tendo sido a primeira nomeação após o governo federal decretar Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) na Terra Indígena Yanomami.
O governo reconheceu a crise no território em 21 de janeiro de 2023, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Boa Vista após se chocar com as imagens de crianças e anciãos desnutridos.
Desde então, o governo e os indígenas trabalham juntos para recuperar a Terra Indígena Yanomami da crise causada pelo garimpo ilegal, que atinge o território em diversas áreas, como saúde, educação e desmatamento.
Desafios e prioridades
Seguir no combate das mazelas causadas pelo garimpo ilegal será uma prioridade para Maurício Ye’kwana. Ele afirma que focará também em capacitar conselheiros distritais e restabelecer relações com profissionais da saúde que vivem na Terra Indígena Yanomami.
“Temos foco no combate à malária, que afeta todo o território atingido pelo garimpo. Esse vai ser o maior desafio. Vamos continuar cuidando dos casos de desnutrição e cuidar da saúde mental dos jovens de Auaris e Maturacá”, afirmou.
Segundo a liderança, é preciso melhorar a segurança dos profissionais que trabalham na Terra Indígena Yanomami e fazer um amplo diálogo com os profissionais, principalmente os enfermeiros.
“Eu não vou estar sozinho, terei o apoio de parceiros para trabalhar na crise humanitária que existe na Terra Indígena Yanomami. Vou olhar todos como uma família, pois os Yanomami e Ye’kwana são parentes. Eu aprendi isso convivendo com o Davi [Kopenawa, xamã e presidente da Hutukara Associação Yanomami], que é como se fosse meu segundo pai”.
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Mauricio Ye'kwana discursa no encontro de Lideranças Yanomami e Ye'kuana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras|Victor Moriyama/ISA
Novo momento
Ele trabalhará diretamente com Weibe Tapeba, chefe da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). Ambos fazem parte de um grupo de indígenas que integram posições de protagonismo dentro do governo federal para lidar com as questões indígenas.
“A nomeação do Maurício Ye’kwana representa um novo momento na saúde indígena no território Yanomami. A partir do diálogo com lideranças e gestores de organizações indígenas, conseguimos pactuar o nome do Maurício, que concentra atributos importantes para que ele consiga dar continuidade ao planejamento no DSEI. Cumprimos, portanto, com o papel de articulação para que esse importante momento pudesse se tornar realidade”, declarou.
O secretário de Saúde Indígena explicou, ainda, que planeja atender à necessidade de ampliação no número de profissionais a fim de alcançar todas as comunidades indígenas, e de estruturação de equipamentos de saúde e saneamento, além do aperfeiçoamento da rede de assistência em Boa Vista e na Terra Indígena Yanomami, com a implantação do Centro de Referência em Surucucu.
“Será o primeiro do país a ofertar serviços de atenção especializada, implantação de telessaúde em quatro polos bases e na CASAI Yanomami, além da implantação da Unidade Hospitalar de Retaguarda da Saúde dos Povos Indígenas de Roraima”, afirmou.
A execução será uma parceria com a UFRR, sendo resultado de uma parceria entre o Ministério da Saúde, Ministério da Educação e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).
Desde 2023, lideranças indígenas assumem cargos estratégicos no governo federal, como Joenia Wapichana sendo a primeira presidente indígena da Funai e Sonia Guajajara sendo a primeira ministra dos Povos Indígenas, criado no início da terceira gestão de Lula.
“A relação do Estado Brasileiro com os povos indígenas começa a mudar. Agora, gestores indígenas estão ocupando espaços estratégicos da gestão em diversas instâncias do Governo Federal, o que nos permite, implantar um novo modelo de governança e gestão indígena na administração pública”, avaliou Weibe Tapeba.
Ainda conforme Weibe Tapeba, a partir de janeiro de 2025 , a Sesai deve construir uma estratégia com as organizações indígenas em conjunto com Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana para o monitoramento e planejamento das ações do DSEI, reforçando a participação social indígena.
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PGTA e Protocolo da TI Kayapó: o caminho para cuidar da terra, da floresta, dos rios e das pessoas
Instrumentos fortalecem aliança histórica dos Mẽbêngôkre-Kayapó na gestão do território, um dos mais afetados pelo garimpo
Ireô Kayapó puxa o 'metoro' de celebração no lançamento do PGTA e Protocolo de Consulta da TI Kayapó, no Memorial dos Povos Indígenas|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
Representantes das sete associações Mẽbêngôkre-Kayapó da Terra Indígena Kayapó (Pará) se reuniram no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, no último dia 4 de dezembro, para lançar oficialmente o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) e o Protocolo de Consulta da TI Kayapó. Estes instrumentos, construídos de forma coletiva, são considerados marcos para a proteção do território e do modo de vida do povo Kayapó.
O evento de lançamento reuniu lideranças indígenas, autoridades e representantes de organizações parceiras. Em uma cerimônia marcada pela emoção, os presidentes das sete associações Mẽbêngôkre-Kayapó - Associação Floresta Protegida (AFP), Associação Angrôkrere, Associação Pôre, Associação Tuto Pombo, Associação Kranhmeiti, Associação Piôkrere e Associação Pykôre - receberam das mãos das lideranças mais velhas as publicações do PGTA e do Protocolo de Consulta.
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Sandro Takwyry e os presidentes das Associações da TI Kayapó: Po’Y Kayapó, Kenkrô Kayapó, Patkàre Kayapó e Pàtkôre Kayapó|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
Quem conduziu a cerimônia foi Tânia Paiakan, filha da histórica liderança Kayapó Paulinho Paiakan. Honrada, ela celebrou o crescimento do protagonismo feminino na luta de seu povo e deu voz à Vice-Presidente da AFP Nhakton Kayapó, que fez um discurso mobilizador na língua Mẽbêngôkre-Kayapó.
A família Paiakan também esteve representada por Oé Paiakan, chefe da unidade regional da Funai no Sul do Pará, que participou de diálogo sobre o território com outros convidados, Maial Paiakan, Bep’tori Paiakan e Irekran Paiakan, respectivamente filhas, neto e esposa de Paulinho.
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Tânia Paiakan conduziu a cerimônia de lançamento de publicação que reúne o Protocolo e o PGTA da Terra Indígena Kayapó|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
O que são PGTAs?
De caráter dinâmico, os PGTAs têm como pano de fundo a expressão do protagonismo, autonomia e autodeterminação dos povos indígenas no seu, até agora, exitoso processo de proteção ambiental e controle territorial. Por essa razão, são tomados como estratégicos para a reflexão e planejamento do uso sustentável dos territórios indígenas, de forma a assegurar a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações e, de outro lado, tendo o não menos importante papel de fornecer subsídios para orientação de políticas públicas ambientalistas e indigenistas, ao demonstrar demanda, por meio de informações válidas e consistentes, de ações estruturantes nas Terras Indígenas a partir de uma correlação entre a política pública e a política indígena. Clique aqui para saber mais.
Para os kuben (termo para “não indígena” na língua Mẽbêngôkre-Kayapó), o protocolo de consulta estabelece as diretrizes e os procedimentos que devem ser seguidos quando decisões ou ações externas possam impactar diretamente direitos, territórios ou modos de vida, de povos indígenas e comunidades tradicionais. Já para os Kayapó é, além disso, um instrumento de união e futuro:
“Esses documentos são muito importantes não só para nós, mas para os nossos filhos e nossos netos. Os kuben, senadores e deputados, precisam respeitar esse documento. Hoje é um dia histórico e eu estou muito feliz por fazer parte disso,” declarou Kenkrô Kayapó, presidente da Associação Kranhmeiti.
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Lideranças das Terra Indígena Kayapó unidas pela proteção do modo de vida Mẽbêngôkre-Kayapó|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
Durante o processo de elaboração do PGTA, os Mẽbêngôkre-Kayapó traduziram o termo "Plano de Gestão Territorial e Ambiental" como Pyka mẽ bà mẽ ngô mẽ mẽ’ĩ mẽ ‘ã no am kadjy amĩ pry karõ djiri, que significa "o caminho para cuidar da terra, da floresta, dos rios e das pessoas". Essa tradução reflete a visão dos Kayapó sobre a gestão de seu território, mostrando que, para eles, o significado da promoção da gestão territorial e ambiental sustentável em Terras Indígenas transcende os limites de uma política pública ou de um plano técnico. Para os indígenas, cuidar da terra, da floresta, dos rios e das pessoas é um ato que perpassa o passado, presente e futuro. É a garantia de que os ensinamentos dos seus mais velhos continuam vivos, protegendo não apenas o território físico, mas a essência cultural e espiritual que sustenta o modo de ser Kayapó.
A gestão territorial, para os Mẽbêngôkre-Kayapó, é um compromisso com a vida. Não se trata apenas de proteger a biodiversidade ou evitar o desmatamento — embora isso também seja crucial —, mas de proteger a relação entre a floresta e os Mẽbêngôkre-Kayapó. Cada árvore, cada rio, cada animal carrega um significado profundo, conectado à história, aos mitos e às práticas cotidianas que nutrem as vidas das 70 aldeias da TI Kayapó.
Ao lançar o PGTA e o Protocolo de Consulta, os Kayapó reafirmaram sua autonomia e o direito de decidir sobre os rumos de suas terras, enfrentando as ameaças externas com organização e união. Esses instrumentos representam o fortalecimento de um caminho coletivo, onde o futuro do território é construído a partir de suas próprias perspectivas e prioridades, promovendo não apenas a proteção territorial, mas também de suas vidas.
PGTA e Protocolo de Consulta: União em Defesa do Território
A atualização do PGTA e a elaboração do Protocolo de Consulta da TI Kayapó tiveram início em 2021, articulado pela Associação Floresta Protegida. Durante o processo de construção, as associações Angrôkrere, Pôre, Tuto Pombo, Kranhmeiti, Piôkrere e Pykôre se uniram à AFP, formando uma aliança histórica em defesa da TI Kayapó.
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As sete associações da Terra Indígena Kayapó se reuniram na Aldeia Gorotire para firmar um pacto pela proteção dos seus territórios|Beptemexti Kayapó/Coletivo Beture 2024
Durante a atualização do PGTA, as associações Mẽbêngôkre-Kayapó decidiram unir o Protocolo de Consulta ao PGTA. A decisão reflete a preocupação dos Kayapó com os impactos das pressões e ameaças sobre os seus territórios e comunidades. Os instrumentos se complementam: se por um lado o PGTA apresenta o planejamento para gestão ambiental e territorial dos Mẽbêngôkre-Kayapó, o Protocolo estabelece regras claras para consultas públicas que afetem o território, garantindo que o direito à consulta prévia, livre e informada seja respeitado.
“O PGTA e o Protocolo de Consulta são caminhos para o fortalecimento da nossa organização e do nosso modo de viver. O Protocolo de Consulta é muito importante para nós, pois nosso território está cercado de kuben, que querem expandir o plantio de soja. Quando houver qualquer autorização do Estado sem o nosso consentimento, teremos este instrumento fundamental para apresentar. Devemos fortalecer a nossa tradição, e este documento se torna um meio de reforçar a nossa própria organização social” destacou Kenaka Pombo, presidente da Associação Pôre Kayapó.
Setenta aldeias e sete associações participaram da construção do PGTA e do Protocolo de Consulta, fortalecendo a união entre diferentes regiões da Terra Indígena Kayapó. Para Adriano Jerozolimski, Diretor do Projeto Kayapó no Brasil da International Conservation Fund of Canada (ICFC), o processo foi tão significativo quanto o resultado obtido.
“Exigiu muita articulação política e um esforço de muitas lideranças para reduzir distâncias, estabelecer diálogos e quebrar uma polarização histórica na Terra Indígena Kayapó. Que essa união, propiciada pela construção dessas ferramentas, continue sendo fortalecida, e que os Kayapó possam contar com cada vez mais parceiros na sua luta,” afirmou.
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Sandro Takwyry, da Aldeia Gorotire, esteve à frente das oficinas realizadas na TI Kayapó para a atualização do PGTA e construção do Protocolo de Consulta|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
O PGTA e o Protocolo de Consulta também criaram um espaço para que lideranças de diferentes aldeias refletissem sobre os desafios e o futuro de seu território. “Foi um processo de discussões longas, com temas complexos, conduzido de forma propositiva e harmoniosa. Reunimos caciques que raramente têm a oportunidade de sentar juntos para deliberar sobre um território comum. O sentimento que fica é de união e a certeza de que, mesmo antes de sua publicação, o PGTA já está gerando frutos,” destacou Pàtkôre Kayapó, presidente da Associação Floresta Protegida.
Em janeiro de 2024, a Aldeia Gorotire se tornou o centro de um momento histórico para os Mẽbêngôkre-Kayapó. Representantes das sete associações indígenas da Terra Indígena Kayapó se reuniram para validar o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) e o Protocolo de Consulta. Mais de 500 Mẽbêngôkre-Kayapó participaram ativamente, firmando um pacto pela proteção da TI Kayapó.
A escolha da Aldeia Gorotire para sediar esse encontro simboliza um marco na relação entre os Mẽbêngôkre-Kayapó, pois Gorotire é a área mais afetada pelo garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Kayapó e o palco de uma das maiores invasões de terras indígenas da história do Brasil. Nas décadas de 1980 e 1990, a região foi alvo da corrida do ouro incentivada pelo Estado, que trouxe destruição e violações de direitos.
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Garimpo de Maria Bonita em 1990|José Carlos Libânio
O garimpo Maria Bonita, localizado nas proximidades da Aldeia Gorotire, foi símbolo da exploração predatória da região. Segundo o líder Kayapó Paulinho Paiakan (in memoriam), a invasão da região foi diretamente incentivada pelo governo, que não apenas facilitou a entrada dos garimpeiros, mas também organizou e participou ativamente da exploração de garimpo ilegal. “A Caixa Econômica Federal estava no garimpo Maria Bonita, também estava a Polícia Federal, a Polícia Militar do Pará. Era um garimpo muito grande”, relatou Paiakan no PGTA da Terra Indígena Kayapó.
Em 1985, os Mẽbêngôkre-Kayapó da aldeia ocuparam o garimpo Maria Bonita em um ato de resistência para exigir a demarcação de seu território. Apesar das negociações terem levado à criação oficial da Terra Indígena Kayapó, os Mẽbêngôkre-Kayapó foram forçados a aceitar a continuidade do garimpo em troca da demarcação da Terra Indígena Kayapó.
“A demarcação mesmo dessa terra, a decisão política sobre os limites que tinham que ser demarcados é de 1985, três anos antes da constituição de 1988. O povo Kayapó conquistou esse território antes da constituição brasileira, em um tempo em que a política indigenista ainda era decidida pelos militares. Os limites desse território tem 3 milhões de hectares e foi duramente conquistado, durante as negociações pelos velhos kayapó com os militares. Em um tempo em que não tinha demarcação do estado. Nesse tempo, tempo duro. Eu lembro que quando foi tomada essa decisão ela foi muito criticada pelos outros militares, que falaram que tinha muita terra para os Kayapó. E foi criticado por outros, que defendiam que para poder ter essa demarcação os kayapó tiveram que aceitar a imposição dos militares em deixar o garimpo dentro do território, relatou Márcio Santilli, presidente do Instituto Socioambiental (ISA), durante o cerimonial de lançamento do PGTA e Protocolo de Consulta.
Agora, quase quatro décadas depois, a validação do PGTA e do Protocolo de Consulta na Aldeia Gorotire representa uma virada na luta dos Kayapó para a proteção de seu território, com a consolidação de uma aliança entre os benadjwyre (líderes), benadjwyre-nire (jovens líderes) e guerreiros das diferentes aldeias, mostrando que a memória do passado pode inspirar a força coletiva do presente. A decisão de realizar esse encontro na ngàbe (casa central) de Gorotire reforça o pacto dos Mẽbêngôkre-Kayapó contra o garimpo ilegal com a transformação das memórias de invasão em inspiração para proteger seus territórios e modos de vida.
Confira o vídeo manifesto produzido pelos Comunicadores Mẽbêngôkre-Kayapó, em forma de vídeo na Aldeia Gorotire
Uma das regras do Protocolo de Consulta é que o governo tem o dever de consultar os Mẽbêngôkre-Kayapó sobre qualquer medida administrativa ou legislativa que os afete diretamente. “Qualquer decisão, seja do governo federal, estadual ou municipal, que tenha impacto sobre o nosso território, nosso meio ambiente e nossas vidas deve ser consultada. A construção de estradas nas proximidades do nosso território, mudanças nos órgãos que trabalham conosco e novas leis e políticas públicas que nos dizem respeito, assim como empreendimentos e grandes projetos que afetem o território, são exemplos de decisões que não podem ser tomadas antes de sermos consultados”, afirmam os Mẽbêngôkre-Kayapó na publicação.
Em relação às empresas que queiram fazer contratos com os Mẽbêngôkre-Kayapó, da Terra Indígena Kayapó, caso demandem decisões que impactem todo território ou que dizem respeito a todas as comunidades - como, por exemplo, o desenvolvimento de projetos de crédito de carbono - as empresas também devem seguir o Protocolo de Consulta. “Nenhum cacique, nenhuma liderança nem nenhuma associação pode decidir em nome de toda a Terra Indígena Kayapó. As decisões que impactam a vida dos Mẽbêngôkre-Kayapó devem ter participação de todos e devem ser tomadas seguindo os procedimentos deste Protocolo”, reforçam no Protocolo de Consulta.
Como enfatizado na tradução do termo PGTA para o Kayapó, "o caminho para cuidar da terra, da floresta, dos rios e das pessoas" é também um caminho de resistência e de esperança. É o compromisso de um povo que vê na gestão de seu território a base para garantir a dignidade de suas gerações futuras e a contribuição para um planeta mais equilibrado e respeitoso com a diversidade de formas de vida. Para os Mẽbêngôkre-Kayapó, promover a gestão territorial e ambiental é preservar a alma da floresta e, com ela, a essência Mẽbêngôkre-Kayapó.
Ao final da cerimônia, os Mẽbêngôkre-Kayapó entregaram o PGTA e o Protocolo de Consulta a Márcio Santilli, presidente do ISA e aliado histórico do povo Kayapó. Em um discurso emocionante, Santilli recordou momentos marcantes da luta pela demarcação da Terra Indígena Kayapó e prestou uma homenagem aos ancestrais que abriram caminho para as conquistas atuais.
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Márcio Santilli, Pàtkôre Kayapó e Sandro Takwyry apresentam o histórico da Terra Indígena Kayapó|Kubekàkre Kayapó/Coletivo Beture 2024
“Esse documento que vocês estão me entregando tem muito valor. É a prova de que, quando a gente ganha a guerra, a memória e o legado se tornam ferramentas para o futuro”, disse Márcio. Ele compartilhou a história de sua primeira visita ao território, em 1986, quando foi convidado para uma reunião no Gorotire sobre a Constituinte. Dessa conversa nasceu a decisão dos Kayapó de irem a Brasília lutar pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988.
Santilli lembrou especialmente Kànhõk, um velho chefe guerreiro que, na época, havia decidido trocar a guerra pela paz em nome do futuro de seu povo. “Kànhõk me disse: ‘Eu nasci e cresci guerreando contra vocês. Se fosse por mim, eu continuaria até o fim. Mas eu sou cacique e preciso pensar no meu povo. Meu povo precisa de paz para que nasçam muitas crianças e ocupem todo esse território. Essas crianças serão os guerreiros Mẽbêngôkre do futuro.”
Ele destacou que o legado de Kànhõk está presente na força e na união dos Kayapó de hoje. “Esse documento une vocês na memória dos velhos que iniciaram essa luta e garantiram o território que hoje vocês protegem. Vocês têm a obrigação de cumprir o que está escrito aqui, porque ele é fruto do sacrifício de muitos que já não estão entre nós.”
Santilli finalizou com uma homenagem ao território e ao povo Kayapó, propondo uma reflexão: “Esse lugar é chamado oficialmente de Terra Indígena Kayapó, mas, se vocês quiserem, podem chamá-lo de Território da Paz. Foi o acordo e a luta que deram a vocês o tempo para crescerem e se tornarem um povo grande e forte, como são hoje.”
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Kànhõk Kayapó mostra mapa de concessões mineirais em terras Kayapó ao deputado Tadeu França|Beto Ricardo/ISA
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Raoni Metuktire, Kànhõk Kayapó e Paulinho Paiakan conversam com o deputado Ivo Lech, da Assembleia Nacional Constituinte|Beto Ricardo/ISA
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Formação de Promotoras Legais Populares Indígenas fortalece a luta contra a violência de gênero no Rio Negro
Lideranças femininas indígenas promovem o diálogo entre saberes tradicionais e direitos legais, ampliando redes de apoio e proteção em suas comunidades
Entre os dias 11 e 13 de novembro, o segundo módulo do Promotoras Legais Populares Indígenas reuniu cerca de 80 lideranças femininas das cinco coordenadorias regionais da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e da sede do município de São Gabriel da Cachoeira para discutir os direitos das mulheres em conexão com as culturas locais. O objetivo principal foi auxiliá-las para replicar esses conhecimentos em suas comunidades e organizações de base e promover o enfrentamento à violência de gênero, em especial a praticada contra as mulheres.
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Segundo módulo do Promotoras Legais Populares Indígenas reuniu mais de 80 mulheres rionegrinas na Casa do Saber da Foirn|Vanessa Fernandes/ISA
A iniciativa, promovida pelo Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro (DMIRN/Foirn) em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e o Observatório da Violência de Gênero no Amazonas (OVGAM) da Universidade Federal do Amazonas, combina os conhecimentos jurídicos com os saberes e práticas indígenas, considerando tanto a realidade das mulheres nas comunidades quanto no contexto urbano.
Dulce Morais, antropóloga e assessora de gênero do ISA, explica que o primeiro módulo, realizado no segundo semestre de 2021, após período mais intenso da pandemia de Covid-19, buscou detalhar informações sobre direitos das mulheres e ferramentas jurídicas destinadas à sua proteção, e também ajudou a identificar as estratégias coletivas associadas ao sistema de conhecimentos, cuidados e práticas rionegrinas de prevenção e enfrentamento às violências contra as mulheres, jovens e crianças.
O segundo módulo seguiu a mesma proposta e o início da programação foi dedicado ao resgate de diversas ações de enfrentamento realizadas no Rio Negro desde o ano de 2018. Carla Dias, antropóloga do ISA foi uma das organizadoras da formação e conta que os momentos de trocas coletivas proporcionam o compartilhamento de experiências individuais e a construção conjunta de estratégias de cuidado e acolhimento, fundamentadas nos modos de vida, práticas e conhecimentos indígenas de cada povo e região de atuação da Foirn.
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Mulheres analisam mapeamento das associações e comunidades de origem na região do Rio Negro|Vanessa Fernandes/ISA
“Foi uma oportunidade também para fortalecer as redes de apoio e parcerias nos cuidados de prevenção e enfrentamento às violências contra as mulheres rionegrinas”, destacou.
Elizângela Costa, liderança Baré e também organizadora da atividade, ressaltou a importância de unir o conhecimento das leis ocidentais, os serviços do Estado e os saberes tradicionais no enfrentamento à violência contra mulheres indígenas. “Hoje, vivemos nesses dois mundos: o tradicional e o contemporâneo. Para continuar existindo nesses dois espaços, precisamos caminhar com esses dois saberes”, afirmou.
Segundo ela, é necessário produzir um entendimento e nomear as violências. “Muitas vezes, dizemos que não sofremos violência porque achamos que é algo cultural. Mas sempre reforço: cultura não é violência. Precisamos saber o que é cultura e também identificar o que é violência”, destaca.
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Elizângela Baré e Durvalino Dessano contando narrativas de origem da força das mulheres do Rio Negro|Vanessa Fernandes/ISA
Fortalecer práticas locais, como a valorização da língua materna, das práticas de alimentação saudável, benzimentos e o uso de plantas medicinais e a retomada do benzimento pelas famílias foram estratégias mencionadas pelos grupos durante o mapeamento de redes de apoio e estratégias de cuidado e acolhimento, aliado a presença e atuação de estruturas como Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), Centro de Atenção Psicossocial (Caps), hospital, delegacia e as organizações sociais presentes nos territórios.
Natália Farias, doutoranda do núcleo de pesquisas da Faculdade de Saúde Pública de São Paulo, contribuiu com a apresentação dos serviços públicos de saúde oferecidos na sede municipal de São Gabriel da Cachoeria, especialmente, para casos de violência sexual.
Renata Vieira, advogada do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), apresentou juntamente com Mayitê Fontes Ambrósio, advogada do corpo técnico da Foirn, informações sobre as leis brasileiras que garantem direitos e proteção às mulheres e os serviços públicos disponíveis para sua proteção.
“É importante que as mulheres conheçam seus direitos, bem como as políticas públicas que o Estado oferece, para poderem reivindicar direitos e exigir políticas específicas para a sua realidade, mas sabemos que há limites tanto da perspectiva legal, quanto dos serviços públicos ofertados, que em sua maioria são inadequados para as especificidades socioculturais e geográficas das mulheres indígenas que vivem na Amazônia. Por isso, é importante que elas se utilizem dos próprios conhecimentos e fortaleçam as redes de apoio locais e familiares para o combate à violência dentro dos seus territórios”, afirmou Renata.
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Representantes das cinco coordenadorias da Foirn participaram da formação|Vanessa Fernandes/ISA
No último dia do encontro, por meio da atividade de estudo de casos fictícios, baseados em situações reais, as participantes, divididas em grupos, identificaram os tipos de violência ou vulnerabilidades enfrentadas pelas personagens e discutiram como agir diante dessas situações. “Elas puderam exercitar a combinação de práticas locais com os serviços e políticas públicas disponíveis para o manejo das situações, uma potente produção coletiva para as participantes”, finalizou Carla.
Flavia Melo, coordenadora do Observatório da Violência de Gênero do Amazonas (OVGAM) apresentou, de forma dialogada com as participantes, o trabalho de pesquisa “Tecendo a Vida sob Braços Fortes: caracterização da violência contra mulheres na cidade de São Gabriel da Cachoeira”, realizado no âmbito desta parceria interinstitucional, que traz um compilado de dados e análises de boletins de ocorrência com vítimas mulheres coletados na delegacia de São Gabriel da Cachoeira entre os anos 2010 e 2019.
Segundo Flávia, “os números são uma importante ferramenta de incidência política, seja para dar mais visibilidade à violência contra mulheres, para induzir políticas públicas específicas ou para informar o controle social”.
José Miguel Olivar, pesquisador e parceiro desde o início das iniciativas de cuidados com as violências de gênero no Rio Negro destacou que “a partir desses encontros, tem sido possível perceber a troca de informações, de afetos e de compreensões sobre a violência. Esse processo tem ajudado na ampliação e fortalecimento dessas redes de cuidado e luta política”, comentou.
O exercício de fazer o mapeamento georreferenciado das comunidades e bairros de origem das participantes evidenciou a extensa distribuição geográfica da rede de mulheres rionegrinas conectadas à agenda de prevenção e enfrentamento à violência de gênero. O mapeamento geográfico das participantes subsidia a organização dos demais módulos da trilha formativa do Promotoras Legais Populares Indígenas do Rio Negro e o acompanhamento do potencial multiplicador da iniciativa.
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Mulheres fizeram o exercício de mapear suas associações e comunidades de origem em mapa georreferenciado produzido em tecido por Renata Alves, do ISA|Vanessa Fernandes/ISA
Rede de multiplicadoras
Uma das representantes da região do Médio e Baixo Rio Negro (Caimbrn), Carlinha Yanomami, da comunidade de Maturacá, na Terra Indígena Yanomami no Amazonas, disse estar empolgada com a participação na oficina e que o conhecimento adquirido é de grande importância para elas.
“Nós, mulheres Yanomami, muitas vezes não conhecemos bem nossos direitos. Se estão machucando nós pelo psicológico ou pelo físico, então oficinas como essa, com certeza, vão contribuir muito para nos ajudar. O que a gente aprende, o que a gente tem de conhecimento, a gente compartilha com as que ficaram (nas aldeias)”.
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Mulheres se organizaram em rodas para discussões em grupo. Os resultados foram apresentados a todas as participantes|Vanessa Fernandes/ISA
Pedrina Gonçalves Gaspar, Baré, representante da região do Alto Rio Negro e Xié (Caibarnx), conta que o que mais ela achou importante foi poder entender questões sobre os direitos das mulheres. “A gente sabia de algumas coisas, mas não de tudo. Aqui, algumas dúvidas foram esclarecidas. Poder vir, ouvir e levar esse conhecimento para outras mulheres, para nossas associações. Trabalhamos com associações de homens e mulheres, e achei fundamental participar para aprender sobre nossos direitos e repassar às mulheres na base”.
Ivaneide Júlio Galdêncio, do povo Baré, vive no município de Santa Isabel do Rio Negro e conta que nunca tinha escutado sobre outros tipos de violência e que o encontro foi importante para que ela aprendesse a identificar e, assim, também levar o conhecimento a outras mulheres, nas reuniões da associação, nas comunidades: “às vezes, nós sofremos [violências] e nem percebemos. Pensamos que violência é só apanhar, levar soco. Mas vai além. Às vezes, os homens falam palavrão, tratam mal e nem percebemos que isso também é uma forma de violência, né”.
“Lugar de mulher é onde ela quiser”
Após o encerramento da oficina, a programação seguiu com a IX Assembleia Geral Eletiva de Mulheres do Rio Negro, que reelegeu Cleocimara Reis para dar continuidade aos trabalhos realizados nos últimos dois anos a frente do Departamento de Mulheres.
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Reeleição de Cleocimara Reis foi celebrada com presentes e cantos tradicionais. Emocionada, ela agradeceu o reconhecimento|Vanessa Fernandes/ISA.
Cleocimara Reis recebeu 44 votos, do total de 55 das representantes votantes das Coordenadorias Regionais da Foirn. Ela agradeceu, emocionada, e falou do desafio de representar as mulheres de 23 povos das 750 comunidades indígenas da região, distribuídas em três municípios - São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.
Em sua fala, destacou a importância de enfrentarem, juntas, os desafios e fortalecer a luta coletiva. “Que a gente possa fazer o nosso movimento de mulheres de verdade. Que a gente possa se apoiar para a gente ter a equidade de gênero que a gente fala tanto. A gente acompanha o sofrimento e a luta de cada mulher, seja jovem, criança, adolescente, adulta ou idosa. Precisamos trabalhar contra as desigualdades e a favor da nossa força coletiva”, reforçou a liderança.
Cleocimara Reis também destacou a importância e necessidade de fortalecer as parcerias com setores governamentais e parceiros da sociedade civil organizada, haja vistas que os desafios do DMIRN são muitos e complexos, exigindo assim um trabalho a muitas mãos.
A cerimônia foi encerrada pelas mulheres indígenas rionegrinas com festa e renovação do esperançar. Reunidas, as representantes de cada Coordenadoria Regional ofertaram presentes, como colares e cuias a Cleocimara, e entoaram cantos nas línguas indígenas, com mensagens fortes de agradecimentos, felicitações e desejos de uma boa gestão para os próximos quatro anos. “E como a gente sempre fala, lugar de mulher é onde ela quiser. Muito obrigada”, finalizou a coordenadora reeleita do DMIRN.
O segundo módulo de formação do Promotoras Legais Populares Indígenas e a IX Assembleia Eletiva do Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro foram produzidos com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), da Nia Tero e da Google. As opiniões expressas na reportagem não refletem necessariamente as opiniões dos parceiros apoiadores.
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