Manchetes Socioambientais
As notícias mais relevantes para você formar sua opinião sobre a pauta socioambiental
“O encontro entre índios e brancos só se pode fazer nos termos de uma necessária aliança entre parceiros igualmente diferentes, de modo a podermos, juntos, deslocar o desequilíbrio perpétuo do mundo um pouco mais para frente, adiando assim o seu fim.”
Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo, um dos fundadores do ISA
O tema "Povos Indígenas" está na origem da existência do Instituto Socioambiental. Lá se vão pelo menos quatro décadas de comprometimento e trabalho com o tema, produzindo informações para a sociedade brasileira conhecer melhor seus povos originários. Desde sua fundação, em 1994, o ISA dá continuidade ao trabalho do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), que havia sido iniciado em 1980 e que, por sua vez, remonta ao começo dos anos 1970, quando o então governo da ditadura militar lançava o Plano de Integração Nacional, com forte componente de obras de infraestrutura na Amazônia, região que era então descrita pelo discurso oficial como um "vazio demográfico".
Por meio dos relatos coletados, dados produzidos e pesquisas empreendidas por uma rede de colaboradores espalhada pelas diversas regiões do País, o Cedi ajudou a derrubar essa tese. Ao dar publicidade às informações levantadas por essa rede social do tempo do telex, o Cedi colocou, definitivamente, os povos indígenas e suas terras no mapa do Brasil. Seus integrantes ainda participaram ativamente no movimento de inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988 e, juntamente com integrantes do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) e ativistas ambientais, fundaram o ISA em 1994.
De lá para cá, ampliando sua rede de colaboradores em todo o País, o ISA se consolidou como referência nacional e internacional na produção, análise e difusão de informações qualificadas sobre os povos indígenas no Brasil. O site "Povos Indígenas no Brasil", lançado em 1997, é a maior enciclopédia publicada sobre as etnias indígenas no Brasil, com suas línguas, modos de vida, expressões artísticas etc. O site é uma das principais referências sobre o tema para pesquisadores, jornalistas, estudantes e acadêmicos.
A atuação hoje é transversal aos territórios onde atuamos, especialmente na Bacia do Xingu, no Mato Grosso e Pará, e Bacia do Rio Negro, no Amazonas e Roraima, e também envolve povos indígenas de todo o Brasil, por meio da atualização permanente do site e de seus mais de 200 verbetes, inclusão de novos textos sobre etnias emergentes e indígenas recém-contatados, além do monitoramento e cobertura jornalística sobre situações de violência e perda de direitos contra estas populações. O tema "Povos Indígenas" ainda é tratado no site "PIB Mirim", voltado ao público infanto juvenil e de educadores.
O monitoramento de Terras Indígenas também é um eixo central do nosso trabalho com o tema, e remonta à sistematização de dados e divulgação de informações iniciada pelo Cedi em 1986, e se dá por meio da produção de livros impressos e mapas temáticos sobre pressões e ameaças, como desmatamento, mineração, garimpo, obras de infraestrutura, entre outras, além do site "Terras Indígenas no Brasil".
Confira os conteúdos produzidos sobre este tema:
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Site especial voltado ao público infanto-juvenil e de educadores |
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Painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
Filme une imagens históricas e depoimentos de figuras-chave da luta pela garantia de direitos dos povos indígenas no Brasil; lançamento acontece no dia 3 de agosto
As comemorações dos 30 anos do Instituto Socioambiental (ISA) não param. Com a programação especial “ISA 30 anos: Por um Brasil Socioambiental”, o ISA leva suas produções audiovisuais para a 13ª edição da Mostra Ecofalante de Cinema, que acontece entre os dias 1º e 14 de agosto de 2024 na capital paulista.
Para celebrar esse marco, além da exibição de oito obras produzidas pela organização, acontece a estreia de Mapear Mundos, filme com Beto Ricardo e Fany Ricardo, dirigido por Mariana Lacerda. Após a sessão, no dia 3 de agosto, no cinema Reserva Cultura de São Paulo, acontece um bate-papo com a liderança do Rio Negro, André Baniwa, a vice-presidente do ISA, Marina Kahn, e a diretora.
O longa-metragem articula imagens e vídeos do arquivo histórico do ISA com testemunhos atuais para rememorar os passos dados por organizações da sociedade civil na luta pela garantia dos direitos indígenas no Brasil, no contexto da ditadura cívico-militar, apoiando as condições para a articulação do “capítulo dos índios” na Constituição Brasileira de 1988.
O regime ditatorial propagou a falsa ideia de que os indígenas estavam em decrescimento populacional e que a Amazônia era um imenso “vazio demográfico”, argumento utilizado para efetuar a retirada forçada de povos indígenas de seus territórios e exploração de seus recursos. No começo dos anos 1980, Beto Ricardo, antropólogo, ativista, sociólogo e um dos fundadores do ISA, decidiu questionar essa ideia, inventando um método que comprovasse justamente o contrário, de forma científica.
Assista ao trailer:
Beto, ao lado de um grupo de pesquisadores, desenvolveram um sistema próprio para analisar a população indígena nessa e em outras regiões do Brasil , comprovando, por meio de dados, que os indígenas não só não estavam desaparecendo, como suas populações cresciam. Assim, seus direitos deveriam ser permanentes.
“Aos poucos, a imagem dos índios extintos foi substituída por uma imagem da presença importante dos índios como sujeitos políticos promissores”, afirma Beto Ricardo, em depoimento durante o filme.
“Isso foi uma revolução. Entre você ter certeza absoluta de que [os povos indígenas] iam desaparecer e de repente você descobrir que eles não só não vão desaparecer, como serão uma minoria cada vez menos minoria, porque a população indígena estava crescendo mais do que a população nacional. Os índios eram, para todos nós, um resquício do passado. De repente, nós constatamos objetivamente que eles iam ser parte do futuro”, relembra em cena Márcio Santilli, presidente e sócio fundador do ISA.
O filme conta com outros depoimentos de protagonistas desta luta, como Fany Ricardo, sócia-fundadora do ISA e assessora do Programa Povos Indígenas no Brasil (PIB), Marta Azevedo, demógrafa e antropóloga, André Baniwa, liderança indígena do Rio Negro, Bráz França, liderança do povo Baré e ex-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), e Dagoberto Lima Azevedo Suegu, antropólogo e liderança do povo Tukano. Bráz França e Dagoberto Suegu infelizmente vieram a falecer antes da estreia, em 31 de julho de 2023 e 11 de abril de 2023, respectivamente.
O longa-metragem refaz os caminhos percorridos para o reconhecimento dos povos indígenas como sujeitos políticos detentores de direitos, destacando a mobilização durante a Assembleia Constituinte de 1987 para incluir no texto constitucional os artigos que versam sobre essa parcela da população.
A obra retrata ainda o processo realizado para a demarcação das Terras Indígenas na região do Alto e Médio Rio Negro, uma conquista do movimento indígena local e que contou com apoio do ISA – sobretudo na propagação de informações que explicavam o que a medida significava para a proteção e preservação dos territórios.
Sobre o período, Fany Ricardo ressalta a formação de uma rede de informação entre todos os grupos envolvidos, indígenas e não-indígenas, que se transformou em uma parceria duradoura: “Todos tinham o mesmo objetivo, que era o de fortalecer essas populações que estavam em risco”, destaca.
Para o grupo de pesquisadores, colocar os povos indígenas no mapa significava salvaguardar o futuro não só do Brasil, mas do mundo. Garantir a preservação dos conhecimentos ancestrais fundamentais para manter a floresta de pé.
Além da exibição na Mostra Ecofalante nos dias 3 e 8 de agosto, Mapear Mundos será apresentado no dia 10 de agosto como parte da programação da Exposição ISA 30 anos no Museu A CASA do Objeto Brasileiro, com a participação da diretora Mariana Lacerda, André Baniwa, Geraldo Andrello, antropólogo e sócio-fundador do ISA, e Silvia Futada, ecóloga e associada do ISA.
Uma parte da trajetória documentada ao longo do filme também foi retratada em “Uma Enciclopédia nos Trópicos”, livro escrito por Beto Ricardo em parceria com o jornalista Ricardo Arnt e lançado em abril deste ano. A publicação traz prefácio do escritor e ativista indígena Ailton Krenak, posfácio do jornalista Leão Serva e conta os bastidores de momentos marcantes da trajetória do antropólogo Beto Ricardo durante o período entre 1970 e 2022, em uma narrativa bem humorada e envolvente.
Sobre a diretora
Mariana Lacerda é cineasta e documentarista natural de Recife (PE), formada em Jornalismo e mestre em História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Dirigiu Gyuri, filme feito ao lado de Claudia Andujar e Davi Kopenawa, lançado em 2020. Mais recentemente, dirigiu a série infantil para Tv Histórias de Fantasmas Verdadeiros para Crianças (2024) e o filme Eu sou uma arara (2023), ao lado de Rivane Neuenschwander, exibidos em festivais e mostras do Brasil, Alemanha, França, México e Colômbia.
Mostra Ecofalante de Cinema 2024
Reconhecida como o mais importante evento sul-americano para a produção audiovisual ligada às temáticas socioambientais, a Mostra chega à sua 13ª edição com cardápio composto por 122 filmes, representando 24 países. Ao longo do segundo semestre do ano, serão feitas itinerâncias em cidades do estado de São Paulo e em todo o país, com o objetivo de democratizar o acesso às obras excepcionais que incentivem o desenvolvimento sustentável do planeta por meio da educação e da cultura.
Confira a programação completa!
Assista às produções do Instituto Socioambiental na Mostra Ecofalante:
Mostra Ecofalante de Cinema 2024
Locais:
Reserva Cultural – Avenida Paulista n° 900, Bela Vista, São Paulo - SP
Centro Cultural de São Paulo (CCSP) – Rua Vergueiro nº 1000, Paraíso, São Paulo - SP
Entrada gratuita
Quinta-feira, 1 de agosto, às 17h15 – Sala 3 do Reserva Cultural
Programação 1
O Brasil Grande e os Índios Gigantes
Panará, A Volta por cima dos Índios Gigantes
Terra Yanomami celebra 30 anos da homologação
Rionegrinas
Sexta, 2 de agosto, às 17h – Sala 3 do Reserva Cultural
Programação 2
Volta Grande
Antes da Chuva
Rio Pardo, o retorno dos beiradeiros ao seu território
Sistema Agrícola Quilombola
Sábado, 3 de agosto, às 16h e às 17h30 – Sala 2 do Reserva Cultural
16h: Estreia de Mapear Mundos
17h30: Bate-papo sobre a atuação do ISA ao longo dos seus 30 anos, avanços e retrocessos em relação à garantia dos direitos dos povos originários, com a liderança do Rio Negro, André Baniwa, a vice-presidente do ISA, Marina Kahn, e a diretora Mariana Lacerda
Terça, 13 de agosto, às 20h – Sala 2 do Reserva Cultural
Exibição de Mapear Mundos
Terça, 13 de agosto, às 14h30 – Sala 2 do Reserva Cultural
Programação 1
O Brasil Grande e os Índios Gigantes
Panará, A Volta por cima dos Índios Gigantes
Terra Yanomami celebra 30 anos da homologação
Rionegrinas
Quarta, 14 de agosto,às 14h15 – Sala 2 do Reserva Cultural
Programação 2
Volta Grande
Antes da Chuva
Rio Pardo, o retorno dos beiradeiros ao seu território
Sistema Agrícola Quilombola
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Assessora jurídica da Coiab teve atuação decisiva na defesa dos direitos indígenas ante a ameaça do “Marco Temporal” e da pandemia de Covid-19
Nesta terça-feira (16/07), Cristiane Soares Baré, ou Cristiane Baré, ancestralizou.
Cris, como era conhecida carinhosamente pelos mais próximos, nasceu em São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro (AM) e, desde jovem, atuava no movimento indígena. Ela foi coordenadora do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam).
Formada em direito pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), foi secretária-adjunta da Comissão Especial de Defesa dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e advogou nos últimos anos pela Coordenação dos Povos Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Também foi sócia fundadora do Podáali, tendo contribuído em todo o processo de criação do Fundo Indígena da Amazônia Brasileira.
Durante a pandemia de Covid-19, Cris se dedicou bravamente a apoiar a Coiab nas denúncias sobre o descaso com os povos indígenas da Amazônia e na distribuição de kits de higiene, limpeza e proteção, entre outras medidas.
No fim do ano passado, participou do seminário “Direitos Humanos: Racismo ambiental, migrações e ações coletivas”, organizado pelo Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde lembrou dos impactos socioambientais de atividades e projetos econômicos predatórios que, dia a dia, assolam a vida dos indígenas.
Ela também foi uma das advogadas indígenas que, em setembro de 2022, fez a sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF), no paradigmático julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que definiu a inconstitucionalidade da nefasta tese do “marco temporal” da demarcação das Terras Indígenas
Na ocasião, lembrou que os povos indígenas têm a convicção de que “plantas, animais e água têm espírito, e, neste sentido, também se constituem como seres históricos e políticos”.
“O território, para nós, não é algo abstrato. Nós somos o território, nós somos as florestas, nós somos o bioma. Um não vive sem o outro. Os seres que vivem nesse território também são seres de importância. É a nossa cosmovisão. Para nós, os rios têm vida, a floresta tem vida, e são esses seres que a gente tem que proteger”, disse em junho de 2023, no Acampamento da Mobilização Nacional contra o Marco Temporal, em Brasília.
Cris parte deste mundo, no entanto, sem ver a questão resolvida, assim como tantos que vieram e ancestralizaram antes dela, nos deixando seu legado de luta e esperança de que os direitos indígenas sejam garantidos e respeitados.
Nos solidarizamos com sua família, amigos e com todos da Coiab neste momento de dor.
Descanse em paz, guerreira Cristiane Baré.
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Autores Darysa Yanomami e Mozarildo Yanomami leram cartas para não indígenas no lançamento de 'Diários Yanomami' n' A Feira do Livro de SP
A viagem da Terra Indígena Yanomami até A Feira do Livro, em São Paulo, percorreu mais de três mil quilômetros. Enquanto faziam a longa jornada da terra-floresta Yanomami à "selva de pedra" paulista, Darysa Yanomami e Mozarildo Yanomami escreveram cartas para o público do auditório Armando Nogueira, em mesa que aconteceu no dia 5 de julho.
Os dois, que formam parte do grupo de cinco autores indígenas de Diários Yanomami: Testemunhos da destruição da floresta (ISA, 2024), tiveram a missão de lançar o livro – e fazer ecoar as urgentes palavras do povo Yanomami – em um dos maiores eventos literários do país. Em suas mensagens, um desejo comum: que os povos da floresta e da cidade se unam para lutar contra o garimpo na maior Terra Indígena do Brasil.
“Se todos vocês todos se juntarem a nós, unidos, conseguiremos afastar os garimpeiros e resolver os outros problemas da Terra Indígena Yanomami”, convocou Mozarildo em sua carta. "Eu quero (...) que vocês, brancos, escutem minhas palavras e defendam nossa floresta", pediu Darysa.
Leia as duas cartas na íntegra abaixo
O livro reflete os impactos da gestão de Jair Bolsonaro na Terra Indígena Yanomami a partir da perspectiva dos próprios indígenas. Cada um dos cinco autores aborda um tema com metodologia e estilo próprio. Desde janeiro de 2023, acontece no território uma operação do governo federal para retirar os invasores e reestruturar a saúde.
Durante a viagem e no palco d’A Feira do Livro, os Yanomami estiveram com Corrado Dalmonego, padre missionário da Consolata e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), um dos organizadores do livro e o responsável pela tradução.
“Agora, vocês não indígenas podem ler as nossas palavras”
Darysa foi a primeira a ler sua carta, escrita à mão em um caderno de anotações. Assim como no livro, a primeira versão do texto, na página ímpar, estava escrita em Yanomami e a página seguinte, traduzida para o português. A pesquisadora optou por ler em português.
“Agora, vocês não indígenas podem ler as nossas palavras. Isso é bom para mim. Ao lerem essas palavras, vocês também irão pensar direito. Vocês vão conhecer o sofrimento de nós Yanomami e quero que também vocês defendam nossa floresta”, diz trecho.
Cada capítulo do livro foi escrito por um pesquisador Yanomami. Darysa é responsável pelo terceiro capítulo, com cinco episódios ao todo. Ela entrevistou mulheres Yanomami de diversas regiões e também hospedadas na Casa de Saúde Indígena em Boa Vista (Casai) e transcreveu as conversas na íntegra.
Para Dalmonego, “o bonito deste livro é ser coletivo e colaborativo. Além de suas vozes, os autores trazem a de parentes, de lideranças e as vozes da floresta que está morrendo”, disse.
O capítulo de abertura é literalmente um diário escrito por Mozarildo Yanomami. Durante a mesa, o mediador Fabrício Araújo, jornalista do Instituto Socioambiental (ISA), leu o início do capítulo descrevendo que aquele trecho em específico o havia fisgado para a leitura completa do livro:
“Os garimpeiros pensam, ‘será que os Yanomami não têm sentimentos?’, e dizem: ‘nós, garimpeiros, não temos medo de vocês, Yanomami’. Fico angustiado porque eles semeiam o medo entre nós, por isso, advirto vocês.”
Alfredo Himotona é o autor do segundo capítulo, que traz entrevistas com outros Yanomami. Josimar Palimitheli também apresenta o formato de diários no quarto capítulo, enquanto Márcio Hesina, que escreveu a última parte do livro, apresenta notas de uma pesquisa sobre o emagrecimento de crianças.
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Yanomami em São Paulo
Na manhã do dia seguinte, os Yanomami e Corrado Dalmonego retornaram à feira para prestigiar uma mesa que contou com a participação da antropóloga e escritora Hanna Limulja, amiga de longa data que escreveu O desejo dos outros – Uma etnografia dos sonhos yanomami, livro sobre os sonhos na cosmologia Yanomami.
À tarde, seguiram para o Museu A CASA do Objeto Brasileiro, que até 25 de agosto recebe a exposição ISA 30 anos: por um Brasil socioambiental. Com lotação máxima, eles assistiram ao filme Escute: A Terra Foi Rasgada, que aborda o problema do garimpo em Terras Indígenas de três povos – Kayapó, Yanomami e Munduruku – e cuja exibição gratuita contou com falas de Enio Yanomami, responsável pelo setor de saúde da Hutukara Associação Yanomami (HAY), e da diretora Cassandra Mello.
No domingo, foi a vez de conhecer o Museu das Culturas Indígenas (MCI) e os parentes do povo Guarani, na Terra Indígena Jaraguá. Em uma visita guiada por Karai Djekupe (Thiago Guarani) à Tekoa Yvy Porã-Jaraguá, eles puderam aprender sobre a história de uma das menores Terra Indígena do Brasil e as atividades que os indígenas desenvolvem, como a criação de abelhas, oficinas de armadilhas para crianças e rituais sagrados. Depois disso, ainda tiveram fôlego para subir o Pico do Jaraguá – o ponto mais alto de São Paulo – em uma trilha de cerca de 40 minutos.
No dia seguinte, retornaram na longa viagem até a terra-floresta Yanomami, enquanto suas palavras seguiam ecoando pela cidade de concreto. “Eu não escrevi à toa. Todos vocês, brancos, que vivem em diversos lugares, e que agora estão aqui nesta Feira do Livro de São Paulo, olhem este livro! Depois que vocês lerem este nosso livro, vocês irão pensar direito! Vocês vão nos defender dos garimpeiros que provocam todo este sofrimento”, convocou Mozarildo Yanomami em sua carta aos não indígenas.
Sobre 'Diários Yanomami'
Diários Yanomami: Testemunhos da destruição da floresta é um livro realizado pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) e o Instituto Socioambiental (ISA).
A produção editorial é assinada por Estêvão Senra, geógrafo do ISA, que também faz parte dos times de organização e edição junto a Alcida Ramos e Corrado Dalmonego. A tradução de Yanomae para Português foi feita por Dalmonego conjuntamente com os pesquisadores.
A publicação tem apoio do Fundo das Nações Unidas para a criança e adolescente (UNICEF), da Rainforest Foundation Norway e do Centro de Documentação Indígena (Missionários da Consolata). Também contribuem com apoio financeiro o Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária da União Europeia (ECHO) da União Europeia.
Serviço:
Diários Yanomami: Testemunhos da destruição da floresta
Editora: Instituto Socioambiental
Ano: 2024
Preço: R$ 65,00
Carta de Darysa Yanomami aos não indígenas
Certo, eu fiz minha pesquisa porque nós Yanomami queremos viver bem e com saúde.
Depois de fazer esta pesquisa e de de fazer conhecer o que escrevemos quero que também outros Yanomami fiquem esclarecidos.
Mas eu quero também que vocês brancos escutem minhas palavras e defendam nossa Floresta, por isso fiz esta pesquisa.
Nós Yanomami não queremos sofrer. Nós queremos viver em uma Floresta bonita por isso quero fazer ouvir minhas palavras.
Eu escrevi minha pesquisa, depois de escrever no caderno, eu digitei no computador, e depois o Corrado fez a tradução.
Em minha pesquisa, eu perguntei para as mulheres Yanomami. Elas escutam que os garimpeiros devastam nossa Floresta, elas veem que nossos filhos sofrem desnutrição e dizem com força que não querem que os garimpeiros se aproximem. Quando os garimpeiros
ficam perto, a floresta fica poluída, suja , os peixes
acabam, as crianças emagrecem, é assim que as pessoas ficam.
Para mim foi bom fazer pesquisa, por isso fico contente com este trabalho.
Agora, nossa pesquisa se tornou um livro, é visível, por isso estou satisfeita.
Agora, vocês não indígenas podem ler as nossas palavras. Isso é bom para mim.
Neste livro tem o pensamento de nós mulheres Yanomami: como nós verdadeiramente pensamos.
Ao lerem essas palavras, vocês também irão pensar direito.
Vocês vão conhecer o sofrimento de nós Yanomami e quero que também vocês defendam nossa floresta.
Certo, é assim que eu queria falar para vocês em São Paulo, eu mesma que fiz esta pesquisa.
Carta de Mozarildo Yanomami aos não indígenas
Eu sou pesquisador yanomami e trabalhei junto com os meus parceiros do Instituto Socioambiental, da Diocese de Roraima e da Hutukara Associação Yanomami. Nós fizemos a pesquisa chamada Urihi Temi (para nós significa Floresta Viva) e escrevemos sobre a destruição que o garimpo ilegal está provocando na nossa terra yanomami.
Começamos a trabalhar nesta pesquisa em 2021, mas eu já tinha conhecimento do que acontecia antes. Eu morei em duas regiões da terra Yanomami: morei mesmo onde os garimpeiros trabalham faz muito tempo, e também em outro local onde destruíram só um pouco e foram embora. Eu vi tudo isso com meus olhos.
Estas organizações nos ajudaram a fazer a pesquisa, por isso, agora, vocês podem ver o nosso trabalho que virou um livro.
Se eu tivesse trabalhado sozinho, pouca gente teria como ler minhas palavras. O Instituto Socioambiental, a Diocese de Roraima e a Hutukara nos apoiaram. Por isso, agora vocês podem ler este livro e podem conhecer o que os garimpeiros provocam onde nós moramos, na nossa Terra Yanomami. As palavras escritas neste livro mostram a destruição provocada pelo garimpo, por isso, vocês escutem estas palavras!
Eu não escrevi à toa. Todos vocês brancos, que vivem em diversos lugares, e que agora estão aqui nesta Feira do Livro de São Paulo, olhem este livro! Depois que vocês lerem este nosso livro, vocês irão pensar direito! Vocês vão nos defender dos garimpeiros que provocam todo este sofrimento.
Eu sei que vocês de longe, vocês que moram aqui em São Paulo, já nos defenderam. Eu sei que vocês já conhecem o sofrimento que os garimpeiros causam aos Yanomami. Eu sei que vocês sabem que a floresta está sendo destruída. Alguns de vocês querem aprender com o livro que nós escrevemos.
Depois que vocês terão lido este livro eu ficaria feliz que pudessem fazer pressão sobre os deputados, os senadores e os outros políticos que tomam as decisões no Brasil.
Eu sei... tem gente, entre os brancos, que pensa que os garimpeiros podem ficar na terra yanomami. Tem pessoas que pensam assim. Aqui no Brasil, moramos nós indígenas, os Yanomami e os indígenas de outros povos, e também vocês não indígenas, mas alguns dos brasileiros têm ódio de nós Yanomami e não nos protegem da agressão dos garimpeiros.
Assim, eu penso que com a nossa pesquisa, todos podem ouvir nossas palavras e nos proteger. Por isso eu fico feliz que nosso livro seja conhecido.
Eu penso também que se vocês todos se juntarem a nós, unidos, conseguiremos afastar os garimpeiros e resolver os outros problemas da terra Yanomami. É também por isso que eu fiz esta pesquisa. Falo isso para vocês. Pensem isso, depois de ler nossas palavras
Eu quero também falar minhas palavras para os brancos de longe: os de outras terras que falam línguas diferentes, mas que nos defendem. Fiquem de olho no que acontece! O que escrevemos é tudo verdade! Escutem nossas palavras! Nós, aqui, não estamos vivendo nada bem.
O nosso pensamento não está sossegado. Nós estamos muito preocupados! Não vivemos mais no silêncio e na tranquilidade da floresta. É por isso que eu quero divulgar nossas palavras.
Assim, penso que talvez nossa floresta poderá se tornar, de novo, bonita. Eu espero que vocês, lendo nossas palavras, possam pensar direito.
Todos vocês brancos já sabem que os garimpeiros estão nos destruindo. Vocês sabem o sofrimento do meu povo, sabem que estão destruindo a floresta, os rios, os peixes e o barulho de seus maquinários está espantando os animais.
Isso deixa com raiva! Por isso fiz esta pesquisa que virou livro.
É isso que eu queria dizer aqui, para vocês, em São Paulo.
Estamos lançando este livro. Diários da Floresta.
Vocês em português, dizem que é um “livro” e nós yanomami chamamos isso de “papel sipë” “pele de papel”.
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FOIRN será conduzida por Dário Baniwa e Janete Desana, eleita primeira vice-presidente mulher. Gestão de Marivelton Baré teve como desafios a pandemia e o governo Bolsonaro, mas saiu fortalecida
A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), que atua na Bacia do Rio Negro, tem novo diretor-presidente. Os povos do Rio Negro elegeram durante a XVII Assembleia Geral Ordinária Eletiva, em São Gabriel da Cachoeira (AM), na sexta-feira (28/06), Dário Casimiro, do povo Baniwa. É a primeira vez que um representante do povo Baniwa estará à frente da federação. O atual diretor-presidente é Marivelton Barroso, povo Baré, que esteve no cargo por dois mandatos.
Janete Alves, do povo Desana, é a nova vice-presidente, sendo a primeira mulher a assumir o cargo. A diretoria é composta ainda por Carlos Nery, do povo Piratapuya, Hélio Lopes, do povo Tukano e Edson Cordeiro, do povo Baré.
A nova composição, que será empossada em agosto, assume a FOIRN em um momento de crescimento e fortalecimento da federação e do movimento indígena – no cenário regional e nacional.
Além disso, as pautas indígenas vêm ganhando atenção no mundo todo, em grande parte devido à emergência climática. Isso porque os modos de vida dos povos originários representam uma alternativa à crise, porém, são também os mais ameaçados pelas mudanças climáticas.
Em depoimento logo após a eleição, Dário Baniwa agradeceu aos delegados e falou sobre a luta por direitos territoriais. “Em nome do povo Baniwa e Koripako, eu quero agradecer às lideranças que me antecederam e, em especial, ao nosso amigo Isaías Fontes, in memoriam. E quero agradecer a todos os povos indígenas do Rio Negro. Contem comigo: estamos juntos em prol dos direitos territoriais para o nosso bem viver. Na história de lutas e conquistas dos povos do Rio Negro, especificamente os Baniwa chegam pela primeira vez à presidência da FOIRN”, declarou.
Isaías Fontes, do povo Baniwa, foi diretor da FOIRN entre 2016 e 2020 e havia sido reconduzido para o segundo mandato quando faleceu, em fevereiro de 2021, após contrair Covid-19.
“Vamos fazer uma gestão com os cinco diretores. Precisamos de uma gestão democrática, dialógica. Estou aberto às orientações das lideranças mais antigas. E digo aos nossos parceiros: a FOIRN estará de braços abertos para o diálogo, para acordos de cooperação técnica e que possam trazer apoios em prol de nossos direitos”, disse Dário Baniwa.
Janete Alves também agradeceu aos povos do Rio Negro e falou da representatividade de jovens e mulheres. “Quero agradecer pelo voto de confiança. Agradeço em especial à minha coordenadoria [Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê] COIDI e a todas as delegações que votaram em mim. Eu venho lutando pela conquista de espaço para as questões de gênero e juventude. E a gente mostra como movimento indígena que temos dado essa oportunidade para mulheres e jovens. Para mim é um marco histórico eleger uma vice-presidente. Para mim é uma honra”, comemorou.
Em uma fala emocionada, o atual diretor-presidente, Marivelton Baré, agradeceu aos povos do Rio Negro, parabenizou os eleitos e falou dos desafios a serem enfrentados.
“Foi a nossa luta incansável e conjunta que nos trouxe até aqui. O movimento é o controle social: a gente luta e conquista. Para a gente, é um sonho fortalecer a FOIRN. Peço aos parceiros, financiadores e lideranças que mantenham o compromisso conosco. Movimento indígena é luta, é direito coletivo. Nós vamos ter que defender o processo de demarcação de terra e temos o desafio de segurança na fronteira, do monitoramento, da proteção territorial, dos direitos humanos”, elencou.
A assembleia aconteceu no auditório do Instituto Federal do Amazonas (Ifam) e contou com 150 delegados – 30 de cada uma das cinco coordenadorias da federação – um modelo democrático reconhecido nacionalmente. O encontro multiétnico reuniu indígenas dos povos Baniwa, Koripako, Desano, Baré, Tukano, Tuyuka, Piratapuya, Tariano, Wanano, Yanomami, Dâw, Hupä´h, entre outros.
Liderança histórica do Rio Negro, Maximiliano Correa Menezes, do povo Tukano, afirmou que um dos grandes desafios da FOIRN é crescer sem perder o contato com as bases, ou seja, com quem está no território indígena. “É necessário termos presença constante dos diretores nas bases. Estar em Brasília e Manaus é importante, mas não podemos descuidar dos nossos projetos de sustentabilidade no território”, recordou. Ele acompanhou o surgimento da FOIRN – que completou 37 anos em 2024 – e fez parte da diretoria por 12 anos.
A FOIRN conta atualmente com 74 funcionários e cerca de 330 colaboradores, entre comunicadores, articuladores, agentes ambientais e outros, e 92 associações. Durante a atual gestão, a federação triplicou o número de funcionários e passou a ter novos parceiros.
“Este crescimento teve como base projetos que ampliam e aprofundam os eixos de ação em que a Federação atua e que foram acordados com sua base a partir da elaboração de 10 PGTAs (Planos de Gestão Territorial e Ambiental) publicados. Foi possível fortalecer as instâncias de governança, aumentando o número de conselheiros, de participantes nas assembleias e ampliar seus departamentos que agora contam com articuladores regionais nas áreas de educação, jovens, comunicadores e mulheres indígenas”, analisou o antropólogo do Instituto Socioambiental (ISA), Renato Martelli.
Dário Baniwa e Janete Desana foram reeleitos como diretores de referência das coordenadorias regionais Nadzoeri e Coidi, respectivamente. Carlos Nery fica à frente da Caimbrn, antes ocupada pelo diretor-presidente Marivelton Barroso, povo Baré. Hélio substitui Nildo Fontes, Tukano, que atuava como vice-presidente e diretor de referência da Diawi´i. Edson Gomes, povo Baré, fica no lugar de Adão Francisco, povo Baré, da Caibarnx.
A FOIRN atua numa das regiões mais preservadas da Amazônia, em área de abrangência dos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, na Bacia do Rio Negro, no Amazonas. São 23 povos indígenas que convivem ancestralmente num território de aproximadamente 13 milhões de hectares com 12 Terras Indígenas reconhecidas e outras em processo de identificação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Desde as roças tradicionais até os rituais de proteção, o Alto e Médio Rio Negro resguardam um modo de vida indígena diverso, com um sistema político e de trocas que resiste milenarmente.
Mas a região sofre com a deficiência de políticas públicas referentes às mais diversas áreas, como saúde, educação, meio ambiente e segurança pública. Ainda assim, junto com os parceiros, a FOIRN vem constantemente propondo projetos que levam em conta a realidade local e a cultura ancestral indígena, atuando em áreas como etnoeducação, economia da sociobiodiversidade, proteção territorial e medidas de mitigação às mudanças climáticas.
Entre os problemas enfrentados estão as pressões crescentes do narcotráfico, garimpo, turismo ilegal, além de violência de gênero. Os impactos das mudanças climáticas também estão sendo sentidos, com a região passando por dois anos de cheias extremas e, em 2023/2024, pela seca histórica.
Alianças e parcerias
A assembleia da FOIRN aconteceu entre os dias 25 e 28 de junho. Foram debatidos temas como o crescimento da federação, fortalecimento de sua atuação como controle social e das associações de base para a sustentabilidade de projetos da sociobioeconomia e, ainda, transição geracional dentro do movimento indígena e a incidência para as políticas públicas de longo prazo de forma a implantar os PGTAs.
A aliança com instituições governamentais e não governamentais é uma das marcas de atuação da FOIRN e continua sendo apontada como uma forma de fortalecimento dos povos indígenas.
Vários parceiros estiveram presentes na reunião. A coordenadora-adjunta do Programa Rio Negro do ISA, Natália Pimenta, apresentou o planejamento estratégico do ISA e projetos em desenvolvimento no território, orientados a fortalecer os espaços de transparência com os parceiros.
“O ISA trabalha com a defesa dos direitos sociais das comunidades tradicionais. Esse trabalho só faz sentido em diálogo com as organizações que estão no território e são detentoras dos conhecimentos de suas regiões. Temos olhado, junto com a FOIRN, para a necessidade de uma formação intercultural para as equipes técnicas da federação, as associações e lideranças. Essa formação deve ser continuada, considerando que há novas lideranças jovens chegando e há preocupação com a transição geracional”, sublinhou.
A coordenadora da Funai - Coordenação Regional Rio Negro – CR-RN, Maria do Rosário Piloto, Dadá Baniwa, falou da importância das parcerias para o enfrentamento aos desafios da região do Rio Negro e fortalecimento dos povos indígenas, citando o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) assinado entre Funai, FOIRN e ISA.
Chefe do ICMBio em São Gabriel da Cachoeira, Daniel Assis falou sobre a atuação conjunta com a FOIRN e o ISA nas TIs em sobreposição com o Parque Nacional Pico da Neblina.
Para Mariazinha Baré, da Apiam, a FOIRN é uma escola para outras organizações. “Com seus 37 anos, dentro de um processo de luta, a FOIRN tem sede própria e faz sua própria gestão administrativa e financeira. Esse foi um sonho dos que antecederam as atuais lideranças. É necessário também pensar em como manter a qualificação de pessoal em diálogo constante com o movimento indígena para uma formação técnica, mas também crítica e política. A formação deve qualificar futuras lideranças para que possam ser propostivas”, ponderou.
Toya Machinery, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), indica que a FOIRN vem se consolidando como referência na Amazônia e se torna exemplo para outras regiões. “Vimos a transformação e o fortalecimento da FOIRN, com um modelo político e administrativo que fortalece as ações no território. A gente vê que só demarcar não faz que o território fique nas mãos dos povos, é necessário termos atuações diversas. A FOIRN se consolida como exemplo na Amazônia. Com apoio de parceiros como [Operação Amazônia Nativa] Opan, Conselho Indigenista Missionário [Cimi] e ISA, temos conquistas na Amazônia: são 110 milhões de hectares de Terra Indígena na Amazônia Brasileira. Queremos fortalecer essa atuação e as organizações em outras regiões também”.
Pela primeira vez, o encontro foi transmitido ao vivo pelas redes sociais da FOIRN, com atuação do Departamento de Comunicação (Decom) e Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro. O cineasta indígena Kamikia Kisedje participou da cobertura. Segundo a coordenadora do Decom, Gicely Ambrosio, a transmissão foi acompanhada de vários lugares do território indígena, como Querari, São Joaquim, Iauaretê e Maturacá.
Fortalecimento da Foirn
Marivelton Baré ocupou dois mandatos como diretor-presidente da FOIRN (2016-2020 e 2020-2024). Antes de assumir a presidência, foi diretor de referência para a sua região. Ele esteve à frente da federação durante o governo Bolsonaro – declaradamente anti-indígena – e a crise sanitária da Covid-19.
Marivelton assumiu a coordenação do Comitê de Combate e Enfrentamento à Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira, tendo papel essencial na articulação de parcerias para garantir estrutura mínima de atendimento aos povos indígenas. O enfrentamento à pandemia na região também foi marcado pelo fortalecimento dos conhecimentos da medicina indígena.
Em São Gabriel da Cachoeira, um marco do fortalecimento da FOIRN foi a inauguração de uma segunda sede, em fevereiro. Ainda durante a gestão de Marivelton Barroso e a diretoria de Nildo Fontes, Janete Desana, Dário Baniwa e Adão Francisco, foi aprovado o Protocolo de Consulta dos Povos do Rio Negro, importante instrumento de proteção e garantia dos direitos.
Outro ponto importante foi o fortalecimento da economia da sociobiodiversidade: a Casa Wariró ampliou negócios e vem construindo parcerias com as artesãs e artesãos dos Rio Negro para levar adiante o artesanato e a cultura do Rio Negro, gerando renda e protegendo a cultura. Há ainda a estruturação dos projetos de turismo de base comunitária, como o Yaripo, no Território Yanomami, e Serras Guerreiras de Tapuruquara.
Na área de comunicação, a FOIRN fortaleceu o Departamento de Comunicação (Decom) e ampliou conexões, com a instalação de aproximadamente 330 antenas Starlink no território.
A Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas inaugurou a rádio web e mantém três programas de rádio semanais, além de atuação nas redes sociais. O coletivo de comunicação indígena recebeu dois prêmios em reconhecimento à sua atuação: do Repórteres sem Fronteiras e World Justice Project, em Haia, na Holanda.
Em relação às pesquisas interculturais, houve a ampliação da rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs), que observam o ambiente nas comunidades da Amazônia, fazendo anotações em diários e tablets. Para fortalecimento das associações e defesa do território, foram contratados advogados indígenas.
O Departamento de Mulheres Indígenas (DMIRN) e o Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas (DAJIRN) passaram a contar com o coordenador e com articuladores nas bases, de forma a ampliar a representatividade. Atualmente, o coordenador do DAJIRN é Elson Kene, povo Baniwa, e do DMIRN é Cleocimara Reis, povo Piratapuya.
“Como mulheres, ainda temos desafios para encontrar espaços e desenvolver projetos. Mas o DMIRN é um exemplo para mulheres de outras regiões e daqui também. Isso nos fortalece”, disse Cleocimara Reis.
Luciane Lima, povo Tariano, está à frente do Departamento de Negócios da Sociobiodiversidade. Ela ressalta que nos últimos anos a Wariró recuperou a confiança dos artesãos por meio de articulações e encontros regionais nas comunidades indígenas. O Departamento de Educação Indígena é coordenado por Melvino Fontes, povo Baniwa. Hildete Araújo está à frente do Departamento de Patrimônio Cultural e Pesquisa Intercultural.
Na abertura da Assembleia da FOIRN, o diretor eleito Edson Gomes, do povo Baré, trouxe uma reflexão sobre as mudanças na região. “Vocês estão chegando das mais diversas calhas dos rios: Içana, Xié, Baixo Rrio Negro, Alto Rio Negro. Vieram de voadeira, barco, expresso. Alguns vieram de avião. Antigamente não existia isso. Nossos avós remavam dias para chegar ao local. As pessoas que iniciaram essa discussão que damos continuidade hoje, remavam. Por que estou dizendo isso? Este é o momento de a gente refletir em que ponto estamos. E o que queremos conseguir ainda.”
Conheça a nova diretoria da FOIRN:
Nadzoeri (Organização Baniwa e Koripako)
Diretor de referência: Dário Emílio Casimiro, povo Baniwa
Dário Baniwa, de 38 anos, nascido na comunidade de Nazaré, é do clã Waliperi-Dakenaii dos Baniwa. Formado em educação indígena e mestre em antropologia social pela UFAM, atua como professor e assessor pedagógico. Após concluir o mestrado, voltou a São Gabriel da Cachoeira e assumiu a coordenação do departamento de educação da FOIRN. Em 2021, foi eleito diretor de referência da Nadzoeri e reeleito em 2024. Em 28 de junho, tornou-se o primeiro de seu povo a ser eleito diretor-presidente da FOIRN. Fala Baniwa e Nheengatu.
COIDI (Coordenadoria das Associações Indígenas de Iauaretê)
Diretora de referência: Janete Figueiredo Alves, povo Desana
Janete Alves, nascida em Caruru Cachoeira, mudou-se para Iauaretê para acessar a educação. Lá, integrou a Pastoral da Igreja Católica e a Associação das Mulheres Indígenas (Amidi). Em 2017, foi eleita coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da FOIRN, atuando na linha de frente contra a Covid-19. Em 2021 e 2024, foi eleita diretora de referência da Coidi. Em 28 de junho, tornou-se vice-presidente da FOIRN. Janete, de 37 anos, fala Tukano e Desano.
Diawi´i (Coordenadoria das Organizações Indígenas do Tiquié, Uaupés e Afluentes)
Hélio Gessem Monteiro Lopes, povo Tukano
Nascido na comunidade de Colina do Rio Tiquié e criado em Taracuá, Hélio Lopes, de 30 anos, é o mais jovem diretor da FOIRN. Interrompeu o curso de técnico em administração para servir na Aeronáutica. Voluntário no movimento indígena, apoiou a Associação das Mulheres Indígenas da Região de Taracuá (AMIRT). Em 2022, participou do Acampamento Terra Livre, fortalecendo a luta indígena em meio a um contexto político adverso. Em 2024, foi eleito diretor de referência da região da Diawii. Hélio é do grupo Tukano Oákahapea e fala Tukano.
CAIMBRN (Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro)
Carlos Alberto Teixeira Neri, povo Piratapuya
Carlinhos Neri, 51 anos, de Santa Isabel do Rio Negro (AM), formou-se técnico em agropecuária pelo IFAM. Engajou-se no movimento indígena após ser convidado pelo irmão para uma assembleia da ACIMRN. Atuou na proteção territorial e desenvolvimento de projetos culturais e socioeconômicos. Integrante do projeto que tornou o Sistema Agrícola do Rio Negro patrimônio cultural pelo Iphan, foi eleito diretor de referência para CAIMBRN em 2024. Fala Tukano e Nheengatu.
CAIBARNX (Coordenadoria das Associações Indígenas do Balaio, Alto Rio Negro e Xié)
Edson Cordeiro Gomes, povo Baré
Edson Gomes, de 40 anos, filho de professores, sempre viveu na região do Alto Rio Negro. Participou da Pastoral da Juventude e atuou como professor. Envolveu-se no movimento indígena, trabalhando no Departamento de Educação e no Departamento de Negócios da Sociobiodiversidade da FOIRN. Em 2023, participou da tradução da Constituição para Nheengatu. Este ano, foi eleito diretor da CAIBARNX. É falante de Nheengatu e fundador da Academia de Língua Nheengatu.
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Programação inclui mesas com educadores quilombolas e indígenas, além de autores do livro ‘Diários Yanomami’; a entrada é gratuita
Conteúdo atualizado dia 4 de julho às 12h38
A terceira edição d’A Feira do Livro chega à capital paulista no próximo sábado (29/06), com mais de 70 autores e 150 convidados. Nos nove dias de evento, cinco a mais do que nas edições anteriores, o Instituto Socioambiental (ISA) levará ao público mais de 100 títulos, entre edições próprias e co-edições, além de uma seleção especial de literatura indígena e quilombola.
Dentre as obras disponibilizadas estarão títulos como A terra dá, a terra quer (Antônio Bispo dos Santos), O espírito da floresta (Bruce Albert e Davi Kopenawa Yanomami), Uma enciclopédia dos trópicos (Beto Ricardo e Ricardo Arnt), Ideias para adiar o fim do mundo (Ailton Krenak) e Do Quilombo que Eu Vim (Betânia Rita dos Anjos Fernandes).
A tenda também trará os livros Na Companhia de Dona Fartura (2022) e Roça é Vida (2020), escritos por autores e autoras quilombolas do Vale do Ribeira (SP).
Organizada pela Associação Quatro Cinco Um e pela Maré Produções, a feira, que nesta edição terá uma programação voltada a professores, acontece na Praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, com entrada gratuita.
No domingo (30/06), às 17h30, o Tablado Literário receberá o bate-papo “Brasil indígena, passado e presente”, entre a historiadora Luma Prado, do ISA, e a educadora Poty Poran T. Carlos, da Terra Indígena Jaraguá, que oferecerão uma formação a partir do livro Povos Indígenas no Brasil Mirim (ISA, 2020).
Já no dia 2 de julho, no Palco da Praça, às 15h, a jornalista e antropóloga do ISA, Tatiane Maíra Klein, mediará a mesa “Saberes ancestrais na sala de aula”, com a participação dos autores Kerexu Mirim, liderança da Terra Indígena Tenondé Porã, em São Paulo, e Luiz Ketu, liderança do Quilombo São Pedro, em Eldorado (SP).
O debate pretende tecer caminhos para o fortalecimento de uma educação antirracista a partir de experiências de educadores indígenas e quilombolas, em diálogo com obras de sua autoria.
Na sexta-feira (05/07), às 17h30, o ISA traz ao público literário um bate-papo sobre a obra Diários yanomami: testemunhos da devastação da floresta, que reúne relatos de indígenas Yanomami sobre os impactos da invasão garimpeira na maior Terra Indígena do Brasil durante o governo Bolsonaro.
A mesa, que acontece no Auditório Armando Nogueira, contará com a participação de dois dos autores, Darysa Koyorina Yanomami e Mozarildo Yanomami, e de um dos organizadores do livro, o pesquisador Corrado Dalmonego, além da mediação da escritora Hanna Limulja.
Em 2024, o festival literário paulistano promove debates sobre temas como antirracismo, acessibilidade, literatura negra, crise climática, 60 anos do golpe militar e literatura LGBTQIA+. Dentre as 11 atrações internacionais d’A Feira do Livro, cinco são de escritoras argentinas: Camila Sosa Villada, Claudia Piñero, Camila Fabbri, Betina González e Michel Nieva.
Confira a programação completa!
Serviço
Local: Praça Charles Miller, Pacaembu – São Paulo/SP
Dia: 29 de junho a 7 de julho
Entrada gratuita
30/06, às 17h30 – Tablado Literário
Bate-papo entre Poty Poran T. Carlos e Luma Prado: “Brasil indígena, passado e presente”
02/07, às 15h – Palco da Praça
Mesa com Luiz Ketu, Kerexu Mirim e Tatiane Klein: “Saberes ancestrais na sala de aula”
05/07, às 17h30 – Auditório Armando Nogueira
Mesa com Darysa Yanomami, Mozarildo Yanomami, Corrado Dalmonego e Hanna Limulja sobre o livro Diários yanomami: testemunhos da devastação da floresta
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Projeto de pesquisa e mobilização realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) foi lançado em seminário nacional sobre o tema
Ao longo dos próximos três anos, pesquisadores indígenas integrantes do Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas (Obind) da Universidade de Brasília (Unb), em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Instituto de Políticas Relacionais (IPR), conduzirão e darão sequência às investigações sobre as graves violações de direitos humanos contra povos indígenas iniciadas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).
“É um processo grande, mas estamos nos propondo a trazer isso para o seio do movimento indígena para liderarmos esse processo”, afirmou Kleber Karipuna, coordenador da Apib.
O anúncio foi feito durante o Seminário Nacional de Justiça de Transição para Povos Indígenas, realizado nos dias 4 e 5 de junho, no Centro Cultural São Paulo, em São Paulo (SP). Promovido pela Apib, IPR e Obind-UnB, o evento discutiu temas como a justiça de transição no Brasil, casos emblemáticos de graves violações de direitos humanos contra povos indígenas e desafios para a implementação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV).
Na ocasião, estiveram presentes 48 representantes das organizações regionais de base que compõem a Apib: a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme); Comissão Guarani Yvyrupa (CGY); a Aty Guasu; o Conselho Terena; a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul); e a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ArpinSudeste).
Além deles, também marcaram presença no evento representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Embaixada da Noruega, de organizações da sociedade civil parceiras dos povos indígenas, como o Instituto Socioambiental (ISA), Armazém Memória, Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP); dos Ministérios dos Povos Indígenas (MPI) e dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC); além de pesquisadores de diferentes universidades.
“Vamos continuar firmes e fortes nesse debate da garantia do direito dos povos indígenas”, asseverou Kleber Karipuna durante o evento. “Por uma justiça de transição que de fato reconheça não somente na legislação e no discurso, mas na prática, a efetivação do direito de demarcação das nossas terras, de combate ao racismo institucionalizado que está nas estruturas do Estado brasileiro e todos os tipos de atrocidades que possam ser cometidas contra os povos indígenas”, complementou.
Assista ao seminário do dia 04/06:
Marco Temporal e a continuidade das violações
Durante o Seminário, Eliel Benites, representante do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), destacou que o aprofundamento nas investigações ajuda a trazer também uma compreensão sobre a conjuntura atual, em que as violações não cessaram. “A Lei do Marco Temporal (Lei nº 14.701/2023) é uma situação concreta desse processo da continuidade da violência, da legitimação da violência”, afirmou.
A Lei do Marco Temporal, aprovada pelo Congresso no fim de 2023, além de introduzir mudanças substanciais na demarcação das Terras Indígenas no Brasil, condiciona o direito territorial indígena a um marco temporal, fincado na data da promulgação da Constituição Federal.
Atualmente, a lei é alvo de questionamentos no Supremo Tribuna Federal (STF) em Ações Diretas de Inconstitucionalidade, nas quais partidos políticos e entidades da sociedade civil questionam a Lei do Marco Temporal.
Para o procurador regional da república, Marlon Weichert, o caminho para o combate à tese anti-indígena do Marco Temporal é justamente na produção de memória e verdade sobre essas graves violações. “Vamos poder demonstrar que em 1988, quem não estava no seu território, é porque tinha sido vítima de graves violações de direitos humanos e precisa ser reparado”, ressaltou.
Eliana Torelly, subprocuradora-geral da República e coordenadora da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, lembra que o Procurador Geral da República já se manifestou sobre os inúmeros pontos de inconstitucionalidade dessa lei. “Fomos chamados pelo STF para nos manifestar sobre um possível acordo em torno dessa lei, mas no entendimento da 6ª camara, não há acordo possível diante dos pontos tão graves dessa lei”, afirmou.
À espera da Comissão Nacional Indígena da Verdade?
Desde o início do governo Lula, a criação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade vem sendo pautada pelo movimento indígena. Apesar do compromisso público do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) com a abertura da comissão no ano passado, até o momento o governo não a oficializou. Na avaliação de participantes do evento, o contexto no governo é desfavorável para esses debates.
Maíra Pankararu, mestra em direito e integrante da Comissão de Anistia, também resgatou o momento em que o primeiro relatório foi publicado e a conjuntura política dos anos seguintes. Assim, ela ponderou que não há um momento perfeito, dentro de uma conjuntura ideal e um governo plenamente progressista, para dar sequência às investigações diante de um Estado que nasce da invasão e da escravização de seus povos. "Isso precisa ser feito independentemente disso", defende. Ela destacou também a importância e o desafio de sensibilizar pessoas não-indígenas para tê-las como aliadas na pauta.
“Como a gente prova para vocês que estamos lutando por um futuro bom para todo mundo? Como a gente prova para vocês que se a gente implementar a Comissão Nacional Indígena da Verdade isso será bom para a sociedade como um todo, porque estaremos revelando verdades ocultas não só sobre os povos indígenas, mas sobre a história brasileira?”, questionou.
Paulo Abraão, ex-presidente da Comissão de Anistia, destacou também a importância das investigações não estarem centralizadas no Estado. Para ele, as discussões são um caminho para o surgimento de instituições de justiça de transição a partir dos povos indígenas e das comunidades. “Não são os povos indígenas que não estão preparados para a justiça de transição, mas são as nossas instituições”, ressalta.
Para Paulino Montejo, que é do povo Maia da América Central e assessor político da Apib, algumas das principais ponderações acerca da metodologia para a instauração da CNIV dizem respeito à estruturação das informações para mapeamento dos casos emblemáticos; ao registro das provas que valorizem a tradição oral; e ao que deve ser feito com as informações obtidas para que não haja repetição dos crimes cometidos pelo Estado e setores da sociedade contra os povos indígenas. “O que nós propomos para ir a fundo nesse processo de transição para uma justiça necessária, de quitação da dívida que o Estado e a sociedade brasileira têm com os nossos povos?”, questionou.
Elisa Pankararu, coordenadora da Apoinme, ressaltou também a importância de que a pesquisa não fique apenas restrita aos documentos oficiais, mas que possibilite a instituição de uma política de reparação que chegue nas aldeias.
Não obstante, Kleber Karipuna também criticou a morosidade do governo federal em construir a CNIV, apontando que, uma vez que essa não é uma prioridade, será preciso criar um espaço ampliado para debater o tema, com a participação da Apib, das organizações da base e com outros atores da sociedade civil e as universidades.
Manuela Tuyuka, uma das pesquisadoras do projeto, apontou ainda um desafio diante do tema, que é o de “traduzir essas palavras [justiça de transição e reparação] para os povos indígenas, porque mesmo traduzindo para cada povo vai ser diferente”, considerou.
Eliel Benites, por sua vez, falou sobre a importância não só de identificar as violências, mas de levar a sério as conceitualizações indígenas sobre memória, verdade e territorialidade para nortear a reparação de acordo com as necessidades de cada povo. “É fundamental hoje fazer com que os conceitos, os pensamentos dos povos sejam cada vez mais evidentes, de uma forma diferenciada, para que o poder público promova a justiça.
Segundo Daniela Greeb, do Instituto Relacionais, alguns encontros estão previstos para acontecer ainda neste ano. O calendário de atividades, entretanto, segue em construção junto às organizações envolvidas.
Movimento indígena e sociedade civil provocaram investigações
A iniciativa anunciada na última semana parte de uma das recomendações trazidas no Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que estabeleceu como próximos passos o aprofundamento nas investigações, com o objetivo de delinear um cenário mais completo sobre o violento histórico e também a apontar caminhos para a reparação dos diversos povos afetados.
Anteriormente encabeçada pelo pesquisador e ativista Marcelo Zelic, falecido em 2023, a pesquisa atual será conduzida por seis pesquisadores indígenas de diferentes povos sob coordenação da professora Elaine Moreira (OBIND-UnB), e tutoria da doutoranda Braulina Baniwa. São eles: Fêtxawewe Fulni-ô Guajajara; Manuele Tuyuka; Iuri Tikuna; Ayla Tapajós; Danilo Tupiniquim; Rafaela Kambeba; e Luiza Tuxá.
Segundo o antropólogo e pesquisador Rafael Pacheco, o protagonismo indígena na pauta não é uma novidade, porque ele sempre esteve presente: “O Estado é que demorou a se dar conta”, pontuou. A exemplo disso, o antropólogo rememorou o começo das pesquisas e investigações, no início de 2012, quando a recém-criada CNV foi questionada por indígenas sobre a falta de informações sobre as violências sofridas pelos indígenas no período investigado.
A inclusão dos povos indígenas nas investigações da CNV também foi fruto do intenso acompanhamento do processo por organizações da sociedade civil, como Apib, Armazém Memória, ISA, Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Centro de Trabalho Indigenista (CTI), que chegaram a lançar uma Comissão Indígena da Verdade e Justiça em 2013, para subsidiar a comissão nacional com documentos e informações.
Assista ao seminário do dia 05/06:
Foi a partir dessas provocações que a CNV inseriu pela primeira os povos indígenas na pauta oficial sobre Justiça de Transição. Em 2014, o relatório final foi publicado, reconhecendo a responsabilidade do Estado brasileiro por graves violações de direitos humanos contra os povos indígenas, que incluem o esbulho de suas terras e a morte de pelo menos 8.350 indígenas.
Relembre: Comissão Nacional da Verdade reconhece violações de direitos cometidas contra povos indígenas
Entre casos emblemáticos citados no capítulo sobre povos indígenas do relatório final estão: Ava-Guarani; Guarani Kaiowá; Nambikwara (MT); Xetá (PR), Tapayuna (MT); Avá-Canoeiro (TO); Panará (MT); Parakanã (PA); Akrãtikatejê (PA); Yanomami (RR); Waimiri-Atroari (AM); Krenak (MG); e Aikewara (PA). Segundo o relatório, esses povos foram vítima de diversas violações como esbulho territorial, desagregação social, tortura, encarceramento, tortura e extermínio em massa.
Em abril de 2024, dois desses casos (Krenak e Guarani Kaiowa) foram levados à Comissão de Anistia, reinstaurada pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDCH), e resultaram no reconhecimento dos povos Guarani Kaiowa e Krenak como anistiados políticos coletivos, pelas graves violações sofridas. Relembre: Anistiados políticos, povos Guarani Kaiowá e Krenak seguem à espera da demarcação de suas terras.
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Evento conta com roda de conversa “Povos Indígenas no mapa”, com Sonia Ara Mirim e Maru Huni Kuin, do Conselho Aty Mirim do museu, Suzy Kaingang, do Museu Worikg, e Luma Prado, do ISA
Neste sábado (29/06), às 10h, estudantes, professores, pesquisadores e visitantes do Museu das Culturas Indígenas (MCI), em São Paulo, poderão acessar uma nova ferramenta para conhecer mais sobre o Brasil Indígena.
O Mapa Interativo Povos e Terras Indígenas no Brasil é fruto de uma parceria entre o Instituto Socioambiental (ISA) e o MCI, e reúne informações atualizadas sobre a sociodiversidade indígena no Brasil.
O mapa será lançado durante a roda de conversa “Povos Indígenas no mapa”, em meio à programação de aniversário de dois anos do Museu das Culturas Indígenas.
O bate-papo vai discutir a presença, as lutas e as guerras enfrentadas pelos povos indígenas no país hoje, e contará com a participação dos mestres de saberes Sonia Ara Mirim e Maru Huni Kuin, integrantes do Conselho Aty Mirim do MCI, Suzy Kaingang, do Museu Worikg, além de Luma Prado, historiadora e pesquisadora do Programa Povos Indígenas no Brasil, do ISA.
Sobre o Mapa Interativo
As informações apresentadas no Mapa Interativo Povos e Terras Indígenas no Brasil são resultado de um movimento iniciado na década de 1980, quando os antropólogos Beto Ricardo e Fany Ricardo passaram a reunir informações sobre os povos e as Terras Indígenas no Brasil a partir da construção de uma extensa rede de colaboradores com o objetivo de colocar os indígenas definitivamente no mapa.
Iniciado no Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) e continuado pelo ISA, o trabalho tornou-se referência e seus resultados foram um contraponto à tese vigente à época de que os povos indígenas estavam fadados a desaparecer.
Atualmente, o ISA produz, analisa e disponibiliza informações qualificadas sobre a sociodiversidade indígena na Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil e na plataforma Terras Indígenas no Brasil, além da série de livros Povos Indígenas no Brasil.
O resultado deste trabalho, congregado no Mapa Interativo, também poderá ser acessado pelos visitantes do estande de A Feira do Livro, festival literário gratuito, na Praça Charles Miller, em São Paulo; na exposição ISA 30 Anos, no Museu A Casa do Objeto Brasileiro e também na loja do ISA, Floresta no Centro, localizada na Galeria Metrópole, na Avenida São Luís, 187, centro da capital paulista.
Para além do lançamento do mapa, as comemorações do aniversário do MCI em 29 de junho de 2024 preveem também outras atividades, como a Feira de Artes Manuais, o Coral Kalipety da Terra Indígena Tenondé Porã (SP), entre outros.
Serviço
Roda de conversa “Povos Indígenas no mapa” e lançamento do Mapa Interativo Povos e Terras Indígenas no Brasil
Data: 29/06/2024, das 10h às 12h
Local: Museu das Culturas Indígenas
Endereço: R. Dona Germaine Burchard, 451 - Água Branca - São Paulo/SP
Entrada: gratuita, mediante inscrição antecipada no link: https://isa.to/4bk6128
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Depois de uma década, reunião da rede transfronteiriça Canoa (Cooperação e Aliança no Noroeste Amazônico) aconteceu no Alto Rio Tiquié, no Amazonas
O Rio Tiquié tem suas cabeceiras na região de chavascais chamada Ewura, já na Colômbia, onde estão algumas das nascentes de dois dos maiores rios da bacia amazônica - o Negro e o Japurá. A floresta que margeia o alto curso do rio é vigorosa, drenada por cursos de águas frescas e limpas - são paisagens manejadas há gerações por comunidades de indígenas bará e tuyuka.
Distante cerca de cinquenta quilômetros de suas nascentes, o Tiquié cruza a fronteira e segue Brasil adentro, sempre resguardado por comunidades indígenas até sua foz no Uaupés. Esse é um dos rios mais povoados da região, habitado por populações de língua tukano e naduhupy. São cerca de 5 mil indígenas vivendo na bacia desse rio de pouco mais de 450 quilômetros de extensão.
Nesse território, encontros abrangendo comunidades e associações indígenas, e parceiros não-indígenas, dos dois lados da fronteira, chamados Canoitas, aconteceram com frequência entre 2005 e 2014, tendo sido interrompidos devido a conjunturas políticas nacionais e outras prioridades dos processos locais de cada país.
Veja como foi a edição de 2014
Naquele período, a primeira fase das Canoitas, houve trocas de experiências e intercâmbios sobre projetos e iniciativas que eram desenvolvidas nos campos da educação escolar comunitária, manejo ambiental, mapeamentos dos territórios, pesquisas indígenas e interculturais, bem como temas relacionados às mulheres (agricultura e segurança alimentar, práticas de cuidado e proteção), circulando conhecimentos entre seus participantes, animando e inspirando as discussões locais, em cada associação.
No reencontro, entre 16 e 20 de maio, juntaram-se pessoas que participaram das trocas passadas, mas também jovens lideranças trazendo novas ideias, com o objetivo de construir conjuntamente estratégias transfronteiriças atuais para fortalecer o manejo sustentável na Bacia do Rio Tiquié.
Reuniram-se em Bellavista, no igarapé Abiu, afluente do Alto Tiquié, cerca 130 pessoas de mais de 25 comunidades - do Brasil, procedentes de treze, bem como equipes da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e do Instituto Socioambiental (ISA); da Colômbia, um número equivalente, bem como os parceiros da Fundación Gaia Amazonas (FGA).
Dez anos depois
Nesse período de dez anos sem encontros, muitas coisas mudaram, e todos queriam entender a situação do outro lado da fronteira. No lado brasileiro, foram desenvolvidos os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) das Terras Indígenas e das coordenadorias da FOIRN; posteriormente, os protocolos de consulta, trabalho que mobilizou grandes esforços e participação do movimento indígena organizado durante cinco anos.
Os AIMAs do Rio Tiquié, que estavam presentes em peso, trabalharam nos levantamentos de dados e discussões para elaboração dos PGTAs, mas também seguiram suas pesquisas sobre os ciclos anuais e boas práticas de manejo, em anos em que os extremos climáticos se repetiram, como previsto nos modelos de mudanças climáticas.
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A rede dos AIMAs, embora impactada pela pandemia, também atuou ao valorizar os conhecimentos indígenas em seu enfrentamento, através dos encontros de conhecedores, das proteções rituais e dos remédios feitos com plantas.
Houve grande interesse dos participantes brasileiros em saber sobre o processo de constituição do governo próprio no território do Tiquié do lado colombiano. Explicaram que, a partir da Decreto Lei 632, de abril de 2018, foi reconhecido aos territórios indígenas o direito de funcionar como entidades político-administrativas. Essas entidades territoriais indígenas (ETIs), uma vez formadas, poderão exercer o poder público com autonomia e autodeterminação, "de acordo com os princípios e fundamentos culturais, a fim de alcançar o bem-viver de seus habitantes. O objetivo principal é manter vivos os conhecimentos tradicionais, a cultura e as tradições dos grupos étnicos; e proteger e cuidar de todos os habitantes e do território".
Ao passo que, no Brasil, as associações indígenas são organizações não-governamentais, participando da sociedade civil; do lado colombiano, elas estão se constituindo como entidades governamentais, parte da estrutura político-administrativa do estado colombiano, recebendo recursos orçamentários públicos. Esse processo, porém, ainda não se completou. Atualmente estão numa fase que chamam de “diálogo intercultural”.
No caso do Tiquié, o governo indígena contempla três instâncias: o tradicional, formado por conhecedores; o comunitário, composto pelos dos capitães das comunidades; e o territorial. Nesse último a instância principal é o Consejo Indígena, constituído por autoridades e sabedores tradicionais e lideranças mulheres.
Operacionalmente, há o representante legal do Consejo Indígena. Ele coordena o Comité executivo (formado por uma secretaria, um setor fiscal e uma tesouraria) e um conjunto de secretarias (das mulheres, de saúde, de educação, de território e ambiente, de soberania alimentar e da juventude). Esse organograma geral foi apresentado e os responsáveis por cada setor fez sua apresentação.
Jorge Gonzales (assessor da FGA para o Território Tiquié) explicou que o processo de reconhecimento do governo do território indígena começou mesmo com a lei de 2018, mas muito se passou antes – começando pela Constituição de 1991, em 1993 o decreto que formalizou as AATIs (Associações de Autoridades Tradicionais Indígenas), mas continuou havendo uma lacuna.
A luta dos povos indígenas, não só amazônicos, mas todo o movimento indígena na Colômbia, persistiu. Quando aparece esse decreto de 2018, o território do Tiquié decide implementá-lo, já que a adesão é voluntária. O decreto está voltado para três departamentos (do país) onde há áreas não municipalizadas; antes do decreto, essas áreas tinham opção de entrar num município ou tornar-se município, mas com o decreto surgiu essa outra opção, mais integral e autônoma – a Entidade Territorial Indígena.
O plan de vida, o Consejo Indígena como a máxima autoridade do governo, com seu representante legal, assim como o Comité de seguimento, as secretarias, foram requisitos para conformar uma entidade territorial. Atualmente, já se formalizou a demanda junto ao Ministério do Interior, foram entregues todos os documentos sobre a jurisdição onde o governo vai exercer suas funções.
Segundo Jorge, “estamos agora nesse processo de diálogo, não tem sido fácil, o governo colombiano não tem a iniciativa, só se move a partir de medidas jurídicas. Agora em junho virá uma delegação do governo colombiano, do Ministério, da Agência Nacional de Tierras, Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE).”
José Maria Sanchez, da COITERT, esclarece que o diálogo intercultural com o governo é feito coordenadamente, no âmbito macro-territorial, onde nós como governos indígenas do Apapóris, Mitiri, Pira-Paraná e Tiquié atuamos em conjunto em qualquer dificuldade no plano nacional que não nos favoreça. Vamos passar a funcionar como governo territorial quando assinarem o acordo intercultural com o Estado nacional, quando forem validados os documentos, verificando os dados que enviamos – como população, jurisdição etc.”
Plano de Manejo Integrado
A última parte da Canoita foi dedicada ao planejamento das atividades conjuntas, mais que isso, houve um entendimento sobre a necessidade de se pensar um plano de manejo integrado da Bacia do rio Tiquié, considerando sua abrangência transfronteiriça. Esse é um passo à frente em relação às Canoitas anteriores, que foram sobretudo espaços de troca de experiências e conhecimentos.
Na perspectiva de Domingos Barreto, assessor da FOIRN e da ATRIART, existe uma preocupação com esse plano, que abrange muitos temas, resultados que já foram alcançados, mas que precisam ser aprofundados.
“Acredito que os encontros da Canoita sejam o ambiente adequado para fazermos isso, respeitando as realidades das diferentes comunidades e sub-regiões e os conhecimentos que existem aí para o manejo do mundo.” Para ele, “foi bem visível, a cada dia, cada povo falando de seu jeito, de sua forma, da maneira como estão vivendo em suas comunidades. Esse tipo de encontro soma conhecimentos de cada povo e também dos parceiros (ISA e FGA), no sentido de fazer juntos, combinar juntos.”
Os encontros da Canoita acontecerão anualmente. Até o próximo encontro, foram planejados dois encontros menores, sub-regionais, para tratar, principalmente, dos acordos de manejo dos peixes – recurso vital para a segurança alimentar de todas as comunidades e que sofre pressão crescente com o uso de práticas predatórias, como o mergulho com máscara e arpão. Será um encontro no médio rio, e outro no alto Tiquié – esse incluindo o trecho acima de Pari-Cachoeira.
As mulheres tiveram momentos separados de conversa, gerando muitas ideias, mas também evidenciando diferenças nos temas aos quais se dedicam.
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Com curadoria de Kujaesãge Kaiabi, ‘Os Olhos do Xingu’ convida o público a conhecer, até 17 de junho, as belezas e as ameaças aos modos de vida nos territórios
A exposição Os olhos do Xingu, que acontece entre os dias 3 e 17 de junho no centro de Oslo, capital da Noruega, reúne fotografias de oito comunicadores da Rede de Comunicadores Xingu+ que vivem em Terras Indígenas na Bacia do Rio Xingu, entre Pará e Mato Grosso.
Com curadoria de Kujaesãge Kaiabi e dos comunicadores indígenas, a exposição é uma realização da Rede Xingu+, da Rainforest Foundation Norway e do Instituto Socioambiental (ISA). As fotografias serão exibidas em painéis em grande formato na Kronprinsesse Märthas plass, ao lado do Centro Nobel da Paz e da prefeitura de Oslo.
Saiba mais no site da exposição, em inglês: https://www.regnskog.no/no/the-eyes-of-xingu-english
Ao todo, são 20 imagens que apresentam a preocupação dos comunicadores indígenas e ribeirinhos com pressões e ameaças à Bacia do Rio Xingu, bem como a felicidade expressa no relacionamento com as comunidades, seus conhecimentos e culturas. A exposição direciona o olhar da sociedade envolvente para além da fronteira do imaginário popular, destacando a relação intrínseca entre o bem viver e a proteção dos territórios.
As imagens produzidas pelos comunicadores ainda propõem uma reflexão sobre como os diferentes modos de produção de registros visuais incentivam as novas gerações de comunicadores a fazer fotografia a partir do pensamento dos povos do Xingu.
A seleção de fotos apresentadas na mostra inclui registros de mobilizações em Brasília, como a 3ª Marcha Mulheres Indígenas, realizada em setembro de 2023, além de retratos feitos em reuniões e em danças e festividades realizadas nos territórios.
Em uma potente fotografia monocromática, a comunicadora Tina Yawalapiti retratou o centro cultural Umatalhi, importante espaço para o fortalecimento do modo de vida alto xinguano pela realização de atividades como o ensino da língua yawalapiti – atualmente com poucos falantes –, aulas de artesanato e cursos de formação para comunicadores.
Sobre a curadora, Kujaesãge Kaiabi
A comunicadora vive na aldeia Guarujá, no Território Indígena Xingu (TIX), onde se destaca como uma das mais promissoras figuras femininas do audiovisual. Todos os dias acorda cedo, toma banho no rio e prepara a alimentação da sua família. Junto com as mulheres de sua comunidade, coleta mandioca, amendoim, torra farinha, faz artesanato e cuida de sua aldeia.
Seu principal papel enquanto comunicadora é apoiar os caciques e lideranças kaiabi a compreender os retrocessos governamentais e ameaças que tramitam no Congresso Nacional. “Sou uma porta-voz do povo Kaiabi”, conta a comunicadora. Para isso produz vídeos e áudios informativos.
O desejo de se tornar comunicadora surgiu quando foi convidada para atuar no filme A história da Cutia e do Macaco, do Instituto Caititu. Desde então, Kujaesãge passou a se inspirar nas produções que viu durante a sua atuação. “Para mim não foi fácil, pois naquela época não havia mulheres na área audiovisual”, relatou.
A imagem tem um poder muito significativo para o povo Kaiabi: “quando tiramos uma foto ou fazemos um vídeo, é esse registro que servirá como dicionário ou lembrança da família que se foi”, disse a comunicadora, que também pesquisa imagens do seu povo em arquivos históricos de conteúdos produzidos também por cineastas não-indígenas.
Desde 2018, realiza a cobertura audiovisual da Mobilização das Lideranças Indígenas, no Acampamento Terra Livre em Brasília.
Em 2022, foi curadora do 1º Festival de Cinema e Cultura Indígena do Brasil e no mesmo ano expôs no Instituto Moreiras Salles, fotos e um filme em que apresenta a trajetória do seu avô, Prepori Kaiabi, um dos principais pajés da história do Parque Indígena do Xingu (PIX).
Atualmente, Kujaesãge Kaibi (@kujaesage) se dedica a produção de um longa-metragem que conta a história de Prepori Kaiabi.
Sobre os comunicadores da Rede Xingu+
Composta por 26 membros, a Rede de Comunicadores Indígenas e Ribeirinhos do Xingu integra a Rede Xingu+, uma articulação entre organizações de povos indígenas, associações de comunidades tradicionais e instituições da sociedade civil atuantes na bacia do Rio Xingu.
Ao se apropriarem do uso de equipamentos e tecnologias sociais, os comunicadores da Rede Xingu+ assumem o protagonismo na comunicação interna e articulação política entre diferentes povos da Bacia do Rio Xingu, e contribuem para a prevenção, emissão de alertas e monitoramento de atividades ilegais nas Áreas Protegidas do Xingu.
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Elas Que Lutam! Ex-coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Foirn e protagonista do enfrentamento à Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira, liderança luta pela educação no Rio Negro
Em uma das regiões mais conservadas do país, uma jovem indígena partilhava um mingau com sua avó. Carregada de interesse, Elizângela da Silva, ouvia atentamente aos mitos do povo Baré.
Os mitos têm um significado importante para a população indígena do Rio Negro. São narrativas que contam sobre o sol, a noite e o rio, tecidas pela sabedoria e experiência dos mais velhos.
“Quando sua avó vai contar o mito da Mandioca, ela vai contando os processos, as origens. Ela vai dizendo ‘isso pode fazer’, ‘isso não pode fazer’. Desde criança a gente aprende o que a natureza pode nos causar caso a gente não respeite ela”, contou ao ISA.
Com a chegada das escolas na Terra Indígena Cué-Cué Marabitanas, a rotina mudou. Os banhos de rio e os momentos com a avó foram dividindo espaço na rotina com o processo de alfabetização.
O aprendizado da língua portuguesa - até então desconhecida para a menina falante de Nheengatu - fora um pedido do avô. Junto da tia e da irmã, Elizângela subia diariamente o rio remando em canoa para chegar à escola.
Sem conseguir avançar nos estudos devido a precariedade das escolas rurais da época, mudou-se para a sede do município de São Gabriel da Cachoeira em 1993, aos nove anos de idade, onde morou na casa de parentes. Mesmo criança, precisou cuidar dos filhos de amigas dos familiares para continuar nos estudos.
Na casa de médicas da Associação Saúde Sem Limites - que desenvolvia projetos de assistência médica a povos indígenas e comunidades tradicionais - Elizângela Baré aprendeu sobre saúde e direitos dos povos indígenas.
Essa experiência, aliada à participação em um grupo da Pastoral da Juventude, permitiu seu ingresso no movimento indígena.
Participando dos eventos do Departamento de Jovens Indígenas do Rio Negro (DAJIRN), Elizângela acompanhou os bastidores da criação do Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro (DMIRN) da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), em 2002.
No ano seguinte, concluiu o Ensino Médio. No entanto, o cuidado com a família não permitiu a continuidade dos estudos e, em 2009, mudou-se novamente para o território indígena, dessa vez na comunidade onde morava a família do marido.
Em São Gabriel Mirim, recebeu o convite para atuar como professora no momento em que o sistema escolar municipal deixava de ser "rural" para ser "indígena" e nucleadas, com participação da comunidade escolar nas decisões da gestão pedagógica e do calendário das atividades, respeitando os modos de vida e a dinâmica das atividades coletivas das comunidades. Apesar de não ter frequentado o magistério, recebeu uma carta de recomendação da comunidade, e passou a ministrar aulas para uma turma multisseriada, com alunos da primeira à quinta série.
Um ano depois, recebeu um novo convite, dessa vez para assumir a gestão da escola nucleada Baré Napirikuri (que congregava escolas de 08 comunidades). O regulamento para exercício do cargo exigia a formação acadêmica mas, mais uma vez, a comunidade, confiando no trabalho realizado como professora, tomou a defesa de Elizângela.
Foi eleita em votação feita pelas famílias dos alunos, em 2010, e permaneceu no cargo até 2016. Com o apoio da família e da comunidade, enfrentou as críticas de professores homens indígenas que a acusavam de não ter capacitação para a função exercida.
“Na época não entendia o que era bullying, não entendia o que era racismo. Eu não sabia o que era essas coisas de patriarcado. [...] Eu não sabia de nada, mas eu peguei o microfone e eu falei ‘temos que respeitar, os pais dos alunos votaram’.”, lembra.
Apesar da resistência dos professores e de alguns homens da comunidade, atuou pela igualdade de gênero e pelo fim da violência contra as mulheres indígenas.
Nos almoços coletivos do centro social sensibilizou as famílias para que a comida fosse compartilhada entre homens e mulheres no mesmo momento, o que promoveu uma alteração na dinâmica onde homens se serviam antes das mulheres.
Nas salas de aula, compartilhou com os alunos o que presenciou no movimento de mulheres indígenas em São Gabriel da Cachoeira. No chão do território, realizou oficinas de artesanato e seminários sobre culinária, onde sábia e discretamente trouxe à discussão assuntos como empoderamento, direito da mulher e como diferenciar tradição de violência.
Em 2017, assumiu a coordenadoria do Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Dmirn/Foirn), onde permanceu até 2020.
Na época, Elizângela tinha concluído uma graduação em sociologia e cursava especialização em Educação Indígena. Ela conta que a opção por continuar os estudos enquanto trabalhava gerou desconfiança entre algumas lideranças.
“Quando eu entrei na Foirn, as lideranças diziam ‘tu tem que escolher: você quer ser estudante da universidade ou você quer ser liderança?’, e eu falei ‘eu quero ser os dois, estou lutando pelos direitos coletivos e os meus’”.
Durante a pandemia de Covid-19, Elizângela, juntamente com Janete Alves, coordenou a campanha "Rio Negro, Nós Cuidamos", que tinha como objetivo garantir a promoção de saúde, segurança alimentar e direito à informação a mais de 800 comunidades onde convivem 23 etnias do Rio Negro.
A iniciativa visava captar recursos emergenciais para a compra de produtos de limpeza, ferramentas agrícolas, combustível, kits de pesca e alimentos não perecíveis, além da ampliação de serviços de comunicação fundamentais via radiofonia, carros de som e informes de áudio.
Além de atuar na conscientização sobre a doença nas comunidades, Elizângela foi porta-voz da campanha em vídeo publicado pela Foirn em abril de 2020.
Em 2023, Elizângela foi finalista do Prêmio Inspiradoras pelo levantamento e mobilização realizados para tornar públicos dados sobre violência contra mulheres em São Gabriel da Cachoeira.
No mesmo ano, ela ganhou o Troféu Mulher Imprensa por colaborações com a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas e com o portal Sumaúma – onde apresentou o podcast Rádio Sumaúma.
Entre o território e a cidade: a ponte
Quatro anos após o início da pandemia da Covid-19, Elizângela Baré, primeira indígena a fazer mestrado em Saúde Pública na Universidade de São Paulo (USP), divide sua rotina entre a Terra Indígena e a cidade de São Paulo.
No movimento indígena e na academia, sua luta para que os saberes notórios dos povos indígenas, aqueles ensinados pelos familiares muito antes de aprender o português, possam ser introduzidos no Sistema Único de Saúde (SUS).
“A gente adere muito bem ao sistema ocidental, como indígena, né? Mas eu acho que o Ocidente, a sociedade em si, também tá na hora de aderir aos nossos saberes notórios”, defende.
Em evento na loja Floresta no Centro, do ISA, ela relembrou as ações adotadas pelas comunidades indígenas no enfrentamento à crise sanitária durante o lançamento do Especial “Memoráveis: resistência, estratégias e saberes indígenas no combate à pandemia de Covid-19 no Rio Negro”.
A série é composta pela 5ª edição da Aru – Revista de Pesquisa Intercultural da Bacia do Rio Negro, o documentário Cura e o podcast A Nova Doença dos Brancos.
“A gente mostrou nossa ciência, a gente mostrou nossos saberes. Eu escrevi para a USP, que é parceira da Foirn desde 2010, que os cestos de conhecimento das mulheres reacenderam, porque mesmo aquela mulher indígena que morava na cidade, trabalhava de manhã e de tarde com carga horária, durante a Covid-19 ela parou e cuidou da sua casa. [...] Ela procurou a cura no quintal, ela procurou a cura no caminho da roça, ela procurou a cura na margem do rio”, disse.
No quinto episódio do podcast Casa Floresta, lançado pelo ISA em 2022, Elizângela explica como se dá a criação dos chamados “cestos de conhecimento”, conjunto de ensinamentos, passado oralmente pelos familiares e guardado no subconsciente.
"Cada uma das mulheres tem um cesto de conhecimento. Lá tá tudo. Quando eu fiquei pela primeira vez menstruada, eu aprendi o sistema de vida tradicional do meu povo. A nossa mãe que repassou esse cesto invisível."
“Nós, mulheres indígenas, há cinco séculos estamos fazendo a promoção de saúde com o nosso modo de ser, o nosso modo de cuidar. É isso que eu sonho hoje, que o pessoal de São Paulo, e dos outros Estados também, possam ter suas janelas que curam”, completou.
Cosmovisão como flecha
No cultivo das roças para alimentação ou no manejo de plantas com propriedades medicinais, é no contato com a terra que os povos indígenas reafirmam sua humanidade. Na cosmovisão de muitos povos do Rio Negro, a terra é viva, o que significa dizer que os elementos da natureza são dotados de consciência e agência.
"Quando a gente vai plantar roça, primeiro planta abacaxi que é para o abacaxi ser a copa da água e cuidar das manivas, dando água para elas. A natureza, se bem cuidada, nos faz bem, mas ela pode também nos fazer mal. Se a roça é bem cuidada, ela dá alimentos e proteção. Mas sem benzimentos e cuidados podemos ficar doentes."
Em entrevista ao ISA, realizada em setembro de 2023, após a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas, Elizângela Baré fez da visão de mundo dos povos originários a flecha que orienta a mudança na sociedade.
“Imagine se uma planta falasse, o que ela ia falar? Qual é a dor que ela iria falar quando ela é derrubada, quando ela é queimada, quando ela é tirada do território? Quando é contaminada por mercúrio, o que a água iria falar?”, questionou.
A mobilização aconteceu em Brasília (DF) às vésperas do julgamento do “Marco Temporal” no Supremo Tribunal Federal (STF). Essa tese jurídica e anti-indígena busca estabelecer um critério temporal para a demarcação das Terras Indígenas, vinculado à data da promulgação da Constituição Federal.
Na entrevista, a liderança também defendeu a demarcação do seu território de nascença, a Terra Indígena de Cué-Cué Marabitanas (AM), que teve apenas seu processo de Declaração concluído.
“Eu nasci naquela terra. Nunca meu pai saiu de lá, meu pai nasceu naquela terra. Como é que a Lei vai dizer que aquela terra não é minha?! Se a nossa mãe perdeu sangue naquela terra para nos parir, aquela terra é nossa”, disse Elizângela. “O ‘Marco Temporal’ faz com que a gente se sinta insegura dentro do nosso território, é uma lei que visa a destruição dos povos indígenas”, completou.
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