Relatório do Instituto Socioambiental (ISA) aponta erros metodológicos, custos subestimados e ausência de análise de riscos na avaliação do projeto ferroviário

Um estudo realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) aponta falhas metodológicas e conceituais na Análise Socioeconômica de Custo e Benefício (ACB) da Ferrogrão, comprometendo os resultados positivos esperados para o projeto. Segundo o relatório, erros nos cálculos de custos e benefícios, omissão de externalidades relevantes, definição inadequada do escopo da análise e ausência de uma avaliação de riscos tornam os resultados apresentados pouco confiáveis.
“As falhas comprometem a validade dos resultados apresentados pela ACB Ferrogrão como instrumento de apoio à tomada de decisão”, destaca o estudo. A falta de rigor metodológico pode levar a decisões equivocadas, com impactos negativos para a sociedade e o meio ambiente. O relatório alerta que a análise pode mascarar custos para grupos vulneráveis, como comunidades tradicionais e trabalhadores informais, enquanto beneficia setores como produtores rurais e usuários da infraestrutura, incluindo tradings.
Custos subestimados e riscos ignorados
O estudo também sugere que os custos de construção e operação da ferrovia podem estar subestimados. De acordo com o ISA, a análise desconsidera despesas com compensações ambientais e sociais, adaptação ao risco climático e utiliza parâmetros de custo irrealistas, baseados no custo de construção da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO 1) pela Vale.
Mariel Nakane, assessora técnica do ISA, ressalta que ainda há discussões fundamentais a serem realizadas antes de submeter o projeto à concessão. “As externalidades socioambientais negativas recaem sobre terceiros, como comunidades tradicionais. O projeto só se torna viável com uma redistribuição de benefícios, em forma de compensações. As comunidades entendem o que vão perder e estão de acordo em serem compensadas? Isso deve ser discutido antes de o projeto ser submetido à concessão. Caso contrário, o concessionário herdará um legado de conflitos distributivos e futuras judicializações. Quem quer ser o concessionário de uma nova Belo Monte?”, questiona.
Problemas na metodologia da ACB Ferrogrão
A Análise Socioeconômica de Custo e Benefício da Ferrogrão foi realizada pelo Ministério dos Transportes em parceria com as empresas Tetra+ e EDLP. Esse estudo complementa o "Caderno Socioambiental" do projeto, que integra os Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), a serem protocolados no Tribunal de Contas da União (TCU) no primeiro semestre de 2025.
A ACB concluiu que “condicionado aos impactos diretos e indiretos estudados, a implementação do projeto EF-170 traz à sociedade ganhos que suplantam as possíveis perdas, sugerindo ser interessante o prosseguimento do projeto sob esta ótica”. No entanto, o estudo do ISA afirma que a análise não seguiu as diretrizes metodológicas do Guia Geral de Análise Socioeconômica de Custo-Benefício de Projetos de Investimento em Infraestrutura, lançado pelo governo federal em 2022.
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Principais críticas ao estudo de viabilidade
Unidade de análise incorreta
A análise original não considera a hidrovia do Tapajós como parte essencial do projeto, ignorando custos e externalidades, especialmente os impactos socioambientais do complexo de Estações de Transbordo de Carga (ETCs) e da hidrovia sobre povos e comunidades tradicionais.
“A Ferrogrão pretende aumentar em cinco vezes a movimentação na hidrovia do Tapajós, mas não a considera na análise de viabilidade. Seria como atestar a viabilidade de uma usina hidrelétrica na Amazônia sem considerar os custos de sua linha de transmissão! É exatamente isso que aconteceu com o desastre de Belo Monte e que esperamos que nunca venha a acontecer com o Tapajós”, alerta Daniel Thá, economista da Kralingen Consultoria.

Externalidades socioambientais ignoradas
A ACB desconsidera adequadamente as externalidades do desmatamento induzido e da ampliação do sistema de transporte, que afetam povos e comunidades tradicionais. O estudo presume que não haverá indução de desmatamento, justificando-se na disponibilidade de áreas de pastagem para conversão agrícola na região.
Ausência de análise de risco
Outro ponto crítico é a ausência de uma avaliação de riscos e de sensibilidade, elementos fundamentais para a ACB. Não há consideração sobre riscos climáticos, tanto em relação à resiliência da infraestrutura quanto à perda de produtividade agrícola.
“O próprio Ministério dos Transportes desenvolveu o AdaptaVias, projeto que traz o estado da arte na avaliação de riscos climáticos para ferrovias e rodovias, mas não o aplicou no caso da Ferrogrão. A análise do risco climático deveria se tornar de praxe, informando, inclusive, a matriz de riscos de uma eventual concessão”, afirma Thá.
O risco de sobrecustos da construção também é destacado como um problema grave. O estudo aponta que, ao atravessar a floresta amazônica, os custos poderiam ser consideravelmente mais altos. Enquanto o projeto da Ferrogrão prevê um custo de R$ 11 milhões por quilômetro, o valor considerado para a FICO 1, executada pela Vale, foi de R$ 28 milhões por quilômetro.
Conclusão
O estudo do ISA alerta que as falhas metodológicas na análise distributiva e na avaliação de alternativas de implementação da Ferrogrão podem gerar impactos significativos sobre grupos prejudicados e comprometer a estruturação do investimento. Além disso, o relatório sugere que o projeto não deve ser financiado pelo governo, seja por implementação direta ou subsídios, pois não geraria externalidades positivas suficientes para justificar o aporte público.
“O principal critério para o governo decidir sobre subsidiar um projeto deve ser a geração de benefícios sociais líquidos, especialmente quando o projeto não é viável sob a ótica privada. Um exemplo no setor de transportes é a oferta de transporte público coletivo, que, apesar de ser geralmente deficitário em termos operacionais devido à baixa capacidade de pagamento dos usuários, gera significativas externalidades positivas e precisa, portanto, ser subsidiado. Evidentemente, esse não é o caso da Ferrogrão”, conclui o estudo.
O que é a ACB?
A Análise Socioeconômica de Custo-Benefício (ACB) é um método utilizado para avaliar projetos de investimento com base nos efeitos ao longo de seu ciclo de vida, comparando-os a um cenário sem o projeto. Esse modelo considera custos e benefícios, incluindo intangíveis e externalidades, expressos em métrica monetária.
“A Análise Socioeconômica de Custo-Benefício é uma ferramenta essencial para darmos racionalidade aos investimentos de interesse público no Brasil, sejam diretos ou na forma de subsídios, e não podemos desperdiçar a oportunidade de usá-la no caso da Ferrogrão”, afirma Daniel Thá.