O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou, nesta segunda-feira (13/2), que o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, apague de suas redes sociais uma publicação com informações falsas sobre organizações da sociedade civil, e que difama o Instituto Socioambiental (ISA).
A decisão, em segunda instância, determina que o deputado retire do ar as publicações em seu perfil do Instagram e na plataforma COS.TV em um prazo de cinco dias, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.
O vídeo, intitulado “Denúncia grave – ONG pode estar por trás da fome dos índios Yanomami”, acusa mentirosamente o ISA de ser responsável pela “miséria” e a tragédia humanitária dos indígenas, numa tentativa de desviar o foco das responsabilidades do governo Bolsonaro sobre o caso.
Segundo a decisão do TJ-SP, “os conteúdos das publicações feitas nas redes sociais possuem insinuações maliciosas e de cunho criminal, o que foi demonstrado com as fotos anexadas ao recurso e em pesquisas aos sites mencionados”.
“(...) há perfeita caracterização de excesso ou violação ao direito de livre expressão do pensamento, uma vez que o que foi dito configura ofensa grave e injusta à honra e boa fama da instituição envolvidas”, sublinha a corte.
O vídeo sugere que o projeto Cogumelo Yanomami, uma iniciativa da Hutukara Associação Yanomami com apoio técnico do ISA, seria um dos responsáveis pela crise de saúde e desnutrição no território Yanomami. Muito longe disso, a fome e a desnutrição na área são resultado da falta de atenção à saúde na Terra Indígena Yanomami e dos impactos do garimpo ilegal, como a disseminação de doenças e a desestruturação da produção de alimentos realizada pelos próprios Yanomami (saiba mais abaixo).
O objetivo da ação é compensar o dano moral sofrido pelo ISA e impedir seu agravamento pela continuidade da disseminação do vídeo nas redes sociais.
“A garantia constitucional dessas liberdades [de expressão e crítica] não permite que possa ser divulgado todo tipo de mentira e absurdo, sem qualquer preocupação com a comprovação mínima de verossimilhança dos supostos fatos alegados, afetando a imagem, reputação e credibilidade de terceiros”, diz o texto da ação.
A ação pede também uma indenização por dano moral de R$ 50 mil, a ser totalmente revertida para os Yanomami.
Sobre o projeto Cogumelo Yanomami
O projeto Cogumelo Yanomami fomenta a aquisição de bens essenciais para a reprodução social dos Yanomami, tais como ferramentas e utensílios,e o aprofundamento do conhecimento tradicional sobre as espécies manejadas, sendo uma possibilidade de geração de renda criada pelas próprias comunidades (saiba mais no livro Ana Amopö: Cogumelos, publicado pela Hutukara Associação Yanomami, vencedor do Prêmio Jabuti em 2017).
Toda a receita obtida com a comercialização dos cogumelos é da Hutukara Associação Yanomami, que a reverte para seu povo. A marca Cogumelo Yanomami é de propriedade do povo Yanomami e está registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) em nome da Hutukara Associação Yanomami. O ISA não obtém qualquer lucro com a atividade.
O ISA, em parceria com a Hutukara Associação Yanomami, realizou nos últimos anos diversas ações de monitoramento remoto da Terra Indígena Yanomami, de apoio a denúncias ao Poder Público, de campanhas prevenção à Covid-19, de combate à malária e de combate à insegurança alimentar. Os dados estão compilados em relatórios que podem ser facilmente acessados no acervo do Instituto Socioambiental.
"Nós, povos e comunidades indígenas do Rio Negro, guardiões da natureza, donos da terra, devemos ser consultados sobre todo projeto que possa nos afetar. Toda e qualquer medida legislativa, executiva e administrativa que possa afetar nossas vidas e territórios da área de abrangência da FOIRN precisa ser consultada, seja de um órgão federal, estadual ou municipal, ou mesmo de empresas privadas. Tudo que ameaça a vida dos animais, o meio ambiente, os patrimônios culturais, como lugares sagrados para as gerações presentes e futuras, deve ter consulta".
É assim, sublinhando o patrimônio do qual cuidam - um território de aproximadamente 13 milhões de hectares, em uma das regiões mais preservadas da Amazônia - que os 23 povos que habitam a bacia do Rio Negro apresentam seu Protocolo de Consulta, aprovado em novembro último, durante a XVIII Assembleia Geral Ordinária da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), na comunidade de Cartucho, em Santa Isabel do Rio Negro (AM).
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Marivelton Baré, diretor-presidente da FOIRN, dá início a XVIII Assembleia Geral Ordinária da FOIRN, com a presença de comunitários, parceiros e convidados | Ana Amélia Hamdan/ISA
O Protocolo é um instrumento de defesa do território indígena e da diversidade cultural e modos de vida originários. Através do documento, povos indígenas informam ao Estado e a empresas privadas quem são, como se organizam e como devem ser consultados em caso de projetos que possam impactar seus territórios e modos de vida. A consulta deve ser livre, prévia, de boa fé e culturalmente adequada, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
“[Agora] não vai ter um líder só falando pela terra indígena. Nosso território é de ocupação coletiva e o Protocolo de Consulta vem para ouvir a todos. Vem para garantir direitos coletivos, direito à terra, políticas públicas de acordo com nossos modos de vida e vivência”, diz Marivelton Barroso, do povo Baré, diretor-presidente da FOIRN.
Para dar conta da dimensão geográfica e da diversidade étnica desse território, foram aprovados seis documentos, um geral e outro para cada coordenadoria regional da FOIRN, respeitando as especificidades de cada povo, como a língua falada e o contexto local. São elas: Nadzoeri (Organização Baniwa e Koripako), Diawii (Coordenadoria das Organizações Indígenas do Tiquié, Uaupés e Afluentes), Caimbrn (Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro), Caibarnx (Coordenadoria das Associações Indígenas do Balaio, Alto Rio Negro e Xié) e Coidi (Coordenadoria das Associações Indígenas de Iauaretê).
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XVIII Assembleia Geral da FOIRN teve representação de 20 delegados de cada uma das cinco coordenadorias regionais da FOIRN: Caiarnx, Coidi, Caimbrn, Nadzoeri e Diawii | Mauro Pedrosa Tukano/Rede Wayuri
Os povos do Rio Negro escolheram ser consultados em suas comunidades, com respeito às suas línguas. A consulta deve ser feita considerando os calendários tradicionais e épocas das roças e festas, bem como a forma de organização política do território. Os conhecedores indígenas, os Kumuã – como os pajés são chamados na região – também devem ser consultados em determinadas regiões. Atualmente, as pressões e ameaças sobre os territórios indígenas na região vêm principalmente do garimpo ilegal, do turismo ilegal e do narcotráfico.
Diálogos e processos
A construção do Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas do Rio Negro demandou grande esforço para envolver 750 comunidades e sítios em três municípios, São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, no Amazonas.
Esse processo foi iniciado em 2019, porém foi suspenso devido à pandemia de Covid-19. Em 2022, foram realizadas assembleias regionais em todas as coordenadorias, com oficinas sobre o direito à consulta prévia, a importância do protocolo de consulta e a metodologia utilizada para a construção dos documentos. Os debates também envolveram a participação e suporte técnico de advogadas e advogados do Instituto Socioambiental (ISA), Observatório de Protocolos Comunitários e Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
“Houve uma grande mobilização na Assembleia Geral para validar e consolidar esse processo dos protocolos regionais, já estabelecidos, e [também] o protocolo geral”, diz Marivelton Baré. Ao menos 17 povos participaram deste momento, entre eles os Baré, Baniwa, Tukano, Yanomami, Desano e Tariano. Marivelton compara o processo de construção do Protocolo de Consulta a um ajuri ou Wayuri, que, na língua indígena nheengatu, significa “trabalho conjunto”.
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Maior parte dos povos indígenas do Rio Negro participaram das assembleias regionais e da Assembleia Geral, entre eles Baniwa, Baré, Yanomami, Tukano e Desano | Ana Amélia Hamdan/ISA
Na abertura da Assembleia, a diretora da FOIRN de referência da Coidi, Janete Alves, do povo Desana, reforçou a importância do diálogo e incentivou os povos a falarem em suas línguas. “Não tenham medo. Enfrentamos cachoeiras, banzeiros para estarmos aqui reunidos em coletividade nesse momento histórico”, disse.
A aprovação aconteceu na tarde de 26 de novembro de 2022, em Cartucho, após dois dias de debates e esclarecimentos sobre o protocolo de consulta. O encontro reuniu cerca de 150 pessoas, sendo 100 delegados – 20 de cada uma das regionais – para garantir a representatividade.
“A consolidação desse documento é um marco para nós, os povos do Rio Negro. É uma grande emoção. Essa é uma ferramenta [para] a nossa defesa, a nossa governança. É um instrumento para manter a floresta em pé. Já tivemos experiência de garimpo em terra indígena. Muitas vezes entram sem consultar, desmatam, poluem o rio. E os povos indígenas? Onde vai fazer roça, onde vai pescar?”, questiona Janete Alves.
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Janete Alves (ao centro) conversa com delegados da Coidi: “É um documento histórico”, disse durante XVIII Assembleia Geral Ordinária da FOIRN | Ana Amélia Hamdan/ISA
Ao fortalecer a proteção do território, o protocolo de consulta também protege os modos de vida indígenas. “Sempre tivemos nossas formas de organização, mas agora estamos colocando no papel, aprovando um instrumento de governança para o nosso bem viver, defendendo nossos territórios para nossos filhos, nossos netos”, diz Dário Casimiro, do povo Baniwa, diretor de referência da Nadzoeri.
“Os povos Baniwa e Koripako dominam as técnicas de manejo voltadas para o bem viver, que é estar bem com o próximo, com os parentes, ter convívio social sem conflito. Estar bem de saúde, respeitando um ao outro, fazendo troca de produtos, de conhecimento. Isso é fundamental. O protocolo [vem] para a defesa do território e para continuar o manejo, a reciprocidade, a consideração de parentesco e respeito às lideranças que representam o povo”, completa.
A Coordenadoria Diawii trouxe para o seu protocolo a necessidade da participação dos conhecedores indígenas. “Os especialistas são fundamentais, pois eles vão apontar os perigos de se colocar em risco os lugares sagrados”, explica o vice-presidente da FOIRN e diretor de referência da Diawii, Nildo Fontes. “As pessoas que detêm esse conhecimento passaram longos anos se preparando. Por isso é preciso ter um momento específico de consulta a eles, que são os Yaí, os Kumuã“.
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Indígenas de todas as regiões da área de abrangência da FOIRN levantam seus crachás em sinal de aprovação do protocolo de consulta | Ana Amélia Hamdan/ISA
Ronaldo Ambrosio Melgueiro, do povo Baré, participou da Assembleia representando a Caibarnx. A região vem sofrendo com a pressão da mineração e do turismo ilegal. “Qualquer projeto em nossa área vai ter que funcionar de jeito que a gente possa acompanhar. O nosso protocolo de consulta vai chegar até as nossas bases. A gente não quer mineradoras na nossa área”, diz.
Relatos de impactos da mineração também foram compartilhados pelos convidados Dário Kopenawa e Milene Mura, representantes de povos que já aprovaram seus protocolos de consulta.
“Sabemos que tem parentes que defendem a mineração, mas é uma minoria. Garimpo ilegal não é brincadeira, é morte. Derrama sangue e assassina pessoas”, apontou Dário. “Nenhuma liderança pode negociar por vocês. Vocês têm que assumir a responsabilidade sobre o território e para isso têm que ser consultados”, aconselhou. O povo Yanomami vive hoje uma catástrofe sanitária e socioambiental causada pela invasão garimpeira em massa ao território, em especial em Roraima.
Milena Mura comparou o protocolo de consulta a uma trincheira para defender os povos originários dos não-indígenas. “Sempre tivemos táticas para nos defender dos invasores. O protocolo agora é uma delas”, disse. Vivendo em áreas de Autazes e Careiro da Várzea (AM), o povo Mura vem sendo pressionado por empresas interessadas no mineral silvinita, utilizado em fertilizantes.
Contextos rio-negrinos
Advogada e assessora jurídica do Cimi, Chantelle da Silva Teixeira participou de quatro assembleias regionais para construção dos protocolos de consulta no Rio Negro e do encontro geral. Ela destaca algumas especificidades da região que influenciaram na construção do protocolo.
“O primeiro aspecto é a diversidade de povos, línguas, culturas e organizações sociais. Sem contar o tamanho do território que esse protocolo abrange. Foi necessária muita escuta porque a ideia é que as normas que vêm para o papel reflitam a realidade”, explica.
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Durante o encontro, advogados e assessores ajudaram a esclarecer dúvidas sobre a construção do protocolo e o direito à consulta | Ana Amélia Hamdan/ISA
Ela ressalta que o protocolo não cria uma regra nova, mas registra no papel práticas das quais os povos indígenas já se utilizam. “É uma forma de trazer para o mundo jurídico ocidental normas indígenas ancestrais e tradicionais”, avalia.
No caso do Rio Negro, o processo deve respeitar a forma de organização política já estabelecida nesse território. Isso significa que, além da FOIRN, devem ser consultadas as coordenações regionais, as associações de base e as lideranças das comunidades. “Essa é nossa governança”, diz Marivelton Baré.
Há ainda a riqueza linguística da região. Só em São Gabriel da Cachoeira, considerado o município mais indígena do país, são quatro línguas cooficiais: nheengatu, tukano, baniwa e yanomami. Dessa forma, a consulta deve ser feita com o apoio de intérpretes, para que o diálogo seja feito de forma clara, levando em conta inclusive as devidas explicações sobre termos técnicos. O processo deve ser acompanhado por órgãos públicos como a Funai e o Ministério Público.
“A consulta deve ser sem pressão, sendo respeitados os tempos, os calendários tradicionais. Num território de grande diversidade étnica, onde são faladas ao menos 18 línguas, é necessário tomar o devido cuidado com as traduções, para que não haja dúvidas sobre os projetos e seus impactos”, diz Renata Vieira, advogada do ISA.
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Durante a assembleia, grupos de trabalho discutiram pontos pendentes sobre os protocolos de consulta | Mauro Pedrosa Tukano/Rede Wayuri
Antropólogo e assessor do ISA, Renato Martelli adiciona que o Protocolo de Consulta é também um importante instrumento para a implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) do Rio Negro, que têm propostas em áreas como saúde, educação e economia da floresta.
“É um contexto amazônico, com muitas comunidades longínquas e com dificuldades de comunicação. Ainda assim os indígenas são muito articulados e organizados,” complementa a advogada Gisele Jabour, do Observatório de Protocolos Comunitários. “Já têm a vanguarda na construção dos PGTAs e agora consolidaram os protocolos de consulta”.
Mobilização
Teve indígena que saiu de longe para participar da validação do protocolo. Foi o caso de Tuli Melício da Silva, do povo Koripako, um dos delegados da coordenadoria Nadzoeri, que levou uma semana para se deslocar da comunidade Wainambi, no Alto Rio Içana, até São Gabriel da Cachoeira e, depois, até a comunidade de Cartucho.
“Esse é um instrumento que deve ser usado por nós em diálogo com instituições governamentais, respeitando as características de cada povo. A gente vai entender com eles e eles vão entender com a gente: são dois conhecimentos. Se concordar, pronto: pode trabalhar”, disse. “Antes a comunidade ficava isolada, ficava chato um pouquinho. Agora é uma consulta coletiva”.
No total, foram mobilizados uma média de mil representantes indígenas para discutirem e aprovarem os protocolos de consulta de cada regional, bem como o protocolo geral dos povos do Rio Negro. Isso imprimiu legitimidade institucional ao documento como instrumento de defesa e governança interna das Coordenadorias e da própria Federação dos Povos Indígenas do Rio Negro.
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Karollyne Gonçalves, de 16 anos, fez parte da comitiva da Caiarnx e ajudou na representatividade dos jovens na assembleia | Ana Amélia Hamdan/ISA
Karollyne Gonçalves, de 16 anos, fez parte da comitiva da Caibarnx e ajudou na representatividade dos jovens. Ela mora em Cucuí e viajou cerca de dez horas até São Gabriel da Cachoeira, como integrante da Associação de Desenvolvimento Indígena Comunitário de Cucuí (Adicc). “Eu acompanhei na minha região as discussões sobre o protocolo de consulta. Para trabalharem nos nossos territórios é necessário que nos consultem. Somos os donos do território indígena”, disse.
Ela reforçou a importância da participação dos jovens nos processos de consulta. “Às vezes a gente não entende muitas coisas como os adultos entendem. Temos outro olhar”, disse.
Articuladora do Departamento de Mulheres Indígenas da FOIRN, Belmira Melgueiro, do povo Baré, participou do encontro como uma das delegadas da Caiarnx e ressaltou a necessidade de as mulheres também serem consultadas.
“Temos uma visão diferente do que nos afeta como mulheres. O desenvolvimento educacional dos filhos e dificuldades na geração de renda são questões que nos preocupam. É mais difícil para os homens entenderem certas realidades. A mulher traz um olhar complementar”, disse.
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Lucas Matos, do povo Tariano, e integrantes da delegação da Caimbrn, uma das cinco coordenadorias da Foirn: trabalho conjunto para estabelecer processos de consulta livres, prévios e informados | Ana Amélia Hamdan/ISA
Ela destacou, porém, que é preciso um cuidado diferenciado para garantir a participação das mulheres. “Ainda é difícil mobilizar as mulheres das bases, pois estão sempre envolvidas com os filhos, o marido, as roças”, disse.
Morador de Iauaretê e delegado da Coidi, Lucas Matos da Silva, do povo Tariano, resumiu de maneira bem objetiva o momento. “É importante os indígenas entenderem que o ponto inicial do protocolo é o conhecimento sobre o projeto proposto. Depois podemos ou não aprovar o que pode se realizar.”
Novo governo
O debate sobre a consulta aos povos vem à tona sempre que ocorre mudança de governo, quando há trocas de de cargos e, as pastas passam a ser comandadas por pessoas mais alinhadas aos novos representantes eleitos.
No caso das trocas de órgãos relacionados à políticas para os povos indígenas, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), é obrigação do Estado consultá-los, respeitando as suas instituições representativas, suas línguas e costumes. O Ministério dos Povos Indígenas, por exemplo, contou com ampla participação dos movimentos sociais para a indicação ao comando do órgão, que ficou com Sonia Guajajara, eleita deputada federal pelo estado de São Paulo em 2022. Da mesma forma, a ex-deputada federal Joenia Wapichana foi a indicada pelo movimento indígena a ocupar a Presidência da Funai e o advogado Weibe Tapeba, ao cargo de Secretário da Sesai.
É comum, portanto, que cada organização de base e cada povo passe a se organizar internamente para realizar as indicações para as nomeações de cargos que sejam importantes para a gestão da política pública indígena e indigenista. Nesse sentido, o protocolo de consulta dos povos do Rio Negro também orienta o Estado e facilita que comunidades exerçam e exijam seu direito à consulta prévia diante de todo e qualquer ato administrativo que afete suas vidas nesta mudança de governo e outras futuras.
Confira abaixo os principais temas que demandam consulta, de acordo com os povos do Rio Negro
Devemos ser consultados sobre quaisquer medidas e projetos que interfiram e afetem nosso território e/ou no modo de viver dos povos da região, todas as políticas públicas que afetem os povos indígenas da região, sobretudo:
1. Projetos de pesquisa e lavra minerária;
2. Obras de infraestrutura: estradas, hidrovias, hidrelétricas, termelétricas, comunicação etc.;
3. Projetos econômicos que gerem impactos sociais e ambientais: pesca comercial, atividades agropecuárias em larga escala, turismo, extração de madeira, piaçava, etc.;
4. Operações militares e obras do Exército nas comunidades indígenas;
5. Políticas de segurança pública;
6. Instalação de instituições de ensino superior dentro dos territórios indígenas;
7. Atuação e/ou instalação de missões religiosas;
8. Pesquisas, acesso e uso do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado à biodiversidade, patrimônio material e imaterial com ou sem fins lucrativos;
9. Registros e produção audiovisual;
10. Pesquisas acadêmico-científicas;
11. Quaisquer medidas legislativas municipais, estaduais e federal que afetem nossas vidas e nossos territórios;
12. Criação de municípios nos territórios indígenas;
13. Nomeação do Coordenador da Coordenação Regional da FUNAI Alto Rio Negro e do DSEI Alto Rio Negro;
14. Projetos relacionados a serviços socioambientais e mercado de carbono.
Colaborou Renata Vieira, advogada do Instituto Socioambiental na bacia do Rio Negro
Decisões são acordadas em votações durante a assembleia 📷 Ana Amélia Hamdan/ISA
Comunidade de Cartucho, às margens do Rio Negro, em Santa Isabel do Rio Negro 📷 Ana Amélia Hamdan/ISA
Comunicador da Rede Wayuri, Moisés Baniwa filma o encontro. Ao fundo, mural da indígena Mirtes Sanches, do povo Baré, a moradora mais antiga de Cartucho 📷 Ana Amélia Hamdan/ISA
Danças tradicionais encerram o encontro 📷 Ana Amélia Hamdan/ISA
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Precisamos falar sobre a beleza dos Yanomami
Cenas de horror dizem mais sobre os napë, os não indígenas, que sobre esse povo
Dário Kopenawa
- Vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami
Neste momento em que muito se fala sobre a tragédia yanomami, há quem atribua as causas do sofrimento desse povo ao seu modo de vida. Sugerem que a fome e a doença são produtos da suposta ineficiência do sistema produtivo indígena, não da economia predatória que há anos vem devorando povos e territórios planeta afora. Ignoram que esse mesmo modo de vida garantiu uma existência abundante por séculos, enquanto o extrativismo não indígena é o verdadeiro produtor da escassez — algo que se vê, por exemplo, nos grandes centros urbanos que se pretendem monumentos da civilização ocidental. Como diria Davi Kopenawa, "o povo da mercadoria" está condenado.
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Indígena no encontro de Lideranças Yanomami e Ye'kwana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras |Victor Moriyama/ISA
Não é difícil notar a contradição no discurso que imputa aos indígenas a culpa por esta tragédia. Basta observar o que acontece nos lugares cotidianamente consumidos pelo garimpo. Onde há garimpo não há prosperidade. Há pobreza e violência, nada mais. Nesses lugares, enquanto a maioria padece de moléstias como a malária ou é envenenada pelo mercúrio, apenas alguns poucos acumulam riquezas, que são ostentadas bem longe das crateras de onde são extraídas.
Em meio à tragédia, é urgente não perder de vista a beleza desse povo. A beleza das festas reahu, das danças de apresentação. Céu azul, corpos pintados de vermelho, o balé das palhas amarelas. Tampouco perder de vista a beleza da floresta e do conhecimento milenar que ajudou a construí-la e torná-la ainda mais bela. Abelhas comendo no jatobá-roxo, os perfumes do fundo da mata, a majestade das sumaúmas e as fantásticas ilhas de pupunheiras e cacauais. Não podemos perder de vista a beleza dos xamãs e de seus espíritos auxiliares, que contribuem para o equilíbrio cósmico. A beleza da língua yanomami e dos seus cantos, que têm a sutileza de haicais e o ritmo dos cantos dos bichos.
Para os inimigos dos povos indígenas, uma forma de extermínio é a destruição dessa beleza. Pois é por meio da beleza que os yanomamis afirmam a sua humanidade no mundo.
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"Em meio à tragédia, é urgente não perder de vista a beleza desse povo" | Victor Moriyama/ISA
Viver com a floresta é uma arte e requer uma sabedoria que não pode ser fabricada em laboratório. Os yanomamis manejam mais de 160 espécies vegetais silvestres comestíveis, conhecem minuciosamente o comportamento de mais de 80 animais de caça, pescam cerca de 50 tipos de peixes, coletam 30 variedades diferentes de mel silvestre, 11 espécies de cogumelos, dezenas de invertebrados e cultivam mais de uma centena de alimentos, com destaque para a banana, a mandioca, a batata-doce, a taioba, o cará, a cana e o milho.
Davi Kopenawa, com sua perspicácia e inteligência fora do comum, há anos vem nos alertando sobre isso, assim como vem lutando para que os napë (os não indígenas) reconheçam a beleza do seu povo, a sua humanidade.
Leiam as suas palavras em "A Queda do Céu". Assistam à poesia dos moradores da serra do vento em "A Última Floresta". Deixem-se apaixonar por esse povo e por sua maneira própria de criar mundos. A aposta de Davi é que o respeito pelo seu povo só pode nascer da admiração, não da pena ou da comiseração.
Um povo cujas crianças podem nomear mais de duzentos tipos de flores durante uma brincadeira é um tesouro. E é desse tipo de tesouro de que o Brasil e a humanidade precisam.
As cenas de horror que circulam hoje, seguramente, dizem mais sobre quem são os napë do que sobre os yanomamis.
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Hutukara Associação Yanomami repudia fala preconceituosa de governador de Roraima
Em entrevista à Folha de São Paulo, Antonio Denarium (PP) equiparou os modos de vida dos indígenas aos de “bichos”
A Hutukara Associação Yanomami (HAY) emitiu nota de repúdio às falas do governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), ao jornal Folha de S. Paulo. Nesta segunda-feira (30/01), o veículo publicou uma matéria em que o parlamentar faz afirmações discriminatórias contra o povo Yanomami.
Em meio à exposição da crise sanitária ao qual os Yanomami foram submetidos pelo crescimento desenfreado do garimpo, Denarium negou a grave desnutrição vivenciada por comunidades yanomami e afirmou que os indígenas têm que “se aculturar [e] não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho”.
Diante da fala carregada de preconceitos, a HAY afirma que é preciso repudiar com veemência a visão colonizadora sobre os povos indígenas do país. Além disso, defendeu o direito dos Yanomami de existir na floresta viva, seguindo seus costumes.
Leia a nota na íntegra:
Nota de Repúdio da Hutukara Associação Yanomami sobre a fala do governador Denarium à Folha de São Paulo
É com enorme indignação que lemos a entrevista do governador Antonio Denarium à Folha de São Paulo publicada no dia de hoje, 30 de janeiro de 2023. Enquanto o povo Yanomami vive uma das maiores crises de sua história, que vem sendo denunciada nos últimos anos pela Hutukara Associação Yanomami, o governador Denarium não só nega a realidade, como defende que os povos indígenas “têm que se aculturar, não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho”.
Falas desse tom denunciam o grau de discriminação e preconceitos a que o povo Yanomami estão sujeitos. Nossos modos de vida nos são negados como se fossemos primitivos, incapazes, inumanos. Longe de limitar-se ao discurso políticos, esse pensamento se refletiu em políticas de tendência genocida que foram implementadas sistematicamente nos últimos anos para inviabilizar a manutenção da vida dos Yanomami. Facilitar a entrada de milhares de garimpeiros em nossas Terras Indígenas e desorganizar a assistência à saúde básica são a consequência direta desta noção preconceituosa que o governador Denarium compartilha. Este tem sido cúmplice da tragédia, inclusive ao sancionar leis que, inconstitucionais, tinham a intenção de promover a atividade garimpeira e fragilizar a fiscalização da atividade em Terras Indígenas em Roraima.
É preciso repudiar com veemência a visão colonizadora sobre os povos indígenas do país que os reduz a animais, incapazes, ou qualquer subcategoria de sujeitos excluídos de direitos que devam se submeter aos modos de vida da cidade. Políticas assimilacionistas sobre os povos indígenas não são compatíveis com um Estado Democrático de Direito. Somos sujeitos plenos de direitos, e queremos viver bem com a floresta como viviam nossos antigos como garante o Artigo 231 da Constituição Federal.
O povo Yanomami é um dos mais populosos povos indígenas de recente contato no mundo, e detentores de grande conhecimento ancestral sobre a floresta onde vivem. É nosso direito viver na floresta viva segundo nossos costumes, com saúde e vida.
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Garimpo ilegal na Terra Yanomami cresceu 54% em 2022, aponta Hutukara
Área devastada explodiu 309% desde 2018, quando a associação Yanomami começou a monitorar os efeitos do garimpo
O garimpo ilegal cresceu 54% em 2022 e devastou novos 1.782 hectares da Terra Indígena Yanomami (TIY), conforme levantamento feito por imagens de satélite. O monitoramento da Hutukara Associação Yanomami (HAY) aponta crescimento acumulado de 309% do desmatamento associado ao garimpo entre outubro de 2018 e dezembro de 2022.
Nesse período, foram mais 3.817 hectares destruídos na maior terra indígena do país, atingindo um total de 5.053 hectares. Quando os indígenas começaram a monitorar os efeitos do garimpo, em outubro de 2018, havia 1.236 hectares devastados. Em 2021, o desmatamento chegou a 3.272 hectares, conforme apontou o relatório Yanomami Sob Ataque: garimpo na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo.
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Crescimento do desmatamento associado ao garimpo na Terra Indígena Yanomami entre 2018 e 2022 |Hutukara Associação Yanomami
O Sistema de Monitoramento do Garimpo Ilegal na TIY é feito com imagens da Constelação Planet, satélites de alta resolução espacial capazes de detectar com precisão e mais frequência de vigilância áreas muitas vezes não capturadas por outros satélites. Com o monitoramento manual, as atualizações são registradas duas vezes por mês.
As maiores concentrações de destruição estão nos rios Uraricoera, ao Norte da Terra Indígena Yanomami, e Mucajaí, região central. A região de Waikás, no Uraricoera, concentra 40% do impacto, com cerca de 2 mil hectares devastados. Enquanto isso o Rio Couto Magalhães, afluente do Mucajaí, tem 20% do impacto, com cerca de mil hectares.
A terceira região mais afetada é a de Homoxi, na cabeceira do Mucajaí, com 15% da devastação, o que corresponde a cerca de 760 hectares.
“Os impactos do garimpo vão além destes observados no satélite, que é focado no desmatamento. Eles também afetam as disseminações de doenças, deterioração no quadro de saúde das comunidades, produção de conflitos intercomunitários, aumento de casos de violência e diminuição da qualidade de água da população com destruição dos corpos hídricos. Tudo isso somado compromete a capacidade de viver nas comunidades”, explicou o geógrafo Estêvão Benfica, assessor do Instituto Socioambiental (ISA).
Ainda segundo Benfica, a mobilidade dos garimpeiros de uma área para outra é um fator que resulta na proliferação de doenças. Os invasores chegam a levar novas cepas de malária de uma região para outra, por exemplo.
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Na coluna da esquerda, número de casos de malária; na coluna da direita, desmatamento em hectares, segundo monitoramento do Mapbiomas. |Mapbiomas e Sivep Malária
De acordo com o Sivep Malária, sistema de monitoramento do Ministério da Saúde, entre 2020 e 2021, mais de 40 mil casos de malária foram registrados na Terra Indígena Yanomami. Em 2021, foram 21.883, o maior registro desde 2003. A explosão dos casos da doença no território indígena coincide com o aumento da área devastada pelo garimpo. O monitoramento do Mapbiomas, que utiliza o satélite Landsat, mostra saltos sucessivos no desmatamento pelo garimpo desde 2016.
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Casos de malária aumentaram exponencialmente na Terra Yanomami entre 2012 e 2021; foram mais de 40 mil casos nos últimos dois anos |Sivep Malária
Malária na Terra Indígena Yanomami
Em 2020, houve 19.828 registros e em 2019, 18.187. Nestes anos também houve recorde de registros da doença. Os anos de 2003 e 2004 tiveram os registros mais baixos, com 246 e 783 casos, respectivamente.
Ainda conforme o monitoramento, em 2007 houve 5.460 registros da doença. Nos anos seguintes, 2008 e 2009, houve queda nos novos casos: 4.966 e 4.188. Em 2010 são registrados 6.745 e nos anos seguintes os casos voltam a cair até atingir um novo recorde em 2017 com 7.891. Nos anos seguintes, a doença seguiu atingindo novos picos.
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Vídeo traz informações falsas sobre Cogumelo Yanomami; leia a nota do ISA
O governo Bolsonaro estimulou a invasão das Terras Indígenas e omitiu-se no atendimento à saúde e na proteção do povo Yanomami, verdadeiras causas da atual crise humanitária
Circula em algumas redes sociais um vídeo com informações falsas e descontextualizadas sobre o projeto Cogumelo Yanomami, iniciativa da Hutukara Associação Yanomami, organização representativa do povo Yanomami, apoiada pelo ISA. O autor é um dos principais apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, alvo de inquéritos policiais nos tribunais superiores pela disseminação de fake news e teve perfis suspensos por decisão judicial.
O vídeo sugere, sem apresentar nenhum indício ou prova, que a comercialização de cogumelos seria uma das responsáveis pela crise de saúde no território Yanomami. Muito longe disso, a fome e a desnutrição na área são resultado da falta de atenção à saúde na Terra Indígena Yanomami e dos impactos do garimpo ilegal, como a disseminação de doenças e a desestruturação da produção de alimentos realizada pelos próprios Yanomami.
Em 28 anos de existência, o ISA vem construindo um legado de projetos e iniciativas, sempre em parceria, lado a lado, com os povos da floresta (para saber mais sobre nossas missões institucionais acesse aqui o nosso estatuto: isa.to/estatuto).
Apoiamos os povos da floresta na proteção de seus territórios, no fortalecimento de suas culturas e direitos e no desenvolvimento de suas economias, que valorizam o conhecimento tradicional e o manejo sustentável dos recursos naturais.
Uma de nossas frentes de trabalho é o apoio à economia local das comunidades, e entre elas está o projeto Cogumelo Yanomami. A iniciativa fomenta o consumo interno, o aprofundamento do conhecimento tradicional sobre as espécies manejadas e a comercialização apenas dos excedentes de cogumelos, sendo uma possibilidade de geração de renda criada pelas próprias comunidades (saiba mais no livro Ana Amopö: Cogumelos, publicado pela Hutukara Associação Yanomami, vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura em 2017).
Toda a receita obtida é da Hutukara Associação Yanomami, que a reverte para seu povo. A marca Cogumelo Yanomami é de propriedade do povo Yanomami e está registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) em nome da Hutukara Associação Yanomami. O ISA não obtém qualquer lucro com a atividade.
Portanto, é absolutamente falso afirmar que o ISA, uma organização sem fins lucrativos, beneficia-se da comercialização do Cogumelo Yanomami. Não há correlação entre essa atividade e os casos de desnutrição na Terra Indígena Yanomami.
Desde 2017, quando teve início, 20 comunidades fazem parte do projeto, envolvendo cerca de 170 famílias. A forma como a Hutukara Associação Yanomami promove as iniciativas de geração de renda junto às comunidades baseia-se no Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) da Terra Indígena Yanomami, que pode ser acessado aqui. O planejamento e organização de coleta, beneficiamento e comercialização dos cogumelos é gerenciado pelos próprios indígenas.
Além disso, o Cogumelo Yanomami é comercializado pela Hutukara Associação Yanomami conforme os princípios do comércio ético, justo e transparente da rede Origens Brasil®. O sistema de garantia da rede consiste em quatro princípios: rastreabilidade, indicadores de impacto, avaliações de parceria e governança. Os dados de produção e comercialização são registrados na plataforma digital da Rede. Saiba mais no site da rede Origens Brasil®: https://origensbrasil.org.br/
A loja online do ISA não objetiva lucros, mas sim promove produtos dos povos da floresta a fim de fortalecer as comunidades e seus territórios. A precificação dos produtos à venda na loja é realizada pelas próprias organizações indígenas, ribeirinhas e quilombolas, acrescida de impostos, custos logísticos e operacionais.
O relatório ‘Yanomami sob ataque’, produzido pela Hutukara Associação Yanomami e pela Associação Wanasseduume Ye’kwana com apoio técnico do ISA, sustenta as afirmações acima com fatos, dados objetivos comprovados e a profundidade de quem vive a situação. Você pode acessá-lo clicando no link abaixo:
Por fim, prezamos pela transparência e todos os nossos relatórios financeiros estão acessíveis para qualquer um que queira acessá-los (isa.to/transparencia). Sobre os impactos do nosso trabalho, nossos parceiros indígenas falam por nós, confira aqui.
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Bolsonaro ignorou decisões judiciais e ampliou crise Yanomami
Ex-presidente desestruturou órgãos de prevenção e controle e sinalizou aos invasores que regularizaria atividades criminosas
A crise humanitária que se abate sobre os Yanomami e Ye’Kwana que vivem na Terra Indígena Yanomami, em Roraima e no Amazonas, não é nova, mas só agora foi revelada. Com a chegada da pandemia, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) propôs, em julho de 2020, a ADPF nº 709 no STF (íntegra - 3MB).
Na ação, pediu que a União colocasse barreiras sanitárias para conter e controlar o acesso de pessoas nas terras indígenas que tinham indígenas isolados e de recente contato, caso das terras Yanomami. Além de solicitar a retirada de invasores em 7 terras indígenas onde o desmatamento e as invasões atingiram patamares críticos.
Em 8 de julho de 2020, a corte deferiu a maioria dos pedidos, mas não a retirada dos invasores. Como providência intermediária, a União deveria isolá-los e contê-los, tomando medidas para estrangular a logística que abastece o garimpo ilegal na área. Se as medidas tivessem sido providenciadas, os garimpeiros teriam ficado sem acesso a insumos básicos, sendo forçados a sair da terra indígena. Com mecanismos adequados de fiscalização, poderiam ser impedidos de voltar, iniciando-se um processo efetivo de controle da invasão e de proteção do território.
Em 3 de julho de 2020, a partir de ação do MPF (Ministério Público Federal), o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) determinou que a União apresentasse, “no prazo de 5 dias, plano emergencial de ações, e respectivo cronograma, para monitoramento territorial efetivo da Terra Indígena Yanomami, combate a ilícitos ambientais e extrusão de infratores ambientais (mormente garimpeiros)”.
Apesar da determinação para a retirada de invasores das terras Yanomami, até hoje muito pouco foi feito. A União realizou operações pontuais e insuficientes, ações para “inglês ver”, para tentar sinalizar ao Judiciário que estava fazendo alguma coisa, enquanto, na verdade, o garimpo crescia desordenadamente.
O Relatório "Yanomami Sob Ataque” registra um crescimento de 46% em 2021 em relação a 2020, e um incremento anual de cerca de 1.000 hectares, atingindo um total acumulado de 3.200 hectares de novos desmatamentos. Esses números representam o maior crescimento anual da área degradada pela atividade ilegal do garimpo na terra indígena, desde 2018, quando a Hutukara Associação Yanomami, organização representativa dos Yanomami, iniciou seu monitoramento por imagens de satélite. Muito provavelmente, é o maior dado desde a demarcação da área, em 1992. O monitoramento do desmatamento até os dias atuais deve ser lançado nos próximos dias.
Todo esse crescimento do garimpo ocorreu na vigência de decisões do STF e do TRF-1 que determinavam o controle dos invasores ou a sua retirada. Como disse a ministra Cármen Lúcia durante o julgamento do "pacote verde" na Suprema Corte, as medidas ambientais não devem ser apenas suficientes, elas também precisam ser eficientes! Pela expansão do garimpo, podemos ver que as medidas adotadas pela União não foram nada disso.
A Hutukara Associação Yanomami não se restringiu a fazer denúncias em esfera nacional. Em 20 de julho de 2020, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos outorgou medidas cautelares de proteção a favor dos Yanomami e Ye’kwana (Resolução n° 35/2020 – íntegra/879KB). Elas foram convertidas em medidas provisórias pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em julho de 2022. Ainda assim, Jair Bolsonaro (PL) não se constrangeu.
A invasão de garimpeiros ilegais nas terras Yanomami tem relação direta com a crise humanitária que ganhou os jornais nos últimos dias. O garimpo promove impactos negativos tanto no meio ambiente ‒ desmatamento, a contaminação e destruição de corpos hídricos ‒ quanto na saúde da população, com danos sobre o sistema produtivo indígena.
Apenas entre 2020 e 2021, as terras Yanomami registraram mais de 40.000 casos de malária ‒ isso para uma população total de cerca de 30.000 pessoas.
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Garimpo no Rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami |Bruno Kelly/HAY
Da mesma forma, também há os impactos associados ao aumento de conflitos e à violência. Áreas exploradas pelo garimpo impedem a abertura e manutenção das roças. Alguns indígenas são cooptados ou intimidados para trabalhar para os invasores. Uma das estratégias de aliciamento, por exemplo, é a introdução de armas de fogo no território, eventualmente disponibilizadas para adolescentes, mais vulneráveis a falsas promessas de prosperidade.
Como a economia indígena é dependente da mão de obra familiar, com as pessoas permanentemente adoecidas, prestando serviços para o garimpo e com as áreas de caça e pesca ocupadas por invasores, é praticamente impossível assegurar a subsistência. Tudo isso impacta negativamente na organização social indígena. Os moradores da área estão sitiados em suas próprias casas.
O aumento do garimpo está diretamente relacionado à gestão Bolsonaro, que desestruturou a Funai e os órgãos ambientais e sinalizou aos invasores que buscaria regularizar atividades ilegais e criminosas. O então presidente chegou a visitar um garimpo ilegal na terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, quando já existiam denúncias sobre a violência e a desnutrição que assola os Yanomami.
As constantes crises institucionais criadas por Bolsonaro, principalmente com o STF, inviabilizaram medidas mais eficazes para combater os ilícitos e a catástrofe humanitária nas terras Yanomami. A Funai, o Ibama, o Ministério da Justiça e, principalmente, o Exército –que tem a expertise e logística adequadas para operações na floresta– omitiram-se em seus deveres constitucionais e foram coniventes com a violência garimpeira autorizada por Bolsonaro.
Nessa tragédia, os únicos inocentes são os indígenas. É preciso investigar e responsabilizar os culpados para fortalecer as estruturas estatais contra governantes de ocasião e fisiologismos que não devem mais ser tolerados.
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Conselho Indígena de Roraima celebra 50 anos exaltando resistência coletiva e Raposa Serra do Sol
Lideranças contaram história da demarcação da Terra Indígena para os mais jovens, refletiram sobre os retrocessos no governo Bolsonaro e apontaram caminhos para o futuro
Passarela com bandeira do CIR e nomes das 11 regiões presentes na comemoração dos 50 anos do Conselho, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol|Fabrício Araújo
À beira do Lago Caracaranã, localizado no município de Normandia, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cerca de dois mil indígenas de 11 regiões de Roraima se reuniram para celebrar os 50 anos de “união, luta, resistência e conquistas” do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Com duração de quatro dias, de 16 a 19 de janeiro, a festa contou com a presença de importantes lideranças, conhecedoras da história dos 50 anos de atuação do CIR – uma “biblioteca viva”.
Líderes indígenas das 11 coordenações que já passaram pelo CIR relembraram a intensa disputa com fazendeiros invasores, casos de violência e a luta pela retomada da terra. Finalmente, exaltaram a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, demarcada em 1998 e homologada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 15 de abril de 2005, durante seu primeiro mandato.
Os indígenas de Roraima também refletiram sobre os desafios vividos nos últimos quatro anos com o governo de Jair Bolsonaro (PL) e se propuseram a traçar novas metas com a chegada do terceiro governo Lula.
Edinho Batista, atual coordenador geral do CIR, afirmou que, entre as prioridades, estão a discussão da proteção dos territórios, a produção sustentável em comunidades indígenas e o fortalecimento do uso de energias renováveis – em contraposição ao impacto negativo de grandes hidrelétricas.
“Temos propostas para enfrentar a mudança climática, pois é uma questão que prejudica o mundo inteiro. Temos a esperança de salvar o planeta através das demarcações de Terras Indígenas e proteção das florestas e para isso, claro, é preciso revogar todas as portarias e decretos de Bolsonaro que facilitam as invasões”, explicou.
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Edinho Batista, atual coordenador do Conselho Indígena de Roraima: "temos a esperança de salvar o planeta através das demarcações de Terras Indígenas"|Fabrício Araújo/ISA
No primeiro dia de seu terceiro mandato, Lula assinou uma série de decretos e medidas que retomam políticas públicas socioambientais. Saiba mais
Resistência de longa data
Com 42 anos, Edinho é mais jovem que a própria organização e afirma ser filho das políticas feitas pelo CIR, como o “Vai ou racha” e “Uma vaca para o índio”. (entenda estas políticas abaixo)
“Eu não tenho a idade da organização, mas sinto que há uma raiz profunda que ninguém nunca pode arrancar. Sinto que é uma árvore que cresce para dar sombra para outras populações e gerações que temos pela frente”, descreveu.
Segundo ele, há outros “campos de batalha” onde o movimento indígena de Roraima pode aportar. “Os povos indígenas têm uma contribuição histórica, que pode ser usada para ajudar a reconstruir o país após esses quatro anos no escuro com políticas que tentavam exterminar a nós, os indígenas”, declarou.
Edinho classificou como “desafio” viver sob as políticas do governo Bolsonaro e afirmou que as ameaças serviram como “uma injeção, um impulso para combater a política genocida”.
O período de 2019 a 2022 também preocupou Jacir de Souza, tuxaua macuxi que coordenou o CIR entre 2001 e 2005. Durante seu mandato, ele chegou a percorrer outros países expondo a crise na Raposa Serra do Sol e explicando a diversas autoridades a necessidade de demarcação. Nos últimos quatro anos, ele temeu pelos povos de outras terras.
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Jacir José de Souza, coordenador do CIR de 2001 até 2005, chegou a percorrer outros países expondo a crise na Raposa Serra do Sol|Fabrício Araújo/ISA
“Antes mesmo do Bolsonaro entrar em campanha, ele já dizia que se ganhasse não demarcaria nenhuma Terra Indígena. E, com ele, as pessoas se sentiram liberadas para garimpar ilegalmente. Esses quatro anos não teve nada de bom para os povos indígenas, só invasões, como aconteceu com a Terra Yanomami com mais de 30 mil garimpeiros. Aqui, na Raposa Serra do Sol, como já fazíamos o trabalho de impedir a entrada, conseguimos evitar as invasões”, explicou.
Com o fim do governo Bolsonaro, a criação do Ministério dos Povos Indígenas e nomeação de Joenia Wapichana como presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Jacir espera que outras terras sejam demarcadas e percebe que tem “indígenas trabalhando para indígenas dentro do governo”.
A insegurança de viver em uma terra sem demarcação também foi lembrada por Desmano de Souza, líder macuxi que foi vice-coordenador do CIR de 1997 a 2000. Filho de indígenas brasileiros, ele nasceu na Guiana Inglesa (hoje Guiana). Mas, aos 14 anos, seu pai retornou a Roraima após sofrer perseguição política no país vizinho. Ele descreve que fugiu de uma guerra e, ao chegar na Raposa Serra do Sol, em 1969, se deparou com um novo cenário de guerra dos fazendeiros contra os seus parentes indígenas.
“Em 1969 ainda não estava tão agressiva a situação como se tornou a partir de 1987. Eu lembro que quando cheguei, os fazendeiros já não nos deixavam mais fazer nossos retiros e nem ser vizinhos deles. Quando esquentou a luta dos fazendeiros contra o meu povo, eu já era adulto e participei mesmo com alguns dos meus irmãos me dizendo para não me envolver”, relembrou.
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Desmano de Souza, liderança Macuxi que foi vice-coordenador do CIR de 1997 a 2000, durante as celebrações dos 50 anos do CIR|Fabrício Araújo/ISA
“Vem, liderança, vem festejar”
Durante os intervalos nas falas de lideranças do CIR, era possível visitar tendas com artesanatos à venda, comprar comida produzida pelos indígenas e se refrescar no Lago Caracaranã. No entanto, as apresentações de canções autorais de forró dominavam as atenções dos presentes na festa. Os indígenas dançavam e cantavam sobre orgulho da própria cultura, paz e com mensagens de militância indígena.
“Eu vi os jovens dançando e fiquei pensando: ‘o que seria aqui, no Lago Caracaranã, se não tivesse sido feita a demarcação?’. Como nós ganhamos, aproveitem, jovens, dancem e brinquem”, disse Desmano durante seu discurso.
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Apresentações de canções autorais de forró dominavam as atenções dos presentes na festa pelos 50 anos do CIR, em Roraima|Fabrício Araújo/ISA
“A portaria já foi assinada / Renan Calheiros é quem assinou / É a vitória do povo indígena (…)/ Vem, liderança, vem festejar”, cantavam os indígenas um trecho de uma das canções, que fala da demarcação da Raposa Serra do Sol em 1998.
À época, Renan Calheiros era ministro da Justiça e assinou o documento declarando a terra como posse permanente dos povos indígenas. A medida se tornou uma longa batalha judicial com o governo de Roraima e o Supremo Tribunal Federal (STF), que só chegou a uma decisão em 2009, cinco anos após Lula assinar a homologação.
“Vai ou racha” e “Uma vaca para o índio”
Lideranças de comunidades indígenas em torno do CIR começaram a realizar grandes encontros anuais para tomadas de decisões a partir de 1971, ano da primeira Assembleia dos Tuxauas, que ocorreu na comunidade do Barro, na região do Surumú. Seis anos depois, em 1977, acontece a histórica assembleia do “Vai ou Racha”.
Nela, as lideranças decidiram abolir bebidas alcoólicas das comunidades e fortalecer a defesa de suas terras. A decisão ocorreu após anos de conflitos pelo território da Raposa Serra do Sol, que a cada dia se tornavam mais violentos e sangrentos.
Muitos indígenas foram expulsos de suas próprias casas ou foram assassinados tentando defender o direito de permanecer na terra. Abolir o álcool era crucial para manter os indígenas sóbrios e evitar que invasores os manipulassem.
Já em 1980, o projeto “Uma vaca para o índio” chega às comunidades para incentivar a criação comunitária de gados. O modelo, que propõe uma rotatividade de animais nas comunidades, funcionou tão bem que segue em marcha até os dias de hoje.
De acordo com a secretária-geral do movimento de mulheres do CIR, Maria Betania Mota de Jesus, a criação comunitária de gado é o principal projeto na linha de sustentabilidade, sendo, inclusive, replicado por povos indígenas de outros estados.
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Maria Betania, atual secretária-geral do movimento de mulheres do CIR, durante os 50 anos da organização na Raposa Serra do Sol|Fabrício Araújo/ISA
“As pessoas dizem que ‘tem muita terra para pouco índio', mas não tem, a verdade é que há muitos indígenas para pouca terra. Nós vamos, cada vez mais, falar sobre como os povos indígenas precisam ser ouvidos”, falou.
“Este ano de 2023 já chega com muitas mudanças. As nossas lideranças são estratégicas e por isso há muitas organizações de outros estados que têm o CIR como referência”, disse, fazendo referência à troca de governo e à atuação do CIR.
Uma das lideranças de mulheres do povo Macuxi, Maria Betania afirmou que os últimos quatro anos foram um desafio, mas pontuou que o mandato de Joenia Wapichana (Rede) como deputada federal foi essencial e estratégico para proteger homens e mulheres indígenas.
“Graças a Deus, havia uma mulher indígena para nos representar nesses quatro anos de governo Bolsonaro. Com muita força e capacidade, ela soube criar estratégias e trazer pessoas para o nosso lado. Não foi fácil para o Bolsonaro, porque ela fez a diferença lá e foi uma referência para todas as mulheres do Brasil. Joenia Wapichana mostrou como o povo indígena é unido”, exaltou Maria Betania.
Com Lula como presidente do Brasil, ela afirma que não é “hora de os indígenas cruzarem os braços”, mas sim de poder participar e acompanhar de perto as tomadas de decisões que os envolvem nos próximos anos.
O aniversário do CIR contou com os povos da Raposa, Surumú, Baixo Cotingo, das Serras, Amajari, Murupú, Tabaio, Wai Wai, Alto Cauamé, Serra da Lua e Yanomami. Além disso, parceiros do Conselho estiveram presentes durante a celebração.
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"É o socorro que pedimos”, diz Davi Kopenawa sobre medidas de Lula na saúde yanomami
Liderança indígena também reforçou ao presidente a necessidade de retirar o garimpo ilegal da Terra Indígena Yanomami
Davi Kopenawa fala em Boa Vista durante visita de Lula ao estado|Ricardo Stuckert
O xamã e liderança yanomami Davi Kopenawa afirmou no sábado (21/01) que as medidas tomadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram “o socorro” que os Yanomami pediam.
Lula viajou ao estado de Roraima para visitar pacientes Yanomami internados na Casa de Saúde Indígena Yanomami (Casai-Y) e anunciar medidas para reverter a crise sanitária e humanitária que os indígenas enfrentam.
“Foi o socorro que nós pedimos e que ele nos prometeu. Ele já havia me falado que me ajudaria a salvar meu povo", disse o presidente da Hutukara Associação Yanomami ao ISA.
"Em primeiro lugar, ele vai precisar tirar os invasores, o garimpo ilegal, Se não tirar, a doença continua, assim como a destruição e a poluição”, afirmou Davi. Lula, no entanto, ainda não falou quando deve iniciar a desintrusão.
Horas antes da viagem, ainda na noite de sexta-feira (20/01), o presidente criou o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami e uma portaria do Ministério da Saúde declarou estado de emergência na Saúde Yanomami.
“Se alguém me contasse que em Roraima tinha pessoas sendo tratadas dessa forma desumana, como vi o povo Yanomami aqui, eu não acreditaria. O que vi me abalou”, disse, após visitar as instalações e conversar com indígenas.
O presidente afirmou que ouviu relatos de indígenas que estavam esperando há meses para retornar à Terra Indígena Yanomami e reclamações sobre a alimentação. Sensibilizado com a situação, ele afirmou que os Yanomami passarão a ser tratados como “seres humanos” pelo governo.
Davi Kopenawa, xamã e liderança reconhecida no mundo todo pelo seu pensamento e pela luta na proteção da Amazônia e pelos direitos dos povos na TI Yanomami, recebe @LulaOficial no aeroporto de Boa Vista (RR). pic.twitter.com/v3i8TBtPO0
Ainda no trajeto a Boa Vista, Lula recebeu no avião um exemplar da publicação "Yanomami Sob Ataque", da Hutukara. Feito com apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e publicado em abril de 2022, o relatório denunciou o cenário de emergência humanitária provocado pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, afirmou que é necessário responsabilizar a gestão de Jair Bolsonaro (PL) por permitir o agravamento da situação. Ela disse que na Casai há indígenas “adultos com peso de crianças e crianças em pele e osso”.
“Nós viemos aqui, nessa comitiva, para constatar essa situação e também tomar as medidas cabíveis para resolvermos esse problema”, pontuou.
Ações do governo
Nesta segunda-feira (23), uma equipe da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) chega a Boa Vista com 13 profissionais que devem atuar no Hospital de Campanha Aeronaútica. A estrutura deve ser transferida do Rio de Janeiro para a capital de Roraima e montada até a próxima sexta-feira (27/01).
Ainda conforme o governo federal, no sábado, profissionais, equipamentos, material médico, uma ambulância, duas barracas e médicos especialistas foram transferidos da Operação Acolhida, que cuida da imigração venezuelana no Brasil, à Casai.
Cinco mil cestas básicas também devem ser distribuídas ao povo Yanomami, além de 200 latas de suplemento alimentar para crianças. Neste domingo (22/01), a Força Aérea Brasileira (FAB) afirmou que fez o transporte de 2,5 toneladas de alimentos para a Terra Indígena Yanomami.
Junto a Lula estavam a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, o ministro da Defesa, José Múcio, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida e a presidente da Funai, Joenia Wapichana.
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Primeiro filme feito por mulheres yanomami estreia na Mostra de Cinema Tiradentes
"Uma Mulher Pensando", captado na comunidade Watorikɨ, Terra Indígena Yanomami, poderá ser visto gratuitamente no site do festival entre 21 e 24 de janeiro
O curta-metragem Uma Mulher Pensando fará sua estreia nacional na 26ª Mostra de Cinema Tiradentes no próximo sábado (21/01). Este é o primeiro filme dirigido e filmado por mulheres yanomami e foi filmado na comunidade Watorikɨ, na região do Demini, Terra Indígena Yanomami.
A direção de Thuë Pihi Kuuwi, nome em yanomae (uma das seis línguas da família Yanomami) da obra, é assinada por Aida Harika Yanomami, Roseane Yariana Yanomami e o xamã Edmar Tokorino Yanomami. A Produtora Aruac Filmes foi a responsável pela produção com co-produção da Hutukara Associação Yanomami e produção associada da Gata Maior Filmes.
O público poderá assistir ao curta no site da Mostra de Cinema Tiradentes e presencialmente na grande tela no dia 21 a partir das 17h30, horário de Brasília. O filme fica disponível gratuitamente até às 17h30 de 24 de janeiro.
A obra conta a história de reflexão de uma mulher yanomami sobre a relação de um xamã com yãkona, o rapé ritualístico que inicia o indígena no conhecimento xamânico de seu povo.
Durante as filmagens de Thuë Pihi Kuuwi - Uma Mulher Pensando outros dois curtas-metragens foram produzidos pela Aruac Filmes: Mãri Hi – A Árvore do Sonho e Yuri Uxëa Tima Thë – A Pesca com Timbó. O trio de histórias independentes faz parte do projeto “A Queda do Céu”, que deve apresentar um longa-metragem que será como “um novo capítulo” para o livro do xamã Davi Kopenawa e do etnólogo Bruce Albert.
“Para além do longa-metragem, o projeto ‘A Queda do Céu’ conta com outras atividades de fortalecimento do audiovisual na Terra Indígena Yanomami e atividades relacionadas à campanha de impacto do projeto como um todo sobre questões que atingem diretamente a TIY. Desde o seu início, o projeto conta com o apoio do Instituto Socioambiental, assim como de uma forte rede de apoio de fundações internacionais que trabalham diretamente com a Amazônia Brasileira”, explicam Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, sócios da Aruac Filmes e diretores do filme A Queda do Céu, que tem lançamento previsto para o segundo semestre de 2023.
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Morzaniel Ɨramari, primeiro cineasta yanomami, criou e filmou o curta "A Árvore do Sonho", cuja estreia acontece no museu The Shed (NY)|Aruac Filmes
Já os outros dois curtas serão lançados no museu The Shed (NY), onde as obras integram a exposição Claudia Andujar, The Yanomami Struggle, em cartaz de 3 de fevereiro a 16 de abril. A Árvore do Sonho foi criado e filmado por Morzaniel Ɨramari, o primeiro cineasta yanomami, enquanto A Pesca com Timbó tem assinatura e direção coletiva de Aida Harika, Edmar Tokorino e Roseane Yariana.
“Roseane Yariana, uma das diretoras do filme Uma Mulher Pensando e responsável pela direção de fotografia do curta, demonstrou uma grande sensibilidade na produção das imagens e partiu dela esse recorte de gênero com um olhar mais direcionado para as mulheres da comunidade de Watorikɨ. A continuação desse trabalho se deu numa oficina de montagem audiovisual em Boa Vista onde o grupo se juntou a uma equipe de montadores – Julia Faraco, Rodrigo Ribeiro-Andrade e Carlos Ceccon. Nesta oficina, foram criados 3 curtas metragens com as imagens captadas por Morzaniel Ɨramari e Roseane Yariana. No caso do filme Uma Mulher Pensando, foi criado a partir das imagens de Roseane e montado de forma coletiva”, explica a dupla de produtores.
Em atividade desde 2002, a produtora Aruac Filmes tem se dedicado nos últimos anos a trabalhos autorais de sócios e parceiros no segmento audiovisual com temas relacionados à Amazônia brasileira.
O filme Uma Mulher Pensando também conta com apoio de ISA, Porticus, Climate and Land Use Alliance (CLUA), Ford Foundation, Nia Tero, Foundation Cartier, Humanize, Arapyaú, Rainforest Foundation Norway (RFN), Norway's International Climate and Forest Initiative (NICFI), Rede de Cooperação Amazônica (RCA), Instituto Iepé, Instituto Meraki, International Resource for Impact and Storytelling (IRIS), Amazon Watch e Foundation AlterCiné.
Thuë pihi kuuwi – Uma Mulher Pensando
Direção de Fotografia e Câmera: Roseane Yariana Yanomami
Produtores: Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha
Montagem: Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami, Carlos Eduardo Ceccon, Julia Faraco e Rodrigo Ribeiro-Andrade
Edição de Som: Waldir Xavier
Mixagem: Guilherme Lima Assis
Som Direto: Marcos Lopes da Silva
Color Grading: Cassiana Umetsu e Marcelo Brandt
Tradutores: Ana Maria Machado, Richard Duque, Corrado Dalmonego, Marcelo Silva e Morzaniel Ɨramari Yanomami
Supervisão Geral: Davi Kopenawa Yanomami e Dário Vitório Kopenawa Yanomami
Responsável Formação Audiovisual Yanomami: Marília Garcia Senlle
Produção Executiva: Heloisa Jinzenji
Coordenação de Produção: Margarida Serrano
Produção: Aruac Filmes
Coprodução: Hutukara Associação Yanomami
Produção: Associada Gata Maior Filmes
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