A Amazônia (ou "Pan-amazônia'', para olharmos o bioma integralmente, para além das fronteiras brasileiras) é um sistema socioecológico integral, compartilhado por oito países e uma província francesa na América do Sul, que beneficia todos os habitantes do planeta. Sua enorme diversidade socioambiental é um ativo estratégico tanto para o meio ambiente tropical da América do Sul quanto para o equilíbrio do clima na Terra. Os grandes responsáveis por manter os ecossistemas amazônicos conservados são os mais de 400 povos indígenas e outras populações tradicionais, como comunidades quilombolas e ribeirinhas.
Nós do ISA acreditamos que para fortalecer uma visão integral da Pan-amazônia, olhar o bioma como um todo, é necessário superar abordagens fragmentadas e promover iniciativas com sinergia territorial, considerando escalas geográficas regionais, nacionais e internacionais para, ao final, fortalecer os territórios indígenas e as áreas protegidas de toda a Pan-amazônia, o que significa aumentar a proteção das florestas. Para caminhar nessa direção, o ISA ajudou em 2007 na criação da Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas (RAISG), uma rede formada por organizações da sociedade civil de países amazônicos com larga experiência de trabalho na Amazônia e com seus povos.
A RAISG busca construir uma visão integral da Amazônia que vincule os direitos coletivos dos povos indígenas e populações tradicionais à valorização e proteção da biodiversidade. Nesses 14 anos, a RAISG tem produzido e divulgado um conjunto de mapas, dados estatísticos e informações socioambientais da Pan-amazônia, que contribuem para o monitoramento de 3,8 milhões de hectares de terras indígenas e áreas protegidas em nove países. O Atlas Amazônia Sob Pressão 2020 reúne as versões mais recentes de muitos destes mapas.
As informações produzidas pela RAISG também geram evidências sobre o valor da Pan-Amazônia para o enfrentamento da crise climática e podem ajudar na tomada de decisões em processos de desenvolvimento sustentável em diferentes níveis de planejamento (municipal, estadual, nacional e internacional) para prevenir e mitigar a degradação ambiental da região. Desde 2017, a RAISG tem parceria com a iniciativa MapBiomas Brasil, para o mapeamento da cobertura do uso do solo na região amazônica dos nove países. Os produtos e dados cartográficos produzidos pela RAISG estão disponíveis para download em sua plataforma: www.amazoniasocioambiental.org.
Em tempo: no ISA também atuamos regionalmente na "Amazônia" brasileira, em duas de suas grandes bacias hidrográficas, a do Rio Xingu e a do Rio Negro. Para conhecer nossa atuação "raiz", pé no chão, visite as páginas destes territórios.
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A Amazônia (ou "Pan-amazônia'', para olharmos o bioma integralmente, para além das fronteiras brasileiras) é um sistema socioecológico integral, compartilhado por oito países e uma província francesa na América do Sul, que beneficia todos os habitantes do planeta. Sua enorme diversidade socioambiental é um ativo estratégico tanto para o meio ambiente tropical da América do Sul quanto para o equilíbrio do clima na Terra. Os grandes responsáveis por manter os ecossistemas amazônicos conservados são os mais de 400 povos indígenas e outras populações tradicionais que habitam suas florestas, como comunidades quilombolas e ribeirinhas.
Nós do ISA acreditamos que para fortalecer uma visão integral da Pan-amazônia, olhar o bioma como um todo, é necessário superar abordagens fragmentadas e promover iniciativas com sinergia territorial, considerando escalas geográficas regionais, nacionais e internacionais para, ao final, fortalecer os territórios indígenas e as áreas protegidas de toda a Pan-amazônia, o que significa aumentar a proteção das florestas. Para caminhar nessa direção, em 2007 o ISA ajudou na criação da Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas (Raisg), uma rede formada por organizações da sociedade civil de países amazônicos com larga experiência de trabalho na Amazônia e com seus povos.
Nesses 14 anos, a Raisg tem produzido e divulgado mapas, dados estatísticos e informações socioambientais da Pan-amazônia, que contribuem para o monitoramento de 3,8 milhões de hectares de terras indígenas e áreas protegidas em 6 dos 9 "países amazônicos" (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). O Atlas Amazônia Sob Pressão 2020 reúne as versões mais recentes de muitos destes mapas.
As informações produzidas pela rede de organizações sul-americanas também geram evidências sobre o valor da Pan-Amazônia para o enfrentamento da crise climática e podem ajudar na tomada de decisões em processos de desenvolvimento sustentável em diferentes níveis de planejamento (municipal, estadual, nacional e internacional) para prevenir e mitigar a degradação ambiental da região. Desde 2017, a Raisg tem parceria com a iniciativa MapBiomas Brasil, para o mapeamento da cobertura do uso do solo na região amazônica. Os produtos e dados cartográficos produzidos pela rede estão disponíveis para download em sua plataforma: www.amazoniasocioambiental.org.
Em tempo: no ISA também atuamos regionalmente na "Amazônia" brasileira, em duas de suas grandes bacias hidrográficas, a do Rio Xingu e a do Rio Negro.
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Lideranças indígenas pedem expansão de Sistema de Alertas para mais comunidades da Terra Indígena Yanomami
Em conversa com financiadores, lideranças Yanomami e Ye’kwana afirmaram que a ferramenta permitiu mostrar as cicatrizes do garimpo ao governo federal
Representantes da Hutukara, Urihi, Seeduume, ISA, UNICEF e ECHO em reunião sobre Sistema de Alertas da Terra Indígena Yanomami|Fabrício Araújo/ISA
Representantes da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye’kwana e Urihi Associação Yanomami em conversa com financiadores do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) reconheceram a importância do Sistema de Alertas da Terra Indígena Yanomami e pediram a expansão da ferramenta para mais regiões e comunidades da maior terra indígena do Brasil, a Terra Indígena Yanomami.
“Nós, Ye’kwana, moramos mais próximos da divisa do Brasil com a Venezuela, moramos onde nascem os rios. É a nossa casa, a floresta, que mantém o bom ar que respiramos e o Sistema de Alertas tem ajudado bastante na limpeza dos rios, já voltamos a ter água para beber e já deixamos os nossos filhos tomar banho. É por isso que queremos continuar com essa ajuda”, disse Geraldo Ye’kwana.
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Geraldo Ye’kwana, representante da Seduume, fala sobre os desafios para retirar invasores insistentes|Fabrício Araújo/ISA
A reunião ocorreu na quinta-feira (28/11) e contou com a presença de representantes do UNICEF, do Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária (ECHO, na sigla em inglês) e do Instituto Socioambiental (ISA).
Para o próximo ano, as lideranças relataram ainda o desejo de que o sistema de alertas tenha forte foco nas informações relacionadas à saúde, pois ainda há diversas comunidades em situação de vulnerabilidade.
“Temos uma responsabilidade compartilhada em melhorar o sistema. Vocês foram pioneiros em uma ferramenta que será replicada em outras áreas indígenas da Amazônia brasileira e peruana”, disse Andres Trivino, oficial de programa do ECHO, após ouvir as lideranças.
O Sistema de Alertas da Terra Indígena Yanomami é uma ferramenta de produção e organização de informações territoriais, que permite aos indígenas monitorar eventos que oferecem riscos para as comunidades e pessoas na Terra Indígena Yanomami, com o objetivo de gerar respostas mais eficientes e orientar ações do poder público e demais atores no território.
“Com o sistema de alertas, nós podemos mostrar as cicatrizes ao governo federal”, afirmou Dário Kopenawa, vice-diretor da HAY, após explicar que o garimpo ilegal causou danos à saúde, educação e proteção da Terra Indígena Yanomami.
Dário Kopenawa, representante da Hutukara Associação Yanomami, também falou sobre a importância da expansão do sistema de alertas|Fabrício Araújo/ISA
Ainda conforme a liderança, o Estado ainda não havia consolidado experiência no trabalho de proteção a Terra Indígena Yanomami. Portanto, o ISA, juntamente com as organizações indígenas do território Yanomami, e com o apoio técnico e financeiro do UNICEF e do ECHO, desenvolveu as ferramentas que atualmente ajudam na proteção territorial e comunitária, incluindo questões de saúde e saneamento.
Em setembro de 2023, a ferramenta começou a ser implementada após uma oficina para ensinar indígenas da região do Demini a como usar o sistema.
“Para nós, o resultado do Sistema de Alertas é muito positivo, sem ele, o garimpo ainda estaria ativo na nossa terra”, complementou Dário Kopenawa, que também pediu que as oficinas de capacitação para uso da ferramenta cheguem a mais regiões do território, que possui 9.664.975 hectares entre os estados de Roraima e Amazonas.
Apesar da melhora, a liderança Yanomami afirma que ainda há invasores insistentes que fazem a travessia entre Brasil e Venezuela constantemente para continuar explorando a Terra Indígena Yanomami.
“Precisamos entender quais são os êxitos e os desafios para investir na melhoria do sistema. Há muitos alertas, vimos de vários tipos e vimos que muitos, infelizmente, não podem ser atendidas de maneira imediata”, afirmou Daniela D’Urso, representante do ECHO.
Desde a implementação até abril deste ano, sete em cada 10 denúncias recebidas são referentes a atividades ilícitas praticadas por não indígenas no território, incluindo garimpo.
“O Sistema de Alertas tem sido a ferramenta que mais funcionou para aproximar as associações das autoridades que fazem o trabalho de vigilância e proteção”, avaliou Lídia Montanha, coordenadora adjunta do Programa Rio Negro do ISA, em referência ao relatório Yanomami Sob Ataque.
A Hutukara Associação Yanomami destacou que sempre buscou dialogar com o poder público sobre seus desafios e problemáticas. Nos anos mais recentes, a organização afirma que passou a encontrar maior abertura para o diálogo e reconhecimento de suas demandas. Suas dificuldades foram acolhidas, e houve uma valorização significativa do projeto do sistema de alertas, uma iniciativa essencial para a proteção do território indígena.
O projeto do sistema de alertas conta com financiamento da União Europeia, através do ECHO, e tem o objetivo de aumentar a resiliência e fortalecer a autonomia das comunidades com a integração de um sistema que respeite o contexto e o conhecimento das comunidades indígenas.
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Chuvas das Terras Indígenas da Amazônia contribuem para 57% da renda agropecuária do Brasil, diz estudo
Levantamento mostra que degradação ambiental nas TIs pode comprometer R$ 338 bilhões da economia nacional
As Terras Indígenas da Amazônia influenciam as chuvas que abastecem 80% da área das atividades agropecuárias no país, mostra um estudo inédito. Conduzido por 10 cientistas e endossado por alguns dos maiores especialistas no tema no Brasil, ele aponta que a influência dessas chuvas na economia é significativa: em 2021, a renda econômica do setor agrícola nas áreas mais beneficiadas por essa dinâmica chegou a R$ 338 bilhões — 57% do total nacional.
A conclusão é que o impacto da preservação das TIs vai além do meio ambiente, destacando-se como peça-chave para a segurança hídrica, alimentar e econômica do Brasil. O estudo foi feito por um grupo de pesquisa em ecologia tropical do Instituto Serrapilheira, a partir do cruzamento e análise de diversos dados, como os do MapBiomas, IBGE e Funai.
Chuva cai na região do Alto Rio Mucajaí, na Terra Indígena Yanomami (RR)|Lucas Lima/ISA
Os dados indicam que 18 estados e o Distrito Federal encontram-se parcial ou totalmente dentro da área de influência dessas Terras Indígenas (TIs) amazônicas. Em estados como o Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, há regiões onde a chuva proveniente da reciclagem de água feita pelas florestas das TIs amazônicas chega a um terço do total anual de cada local. Até 30% da chuva média que cai sobre as terras agropecuárias do país está diretamente relacionada à eficiente reciclagem de água nesses territórios.
A agricultura e a pecuária estão entre as atividades que mais consomem água no Brasil. Ou seja: a chuva é condição fundamental para essas atividades. “O desmatamento e a degradação das florestas nas Terras Indígenas causam a redução das chuvas e, com isso, acarretam riscos graves à economia do país”, afirma o hidrólogo Caio Mattos, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autor do estudo. “A conservação dessas florestas é crucial para garantir a cadeia produtiva do setor agropecuário e, portanto, a produção de uma significativa parcela da economia nacional.”
Apesar disso, Rondônia e Mato Grosso, que figuram entre os nove estados mais influenciados por essa chuva, estão entre os que mais desmataram florestas desde 1985. Os dados mostraram, ainda, que as chuvas provenientes dessas TIs contribuem diretamente para a segurança alimentar nacional: a participação da agricultura familiar no valor da produção total supera os 50% em vários estados influenciados, e grande parte da produção desses pequenos produtores é destinada, justamente, ao mercado interno.
Como Terras Indígenas da Amazônia “irrigam” grande parte do país
Na prática, a Amazônia “irriga” grande parte do país por meio dos chamados “rios voadores”: a umidade reciclada nas florestas das Terras Indígenas amazônicas é transportada pela atmosfera e se torna chuva em outras regiões do Brasil, como o Centro-Oeste e o Sul. Esse mecanismo natural de geração de chuva depende da manutenção de áreas de florestas nativas conservadas, que são responsáveis pelo bombeamento de umidade para a atmosfera.
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Infográfico ilustra como as Terras Indígenas propiciam chuvas para o centro-oeste e sul do Brasil|Joana C. Carvalho/Maria Carlos Oliveira
“A influência dos rios voadores já era conhecida, então o que fizemos foi usar dados já disponíveis desde 2020 para quantificar de fato essa influência – não só do ponto de vista da água, mas também da economia, em uma abordagem interdisciplinar”, explica a matemática e meteorologista Marina Hirota, professora na UFSC. “Ou seja, mais do que mapearmos as chuvas que atingem as áreas de agropecuária, convertemos esse dado em valores econômicos.”
As TIs ocupam aproximadamente 23% da Amazônia Legal, incluem mais de 450 territórios e abrigam cerca de 403,6 mil pessoas. Elas atuam como barreira ao desmatamento ao longo da história: dos 4,4 milhões de hectares desmatados no bioma Amazônia entre 2019 e 2023, apenas 3% (130,2 mil hectares) ocorreram dentro de TIs.
Isso acontece porque grande parte das atividades desenvolvidas em TIs são realizadas de maneira integrada ao ecossistema, envolvendo formas de uso e manejo que não necessariamente implicam na remoção da vegetação nativa. Existe, assim, relação intrínseca entre a proteção territorial de povos indígenas e a conservação de ecossistemas.
A demarcação de Terras Indígenas tem pautado o debate público porque o Supremo Tribunal Federal (STF) discute, nesse momento, a constitucionalidade da lei do marco temporal (lei 14.701/2023). A tese do marco temporal prevê que os povos indígenas teriam direito de ocupar apenas as terras que já ocupavam ou disputavam na data da promulgação da Constituição de 1988. “Os dados que analisamos endossam estudos anteriores. Eles mostram que a proteção e a demarcação das Terras Indígenas são instrumentos fundamentais e urgentes para a conservação da Amazônia”, completa Caio Mattos.
Além de Hirota e Mattos, assinam a nota técnica os cientistas Paulo N. Bernardino, Bruna Stein, Gabriela Prestes Carneiro, Julia Tavares, Adriane Esquivel-Muelbert, Silvio Barreto, André Braga Junqueira e Arie Staal. O estudo foi desenvolvido no escopo de um grupo de pesquisa em ecologia tropical do Serrapilheira – Staal, holandês, é o único dos 10 autores que não é integrante do grupo.
Constituído no início de 2024, o grupo transdisciplinar inclui pesquisadores brasileiros de hidrologia, biodiversidade, ecologia, ecologia humana, matemática, clima, arqueologia, antropologia, políticas públicas, economia e comunicação. “A junção de cientistas com expertises diferentes permitiu essa análise complexa de dados que não são fáceis de se obter”, explica Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Serrapilheira. “É uma ciência sofisticada, que traz uma leitura mais completa do impacto das Terras Indígenas na economia.”
Os autores também são vinculados à UFSC, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de Utrecht (Holanda), Universidade de Uppsala (Suécia), Cary Institute of Ecosystem Studies (EUA), Museu Nacional de História Natural (França) e Universidade de Birmingham (Reino Unido).
A nota técnica é endossada por outros nomes de peso da ciência: o climatólogo Carlos Nobre, o físico Paulo Artaxo, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha (os três da USP), o economista Ronaldo Seroa da Motta (Uerj) e a bióloga Mercedes Bustamante (UnB).
'A Amazônia é a Amazônia, porque lá resistem e sobrevivem populações tradicionais que cuidam, que têm compromisso com a biodiversidade.' Valéria Carneiro | Ester Cezar / ISA
Durante participação na 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP 16), em Cali, Colômbia, a Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) apresentou dados que comprovam o papel dos territórios dessas populações tradicionais na conservação da diversidade biológica da Amazônia.
De acordo com eles, de 2003 a 2022 os quilombos perderam apenas 1,4% de florestas, ou 82% a menos que o entorno, segundo análise do Instituto Socioambiental (ISA). A conservação e a regeneração da vegetação nativa nessas áreas também são maiores do que nas áreas privadas.
Clique aqui e baixe o material produzido pelo ISA em parceria com a Conaq
Os dados foram apresentados na mesa de debates “Territórios Quilombolas na Defesa da Vida e da Biodiversidade na Amazônia”, no dia 21, que também contou com a participação do ISA e do Processo de Comunidades Negras da Colômbia (PCN). O evento aconteceu na chamada “Zona Verde” da COP, onde ocorreram atividades paralelas da sociedade civil.
“A Amazônia tem floresta, mas a Amazônia é a Amazônia porque lá resistem e sobrevivem populações tradicionais que cuidam, que têm compromisso com a biodiversidade”, afirmou Valéria Carneiro, integrante da diretoria da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu) e da coordenação da Conaq. Para ela, o espaço da COP 16 é essencial para expor as agressões ao bioma e aos seus povos tradicionais.
“Eu venho de uma região que está sendo engolida pelo agronegócio e chegar até aqui também é um momento oportuno de trazer os desafios que nós, quilombolas da Amazônia, vivenciamos lá”, apontou. Carneiro é do território quilombola de Pau Furado, na Ilha do Marajó (PA).
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Titulação garante mais proteção
Ainda de acordo com a análise do ISA, a regularização fundiária é essencial para garantir a preservação dos territórios quilombolas e da biodiversidade na Amazônia. As áreas tituladas, ou seja, com a regularização concluída, apresentaram 12% de carbono florestal a mais do que as não tituladas.
No entanto, dos 506 territórios quilombolas com limites oficialmente reconhecidos em toda a Amazônia brasileira, apenas 116 estão titulados e 390 estão em alguma das fases anteriores à titulação. Os dados são do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar).
“Os territórios quilombolas não titulados ainda são a maioria no Brasil e isso representa uma ameaça à conservação da biodiversidade. Quando as áreas dos nossos biomas são protegidas pelo manejo tradicional que as comunidades quilombolas fazem, as florestas, os manguezais, as restingas, matas ciliares, a fauna, toda biodiversidade ganha proteção e cuidado”, comentou Raquel Pasinato, assessora técnica do ISA, durante a COP 16.
“Se as comunidades ainda não têm o domínio fundiário dos territórios, eles ficam ameaçados pelo agronegócio, exploração minerária, pecuária extensiva e tantos outros usos que ameaçam a biodiversidade, exaurindo os recursos naturais e trazendo impactos socioambientais para nossa sociobiodiversidade. Por isso, titular é proteger!”, enfatizou.
Quilombos ainda são invisíveis
Os territórios quilombolas titulados somam 8,9 mil km², o que representa apenas 30% dos 28 mil km² desse tipo de área protegida já oficialmente identificado na Amazônia brasileira ‒ 1 km² é igual a mais ou menos 100 campos de futebol. Para se ter uma ideia, os quilombos oficialmente identificados representam apenas 0,4% dessa região, que soma cerca de 5 milhões km².
É preciso ressalvar ainda que 79% desses territórios não tiveram limites reconhecidos oficialmente na Amazônia brasileira, ou seja, permanecem invisíveis nas bases de dados oficiais e, logo, impedidos de se beneficiar com políticas públicas e ainda mais vulneráveis a pressões e ameaças, como o desmatamento ilegal e o roubo de terras.
“Não existe população quilombola sem território, sem biodiversidade”, afirmou Fran Paula, quilombola do Pantanal de Mato Grosso, integrante do coletivo de Meio Ambiente e Agricultura da Conaq e pesquisadora em agrobiodiversidade. “É muito importante a gente traçar estratégias desde o nível local, de proteção das nossas florestas, águas, dos nossos sistemas alimentares tradicionais, que são únicos no planeta, até estratégias globais, como a participação nessa COP”, complementou.
Fran destacou que o reconhecimento dos povos quilombolas para a conservação da biodiversidade “não é só como sujeitos de direitos, mas da nossa trajetória de luta, de resistência, de organização social. Há muito processo de articulação e mobilização de todos nós que estamos aqui, mas também de todas as pessoas que vieram antes da gente e que lutaram, inclusive, para que a gente pudesse estar hoje ocupando esse espaço na COP16”, finalizou.
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(E-D) Kátia Penha, da coordenação da Conaq; Raquel Pasinato, do ISA; e Valéria Carneiro, da coordenação da Conaq | Ester Cezar / ISA
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Perda de conectividade na Amazônia fragiliza a floresta e seus povos, diz estudo apresentado na COP16
Análise de Raisg divulgada pela Aliança Noramazônica, da qual o ISA faz parte, indica que áreas com maior conectividade estão em territórios indígenas
Vista aérea da floresta de Igarapé Novo Recreio, na Terra Indígena Nawa, no Acre|Alexandre Cruz Noronha/Amazônia Real
A perda de conectividade ambiental, social e cultural na Amazônia como um todo está fragilizando a floresta e dificultando sua capacidade de resiliência. É o que aponta o estudo “Efeitos de uma Amazônia Fragmentada na Biodiversidade Regional: Análise do Estado de Conectividade Ecológica a nível pan-amazônico”, apresentado na COP 16, em Cali, na Colômbia, nesta segunda-feira (21/10).
O encontro “Amazônia conectada ecologicamente, socialmente e culturalmente - A maneira mais efetiva de proteger a biodiversidade e assegurar a água no continente”, foi promovido pela Aliança Norte Amazônica (ANA) e a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg), ambas integradas pelo Instituto Socioambiental (ISA).
A análise aponta que, em 2022, 23% da Amazônia já perdeu completamente sua conectividade ecológica, enquanto que um 13% adicional apresentou uma degradação nessa condição. Essa desconexão fragiliza a floresta e dificulta seus processos de regeneração, contribuindo para os processos que levam ao ponto de não retorno.
A apresentação aconteceu no Banco do Ocidente, na chamada Zona Verde da COP 16, onde se reúnem as organizações da sociedade civil. Houve uma roda de conversa com indígenas, pesquisadores e representantes da sociedade civil.
Estavam na roda de conversa Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami; Fabio Valencia, representante da Instância de Coordenação Macro-território dos Jaguares de Yuruparí - Amazônia Colombiana; Martin von Hildebrand, Fundador de Gaia Amazonas; Silvia Gómez, coordenadora da Iniciativa Colômbia e Peru da Aliança pelo Clima e Uso da Terra (CLUA); Daniel Cadena, professor da Faculdade de Ciências - Universidade dos Andes - Colômbia; Harvey Locke, vice-presidente Nature Positive União Internacional para a Conservação da Natureza. A apresentação do estudo foi feito por Carmem Josse, diretora-executiva da Fundação Ecociência.
O estudo aponta ainda que as perdas de conexão são menores em territórios indígenas, apontando como um dos exemplos positivos o Alto Rio Negro (AM), região onde povos de 23 etnias convivem.
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Estudo apontou o Alto Rio Negro (AM) como um dos exemplos positivos de preservação da conectividade|Fellipe Abreu/National Geographic
Veja trechos das principais falas:
“Para nós indígenas, a Amazônia é terra ancestral. No meu território, o mundo inteiro reconhece, que a gente está sofrendo uma crise humanitária. E como que a gente fala sobre isso? Esse é um problema da sociedade não indígena, que está perturbando a vida da população Yanomami. O sistema de colonização continua para as populações indígenas.” - Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami
“Em toda a Amazônia, há um único valor intrínseco à vida, que é a natureza. Os processos coloniais não dão espaço ao diferente, à escuta com paciência. Não escutamos os povos indígenas e outros povos tradicionais que entendem que somos todos parte da natureza.” - Martin von Hildebrand, Fundador de Gaia Amazonas
“Temos o conceito de conectividade como condição para os sistemas de suporte à vida. Graças aos conhecimentos da biodiversidade, esses povos e comunidades promovem sistemas de suporte à vida e mantêm as florestas vivas. É impossível termos a conexão ambiental sem a conectividade social e cultural. Então precisamos fortalecer o sistema de articulação de atores pela defesa desses territórios.” - Felipe Samper, equipe de coordenação da ANA
“O trânsito de processos ecológicos é essencial para a resiliência da floresta. Com a perda da conectividade, a maioria das espécies não pode usar esses espaços para se mover. Observamos que nos territórios indígenas a perda da conectividade é menor. Para melhorar a conectividade precisamos da restauração e assegurar os direitos dos povos indígenas a seu território.” - Carmem Josse, diretora-executiva da Fundação Ecociência.
“A esperança está nas mulheres indígenas, que encarnam o cuidado com a vida. As mulheres indígenas são inspiração com princípios implícitos e explícitos que promovem a biodiversidade. São guardiãs da biodiversidade e transmissoras de conhecimento que promovem a soberania alimentar e mantêm a floresta em pé.” - Silvia Gómez, coordenadora da Iniciativa Colômbia e Peru da Aliança pelo Clima e Uso da Terra (CLUA)
Entre os dias 18 e 21 de outubro de 2024, Manaus (AM) recebe o Primeiro Encontro do Projeto Amazônia Revelada, no MUSA (Museu da Amazônia). O evento vai reunir pesquisadores e lideranças indígenas, quilombolas e de outras comunidades tradicionais para apresentar os primeiros resultados da pesquisa, que está revelando segredos arqueológicos escondidos sob a densa vegetação amazônica.
Durante o evento, no dia 18 de outubro, às 20h, será lançado o livro Política patrimonial e política indigenista: a proteção jurídica aos lugares sagrados e sepultamentos indígenas, de Bruna Rocha e Rodrigo Oliveira.
A obra traz uma contribuição inédita ao debate sobre o respeito às tradições indígenas e a efetivação de direitos consagrados na Constituição. A sessão de lançamento acontecerá na Banca Largo São Sebastião, com mediação da jornalista e antropóloga Helena Palmquist.
Bruna Rocha, doutora em arqueologia e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará, tem vasta experiência em pesquisas no Tapajós, unindo ciência arqueológica e saberes locais na defesa de territórios e florestas. Rodrigo Oliveira, jurista e doutorando pela UnB, de lugares sagrados, pesquisa a proteção a perspectiva do direito e da arqueologia, promovendo um diálogo entre as duas áreas para garantir a preservação desses patrimônios.
Utilizando a tecnologia LiDAR em sobrevoos, o Amazônia Revelada está identificando sítios arqueológicos compostos por estradas, valas e elevações artificiais de terra, outrora ocultos pela floresta. Esses levantamentos, somados ao conhecimento tradicional de pesquisadores indígenas e tradicionais, destacam a vasta riqueza biocultural presente nessas áreas, historicamente manejadas por seus habitantes. O objetivo do projeto é mapear e registrar esses patrimônios junto aos órgãos competentes.
Esses sítios arqueológicos, protegidos pela Lei 3924/1961, são essenciais tanto para a preservação cultural quanto ambiental da Amazônia. “Queremos registrar esses sítios arqueológicos para patrimonializar e criar uma camada adicional de proteção a esses territórios”, afirma Eduardo Neves, um dos coordenadores do projeto.
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Eduardo Neves, arqueólogo que trabalha há mais de 30 anos na Amazônia, idealizador e coordenador do Projeto Amazônia Revelada|Lilo Clareto/ISA
O encontro em Manaus discutirá os próximos passos da pesquisa e o impacto de descobertas em estados como Acre, Rondônia, Pará e o sul do Amazonas, regiões fortemente ameaçadas pelo desmatamento e grilagem.
Além disso, serão apresentadas revelações inéditas da arqueologia em áreas estratégicas para o equilíbrio climático, onde novas provas de ocupação humana ancestral demonstram a importância dos povos originários na manutenção da floresta em pé ao longo de 12 mil anos.
Entre os principais achados, estão feições topográficas e cerâmicas no Morro do Anfrisio, novos geoglifos na Amazônia, e redes de trocas culturais entre grupos antigos, reforçando a interconectividade na região.
O projeto, idealizado e coordenado por Eduardo Neves (MAE/USP), Cristiana Barreto (Museu Goeldi e USP), Carlos Augusto da Silva (UFAM), Bruna Rocha (UFOPA) e Filippo Stampanoni (MUSA), e Morgan Schmidt (UFSC) conta com o apoio de instituições como a National Geographic, Instituto Arapyau, MapBiomas, ISA - Instituto Socioambiental e o INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Escute ao episódio da Rádio Novelo Apresenta sobre o projeto:
Exposições sobre a arqueologia amazônica
Além do lançamento do livro, o MUSA inaugurará duas novas exposições: "Arqueologia da Floresta" e "Amazônia Revelada: mapeando legados culturais". A primeira, de longa duração, explora a história ancestral da Amazônia, exibindo artefatos indígenas e peças históricas que remontam a mais de 12 mil anos.
A segunda apresenta os resultados do uso do LiDAR no mapeamento de sítios arqueológicos em áreas sob ameaça de desmatamento, ressaltando a colaboração com comunidades locais e o papel dessas descobertas na gestão e preservação dos territórios amazônicos.
O evento contará com uma programação diversificada, incluindo palestras, debates e exposições abertas ao público.
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Serviço:
Evento: Encontro do Projeto Amazônia Revelada
Data: 18 a 21 de outubro de 2024
Local: MUSA – Museu da Amazônia, Avenida Margarita, 6305, Manaus (AM)
Lançamento do livro: 18 de outubro, às 20h, na Banca Largo São Sebastião, Manaus
Informações: Letícia Leite/Vem de Áudio – (61) 99883-4288
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Amazônia sofreu uma perda de florestas quase equivalente ao tamanho da Colômbia, revela análise do MapBiomas
Lançamento do relatório acontece nesta quinta (26) em Quito, no Equador, com transmissão online às 17h de Brasília
Área de floresta amazônica preservada na região do Rio Ayari, afluente do Rio Içana, Alto Rio Negro (AM). Nos últimos 39 anos, os países amazônicos perderam mais de 88 milhões de hectares de florestas, segundo relatório do MapBiomas|Fellipe Abreu/ISA
A Amazônia, um ecossistema vital para a humanidade e o planeta, enfrenta um de seus momentos mais críticos. Nos últimos 39 anos – entre 1985 e 2023 – os países amazônicos perderam mais de 88 milhões de hectares de florestas (12,5% de sua cobertura), uma área quase equivalente ao tamanho da Colômbia, segundo dados do MapBiomas Amazônia, uma iniciativa da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG). Diante desse cenário, nunca foi tão urgente fortalecer as políticas de conservação e restauração, assim como o papel protetor dos Territórios Indígenas e das Áreas Naturais Protegidas no combate ao desmatamento.
Especialistas da RAISG alertam que a região amazônica está passando por uma transformação acelerada. A análise de imagens de satélite revela que, entre 1985 e 2023, nas áreas onde a floresta foi reduzida, o uso do solo para mineração legal e ilegal cresceu 1.063%, para a agricultura 598% e para a pastagens 297%. Como resultado, muitos ecossistemas desapareceram, sendo substituídos por vastas áreas de pastagens, plantações de soja, palma de óleo e outros monocultivos, ou transformados em grandes crateras de água para a extração de ouro. No caso da mineração, a erosão do solo afeta não apenas a cobertura florestal, mas também o solo fértil, comprometendo sua capacidade de regeneração e aumentando o risco de deslizamentos, além de introduzir poluentes no ambiente.
Acompanhe o lançamento do relatório às 17h de Brasília:
Um panorama regional alarmante
A análise abrange os oito biomas da Região Amazônica. Do total de perda florestal, 71% ocorreram no bioma de Florestas Amazônicas ou Tropicais, o maior da região, presente nos nove países amazônicos (Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa). Aproximadamente 23% das perdas ocorreram na savana tropical do Cerrado (Brasil), 4% na floresta seca tropical Chiquitano (Bolívia), e os 2% restantes foram divididos entre os biomas da floresta seca do Chaco (Bolívia-Paraguai), Pantanal (Brasil-Bolívia), Tucumano-boliviano, além dos Andes e Vales no Peru e Bolívia.
2023: O ano mais devastador
Ao longo dos 39 anos do estudo, as florestas da região recuaram a uma média de mais de 2,3 milhões de hectares por ano. Contudo, 2023 se destacou como o ano mais devastador das últimas duas décadas, com uma perda superior a 3,8 milhões de hectares — o equivalente a 190 vezes o tamanho da cidade de Buenos Aires. Esse recorde lamentável foi causado pelo aumento das atividades econômicas, desenvolvidas sem levar em conta o cenário de mudanças climáticas, marcado por eventos cada vez mais extremos e frequentes. Essa situação continua a afetar uma Amazônia já debilitada, tanto em sua capacidade de regeneração quanto em seu papel na regulação do clima global.
Nessa mesma linha, as secas extremas do ano passado agravaram o impacto da mineração na Amazônia, provocando um retrocesso significativo das florestas alagáveis — ecossistemas altamente produtivos que dependem diretamente das chuvas para se formarem nas margens de rios e áreas úmidas. Nos últimos 39 anos, as florestas alagáveis perderam 4,4 milhões de hectares, sendo 3.500 hectares apenas em 2023, a maior perda dos últimos seis anos. Esse retrocesso ameaça gravemente a abundância e a diversidade biológica da Amazônia — especialmente de peixes — e, por consequência, a disponibilidade de alimentos para as populações locais.
O papel crucial dos territórios indígenas e das áreas naturais protegidas
Às vésperas da COP16 de Biodiversidade na Colômbia (outubro de 2024) e com vistas à COP30 sobre Mudanças Climáticas no Brasil (novembro de 2025), a RAISG considera esses dois anos decisivos para que líderes governamentais e entidades de incidência implementem políticas mais rigorosas de conservação e restauração, focadas nas áreas de maior perda. “Os principais desafios são preservar as áreas ainda intocadas e aquelas com baixo nível de degradação, antes de atingirmos o chamado ‘ponto de não retorno’ da Amazônia; e substituir as atividades atuais por outras que causem menos impacto à floresta. O mais importante: proteger as Áreas Naturais Protegidas e Territórios Indígenas, que atuam como barreiras contra o desmatamento e a degradação”, ressalta Karen Huertas, especialista do MapBiomas Amazônia.
O papel crucial desses dois espaços na conservação da diversidade biológica é evidente nos números: apenas 5,8% dos 88 milhões de hectares de florestas perdidos na Amazônia ocorreram em Áreas Naturais Protegidas (ANP) e territórios indígenas, enquanto os 94,2% restantes aconteceram fora desses territórios. Por milênios, os povos indígenas têm sido os melhores guardiões da floresta, graças aos seus conhecimentos e práticas ancestrais, que permitem o uso sustentável dos recursos e dão ao solo o tempo necessário para regeneração. Da mesma forma, nas ANP, a estabilidade da floresta é priorizada, preservando os serviços essenciais que a Amazônia oferece à humanidade: fornecimento de oxigênio, água potável, alimentos, biodiversidade e medicamentos tradicionais.
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Ducila Álvares, do povo Baniwa, carrega cesto de pimentas recém-colhidas na Comunidade Boa Vista, no Rio Negro (AM). Modos de vida e conhecimentos de povos indígenas e tradicionais são fundamentais para o futuro da floresta amazônica|Fellipe Abreu/ISA
Apesar de seu valor inestimável na luta contra as mudanças climáticas, os povos indígenas continuam sob constante ameaça. Entre 1985 e 2023, seus territórios perderam 3,6 milhões de hectares de florestas, devido ao avanço da mineração de ouro, à extração ilegal de madeira e ao cultivo ligado ao narcotráfico. Essa situação não só coloca em risco a segurança e a vida dos líderes ambientais, como também fragiliza a diversidade cultural dos países. No mesmo período, as Áreas Naturais Protegidas (ANPs) perderam mais de 1,4 milhão de hectares, principalmente nas suas margens, devido à invasão por atividades agropecuárias realizadas por civis e empresas.
Se essa tendência continuar, a Amazônia estará em breve rumo a um processo irreversível de savanização e formação de pastagens. A contínua perda de florestas liberará grandes quantidades de CO2, acelerando ainda mais o aquecimento global e reduzindo o habitat de milhares de espécies. Por muitos anos, os governos negligenciaram as comunidades indígenas, tradicionais e locais, que souberam preservar as florestas melhor do que qualquer outro grupo humano. Agora é hora de mudar essa realidade, fortalecendo seus direitos territoriais, sua participação nas decisões e valorizando sua rica herança cultural, para frear a devastação da Amazônia.
“Os governos dos países amazônicos precisam agir de forma coordenada para conter as pressões e ameaças, como o desmatamento, a mineração e o narcotráfico, além de avançar em alternativas econômicas sustentáveis e promover a restauração ambiental em nível regional. A Declaração de Belém e a XIV Reunião de Ministros das Relações Exteriores da OTCA definiram caminhos importantes para a cooperação regional, como a Rede Amazônica de Autoridades Florestais e a Rede Amazônica de Manejo Integrado do Fogo, que devem ser implementados com a participação ativa dos povos indígenas, afrodescendentes e comunidades tradicionais”, concluiu Angélica García, secretária executiva da RAISG.
Evento MapBiomas Amazônia
Para mais informações sobre a situação atual da Amazônia e as ações necessárias para protegê-la, a RAISG está organizando o evento “Por uma visão integral da Amazônia: 39 anos de perdas florestais e propostas de conservação”, no qual serão discutidos os achados do relatório e as possíveis soluções.
Data
Quinta-feira, 26 de setembro de 2024
Horário
15h00 (Equador, Colômbia e Peru), 16h00 (Venezuela e Bolívia) e 17h00 (Brasil)
Presencial
Hotel Dann Carlton, Avenida República de El Salvador, Quito - Equador
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Garimpo detectado em 2023 em Terra Indígena com isolados segue em atividade
Dados do boletim anual de 2023 do Sirad-I e do primeiro trimestre de 2024 apontam a retomada e permanência de invasores em terras com povos indígenas isolados
Apesar da celebrada desaceleração no desmatamento na Amazônia, Terras Indígenas com presença de povos isolados seguiram sendo invadidas por garimpeiros em 2023.
Na Terra Indígena (TI) Zoró, houve um aumento de 88% nos registros de desmatamento em 2023 em relação ao ano anterior, trazendo indícios de mineração ilegal no território. Já nos primeiros meses de 2024, a hipótese foi confirmada a partir da derrubada de mais de 5 mil árvores na área.
Na TI Mundurucu, em 2023, 90% do desmatamento registrado foi causado diretamente pelo garimpo ilegal. Em 2024, apesar de uma redução expressiva na atividade garimpeira, a expansão de áreas degradadas em períodos anteriores indica a persistência de invasores na TI.
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Garimpo ilegal na Terra Indígena Mundurucu, município de Jacareacanga, em imagem de setembro de 2020|Marizilda Cruppe/Amazônia Real
Os retratos dessas e outras Terras Indígenas estão presentes nos dois relatórios mais recentes do Sistema de Alerta de Desmatamento em Terras Indígenas com Registros de Povos Isolados (Sirad-I), o Sirad-I: Anual de 2023 e o Sirad-I: Janeiro – Março de 2024, lançados conjuntamente nesta quarta-feira (07/08) pelo Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi).
Com aproximadamente 187 mil km² monitorados, a publicação acompanha, desde 2020, por meio de radar e imagens ópticas de alta resolução, os alertas de desmatamento em 23 áreas com povos indígenas isolados, sendo 21 Terras Indígenas, em sua maioria com registros confirmados de povos isolados, e duas Unidades de Conservação (UC). Em 2024, o monitoramento foi ampliado para 26 áreas e, a partir deste ano, a publicação passou a monitorar a Ilha do Bananal, na TI Inãwébohona, Tocantins; fora de TIs, foram incorporadas as regiões dos registros Baixo Jatapu/Oriente, Pará; e Mamoriá Grande, sul do Amazonas.
Acesse as Terras Indígenas:
Os dados trazidos pelo boletim anual apontam, que apesar da redução de 58% na taxa de desmatamento nas Terras Indígenas na Amazônia Legal em relação a 2022, medido pelas taxas do Prodes/Inpe, as áreas com presença de isolados monitoradas tiveram uma queda menos expressiva, de menos de 20%. No total, o sistema de alertas detectou 825,46 hectares de desmatamento, ou o equivalente à derrubada de aproximadamente 475 mil árvores.
“Essa performance pior das Terras Indígenas com povos isolados mostra que elas são as áreas mais frágeis. Para os invasores, elas são terras de ninguém, prontas para serem invadidas. A TI Piripkura é um exemplo disso. Uma área com Restrição de Uso e, infelizmente, com poucos avanços em seu processo de demarcação definitiva. O atraso na demarcação das áreas com portaria de restrição de uso coloca o destino desses povos à prova”, explica Tiago Moreira, antropólogo e pesquisador do ISA.
“O ano de 2023 foi de grande expectativa quanto à diminuição das taxas de desmatamento na Amazônia Legal”, rememorou o relatório anual. Os primeiros meses do monitoramento de 2023 foram marcados pela chegada do novo governo, eleito com a promessa de combate aos crimes ambientais e fim do desmatamento – e após Bolsonaro deixar a presidência com recorde histórico no desmatamento em Áreas Protegidas, conforme análise do ISA.
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No primeiro quadrimestre de 2023, o Sirad-I revelou um desmatamento 28% maior que no mesmo período de 2022, quando foram registrados 319,6 hectares desflorestados nas Terras Indígenas monitoradas. Março foi o mês responsável por quase metade dos alertas deste período.
Já nos meses seguintes, novembro foi o segundo mês a liderar o ranking de alertas em 2023. Somados, os meses de março e abril representam 42% do total de desmatamento no ano passado, com a TI Piripkura representando um quarto dessa porcentagem.
Na Piripkura, o histórico de invasões não é recente, como explicou o indigenista Elias Bigio, ex-Coordenador Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e atual integrante do Opi.
“Na Piripkura, existem fazendas instaladas, existe uma pressão de grileiros, existe uma disputa pelo território Piripkura que já foi denunciada diversas vezes à Polícia Federal, ao Ministério Público. Quando houve a primeira portaria de restrição de uso em 2008, por exemplo, uma ação do MP embargou as madeireiras que funcionavam ali, mas ainda existe essa pressão no centro-norte da TI que culminou agora em uma decisão do Juiz que determinou a extrusão desses invasores”.
A decisão citada pelo especialista se trata de uma Ação Civil Pública cuja decisão final da Vara de Juína (MT), publicada em julho de 2024, determinou a retirada dos ocupantes ilegais da TI, assim como a remoção do gado das propriedades e o fim dos desmatamentos no território.
Em 2023, as TIs Araribóia, Alto Turiaçu e Caru, no Maranhão, foram responsáveis por cerca de 30% de todo o desmatamento registrado nas áreas monitoradas pelo boletim.
A situação na TI Araribóia chegou a ser denunciada ainda em 2023 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela Coiab, pela Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima) e pelos Guardiões da Floresta.
A região tem sofrido grande pressão no entorno e dentro do território, com invasões por caçadores e madeireiros ilegais, além de posseiros e arrendatários.
De janeiro a março de 2024
Já no primeiro trimestre de 2024, o Sirad-I registrou uma redução de 75,14% no desmatamento das áreas monitoradas em relação ao mesmo período do ano anterior. Segundo o relatório, a redução evidencia a retomada da proteção destes territórios, com diversas operações para retirada de invasores, como foi o caso da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau.
A Terra Indígena Zoró, localizada no limite entre os estados do Mato Grosso e de Rondônia, junto às TIs Sete de Setembro, Roosevelt e Parque Indígena do Aripuanã, compõe o chamado Corredor Etnoambiental Tupi Mondé, uma das últimas áreas de floresta remanescentes entre ambos os estados em que está situada.
Com o aumento nos alertas em 2023, os três primeiros meses de 2024 confirmaram os indícios de invasão no território. Foram aproximadamente 13 mil árvores derrubadas apenas nos primeiros três meses do ano, sendo mais de 40% em consequência do garimpo ilegal.
A atuação de garimpeiros já vinha sendo denunciada pela Associação do Povo Indígena Zoró (Apiz) desde dezembro de 2023. Em abril de 2024, houve novas denúncias de ataques aos indígenas por madeireiros.
Segundo o indigenista Elis Bigio, são recorrentes os relatos da presença de isolados na Terra Indígenas Zoró. “Neste ano, tivemos mais notícias de isolados na região norte, que coincide com a maior pressão de garimpo e de exploração na Terra Indígena”, afirmou o indigenista. “É a vida dos indígenas que está em risco”, denunciou.
Sobrevôo sobre a Terra Indígena Piripikura, que sofre invasão ilegal de grileiros, madeireiros e criadores de gado|Rogério Assis/ISA
A Terra Indígena Piripkura, área com registro confirmado de indígenas isolados no oeste do Mato Grosso, aguarda há quase 40 anos pela regularização.
Enquanto não é definitivamente assegurada, a terra habitada pelo povo Piripkura aprofunda seu trágico histórico de invasões e desmatamentos ilegais, como aponta o indigenista Elias Bigio, “isso implica nesse esbulho do patrimônio indígena, implica nessa ilegalidade da exploração lá, principalmente minério e madeira, tem também fazendas de gado instaladas. No entanto, o risco maior é para os povos indígenas, para os Piripkura que já foram quase exterminados”, afirma.
No último ano, após pressão das organizações indígenas e instituições da sociedade civil, a Portaria de Restrição de Uso foi reestabelecida pela presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, até a homologação da TI. A medida visa proteger a área e sua população enquanto o processo de regularização não chega ao fim.
Nem mesmo a operação realizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 2021, foi suficiente para barrar a ação dos invasores. Em 2023, a Terra Indígena Piripkura seguiu sendo invadida e se tornou também alvo de queimadas, utilizadas para limpeza do solo. Segundo o boletim anual, mais de 60% do total da área queimada em 2023 corresponde a um desmatamento registrado em 2021.
Entre 2020 e 2021, as ocupações ilegais causaram o desflorestamento de quase 2,5 mil hectares, tornando a TI responsável por 30% de todo o desmatamento registrado no histórico completo de alertas do Sirad-I, que abrange de 2020 a 2024.
A Terra Indígena Araribóia, localizada no Maranhão, registrou 147,12 hectares de desmatamento ilegal em 2023, com 68% dos registros situados apenas no último quadrimestre do ano. Além disso, as queimadas aumentaram quase quatro vezes em 2023.
Já em 2024, a Terra Indígena registrou, apenas nos três primeiros meses do ano, um total de 10,78 hectares de desmatamento, o que representa um aumento de quase 100% em relação ao mesmo período do ano anterior. Apesar dos registros terem sido feitos em oito áreas contíguas às aldeias, apenas 3,20 hectares puderam ser caracterizados como área de uso tradicional.
Na Terra Indígena Alto Turiaçu, a maior terra do Maranhão e parte da Amazônia Legal, o monitoramento identificou a derrubada de mais de 20 mil árvores, sendo mais de 50% do desmatamento associado a queimadas. Além disso, o boletim anual também apontou no último quadrimestre do ano um aumento de 200% na incidência de focos de calor, que resultaram na queimada de uma área total de 4.329,62 hectares. Em 2022, não houve registros de queimadas.
Diante deste cenário, em dezembro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) autorizou o emprego da Força Nacional de Segurança na TI como forma de barrar as constantes invasões ao território. Após a ação, em 2024, a região apresentou um baixo desmatamento, em sua maior parte associado ao uso tradicional do território.
Na Terra Indígena Mundurucu, área com um longo histórico de invasões e de garimpo ilegal , em 2023 foram registrados 138 hectares de desmatamento. O número equivale a quase 80 mil árvores derrubadas, sendo 90% deste total ligado diretamente aos garimpos ilegais que recortam o nordeste da TI.
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Lideranças indígenas denunciam garimpo ilegal em Genebra
Representantes de aliança dos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku irão falar na 17ª sessão do Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP)
Doto Takak Ire, liderança Kayapó da Terra Indígena Menkragnoti e presidente do Instituto Kabu e Júlio Ye’kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye'kwana (SEDUUME), da Terra Indígena Yanomami, irão discursar na plenária principal nas manhãs dos dias 8 e 9 de julho, durante as discussões dos Itens 3 e 5 da programação, respectivamente.
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Doto Takak Ire, liderança da Terra Indígena Menkragnoti|Fred Mauro/Terra Floresta Filmes/ISA
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Julio Ye'kwana, liderança da Terra Indígena Yanomami|Adriana Duarte/ISA
No dia 10 de julho, às 15h local, acontece o evento paralelo “Povos Indígenas contra o garimpo de ouro na Amazônia brasileira”, organizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA), com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Instituto Iepé, Rainforest Foundation Norway e Instituto Raça e Igualdade.
A abertura será feita por Todd Howland, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e contará com a participação das lideranças Kayapó e Ye’kwana, de Manoela Pessoa De Miranda, do Secretariado da Convenção de Minamata e de Anexa Alfred Cunningham, do EMRIP.
Em 2023, a exploração ilegal de ouro em Terras Indígenas na Amazônia brasileira resultou no desmatamento diário de uma área equivalente a quatro campos de futebol. Nas terras dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami se concentram 95% dos garimpos ilegais, totalizando 26,7 mil hectares destruídos até meados de 2024.
Suíça e Canadá são os principais importadores de ouro do Brasil. Em 2022, lideranças indígenas pediram que refinarias suíças se comprometessem a não comprar ouro de Terras Indígenas, porém, a falta de mecanismos de rastreamento eficientes prejudicam a fiscalização.
Apesar da mudança de governo no Brasil, a conjuntura política ainda é desfavorável devido ao avanço de pautas anti-indígenas no Congresso Nacional. Enquanto isso, a vida e a saúde dos indígenas seguem em risco, afetadas por invasões garimpeiras – muitas vezes ligadas ao narcotráfico e facções criminosas –, que resultam em violência, disseminação de doenças, contaminação dos rios e prejuízo às atividades de subsistência.
Pesquisas em comunidades Yanomami e Munduruku mostram altos índices de contaminação por mercúrio, indicando risco de mal de Minamata – doença neurológica causada pela intoxicação por mercúrio severa. Em 2023, foi decretada crise sanitária na TI Yanomami, mas os casos de malária e desnutrição infantil continuam alarmantes, exigindo ações estruturantes para a saúde indígena.
Recomendações ao governo brasileiro
Em Genebra, as lideranças Kayapó e Ye’kwana irão solicitar que os Relatores Especiais e outros Procedimentos Especiais da ONU se comprometam com a defesa dos direitos dos povos indígenas e façam recomendações ao governo brasileiro.
Concluir em caráter emergencial a desintrusão da TI Yanomami e implementar a desintrusão das TIs Munduruku e Kayapó;
Apresentar planos de proteção territorial permanentes para todos os territórios, que incluam: (i) implementação e/ou recuperação de bases de proteção territorial; (ii) controle efetivo do espaço aéreo; (iii) monitoramento remoto regular do desmatamento dentro das Terras Indígenas, com resposta rápida dos órgãos de comando e controle diante de novos alertas; (iv) formação de agentes indígenas para contribuir com a proteção territorial; (v) promoção de patrulhas regulares nas zonas sob pressão; (vi) garantia da segurança das lideranças e organizações indígenas ameaçadas por garimpeiros.
Garantir a expansão das pesquisas sobre contaminação mercurial nas pessoas e nos peixes que consumimos; a célere elaboração de um plano de acompanhamento e tratamento das pessoas contaminadas; e de um plano de descontaminação dos rios;
Desenvolver e implementar mecanismos para aprimorar a transparência e o controle da cadeia produtiva do ouro, tanto dentro do território nacional quanto nos destinos das exportações;
Controlar a comercialização ilegal do mercúrio, sobretudo nas fronteiras do país;
Controlar a comercialização de máquinas utilizadas no garimpo, como retroescavadeiras, e exigir que os fabricantes rastreiem o seu uso;
Concluir a demarcação da TI Sawre Muybu, do Povo Munduruku. Todos os processos de demarcação no Brasil foram severamente impactados pela Lei 14.701/2023. É urgente que o Supremo Tribunal Federal julgue a inconstitucionalidade desta lei; e
Garantir que não haja mineração em Terras Indígenas no Brasil, nem qualquer outro tipo de exploração que afete a salvaguarda dos biomas que nós povos indígenas sempre fizemos. Não queremos substituir o garimpo pela mineração, mas sim o garimpo pela floresta saudável.
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A relevância do Brasil no combate às mudanças climáticas e na proteção de defensores ambientais
Ciro de Souza Brito, analista de políticas climáticas do ISA, aponta caminhos para a real operação de uma agenda de justiça climática
Ciro de Souza Brito
- Analista de Políticas de Clima do ISA
Proteção a Terras indígenas, territórios quilombolas e Unidades de Conservação é essencial para agenda climática brasileira. Na foto, vista aérea da comunidade indígena Gaviao 2, no Amazonas|Bruno Kelly/Amazônia Real
O dia 13 de abril, agora, passará a ser lembrado como a data em que uma grande defensora de direitos ambientais nos deixou. Osvalinda Alves, agricultora familiar que teve a vida marcada pela defesa ambiental e o enfrentamento das ameaças e perigos dela decorrentes, foi a primeira brasileira a receber o prêmio Edelstam, na Suécia, em 2020, em reconhecimento do seu trabalho de defesa da Amazônia. Ela reivindicava direitos territoriais e denunciava a extração ilegal de madeira da floresta. Morreu por complicações pulmonares, no Pará, no último sábado (13).
A Amazônia, região de origem e atuação de Osvalinda, é o bioma que historicamente mais tem emitido gases de efeito estufa (GEE). Em 2022, os Estados de Mato Grosso (17,3% do total) e Pará (15,6%) – parte da Amazônia Oriental - aparecem como os principais emissores brutos, seguidos de Minas Gerais, Rondônia – estado também pertencente ao bioma amazônico - e São Paulo.
Vale lembrar que o perfil de emissões de gases de efeito estufa no Brasil tem, no topo do ranking, os setores de “mudança de uso da terra e floresta” e “agropecuária”, que em 2022 foram responsáveis por aproximadamente 75% do total das emissões de GEE (SEEG, 2023).
O principal fator de emissões do setor “mudança do uso da terra e floresta” é o desmatamento. E do total das emissões brutas oriundas do desmatamento em 2022, 75% são provenientes da Amazônia.
No setor de “agropecuária” são contabilizadas as emissões provenientes da digestão realizada pelos rebanhos de animais ruminantes - o popular “arroto” do boi -, do tratamento e da disposição que os dejetos desses animais recebem, entre outros. Do total de emissões do setor, a agricultura representou 20%, e a pecuária 80%. A principal causa do aumento nas emissões foi, assim como em 2021, o crescimento do rebanho bovino.
Estudos apontam que, apesar de já ocupar mais de 80% das áreas desmatadas na Amazônia com uma produtividade baixíssima, a pecuária ainda pode levar à derrubada de mais de 3 milhões de hectares entre 2023 e 2025, caso não sejam adotadas medidas mais efetivas de fiscalização, como a rastreabilidade de todos os animais desde o nascimento.
Entre 2021 e 2022, mais de 100 mil hectares de florestas da Amazônia foram explorados ilegalmente para a extração de madeira. Uma área maior que a de Belém, cidade sede da COP 30. Mais de 25% (25,6%) da ilegalidade se concentrou em Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
É cada vez mais evidente a correlação entre o papel de defensores ambientais, povos indígenas e comunidades tradicionais e a luta contra a emergência climática. Mais de 150 organizações nacionais e internacionais reforçaram essa correlação em carta enviada no final de março a ministros do Governo Federal e a membros do Poder Legislativo solicitando a aceleração da aprovação do Acordo de Escazú no Congresso Nacional. Esse é o primeiro acordo ambiental do mundo com obrigações específicas de proteção de defensores ambientais. Nele são incluídos direitos como os de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais, cuja efetivação é fundamental para a garantia de uma governança ambiental e climática transparente, participativa e inclusiva.
Em um trecho da referida carta, as organizações afirmam: "Considerando ainda o tamanho e influência do Brasil, o contexto de sua liderança no âmbito de diálogos do G-20, do BRICs, da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e de outros agrupamentos de países, bem como o papel-chave das florestas do país na mitigação das mudanças climáticas e a relevância do trabalho dos defensores ambientais em sua proteção, ratificar o acordo enviará uma mensagem contundente à comunidade internacional de que o governo está envidando os esforços necessários para responder à tripla crise planetária (crise climática, da perda da biodiversidade e da poluição) e poderia influenciar positivamente a agenda de transição para uma economia ambiental e socialmente sustentável e justa. A ratificação do Acordo de Escazú deveria ser prioridade do governo rumo à COP 30, em Belém, em 2025".
O objetivo da referida consulta é, fundamentalmente, esclarecer o alcance e o conteúdo das obrigações de efetivação e proteção de direitos humanos que os Estados têm diante da situação de emergência climática.
As audiências brasileiras serão promovidas na capital federal e na Amazônia, em Manaus. Desde fevereiro, contudo, já se conhece a posição oficial do Brasil a respeito do tema. Num documento de 42 páginas apresentado pelo país, verifica-se a construção de uma sofisticada relação entre direito internacional ambiental e climático e dois posicionamentos importantes.
Primeiro, o país pontuou a importância do princípio de não discriminação, especialmente para grupos vulneráveis afetados pela emergência climática, como defensores ambientais, povos indígenas e população negra das periferias. E, em segundo lugar, o governo brasileiro inovou ao defender que o direito humano ao clima equilibrado é um componente integrante do direito humano ao meio ambiente saudável.
Nesse contexto, há grandes desafios legais e operacionais pela frente. Atingir a meta de desmatamento zero em 2030, fundamental no combate às mudanças climáticas, deve considerar como prioridade garantir a integridade e segurança territorial dessas comunidades e de seus representantes, defensores de direitos ambientais como Osvalinda.
Esse é um fator imprescindível para a reprodução dos modos de vida de agricultores familiares e comunidades tradicionais. Afinal, são nessas áreas que essas populações desenvolvem seus conhecimentos, culturas, soberania alimentar, inovações e as economias da sociobiodiversidade - realizadas em sistemas de manejo de baixa escala, com baixo impacto ambiental e alta variedade de espécies nativas e conhecimentos sobre a biodiversidade local. Mais do que produtos, são economias do conhecimento, que produzem inovação e manutenção dos serviços ecossistêmicos.
Priorizar essas ações é operar uma real agenda de justiça climática, ou seja, de promoção da integração de direitos, da segurança territorial e das economias da sociobiodiversidade.
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ATL 2024: Lideranças Kayapó, Yanomami e Munduruku pedem fim do garimpo ilegal
Agendas com autoridades e debates concentraram-se em denunciar os impactos da atividade ilegal nas Terras Indígenas
Integrantes da Aliança em Defesa dos Territórios, formada em 2021 pelos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku – que estão entre os mais afetados pelo garimpo ilegal no País –, discutiram, em atividades durante o 20° Acampamento Terra Livre (ATL) e em agendas com representantes de órgãos oficiais em Brasília, os trágicos impactos da atividade nos territórios e pediram providências para o problema.
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Da esquerda à direita: Dario Kopenawa, Cacique Juarez Saw Munduruku e Cacique Bepdjo Mekragnotire, lideranças de povos afetados pelo garimpo|Marina Terra/ISA
Durante o acampamento Luta pela Vida, realizado em agosto de 2021, em Brasília, líderes dos três povos se uniram para lançar uma Carta Manifesto contra o garimpo ilegal. Dessa reunião, surgiu a proposta de formar a Aliança em Defesa dos Territórios.
Na quarta-feira (24/04), os indígenas estiveram em uma audiência pública no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e em uma reunião com a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, onde fizeram relatos de violações de direitos humanos nas Terras Indígenas (TIs).
No encontro no CNJ, autoridades do Judiciário escutaram as denúncias das lideranças em meio às preocupações do movimento indígena com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que propôs uma mesa de conciliação para discutir a Lei n° 14.701/2023, que viola diversos direitos indígenas previstos na Constituição Federal.
Em sua fala, o diretor da Hutukara Associação Yanomami, Maurício Ye'kwana, ressaltou a violência que o garimpo provoca contra a população indígena, em especial as mulheres e crianças.
Já na reunião com a presidenta da Funai, uma das principais reivindicações dos Munduruku foi por maior apoio da entidade para ações de proteção nos territórios, além da retomada das atividades produtivas e melhorias na estrutura das Coordenações Regionais para poder combater o garimpo.
Joenia Wapichana respondeu que há anos a Funai não tem orçamento para a reforma das CRs, mas que estão buscando apoio por meio de cooperações. No País, há 39 CRs ligadas à Funai, cuja função é coordenar e monitorar a implementação de ações de proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas em todo o país.
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Reunião entre lideranças da Aliança e a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, aconteceu em meio ao ATL 2024|Evilene Paixão/Hutukara Associação Yanomami
Há um mês, integrantes da Aliança fizeram uma audiência em Brasília com Paulo Teixeira, coordenador-geral de desintrusão do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Carolina Bastos, da Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro/MPI), Ronaldo de Almeida Neto, da Defensoria Pública da União (DPU) e representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na qual puderam apresentar suas denúncias e cobrar ações mais efetivas.
Após a reunião, a Aliança elaborou uma carta direcionada às autoridades e que pautou as reuniões durante o ATL.
Aliança em Defesa dos Territórios no ATL 2024
Nesta quinta-feira (25/04), uma roda de conversa aconteceu em uma das tendas do ATL, unindo lideranças dos três povos e representantes da DPU.
“Não é mais garimpo como nos anos 1980. Agora é controlado por facções [criminosas]”, alertou Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara, no ATL. Segundo a liderança, a presença do crime organizado deveria incentivar o Estado a agir de forma mais enérgica e estratégica. “Precisamos culpar os responsáveis. E essa responsabilidade é do governo”, sublinhou.
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“Não é mais garimpo como nos anos 1980, agora é controlado por facções”, alertou Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara|Lucas Landau/ISA
A participação de facções em atividades ilegais como o garimpo cresceu nos últimos anos, sobretudo durante o período do governo Bolsonaro, quando a atuação dos órgãos de proteção nos territórios foi praticamente nula. Relatórios sigilosos obtidos pela Agência Pública revelaram que houve falta de apoio das autoridades para combater o problema na TI Yanomami.
Há dois anos, o relatório Yanomami Sob Ataque, lançado pela Hutukara com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), trouxe relatos dos crimes cometidos nos territórios, como ataques a tiros a comunidades, além de apontar que integrantes de facções atuavam como seguranças privados do garimpo.
Em 2021, a comunidade Maikohipi, na região de Palimiú, resistiu por meses a sucessivas agressões de garimpeiros que estariam igualmente ligados a uma facção criminosa. O uso de armamentos pesados, como fuzis e metralhadoras, revelou uma mudança no perfil dos invasores.
Ano passado, a aliança lançou o relatório Terra Rasgada, que revelou um crescimento de 495% da área ocupada pelo garimpo nas TIs, entre 2010 e 2020. O dossiê explica os mecanismos que promovem o avanço do garimpo ilegal, altamente mecanizado e capitalizado, e reforça a necessidade de uma articulação interinstitucional para garantir a efetividade das ações contra a atividade.
A aliança também estreou, em 2023, o filme Escute: a terra foi rasgada, gravado em áreas dos três povos. A produção destaca a força e a beleza de sua cultura e do cotidiano, ao mesmo tempo em que aborda os impactos do garimpo ilegal em seus territórios.
Divergências nas aldeias e contaminação por mercúrio
Bepdjo Mekragnotire, cacique da aldeia Baú, que fica na TI Baú, no Pará – uma das nove áreas do povo Kayapó –, relatou que o assédio de garimpeiros também leva a conflitos nas comunidades, pois parte dos indígenas é convencida a se juntar à atividade ilegal.
“A gente sabe que o branco engana a gente. Todos nós, indígenas, precisamos lutar juntos para nos defender. Se a gente não lutar junto, a luta vai enfraquecendo”, assinalou.
Juarez Saw Munduruku, cacique da aldeia Sawré Muybu, na TI Sawré Muybu, no Pará, trouxe a preocupação com os impactos na saúde pela contaminação por mercúrio, provocada pelo uso do metal tóxico no garimpo de ouro. “Estamos vendo as crianças nascerem com deficiência e as mulheres não têm os filhos no tempo certo. O mercúrio não deixa as crianças crescerem na barriga da mãe”, alertou.
Atualmente, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desenvolve um estudo junto aos Munduruku para verificar se as mulheres grávidas estão sendo afetadas pelo mercúrio usado no garimpo ilegal.
Ele lembrou que, nos últimos anos, estudos feitos em parceria com a Fiocruz demonstraram altos índices de mercúrio no corpo dos Munduruku, o que gera a malformação de bebês e graves problemas de saúde, em sua maioria permanentes. “Quando a pessoa adoece por causa do metal, não tem cura. O nível de mercúrio está aumentando no nosso sangue”, denunciou.
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Cacique Juarez Saw Munduruku se manifesta contra as invasões aos territórios indígenas durante marcha no ATL 2024|Lucas Landau/ISA
Segundo especialistas da Fundação, a contaminação por mercúrio ocorre essencialmente pelo consumo de peixe. Com o fluxo dos rios e a movimentação dos peixes para além dos limites das TIs, lembrou o cacique Munduruku, pessoas não indígenas também ficam expostas ao risco de consumir pescado envenenado e adoecerem. “O não indígena também está contaminado com o mercúrio. Garimpo ilegal não é bom pra ninguém”, pontuou.
Estudo da Fiocruz, ISA, UFOPA, Greenpeace Brasil, Iepé e WWF-Brasil, lançado em 2023 e realizado nos principais centros urbanos da Amazônia, abrangendo seis estados e 17 municípios amazônicos, mostrou que peixes de todos eles apresentaram níveis de contaminação acima do limite aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os piores índices estão em Roraima, com 40%.
Fiocruz e ISA lançaram recentemente uma pesquisa que registrou a presença de mercúrio em todos os Yanomami de nove aldeias assediadas pelo garimpo, na região do Alto Rio Mucajaí, na Terra Indígena Yanomami. Os pesquisadores identificaram o metal em amostras de fio de cabelo de cerca de 300 pessoas analisadas, incluindo crianças e idosos.
"A mineração não traz benefícios para as populações indígenas, nem para os brancos. Traz morte. Essa é a realidade" reforçou Dario Kopenawa.
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